Linguagem e cognição na primeira infância

Linguagem e Subjetividade

Linguagem e cognição na primeira infância

02/2018

Linguagem e cognição na primeira infância

Anangélica Moraes Gomes*

A fala é a linguagem específica dos humanos, um ganho evolutivo e uma construção sociocultural, associada a modificações do corpo e do cérebro que conferem uma capacidade adaptativa impar em qualquer outra espécie. Além do amplamente reconhecido papel na comunicação externa, interpessoal, social e na transmissão de conhecimento, a linguagem tem a função de comunicação interna que é a responsável pela atividade cognitiva (atividade intelectual como instrumento de codificar e decodificar experiências) e pelo comportamento (regulação e organização dos processos mentais que o produzem).

Coordenando a atividade mental a linguagem dá origem a formas qualitativamente novas de operação cerebral: pensamos por palavras/conceitos, organizando dentro da lógica verbal o nosso mundo de representações mentais. É tomando como suporte este mundo mental que acontece a cognição, ou seja, a decodificação do meio circundante, seus eventos, seus fenômenos, seus objetos.

A aquisição da linguagem resulta da interação entre o cérebro e o ambiente numa relação mediada por outro indivíduo, que apresenta o mundo dos estímulos do real significativos culturalmente, ressaltando-os quando os sinaliza para a criança, através do apontar e/ou nomear. Dirigindo o foco da atividade mental da criança para um conjunto determinado de estímulos, este “outro da cultura” organiza o comportamento da criança socialmente.

A partir dos três meses de idade, bebês já apresentam capacidade comunicativa no sentido de decodificar sinais significativos da linguagem impressiva. A “janela de oportunidade” (período crítico) para a aquisição da linguagem se amplia a partir dos dois anos de vida (grande aumento de formação de sinapses) e começa a se estreitar por volta da puberdade (poda sináptica). A fala precisa se associar a significados e isto acontece de forma intensa entre o segundo e o terceiro anos de vida constituindo a base para formação de conceitos.

Durante o desenvolvimento a criança adquire inconscientemente informações linguísticas (prosódia e estruturas sintática e semântica) com aprendizagem aleatória pelo uso cotidiano das palavras. A primeira infância é um momento crucial para a construção de uma linguagem oral rica, que é um facilitador na aquisição da leitura e da escrita. O estágio de internalização da linguagem é um indicador do desenvolvimento cognitivo.

O domínio de um código simbólico que permite a abstração, a atividade cognitiva mediada por signos e organiza o pensamento verbal-lógico possibilita que a aquisição de informações, até então dependente da experiência concreta, possa se fazer também através da transmissão das experiências de todos os humanos.

O processo de análise e generalização que constitui a base do ato intelectual depende da estrutura lógica da fala. O significado das palavras é o instrumento fundamental do pensamento, a base das ideias, se desenvolve na infância e permite formas qualitativamente novas e superiores de atividade mental e comportamento.

Neste contexto ganha mais relevância a função da pré-escola que deve propiciar experiências que alimentem o currículo oculto necessário à alfabetização, principalmente para aquelas crianças com linguagem oral precária. A dificuldade na aquisição da leitura e da escrita é a ponta do iceberg da ausência de estimulação cognitiva adequada na primeira infância, que não permitiu a conquista de habilidades linguísticas e psicomotoras essenciais ao processo de letramento.

A orientação de pais para enfatizar a nomeação e cultivar o hábito da leitura desde a mais tenra idade deve ser considerada como estratégia na promoção da saúde.

*Médica graduada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Gestora do projeto “Ecologia do Corpo” de aprimoramento humano nas áreas de saúde, educação, desenvolvimento cognitivo e aprendizagem. Autora do livro “A Criança em Desenvolvimento: Cérebro, Cognição e Comportamento”, Editora Revinter, 2005. Integrante do grupo de pesquisa: Alfabetização e Seus Avatares/PUC-SP. Email: ecologiadocorpo@gmail.com.

 

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