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com Células Tronco
  
Potencialidade e implicações éticas da pesquisa com Células Tronco
Colocação feita no Simpósio "Células Tronco: Potencialidades, Implicações Éticas e Perspectivas na Área da Saúde", em 13 de agosto de 2010
Vando Valentini
Vando Valentini é coordenador da Pastoral Universitária da PUC-SP e do Núcleo Fé e Cultura da mesma universidade .


Agradeço à organização deste encontro e a todos aqui presentes pela oportunidade de estar aqui participando desta reflexão.
Gostaria de iniciar minha apresentação por uma questão que aparentemente vem antes da pesquisa científica, mas na verdade está no seu coração, pois em todo momento a sustenta e a justifica.

O sociólogo Karl Mannheim considerava que "hoje em dia um pesquisador poderia dizer com Nietzsche: Esqueci por que comecei" (in Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar Editora,1982). Pois bem, meu ponto de partida é lembrar que na origem de toda a investigação científica está uma dramática e apaixonada opção pelo homem, pela pessoa humana. Não de um homem abstrato, mas do homem concreto, aquele que – imerso em nossa sociedade – vive, sofre e deseja. Em última instância, aquele ser humano que sou eu, que é cada um de vocês, a pessoa de cada um de nós.

Mas o que um padre tem a dizer sobre estas questões num evento que é eminentemente laico (e que todos nós concordamos que assim deve permanecer)? Neste contexto, um padre traz a experiência histórica de seu povo, do povo cristão, que ao longo dos séculos enfrentou estas questões que são de todos os seres humanos. E este povo viu que sempre que se esquecia da centralidade da pessoa humana, das necessidades e dos desejos mais profundos de seu coração, o resultado final não construía o bem comum. E não fazia diferença se este esquecimento nascia de uma visão ofuscada pela vontade de poder e grandeza, ou pela própria urgência de se fazer o bem em uma situação emergencial: o bem comum não se constrói sem o respeito absoluto à dignidade da pessoa humana.

Nosso objeto de pesquisa não é uma pedra, não é só natureza sem vida ou com vida: é o homem concreto. A palavra que resume toda a luta entre o reconhecimento ou o desrespeito por esta centralidade da pessoa humana, que explica profundamente e dramaticamente o que estamos fazendo aqui, é uma palavra, se me permitem a caracterização, humaníssima: a palavra amor. A ciência nasce do amor ao conhecimento, mas este amor é amor à realidade e – sobretudo – à pessoa humana. Este é o início que nós, ofuscados e, às vezes, até prisioneiros de nosso próprio poder, tendemos a esquecer, como alertava Mannheim.

Na minha história eu encontrei um homem que morreu por amor ao homem, isso definiu a minha vida e a vida de muitos outros ao longo da História. Toda a nossa cultura ocidental, sem desrespeitar todas as outras suas raízes, tem na sua origem a consciência da dignidade da pessoa humana que nasceu deste gesto de amor que vai até o sacrifício de si pelo bem do outro. É esta experiência religiosa que fundamenta uma concepção de razão e de ciência que nos lançam na vanguarda da pesquisa científica e tecnológica. Estamos aqui porque queremos a nossa felicidade e a de cada homem. Dizer isso é terrivelmente dramático, pois abre uma ferida no nosso coração: não somos capazes de resolver todos os problemas, nos lançamos nesta aventura de buscar uma resposta, mas somos conscientes de nossos limites e da desproporção diante da grandeza apaixonante do desafio que temos na nossa frente. Queremos enfrentar este desafio, mas não seria justo e razoável — estou falando aqui de um conceito muito abrangente de razão — fazer isso esquecendo nossa desproporção e o nosso amor apaixonado pelo homem, sobretudo pelo doente.

Depois dessa introdução fundamental, gostaria de enfrentar um segundo nível do tema que é objeto de nosso estudo. Não pesquiso biologia ou medicina, e não quero e nem poderia discutir com vocês aspectos técnico-cientifícos. Minha contribuição, portanto, só pode ser de tipo ético. Para isso gostaria de levantar uma série de questões éticas que nascem no horizonte da pesquisa de que estamos falando.

A dignidade da pessoa humana começa antes mesmo de seu nascimento.

Do ponto de vista ético, a primeira observação é essencial e básica: o valor absoluto de cada vida humana e à indisponibilidade para o uso utilitário da vida de qualquer ser humano.
Já em 1827, Karl Ernst Von Baer demonstrou que um novo ser vivo se forma no momento da fecundação. A compreensão definitiva deste fato veio com a genética mendeliana, que mostrou que – em toda reprodução sexuada – os genes dos progenitores se unem para formar um novo genoma, que não existia antes, e que codificará obrigatoriamente um organismo diferente dos anteriores, mesmo que permaneça oculto e protegido no corpo materno.

A pergunta importante é: quando este novo organismo pode ser considerado pessoa, isto é, um ser dotado de direitos na sociedade humana? Esta não é uma pergunta confessional para o Catolicismo, pois a posição da Igreja se ampara nos conhecimentos científicos disponíveis. De fato o que ocorre é que a Igreja propõe que a dignidade da pessoa deve ser a mais universal possível, não podendo ser limitada por nenhum critério arbitrário — como seria a formação do tubo neural, ou um dado número de dias após a fecundação, etc. E quanto mais a embriologia humana e as técnicas de tratamento pré-natal evoluem, mais constatamos como o desenvolvimento humano é um processo gradual e como é possível manter a vida e o desenvolvimento deste embrião até mesmo independentemente do corpo materno. É isso que leva a Igreja Católica a defender incondicionalmente o embrião desde a fecundação, quando o novo organismo humano se forma, pois, a exigência de universalização da dignidade da pessoa humana é um valor defendido inclusive pela sociedade laica.

Nesta perspectiva vem à tona uma situação bastante dramática: os embriões congelados, produzidos nas clínicas de reprodução assistida. Diante disso a Igreja Católica não se deu conta, num primeiro momento, do enorme drama que se escondia nesta grande quantidade de vidas humanas em suspensão. Sem dúvida, a solução para este problema passa por um controle mais rigoroso das clínicas de reprodução assistida, evitando a produção de embriões excedentes e favorecendo a possibilidade de adoção de embriões congelados.

Parece-me que seja este o ponto em que começa a se colocar o problema ético da pesquisa com células-tronco. Se, de fato, não houvesse essa quantidade de embriões humanos congelados, os caminhos da ciência teriam sido diferentes e, provavelmente, eticamente menos conflituosos. Aqui nasce uma nova questão: a pesquisa com embriões humanos congelados é necessária? Ou a ciência poderia seguir outro caminho?

Os avanços da pesquisa científica obtidos com células-tronco

Nestes últimos anos este problema já foi colocado muitas vezes. A pesquisa com células-tronco vindas de tecidos adultos, que não são retiradas de embriões humanos, têm avançado bastante, com a proposição de várias terapias realizadas com o uso destas células-tronco não embrionárias. Contudo, as células-tronco embrionárias não apresentaram resultados tão promissores. E isso não tanto por causa dos obstáculos à pesquisa, mas sim por suas características biológicas, que as tornam muito mais instáveis e passíveis de induzir processos cancerígenos.

Nos últimos três anos, a novidade neste campo foi a descoberta de técnicas que permitem que células adultas possam adquirir características de célula-tronco embrionária – as Células Pluripotentes Induzidas (em Amabile e Meissner, TMM, 15,2009:65). Estas células podem ser usadas, por exemplo, para autotransplante e para testar remédios para se obter um tratamento Personalizado. A pesquisa desenvolveu células de pele, rim e retina que se transformaram em células com características de células embrionárias, isto é, em Células Pluripotentes Induzidas. Pesquisadores norte-americanos conseguem transformar células de portador de esclerose amiotrófica lateral em Células Tronco Pluiripotentes Induzidas (iPS) e, em seguida, em neurônios motores (JT Dimos e cols. Sciencexpress, 31 de julho de 2008).

As mais recentes descobertas científicas em pesquisas com Células Tronco apontam também para as Células Tronco Mesenquimais — isto é, principalmente de origem de tecidos adiposos — como foi amplamente demonstrado pelas pesquisas apresentadas neste simpósio.

Assim, pode-se afirmar que a pesquisa com células-tronco mostrou, com os anos, a formidável capacidade que a ciência tem de encontrar caminhos novos e inesperados e, por outro lado, como é perigoso e faccioso insistir num único caminho e numa única proposta. Além disto, existe um grande número de pesquisas em que foram utilizadas células-tronco embrionárias não humanas. Diante disso tudo, é legitimo colocar-se, por exemplo, a pergunta: não seria melhor investir mais na pesquisa com outro tipo de células-tronco — como as originadas por embriões não-humanos ou as Células iPS ou até as Mesenquimais — ao invés de se insistir na pesquisa com células humanas? Este caminho, mesmo que um pouco mais longo, evitaria o surgimento de nosso dilema ético.

Conclusão

Concluindo, poderíamos dizer que qualquer estudioso de história da ciência sabe que:

(a) sempre existem muitos caminhos sendo trilhados para se chegar à solução de um problema,
(b) a quantidade de recursos investidos num caminho tende a torná-lo mais curto,
(c) as soluções definitivas são freqüentemente inesperadas.

Assim sendo, até que ponto a insistência em um determinado tipo de pesquisa com células-tronco representaria uma necessidade real para o avanço da medicina? Não estaríamos diante do perigo de um cientificismo prepotente, que coloca os interesses e desejos de parte da comunidade científica acima do reconhecimento da dignidade da pessoa humana?

Quero terminar dizendo que a Igreja não é contra a pesquisa com células-tronco, aceita inclusive a pesquisa com células-tronco embrionárias animais. Mas ela espera que os cientistas, movidos pela prudência e pelo respeito à dignidade da pessoa humana, independentemente da lei, procurem caminhos de pesquisa que permitam o avanço da medicina e a utilização dos conhecimentos que vem sendo adquiridos sem o polêmico uso de embriões humanos nas pesquisas.

 
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