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A humanidade da fé
Massimo Camisasca
 

*Padre Massimo Camisasca foi responsável diocesano dos Jovens da Ação Católica em Milão, durante o período das contestações de 1968, e membro do movimento eclesial Comunhão e Libertação. Ordenado padre, foi professor de filosofia na Universidade Católica de Milão e na Pontifícia Universidade de Latrão. Em 1985 fundou a Fraternidade Sacerdotal de São Carlos Borromeu, hoje presente em 16 países. Foi vice-presidente do Instituto João Paulo II para Estudos do Matrimônio e da Família e atualmente é consultor da Congregação para o clero.

“No início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, com isso, a direção decisiva” (Bento XVI, Deus caritas est)

No dia 25 de janeiro, foi publicada a primeira encíclica de Bento XVI. Dividida em duas partes. A primeira, sobre a essência do amor: “A unidade do amor na criação e na história da salvação”. A segunda, sobre a caridade eclesial:
“O exercício do amor por parte da Igreja. Como comunidade de amor”.

A primeira encíclica de um Papa, pelo menos nos anos mais próximos a nós, sempre teve conteúdo programático. De um modo ou de outro, trazem uma leitura do estado da Igreja e do mundo na época e um programa de ação para o futuro. Bento XVI quis mudar as coisas. Pelo menos, é isso que parece ao lançar como primeira, uma encíclica sobre a caridade. De que modo a caridade seria um programa? Em que sentido faria referência aos homens de todo o mundo contemporâneo? Tentemos encontrar com profundidade as intenções do Papa e descobriremos que, na verdade, lá onde parece não deter-se em uma análise do tempo presente, detém-se, encontra a sua necessidade mais profunda: a reconciliação entre os desejos do homem e o amor, que parecem hoje irremediavelmente separados um do outro. Anders Nygren, em um livro de 193, meritoriamente famoso, escreveu que não há possibilidade de encontro entre o ágape cristão (ágape é o termo grego com o qual São Paulo e São João chamaram o amor de Deus) e o eros grego (eros, em contrapartida, é o termo platônico que descreve o amor como atração, sobretudo entre pessoas).

O desejo

Colocavam-se, assim, as premissas de uma separação entre a vida, feita de desejos infinitos, e Deus que, segundo Nygren, queria reinar sobre a morte dos nossos desejos. Isto é o cristianismo? É isto o que a Igreja quer para seus filhos e para os homens da terra? A encíclica parte exatamente daí, invertendo a hipótese de Nygren, que já tinha invadido o mundo ocidental desde o final da Idade Média com o doce estilo novo e o seu amor angelical, o seu amor “distante”. “Desejo” é uma palavra cara a Joseph Ratzinger. Isto se revela naqueles pólos para os quais ele está mais atento: os Padres de Igreja, em particular Agostinho, e os problemas do homem contemporâneo. Agostinho fez do desejo um dos fios condutores de sua filosofia e teologia. E não poderia ser diferente. Ele sentiu como poucos vibrar em si todos os extremos de cada desejo humano e desenvolveu todo o seu caminho de busca de verdade e de bem como ansiosa e inquieta peregrinação em direção a um lugar, a um “tu” em quem pudesse encontrar resposta. O desejo, de fato, o eros, é amor enquanto sente em si a falta do amado: é o amor que quer possuir aquilo que lhe falta, que se coloca em caminho, que aceita a luta. “Foi a humanidade que abandonou a Igreja ou foi a Igreja que abandonou a humanidade?” perguntou-se Eliot em uma obra muito conhecida. Toda a encíclica do papa se desenvolve no âmbito desta pergunta. Não há dúvida que, em certa medida, seguindo Aristóteles por exemplo, a Idade Média cristã ocidental viveu um distanciamento entre eros e ágape, entre amor como desejo passional e amor como dom gratuito de si, ou caridade.

Eros e Ágape

Mas a Idade Média não foi só isso: basta pensar nos Padres orientais, nos grandes místicos como São Bernardo ou Guilherme de Saint Thierry, em São Francisco ou em poetas como Dante Alighieri. O Papa chega a afirmar que é mérito da revelação cristã, preparada no Antigo Testamento, ter rompido a distância entre eros e ágape e mostrado sua íntima necessidade recíproca. O centro da encíclica é, portanto, uma leitura da história da salvação, na mesma linguagem usada pelos profetas bíblicos, que se remete às dimensões constitutivas do amor. Eros é amor enquanto desejo passional de um bem que falta. Eros é propriamente um desejo que tende à união com este bem. Desde que Deus criou o homem, pode-se dizer que eros entrou em Deus. Ele sente em si a nostalgia do nosso retorno a Ele, brama com paixão a resposta do nosso amor. Basta pensar nas palavras do capítulo XV do Evangelho de Lucas: a ovelha perdida e o filho pródigo. Um amante deseja o amor da amada. Esta verdade revela-se ao homem progressivamente pela história da aliança entre Deus e o povo escolhido por Seu amor eletivo e total. A partir do profeta Oséias, a Bíblia nos apresenta o drama de amor entre Deus e o povo de Israel com imagens de intensidade perturbadora. O Cântico dos Cânticos, além disso, é o livro bíblico onde a natureza “erótica” do relacionamento entre Deus e a nova criatura encontra sua suprema expressão. Se o amor é entendido como eros e desejo de união com o amado, torna-se claro como só com a encarnação do Verbo se revela plenamente o eros de Deus pelo homem. Mas este eros é, ao mesmo tempo, ágape, dom de si, exatamente porque é um amor que desce em busca do amado e se sacrifica pelo homem até o dom supremo da vida. Diante de Cristo as palavras do Cântico sobre o mal e a morte do outro tornam-se compreensíveis: forte como a morte é o amor, tenaz como uma criatura do inferno é o ciúme.

Caridade, dom de si

É na Eucaristia – continua o papa – que de modo eminente contemplamos e descobrimos o mistério do eros-agape de Deus pelo homem. A imagem do entusiasmo de Deus por Israel torna-se uma realidade que, antes, era inimaginável. Graças ao dom que Deus faz de si, entramos em comunhão com seu corpo e seu sangue, somos unidos à sua vida. Aqui, mostra-se a familiaridade do papa Ratzinger com o mistério eucarístico, que se revela como a chave para a compreensão de todo o seu magistério atual. Entende-se, assim, como a autêntica caridade cristã, longe de contrapor-se ao eros, é, na verdade, o seu cumprimento. O homem (na comunhão cristã) experimenta sobre si o amor apaixonado de Deus por ele, e só por isso pode doar-se livremente ao próximo porque vê nele a imagem do “Amado”: Jesus Cristo. Assim termina a primeira parte da carta do papa.

A caridade em ação

A segunda parte, dedicada ao exercício da caridade pela Igreja, leva em consideração as estruturas caritativas nascidas nestes séculos dentro da comunidade eclesial, de modo especial a Caritas. Na sua intervenção na janela do Vaticano, em 18 de janeiro, o Papa – exatamente referindo-se à segunda parte da encíclica – afirmou que a Igreja “seja como Igreja, como comunidade ou como instituição, deve amar. E esta assim chamada “Caritas” não é simplesmente uma organização como outras organizações filantrópicas, mas uma necessária expressão do gesto mais profundo do amor pessoal com o qual Deus nos criou”.

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