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Um ano depois da lição magistral de Bento XVI em Reguensburgo
Zenit entrevista Dom Giampaolo Crepaldi

Zenit.org - ROMA, terça-feira, 18 de setembro de 2007

Dom Giampaolo Crepaldi
Dom Giampaolo Crepaldi é secretário do Conselho Pontifício Justiça e Paz.
 

Em 12 de setembro de 2006, no marco de sua viagem apostólica à Baviera, Bento XVI ministrou, na Sala da Universidade de Reguensburgo, a lição magistral titulada “Fé, Razão e Universidade”. “Lembranças e Reflexões”, que teve um impressionante eco na mídia.
Todos recordam as polêmicas que seguiram em ambientes muçulmanos. Passado um ano, acalmados os ânimos, aquele discurso se converteu em uma pedra angular nos ensinamentos do pontífice e na própria vida da Igreja.
Segundo Dom Giampaolo Crepaldi, “seu conteúdo intrínseco, muito além das interpretações forçadas, a densidade do pensamento pressuposto e expresso, fazem do mesmo um documento absolutamente imprescindível, denso de sugestões de grande abertura para a relação entre a fé cristã e a razão humana, entre a Igreja e o mundo, entre o cristianismo e as demais religiões”.
Para aprofundar na mensagem lançada pelo Papa naquela ocasião, Zenit pediu a Dom Crepaldi, que é também presidente do Observatório Internacional “Cardeal Van Thuân”, que comente aquele texto breve, mas ponderado

Em sua opinião, deve-se considerar a lição magistral de Reguensburgo como um fato novo no magistério deste Papa ou como a continuidade natural do que já disse antes?
Ambas as coisas. A lição de Reguensburgo é um texto de extraordinária eficácia e de grande valor, tanto teorético como comunicativo. Ao mesmo tempo, não faz senão voltar a propor, de forma especialmente incisiva, seus ensinamentos prévios, inclusive a encíclica Deus caritas est, e diria também muitos aspectos da teologia de Joseph Ratzinger, começando pelo conhecido livro “Introdução ao Cristianismo” de 1969, que já continha todas as idéias expressadas em Reguensburgo.

Crê que a polêmica surgida após o discurso impediu uma recepção adequada
Creio que a polêmica, apesar de que com freqüência suas motivações não encontraram fundamento no texto do discurso do Papa, foi de qualquer forma expressão do reconhecimento da força verdadeira contida no discurso. Em Reguensburgo, o Papa não se entreteve em questões marginais, mas captou plenamente o problema de fundo, que consiste na pretensão cristã de ser a religião verdadeira. Ainda que o tenha dito com caridade, porque o cristianismo é também a religião do amor, isso é difícil para muitos ouvidos.

A polêmica atraiu os olhares do Islã. Isso, em sua opinião, distraiu a atenção de outros elementos importantes do discurso?
Quanto à opinião pública, creio que sim. Por isso é necessário voltar a ler a lição com calma. Portanto, ao longo deste ano foram inumeráveis os livros, os congressos de alto nível, as numerosas monografias de revistas dedicadas ao tema de Reguensburgo. Sinal de que os problemas mencionados pelo Papa não são superficiais. Um tema, em minha opinião, ficou um pouco na sombra, abafado por outros aspectos. No começo de seu discurso, o Papa fala da “coesão interior do cosmos da razão”, ou seja, poderíamos dizer com uma antiga expressão, da unidade do saber. Houve uma época na qual a Universidade vivia desta convicção, hoje já não é assim. Queria recordar que a Fides et Ratio sustente que tal falta produz desorientação no homem contemporâneo e justamente, em uma volta à unidade do saber, assinalou o grande horizonte do compromisso dos intelectuais cristãos ante o novo milênio.

Este problema do diálogo entre as disciplinas, a unidade do saber, como o senhor a chama, é possível conseguir sem a fé cristã, só através da razão?
Este é um dos temas principais subjacentes à lição de Reguensburgo, e que a remete à “purificação” da razão, da qual o Papa fala na Deus caritas est. Em Aparecida, o Papa disse que, sem levar Deus em conta, o próprio conhecimento da realidade se torna impossível. A dimensão transcendente assegurada pela fé e, portanto, indispensável para que a razão não se feche em si mesma, iniciando assim um processo de “autolimitação”, que não pode acabar no relativismo niilista. A fé, como afirma a Fides et Ratio, impulsiona a razão a não se deter nunca. Deste modo, a salva de si mesma, permitindo-lhe ser ela mesma, ou seja, a purifica.

Não lhe parece que há uma contradição entre o que afirma o Papa em Reguensburgo e o que o senhor acaba de dizer? Em Reguensburgo, o Papa atribuiu à razão a possibilidade de “avaliar” as religiões porque o que não é racional não vem do Deus verdadeiro. O senhor, ao contrário, está dizendo que é a fé a que valoriza a razão, distinguindo entre uma razão fechada e uma aberta à transcendência...
Não há nenhuma contradição. A fé cristã apresenta a pretensão da própria verdade e assim aceita ser examinada pela razão. Contudo, apresenta também o problema da verdade da razão, e convida a razão a olhar dentro de si mesma. Uma razão “autolimitada”, como a racionalista, positivista ou niilista, não é capaz de examinar a religião pelo simples fato de que não é nem sequer razão, tendo perdido a idéia da própria verdade. A fé cristã aceita ser examinada pela razão em sua plenitude, mas tal razão em sua plenitude, para sê-lo, deve estar aberta à verdade transcendente.

Portanto, o Papa sublinha o primado da fé também no momento no qual afirma que o cristianismo aceita ser examinado pela razão.
Digamos que a razão tem a própria autonomia lógica e metodológica, o que faz possíveis as diversas ciências e ao mesmo tempo a sua unidade. Contudo, se a razão não se deixa ajudar continuamente a respirar desde uma relação dialógica com a fé, esta inevitavelmente corre o risco da asfixia. Parafraseando uma frase de Maritain – em O camponês do Garona –, se a razão crê que tem que fechar a fé em uma caixa forte, usa igualmente uma fé. Por isto Bento XVI afirma em seus escritos que, sem Deus, nós nos tornamos presa dos deuses. E isso sucede também com a razão. Por exemplo, o racionalismo ou o positivismo, apesar do parecer contrário dos expoentes filosóficos destas duas correntes, tem como base uma fé no poder absoluto e inclusive salvífico da razão e da ciência.

Portanto, a fé está sempre no início, tanto para o crente como para o não crente?
Eu diria que sim. Por um motivo simples e dramático ao mesmo tempo: cada homem – escrevia Ratzinger já em 1969 – deve de alguma maneira tomar postura ante as decisões fundamentais. A mesma questão surge se a razão, absoluta ou não, é, antes que nada, uma questão de fé, sem excluir naturalmente a conseguinte contribuição da própria razão. Sem a fé, a razão não pode saber o que é ela mesma.

No diálogo com as demais religiões, está antes a fé ou a razão?
Lendo com atenção a lição de Reguensburgo, considero que também aqui o ponto de partida é a fé. Contudo, segundo a fé apresenta o papel da razão no diálogo inter-religioso, se compreende também sua verdade e a verdade do próprio diálogo. Também o diálogo, se não é verdadeiro, não vem de Deus. Para ser verdadeiro, o diálogo exige estar animado pela verdade da razão, que se reconhece na verdade da fé.

 
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