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HOME > TEXTOS > A VIA DA BELEZA > BRUNO TOLENTINO, O POETA “SOB O MANTO DE MARIA”
  
Bruno Tolentino, o poeta “sob o manto de Maria”
A beleza e a misericórdia de Deus foram fascinantes em sua pessoa e em sua obra.
 

Bruno Tolentino (12/nov./1940 – 27/jun./2007) era quase desconhecido do grande público, apesar de ganhador de dois prêmios Jabutis e finalista para um terceiro neste ano – o que já seria suficiente para reconhecê-lo como um dos maiores poetas brasileiros de sua geração. Em 1964, com o golpe militar no Brasil, havia partido para a Europa, tendo dado aulas na Inglaterra em Oxford, Essex e Bristol. Homem de vida intensa e contraditória, foi condenado, em 1987, a 11 anos de prisão, sob a acusação de tráfico de drogas. Ficou preso por 22 meses, após os quais a pena suspensa. Algum tempo depois, já nos anos ’90, voltou ao Brasil, onde viveu cercado de polêmicas geradas por seu espírito crítico e ferino e jovens fascinados por seu conhecimento e sua humanidade. Foi também um dos maiores poetas católicos da atualidade em qualquer idioma que consideremos. Contudo, como ele mesmo dizia “o mundo tem ódio de Cristo e não quer que Ele seja conhecido”. Assim, pouco se tem falado dessa faceta de sua personalidade e de sua obra. Além do mais, parecia impossível imaginar o intelectual polêmico e sarcástico entregando-se à proteção da Virgem Maria. A seguir, algumas respostas dadas em entrevistas que permitem conhecer esse lado do artista.


P. Quem é Bruno Tolentino?

R. Olha, não é fácil avaliar-se a si mesmo, especialmente a quem lhe importa sobretudo o prodigioso trabalho da graça divina sobre o sempre iminente desastre humano. Por exemplo: à meia-noite o citado Fulano de Tal invariavelmente me parece um pobre diabo que a Providência insiste em cobrir de favores inexplicáveis e acaba por constranger com uma pletora de dons cada vez mais difíceis de justificar pelo bom uso. Em favor do pilantra pode-se, talvez, alegar uma integridade intelectual que reconhecidamente nunca esteve no balcão das conveniências e cambalachos; com maior ou menor justiça, já fui acusado de vários tráficos, de divisas, de drogas, de armas, mas nunca de tráfico de influência! Nesse sentido, Antônio Houaiss, escrevendo sobre Os deuses de hoje, em 1996, refere-se a este marginal nato como “o intérprete destes tempos que não busca o compadrio dos expertos e artimanhosos…” Com efeito: fiz inúmeros amigos no sub-mundo, troquei a universidade pela cadeia e de ambas saí com um nome limpo, pois nunca tive nada a ver com o crime organizado, muito menos com a versão dele que assola a República das Letras.

Quanto a um outro traço meu bem mais deplorável, a língua ferina entortada pelo vício da ironia, quando não do sarcasmo, Christiane Martin du Gard dizia à Paris dos anos 70 que se tratava de uma espécie de “anjo do mal a serviço do bem” (l’ange du mal au service du bien). Espero bem que não se enganasse, mas disso não sou obviamente o melhor juiz… Mas me comove bem mais o que li recentemente de um poeta que tenho em alta conta como artista e como homem: este carioca metido a inglês seria um bocó que “dedicou a vida ao serviço de Deus e da Poesia com coragem jesuítica e humildade franciscana…” Tomara, ou antes: quem dera, porque si non è vero è bem trovato!

(Entrevista concedida a Cláudia Cordeiro Reis, em setembro de 2003, disponível em http://www.plataforma.paraapoesia.nom.br/2005btentrevista.htm).

P. O senhor nasceu no Rio de Janeiro de uma família religiosa, mas na sua juventude deixou de ser católico. Como se deu a sua relação com Deus e o fato de ser poeta?

R. ... A minha trajetória entre os 17 aos 39 anos foi de um certo modo, mas aos 40 anos eu comecei meu caminho de volta para Igreja. O Espírito Santo sempre colaborou comigo, mas foi nesse momento que eu comecei a colaborar com Ele. Foi pela mão de Maria, com quem sempre mantive uma relação estreita - mesmo durante a fase na qual não acreditava no Filho dela -, que vivia o relacionamento com o Mistério. Mesmo não acreditando em Deus, não largava o manto de Maria... Minha relação com o Mistério durante os anos da minha juventude passou através das conversas com uma estátua de pedra da Virgem Maria. Foi o que aconteceu comigo, mas essas coisas podem passar a ter várias manifestações. O que interessa não é o como, senão o fato de que as coisas de Deus quando tocam, ninguém de nós consegue mudar... Com a minha conversão, não me tornei um poeta melhor. A busca pelo real já estava presente na minha juventude, dizia: o real é esta constante correção do comportamento humano, o real está aí para que a pessoa busque sempre um modo de convívio com ele, um respeito fundamental... Mas voltando à sua pergunta inicial sobre a conversão. É como a parábola do sal. Cristo é o sal. O sal realça o gosto da comida, não muda o gosto da comida, torna o peixe mais peixe, a carne mais carne. Assim como o encontro com Cristo não muda o que você é, mas agora você se torna você na dosagem perfeita: aquilo para que você era destinado ser. Eu estou neste processo em que sou cada vez mais eu mesmo. Eu parei de ser uma caricatura de mim mesmo. Como dizia Pindaro: “Torna-te o que tu és”. Você se torna o que você é. Há um nível supra-real da pessoa. É isso o que só Deus sabe. Nesta perspectiva o ato poético é um ante-gosto, um antepasto desta plenitude.

(Entrevista concedida a Vando Valentini, para a Revista Passos, 40, jun.2003, em
http://www.passos-cl.com.br/cultura.asp?cod=13&tipo=0&revista=1578).

P. [No prólogo de O mundo como idéia] o senhor sugere uma luta que lhe permitisse exercer uma ‘‘filosofia’’ da forma sem ‘‘má consciência’’. O que na forma poderia ser responsável por uma má consciência?

R. ... Em arte, há má consciência sempre que, falseando a complexidade da questão capital das relações entre a expressão e a forma, os variegados formalismos esvaziam-na de todo significado relevante e fazem do ato de criação mero malabarismo, jogo mental. Concordo com (Yves, poeta) Bonnefoy, quando nos adverte de que não há pior maldição neste mundo do que reduzir a vida a uma brincadeirinha solenizada, a um jogo aparentemente arrojado, mas de mentirinha...

(Entrevista concedida a Nahima Maciel, para o Correio Basiliense, publicada em 18/jan./2003, em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20030118/sup_pen_180103_24.htm).

P. A posição contrária à atenção ao real é a posição ideológica. Hoje parece ser a época do fim das ideologias, da crise desta forma de pensamento. O senhor concorda com isso? Parece que acabaram as ideologias, mas na vida do cotidiano se vê quanto ainda somos dominados por um pensamento ideológico que não nos permite olhar para a realidade.

R. Não acredito que a “dama idéia” passe de moda, nem desista. Que fique bem claro que isto de que estou falando não é uma “coisa”. É algo constitutivo do ser humano. O que entrou em crise foi o modo como a ideologia se apresenta, mas a “dama idéia” não larga o osso. Porque o contrário dela é a liberdade, e a outra coisa que a época moderna não aceita é a liberdade. Desde quando o cristianismo está na defensiva a liberdade está em cheque, porque a liberdade é esta relação do homem diante de Deus, esta relação contínua e criativa com a realidade... Onde não estiver o cristianismo tudo pode ser reduzido a ela.

O cristianismo é este chamado à relação responsável homem a homem, do homem-Deus rumo ao homem, do Filho de Maria, que um dia nasceu e morava numa rua tal e que portanto não posso reduzir a uma idéia. Onde não houver esta relação fundamental com o fato humano fundamental, o Filho que saiu do ventre de Maria, a “dama idéia” volta a dar o show dela... Assim é possível substituir a presença inevitável e opaca do outro com um receituário.

(Entrevista concedida a Vando Valentini, para a Revista Passos, 40, jun.2003, em
http://www.passos-cl.com.br/cultura.asp?cod=13&tipo=0&revista=1578).

Em uma palestra, Bruno Tolentino disse que todo homem era visitado, ao longo de sua vida, por duas mulheres. Uma o visitava pela primeira vez na adolescência. Geralmente era mal-tratada e partia, para voltar na juventude, quando novamente era mal-tratada. Voltava uma última vez na vida adulta, e então ou o homem a tratava adequadamente ou ela partia para sempre. A outra o visitava nas mesmas ocasiões, mas, ao contrário da primeira, mesmo mal-tratada, continuava procurando-o durante toda a vida. Era, dizia Bruno, a última a nos visitar em nosso leito de morte, e a primeira a nos receber no paraíso. A primeira mulher é o amor humano. A segunda, que nunca desiste de nós, é a santidade. Com certeza, é com ela que Bruno Tolentino passa seu tempo agora...


 

 
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