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A laicidade do rosto humano. 1ª. Parte: Laicidade e relativismo

Esse artigo é uma colaboração do

Stefano Fontana
Stefano Fontana, filósofo, é diretor do Observatório Van Thuân sobre a Doutrina Social da Igreja.

A construção da paz e de uma sociedade mais segura passa por uma visão integral de pessoa humana. Uma sociedade que não acolhe a pessoa em todas as suas dimensões, material, psicológica e espiritual, não é capaz de ser uma sociedade de paz.

Neste artigo me proponho a apresentar, primeiramente, a idéia amplamente aceita hoje de laicidade para depois ilustrar, ao contrário, a visão que nos está propondo Bento XVI em seus textos e discursos.
A mentalidade corrente aceita que a moral e a religião são âmbitos irracionais, são  escolhas pessoais sem motivo e para as quais não se pode dar motivos. No fundo, não existe uma verdade na ética ou na fé religiosa.
Por isso, a ética e a religião estão fora do confronto racional. Não se pode estabelecer, com a razão, o que é moralmente bom ou religiosamente verdadeiro: depende dos singulares, das culturas, das escolhas que cada um faz ou, como se diz, de suas perspectivas da vida. A mentalidade comum de hoje é, portanto, relativista, a sua filosofia é o relativismo ético e o relativismo religioso, ou seja, o bem e a verdade são, nestes âmbitos, relativos às escolhas pessoais e não podem pretender nada de absoluto. Por exemplo: casar-se na Igreja, casar-se no civil, conviver de fato, convívio entre homossexuais são apenas escolhas, nem mais nem menos verdadeiras umas que as outras. Também as religiões são todas iguais: ser cristão, budista ou muçulmano ou mesmo crer na yoga ou no zen é no fundo o mesmo, sempre se trata de escolhas pessoais de salvação.
O relativismo ético coloca no mesmo plano todas as escolhas morais e, portanto, não sabe mais estabelecer uma hierarquia entre as ações do ponto de vista do bem e do mal. O relativismo religioso coloca no mesmo plano todas as religiões – considerando-as todas como expressões de um “espiritualismo” geral. Elimina seus aspectos dogmáticos e de verdade e as reduz a um querer-se bem genérico, colocando-as todas na mesma prateleira de um supermercado religioso.
Na raiz dessas duas formas de relativismo, porém, está o relativismo filosófico, ou seja, a idéia de que não é possível encontrar uma verdade com a razão humana fora do âmbito científico. Hoje este relativismo está de tal modo disseminado que enquanto a criança sabe com certeza o que é bom e o que é mal, o adolescente já está cético e considera impossível estabelecer alguma verdade sobre o homem ou a vida.
Uma conseqüência desse relativismo é que não se reconhece nenhum valor público à ética e à religião. Essas são escolhas individuais, a serem praticadas estritamente no âmbito privado. Assim como se escolhe no âmbito privado que roupa comprar ou onde passar as férias e não é possível estabelecer mediante um diálogo racional o que é melhor fazer nestes casos, do mesmo modo deve ser deixado à consciência individual escolher entre abortar ou não, casar ou ficar solteiro, ser heterossexual ou homossexual, escolher uma religião ou uma outra, ou nenhuma etc.
Desse modo nasce uma visão relativista de laicidade. A laicidade é o espaço público neutro de escolhas morais ou religiosas, que devem ser confinadas no âmbito privado.A laicidade não deve associar-se a nenhuma escolha ética ou religiosa – irracionais e subjetivas – e portanto deve transformar todos os desejos em direitos.
A distinção entre desejo e direito é que o primeiro é escolha subjetiva enquanto no segundo é reconhecida uma razoabilidade objetiva. Mas assim como a laicidade relativista não aceita mais a possibilidade de encontrar uma racionalidade objetiva nas escolhas morais ou religiosas, e se mantém neutra e indiferente a todas, deve reduzir-se a aceitar como lei todos os desejos transformando-os assim em direitos: ao filho a qualquer custo, a matar o feto, a ser pai sem ser homem e a ser feminino sem ser mulher, de ter um filho próprio sem pari-lo, a se tornar mulher por se sentir como tal, mesmo sendo homem ou vice-e-versa e assim por diante.
Esta laicidade se funda sobre dois princípios fundamentais: a substituição da natureza pela cultura e a substituição do passado pelo futuro.
A substituição da natureza pela cultura é muito evidente no caso da substituição do sexo pelo gênero (gender). Hoje não se fala mais de sexo (masculino e feminino) mas de “gênero”, que seria o sexo entendido como papel, ou seja, interpretado culturalmente e separado de suas bases naturais. A natureza não é entendida como vocação mas como prisão e portanto masculino e feminino seriam limitantes. A cultura do gênero, ao contrário, destaca as orientações sexuais da natureza de modo que se possa escolher a homossexualidade, ou até mesmo a transexualidade. Em alguns Estados europeus já é possível fazer pedido de mudança de gênero e ser registrado como homem ou mulher independentemente do sexo. Muitos estão pedindo que as operações cirúrgicas de mudança de gênero sejam pagas pelo Estado. A cultura destacada da natureza se torna escravidão dos desejos.
A substituição do passado pelo futuro, do velho pelo novo, comporta que o novo seja considerado melhor apenas por ser novo. Daí segue uma recusa geral da tradição, dos valores hereditários e da identidade pessoal e comunitária fruto da história. É inútil sublinhar como a perda da natureza e do passado tem uma importância cultural fundamental para o cristianismo que na primeira funda a Criação e na segunda a Tradição.
Este conceito relativista de laicidade foi possível porque a razão foi reduzida apenas à racionalidade matemático-experimental. Se aceita como verdadeiro apenas aquilo que se pode experimentar e quantificar. Eis porque as temáticas éticas e religiosas são colocadas como irracionais. O relativismo deriva do fato de que a razão não acredita mais em si mesma e foi reduzida ao mínimo sua própria capacidade cognitiva para poder ter, naquele âmbito estreito, seu absoluto. Este absoluto a leva a dizer arrogantemente que fora de si não existe verdade. Mas desse modo a razão se torna ditatorial, impondo esta ausência de verdade de modo dogmático. É esta a “ditadura do relativismo” denunciada por Bento XVI. Hoje quem se refere às verdades absolutas é considerado não-confiável do ponto de vista da laicidade e, por fim, perigoso à democracia. Quem hoje disser que o homossexualismo é uma desordem é acusado de intolerância. O relativismo é hoje um dogma que se ensina de todos os modos e que se coloca de modo intolerante. Este tolera tudo, mas não tolera que se diga que nem tudo pode ser tolerado.
Uma das faltas mais graves da laicidade relativista é a abdicação à educação. A crise da educação atual acontece na medida em que todas as esferas educativas, da família à escola, não acreditam mais em uma verdade e portanto renunciam a ter uma identidade. Muitos pais não querem educar os filhos segundo os mesmos valores nos quais foram educados. A escola frequentemente tem projetos educativos genéricos e vazios para poder ser tolerante nos confrontos do pluralismo, ou seja, no relativismo. Os modelos educativos são tantos e não se aceita mais que entre eles exista uma hierarquia. Deste modo, educar se torna impossível. Quando penetra na consciência das comunidades cristãs, o relativismo religioso produz a impossibilidade da missão, impede a apologia ou seja a defesa e justificação – o “dar razões” – da própria fé e separa a caridade da verdade, não dando mais condições para se perceber que propor a verdade é um grande ato de caridade.

 

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