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HOME > TEXTOS > FÉ & RAZÃO > CRISE ECONOMICA E MERCADO: AS INDICAÇÕES DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 1º PARTE: A SUBSIDIARIDADE E A CRISE.
  
Crise econômica e mercado: as indicações da Doutrina Social da Igreja. 2ª. Parte: A contribuição da Igreja.
Palestra ministrada ao Grupo Cooperativo Cercate, de Verona, em 16 de abril de 2009.
Dom Giampaolo Crepaldi
 
Dom Giampaolo Crepaldi, bispo de Bisarcio, é o Presidente do Observatório Internacional Cardeal Van Thuân sobre a Doutrina Social da Igreja e o Secretário do Pontifício Conselho Justiça e Paz. Foi um dos organizadores do Compêndio de Doutrina Social da Igreja, e é uma das maiores autoridades internacionais sobre o tema na atualidade.
 
Esse artigo é uma colaboração do
 

Após discutir a contribuição dos princípios da Doutrina Social da Igreja para a superação da crise econômica atual, na primeira parte deste texto, o autor agora mostra como a Igreja, movida pela caridade, tem se empenhado em enfrentar as conseqüências funestas da crise econômica. Porém, sua contribuição não pode ser reduzida à ajuda direta aos desassistidos. Ela passa pela construção de “obras” e por uma reflexão capaz de aprofundar as raízes da crise e apontar caminhos mais humanos para superá-la.

O quadro universal mostra uma Igreja muito empenhada com a caridade [...] São iniciativas notáveis, expressão direta de uma estrutura eclesial onde não falta a caridade, que a encíclica “Deus caritas est” diz ser necessária mesmo numa hipotética sociedade hipoteticamente perfeita.
Porém, se a ação da Igreja se limitasse a esta forma de caridade direta, não haveria razão para existir a doutrina Social da Igreja e se faria uma leitura redutiva da mesma “Deus caritas est”. De fato, não podemos esquecer a obrigação de não apenas exercitar esta forma de ajuda direta a quem passa por necessidades, mas também aquela que passa através da criação de “obras”.
Nos momentos de dificuldade, os cristãos não se contentaram apenas em dar comida a quem tinha fome e de beber a quem tinha sede, mas também puseram em pé empresas, sociedades assistenciais, cooperativas de consumo, atividades produtivas que geravam postos de trabalho. Chamamos a essas iniciativas caridade indireta ou extensões sociais da caridade. Não podemos pensar que nossa tarefa seja apenas a de ativar a Caritas, enquanto o Estado, os bancos, os governos locais, etc. deveriam cuidar do resto.
Se pensássemos assim, teríamos perdido a idéia de uma presença pública do cristianismo dentro da economia e da política reais, e o teríamos reduzido a um instrumento para mitigar as feridas, uma vez que essas tivessem sido feitas. Mas o cristianismo tem também a energia para produzir idéias que façam a economia funcionar de modo a não produzir feridas. Essa também é uma forma de marginalização: reduzir o cristianismo a assistência direta aos necessitados e priva-lo de um papel incisivo sobre as estruturas organizativas. Sobre os processos de decisão na economia e nas finanças.
Voltando à razão e à luz da fé, de que falamos no início, o cristianismo tem a pretensão de ser necessário á razão, não porque assim a prive de autonomia, pelo contrário: com a própria luz da verdade, o cristianismo propõe à razão a questão da sua própria verdade, permitindo-lhe de reapropriar-se de si mesma. Isto vale também para as finanças e a economia – a fé cristã não retira nada de quanto lhes é legítimo e próprio, mas as ajuda a serem plenamente elas mesmas.
O cristianismo não pode ser apenas assistência e ajuda caritativa. A caridade não elimina a justiça, mas sim a torna possível. Por isso, sejam bem-vindas as respostas dos cristãos à crise que não impliquem a renunciar a pensar, projetar e organizar a partir da própria riqueza. A encíclica “Deus caritas est” de bento XVI não diz que a única forma de caridade da Igreja seja aquela que ela fornece diretamente através de sua estrutura assistencial, mas também aquela que ela faz através dos empreendedores católicos, das cooperativas de inspiração cristã, das instituições que foram sendo criadas através da história e daquelas que estão surgindo agora.
A crise é uma ocasião para redescobrir a identidade cristã nas obras econômicas e sociais. Colaborar com todos não quer dizer que esteamos impedidos de ter uma identidade. O cristianismo tem algo de próprio e de necessário para dizer e não deve tender a uma vaga ética social planetária, que a crise tornaria necessária. A colaboração entre todos os homens de boa vontade, ou, como se poderia também dizer, entre todos os homens que buscam a verdade, não implica num mínimo denominador comum indistinto.
Ainda sobre esse tema da caridade, desejo tocar num último aspecto do problema que me é particularmente importante. Por ocasião do último encontro do G20 em Londres, nosso Observatório Cardeal Van Thuân preparou um Documento que foi amplamente comentando e recebeu um grande destaque também no “L’Osservatore Romano”.
Esse documento destaca o papel do princípio da subsidiariedade na resolução da crise, assunto do qual já tratei aqui. Mas destaca também que a crise é uma ocasião para repensar a economia pensando nas exigências dos pobres e reconhecendo-os finalmente como um recurso e não como um fardo, nas palavras da encíclica “Sollicitudo rei socialis”.
A crise torna concreto o perigo de que cessem os financiamentos ao desenvolvimento, que já estavam precários. Muitos países não têm obedecido ao compromisso assumido por eles de dedicar 0,7% do PIB para essa finalidade e a ajuda para pagar as dívidas dos países pobres é visto não como adicional, mas como compreendida dentro desse valor. Vocês devem se recordar de como o Santo Padre aderiu à aquisição dos primeiros títulos do projeto lançado por Gordon Brown, então Ministro da Fazenda da Inglaterra, o “International Financing Facility for Immunisation” [NOTA DA EDIÇÃO BRASILEIRA: trata-se de um projeto de financiamento compulsório dado pelos países ricos aos países pobres], enviando o Cardeal Martino a Londres para adquirir os primeiros títulos do projeto em 7 de novembro de 2006.
Com a crise atual, corre-se o risco de que desapareça o financiamento para os projetos de desenvolvimento, mesmo aqueles inovadores. Por isso o Documento do nosso Observatório pedia que as futuras decisões do G8 levem em consideração as deliberações da Conferencia de Doha com relação ao apoio ao desenvolvimento.
É necessário pensar a saída da crise não somente reativando os sistemas financeiros dos países desenvolvidos e emergentes, mas também eliminando a volatilidade dos capitais e o escândalo dos paraísos fiscais e dos bancos “off shore”. Sobre isso não tenho ilusões: sei que para atingir esses objetivos é necessário um amplo consenso, sei que a supressão desses paraísos deve ser concomitante, ou a supressão de um beneficiaria aos outros. Sem dúvida não é uma coisa fácil. Porém, esta é uma oportunidade. Poderemos não aproveitá-la, mas por nossa culpa.
A necessidade de mudar as regras para fazer com que também os pobres tenham acesso ao mercado é um interesse do próprio mercado. Mas ele não consegue fazer isso sozinho.
Em conclusão, quero retomar algumas passagens da encíclica “Quadragesimo anno”, escrita por Pio XI em 1931, no meio da depressão que se seguiu à crise de setembro de 1929. É surpreendente como esta encíclica, por muito tempo considerada datada, mostra hoje uma nova juventude. Não devemos nunca abandonar apressadamente ao passado quando se trata das encíclicas sociais.
Pio XI dizia que se havia constituído uma “verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negociam segundo sua vontade” (No. 105). É clara a referência à classe dos novos administradores.
Eles destruiram o mercado, segundo Pio XI, sujeitando-os “à hegemonia econômica, ao internacionalismo bancário, ao imperialismo internacional do dinheiro, para o qual a pátria é onde se está bem” (No. 109). É clara, aqui, a referência ao poder das finanças e a sua completa falta de responsabilidade.
Segundo Pio XI, se havia chegado a essa situação por três motivos. O primeiro – atualíssimo também para nós – é a avidez por “ganhos fáceis”, mesmo que estes “com a especulação desenfreada fazem os preços subir e descer segundo seus caprichos e sua avidez” (No. 132). O segundo – também muito atual para nós – é a culpa dos legisladores: “As instituições jurídicas destinadas a favorecer a colaboração dos capitais, por isso que dividem e diminuem os riscos, dão lugar muitas vezes aos mais repreensíveis excessos; com efeito vemos a responsabilidade tão atenuada, que já a poucos impressiona; sob a tutela de um nome coletivo praticam-se as maiores injustiças e fraudes; os gerentes destas sociedades económicas, esquecidos dos seus deveres, atraiçoam os direitos daqueles, cujas economias deviam administrar” (No. 132). O terceiro é relativo à dimensão cultuarl da crise: “ciência económica, que então se formou, prescindindo da lei moral, soltava as rédeas às paixões humanas. E assim sucedeu, que mais do que antes, muitíssimos não pensavam senão em aumentar por todos os modos as suas riquezas; e procurando-se a si mais que tudo e acima de todos, de nada tinham escrúpulo, nem sequer dos maiores delitos contra o próximo”  (No. 133).
Uma leitura profunda, essa de Pio XI e, resguardadas as implicações de seu momento histórico, muito instrutiva também para nós.
Não são apenas os fundos que são tóxicos. Como se vê, a Doutrina Social da Igreja pode não ter soluções para propor, mas tem muito para dizer.

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