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O receber tem precedência sobre o fazer
Primeira parte da palestra proferida na apresentação oficial da encíclica “Caritas in veritate” realizada no Vaticano em 7 de junho de 2009.
Dom Giampaolo Crepaldi
 
Dom Giampaolo Crepaldi, arcebispo de Trieste, é o Presidente do Observatório Internacional Cardeal Van Thuân sobre a Doutrina Social da Igreja e o Secretário do Pontifício Conselho Justiça e Paz. Foi um dos organizadores do Compêndio de Doutrina Social da Igreja, e é uma das maiores autoridades internacionais sobre o tema na atualidade.
 
.Esse artigo é uma colaboração do

 

A frase é tão singela quanto difícil aos olhos do homem contemporâneo: “o receber tem precedência sobre o dar”. Mas é uma síntese da encíclica “Caritas in veritate”, de Bento XVI. O ser humano é o destinatário do imenso dom do amor gratuito de Deus. Antes de qualquer ação humana, existe esse dom de Deus. A partir daí a pessoa descobre seu lugar no mundo e os critérios para discernir sobre a justiça e o bem comum.

 

Assim como todas as encíclicas sociais precedentes, Caritas in veritate” representa um aprofundamento da verdade já ensinada pelo Magistério da Igreja, que ilumina os novos problemas que se apresentam à humanidade. Pretendo aqui apontar os principais pontos novos, ou se preferirem, os principais novos aprofundamentos deste documento.
Antes de me deter nos pontos específicos, indicarei o ponto de vista sintético do qual parte o encíclica, e que exprimo com a seguinte frase: “o receber tem precedência sobre o fazer”. “Caritas in veritate” propõe uma própria e verdadeira conversão a uma nova sabedoria social. Conversão de uma visão que parte dos homens considerando-se os únicos e originais construtores da sociedade e da gramática que regula a relação entre os cidadãos, para outra que se põe à escuta de um sentido que lhe vem ao encontro, expressão de um projeto sobre a humanidade que não foi criado por ele. O homem moderno tem dificuldade de ler nas coisas e em si mesmo significados que lhe são imediatamente acessíveis, a sentir-se interpelado por uma palavra que suscita um empenho e uma responsabilidade que não são determinadas pelo seu arbítrio. A razão positivista transforma a tudo em um simples fato que não revela nada além de si mesmo. Toda ação se reduz a produção.
Mas é necessário converte-se a ver a economia e o trabalho, a família e a comunidade, a lei natural posta em nós e a criação posta em nossa frente e para nós, como um chamado – a palavra “vocação” aparece muitas vezes na encíclica – para assumir a responsabilidade solidária de construção do bem comum. Se os bens são apenas bens, se a economia é apenas economia, se estar junto significa apenas estar “vizinho”, se o trabalho é só produção e o progresso só crescimento... Se nada “chama” tudo isso a ser mais e tudo isso não chama a nós mesmos a sermos mais, as relações sociais implodem em si mesmas.  Se tudo é devido ao acaso e à necessidade, o homem se torna surdo, nada em sua vida lhe fala ou se revela a ele. Mas, se for assim, a sociedade também é apenas uma soma de indivíduos, não uma verdadeira comunidade. Nós podemos produzir motivos para estarmos vizinhos, mas não podemos produzir motivos para sermos irmãos entre nós.
Por isso “Caritas in veritate” considera que a verdade e o amor têm uma força social fundamental: porque não podemos nos dar isso sozinhos. No parágrafo 34 da “Caritas in veritate”, o Santo Padre Bento XVI explica muito bem que a verdade e o amor nos vêm ao encontro e fazem com que se revele um significado das coisas e dos outros homens que não foi produzido por nós. Com isso, indicam um quadro de deveres dentro dos quais se inserem também os direitos. Amor e verdade não podem ser construídos, planejados, pretendidos: são sempre um dom recebido e atestam que o ser supera nossas pretensões. Amor e verdade chamam nossa atenção, motivam nossa esperança e disciplinam nossas necessidades.
A sociedade necessita desses elementos recebidos e não produzidos por nós, necessita ser con-vocada e não produzida por um contrato. A sociedade precisa de verdade e de amor. O cristianismo é a religião da Verdade e do Amor. É a religião da verdade na caridade e da caridade na verdade. Cristo é a Sabedoria criadora e é o Amor redentor. A maior contribuição que a Igreja pode dar ao desenvolvimento é o anúncio de Cristo.
Daí derivam considerações importantes da “Caritas in veritate”  sobre a natureza da Doutrina Social da Igreja – definida na encíclica como “caritas in veritate in re sociali, ou seja, proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade” (No. 5). A primeira dessas considerações diz respeito ao fato, já enunciado antes, de que essa doutrina pertence à “Tradição” viva da Igreja. A segunda é que o ponto de vista da Doutrina Social da Igreja não é a realidade social sociologicamente entendida, mas sim a fé apostólica. Estas importantes considerações de Bento XVI vem justamente da importância da Verdade e do Amor como elementos fundantes da organização social.
O Cristianismo tem seu direito próprio à cidadania no âmbito público porque revela um projeto de verdade e amor sobre a criação e sobre a sociedade, libertando-a da escravidão de seus próprios limites e das cadeias da auto-suficiência. Assim fazendo, contudo, o cristianismo não se impõe de fora, mas responde a uma expectativa da própria realidade. A fé responde a uma necessidade da própria razão, que fortalece à medida que lhe indica a própria verdade.
Toda a encíclica está escrita sob o signo do conceito de “purificação”: Amor e Verdade purificam a economia e a política, não lhes negando a própria consistência interna, mas abrindo-as à sua completa e verdadeira vocação. Desse modo, o cristianismo dá à economia e à política aquilo de que necessitam, mas que não podiam dar-se por si mesmas. A Doutrina Social da Igreja não poderia fazer isso se assumisse o ponto de vista sociológico, mas apenas se assume o ponto de vista da fé apostólica e o anúncio do Deus “do rosto humano”.

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