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A idéia de Universidade do Cardeal Newman e sua relevância para a educação superior católica.
Trechos do artigo publicado em COMMUNIO, revista internacional de teologia e cultura, Vol. XXVII, No. 2 (Abr/Jun 2008)
Cardeal Avery Dulles
Esse artigo é uma colaboração da revista

Cardeal Avery Dulles S.J. foi professor de Teologia em várias universidades norte-americanas. É membro e foi presidente da American Theological Society e da Catholic Theological Society of America. Foi membro da Comissão Teológica Internacional do Vaticano e coordenador do Comitê Católico-Luterano. É autor de mais de vinte e cinco livros sobre Teologia e Filosofia, além de ter publicado mais de setecentos artigos acadêmicos.

O Cardeal John Henry Newman (1801-1890) foi um dos maiores pensadores católicos do século XIX. Crítico contumaz do positivismo, esteve muito à frente de seu tempo, descortinando paradoxos e contradições do pensamento moderno que só se tornariam evidentes no século XX. Neste texto, são apresentadas suas críticas aos desvios do utilitarismo, da fragmentação, do secularismo e do racionalismo no ensino acadêmico.


John Henry Newman (1801-1890), ao escrever na Inglaterra em meados do século XIX, propôs uma visão de educação superior católica que levasse em conta as principais dificuldades que prevaleciam em sua época e que são igualmente predominantes hoje. Embora suas propostas tenham sido, em grande parte, endereçadas em termos positivos, irei resumi-las contrastando-as com quatro tendências que Newman tinha como inaceitáveis. Chamarei tais tendências de utilitarismo, fragmentação, secularismo e racionalismo.
Como utilitarismo Newman entendia o movimento filosófico ligado ao nome de Jeremy Bentham (1748-1832). O editor da Edinburgh Review, Lorde Francis Jeffrey (1773-1850), juntamente com personalidades influentes como Lorde Henry Brougham (1778-1868) e Sydncy Smith (1771-1845), propunham destronar os clássicos da posição de supremacia que tinham em Oxford e Cambridge e substituí-los por um conhecimento útil que levasse ao comércio ou à profissionalização. Newman afirmava, ao contrário, que a finalidade primeira da educação não era a aquisição de uma informação útil ou de habilidades necessárias para uma determinada ocupação, mas o cultivo do intelecto. O fruto especial da educação universitária, conforme seu ponto de vista, era produzir o que chamava de "hábito filosófico da mente". O estudo dos clássicos, acreditava, havia provado sua capacidade de "reforçar, refinar e enriquecer as capacidades intelectuais"<i ingressar na rica herança adquirida pela moderna Europa, fruto da confluência da revelação bíblica e da civilização clássica.
Newman estava convencido de que o refinamento mental que deriva da capacidade de ler, escrever e do estudo da Filosofia é algo bom em si mesmo, realmente aparte da utilidade. Mas acrescentou que, longe de ser inútil, uma educação desse tipo permitiria ao aluno assumir várias posições sociais e profissionais. Caso queira tornar-se um soldado, um homem público, um advogado ou um médico, tal pessoa precisará da capacidade de pensar com clareza, de organizar o conhecimento e articular as próprias idéias de forma a lidar, eficazmente, com as questões mais prementes. Um programa de estudos estritamente profissional ou vocacional, portanto, iria falhar no teste da utilidade, para não mencionar o teste adicional do conhecimento liberal como fim em si mesmo.
A segunda ameaça é a fragmentação. Newman estava incomodado com o aumento da compartimentalização da educação. Ele não era co i u rã a multiplicação das disciplinas. Na universidade irlandesa, criou não só uma escola de artes e ciências, mas também escolas de Medicina e Engenharia, Tomou providências para criar um laboratório de Química e um observatório astronômico. Todos esses elementos, segundo sua visão, tinham um lugar apropriado na universidade, local de aprendizagem universal. Mas a própria multiplicidade de disciplinas aumentou a necessidade de um princípio ordenador, que governasse o todo, de forma que os alunos fossem capazes de perceber o significado de cada ramo específico do conhecimento em relação ao todo.
A Filosofia, como Newman empregava o termo, não era tanto uma disciplina especial como uma metadisciplina. Ao compreender a Filosofia como o exercício da razão sobre o conhecimento, ele defendia que era ilimitada quanto ao horizonte. Dessa perspectiva própria, ela abraça todo tipo de verdade e estabelece cada um dos métodos para alcançá-la. Dessa forma, o estudo da Filosofia supera a ameaça de fragmentação.
A terceira ameaça era o secularismo: a exclusão do conhecimento religioso da educação superior. Uma boa parcela da culpa, acreditava Newman, recaía sobre os evangélicos, que descreviam a religião não como conhecimento, mas como uma questão de sentimento ou emoção. Se a religião não é nada além disso, Newman admitia, ela não poderia reivindicar, convenientemente, o mérito de ter uma cátedra na universidade. Mas, para ele a religião era uma questão de verdade. Por meio da razão e da revelação, o intelecto poderia chegar a um conhecimento genuíno acerca de Deus e, tal conhecimento, poderia ser estruturado num sistema.
A universidade deveria, obviamente, levar em conta as verdades a respeito de Deus que são acessíveis a todas as pessoas que estão atentas a elas, tais como os artigos da religião natural. Mas não deveria omitir a verdade revelada, já que a revelação divina é necessária para evitar que a razão se perca. A universidade, como Newman a concebia, não era um seminário, e por isso ela não poderia explorar, profundamente, as questões dogmáticas e de Teologia Sacramentai, mas deveria buscar comunicar o que chamava de "conhecimento religioso geral". Nenhuma parcela da verdade católica poderia ser devidamente excluída da universidade.
A ausência da Teologia, argumenta Newman, deixaria desequilibrados os outros ramos do conhecimento. Ansiosos por preencher o vácuo deixado por tal ausência, essas disciplinas buscariam responder, com os próprios métodos, questões que não poderiam ser corretamente respondidas a não ser pela Teologia. Provavelmente todos nós já experimentamos como os professores de Tísica ou de Kconomia, Medicina ou Psicologia para citar alguns exemplos — tendem a operar como se a sua qualificação especializada desse totalmente conta da realidade e do que significa ser humano. A Teologia é necessária, portanto, para manter as disciplinas seculares dentro dos próprios limites e para lidar com questões além do alcance de tais disciplinas.
O racionalismo, na visão de Newman, era a quarta grande ameaça. A universidade, como local de cultivo intelectual, tende a tratar a razão humana como a medida de todas as coisas. Ao absolutizar seus próprios padrões e objetivos, a universidade aspira a completa autonomia e se torna rival da Igreja, até mesmo na própria esfera de competência eclesiástica. Para evitar essa intromissão, a Igreja deve exercer o que Newman chama de uma "jurisdição direta e ativa" sobre a universidade. Isso não deve ser visto como um obstáculo, mas como auxílio à universidade. A supervisão eclesiástica evita que a universidade recaia nos tipos de ceticismo e descrença que infestaram os bancos escolares desde a época de Abelardo. Por não poder completar a sua missão sem a verdade revelada, e porque a Igreja tem total autoridade para ensinar os conteúdos da revelação, a universidade deve aceitar a direção da Igreja.
Newman estava bem ciente de que os resultados da ciência, muitas vezes, pareceriam conflitar com a doutrina cristã. Ele aconselhava paciência e reserva, por parte das autoridades eclesiásticas, bem como dos cientistas. Ambos deveriam proceder com a certeza de que a reconciliação poderia, no devido tempo, ser alcançada, pois seria impossível que a verdade da revelação pudesse ser contrária à razão e à ciência. [...]
Se Newman estivesse vivo hoje, iria, entusiasticamente, abraçar os princípios apresentados por João Paulo II na Constituição Apostólica “Ex Cores Ecclesiae” (15 de agosto de 1990). Nesse documento, o Santo Padre demonstra os mesmos princípios gerais que tentei destacar no tratado de Newman. Ensina que a educação universitária não deveria se contentar em produzir mão de obra eficiente para a indústria ou para o mercado, não deveria exaltar a técnica em detrimento do espiritual. É francamente contra a multiplicação de departamentos e institutos, que vê como danosos a uma rica formação humana. Reclama um humanismo universal e uma visão orgânica da realidade. Da mesma forma, defende que as universidades católicas possuam uma vantagem incomparável diante das demais por serem capazes de integrar toda a verdade em relação ao Cristo, o Logos encarnado, a quem os cristãos reconhecem como o caminho, a verdade e a vida para todo o mundo. [...]

 
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