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O direito constitucional de não morrer, ainda
Omar Serva Maciel*
 

* Omar Serva Maciel é mestre em Direito Constitucional pela UFMG e professor de Graduação e Pós-Graduação em Direito Constitucional.

Recente decisão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do Ministro Marco Aurélio, proferida liminarmente nos autos da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, autorizou a realização de aborto nos casos de fetos anencefálicos, aqueles desprovidos de cérebro. Ainda sobre o julgamento, um determinado veículo de imprensa apurou ser intenção dos demais integrantes da Corte promover o aprofundamento do debate, de tal sorte a firmar uma posição oficial do Órgão quanto à possibilidade de interrupção ou não da gravidez em outras hipóteses de malformação fetal.

Rendendo-me à importância dessa “questão-limite”, dada a sua incontroversa interdisciplinariedade, bem como tendo presente a sua atualidade, uma vez que submetida à apreciação de nossa mais alta Corte, permito-me participar do debate ali iniciado, fazendo-o influenciado pela perspectiva de uma “Sociedade Aberta de Intérpretes da Constituição” (1). Para tanto, formulo neste ensaio algumas reflexões que me parecem pertinentes e que, a meu sentir, não poderão habitar apenas a ante-sala daquele Sodalício.

O aborto dos fetos anencefálicos ou o procedimento terapêutico de interrupção da gravidez (2), como todos quantos relacionados à bioética, vem despertando renhida discussão. Sem embargo de reducionismos, desponta nessa arena uma polarização bastante sentida: de um lado, uma visão religiosa, sobretudo cristã, sustentando a dignidade humana fetal e, portanto, o descabimento da eliminação (morte) do anencéfalo; de outro, um pensamento secularizado, difusor da dignidade humana da gestante como fundamento jurídico para a prática abortiva em hipóteses que tais.

Seguramente cônscio disso, o Ministro Marco Aurélio, já em sua decisão liminar, deu demonstração inequívoca de que não deverá adentrar, na fundamentação de seu voto, em perorações que desbordem da seara do Direito ou quando muito de uma província de confluência deste com a moral. Com isso, imagino, Sua Excelência inclina-se a assumir uma postura “pragmática”, evitando potencializar desinteligências na apreciação de um caso reconhecidamente difícil, notadamente pelas digressões religiosas e morais a que remete. O indeferimento da participação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, como amicus curiae (”terceiro interessado”), é bastante revelador dessa tendência, que poderá vir a se constituir, inclusive, na tônica do julgamento.

Em que pese a dificuldade da proposta (3), predisponho-me a apresentar um contraponto que respeite, tanto quanto possível, as premissas de discurso estabelecidas.

Em sua decisão liminar, dúvidas não restam de que o Ministro Marco Aurélio apreciou a questão dos fetos anencefálicos exclusivamente sob a ótica “dignidade humana”, da “legalidade”, da “liberdade” e da “autonomia de vontade” da gestante, a ponto de advogar que “...a situação concreta foge à glosa própria do aborto”. Considerando que esse referencial muito provavelmente deverá se repetir quando da formulação do seu voto em plenário, lícito dizer que o Ministro dá pistas seguras de não estar convencido da condição de “ser vivo” do feto. Para que concordássemos com o entendimento de Sua Excelência, impor-se-ia, preliminarmente, uma resposta negativa à seguinte indagação (4): a Constituição Federal de 1988, seja mediante uma enunciação explícita, seja mediante construção interpretativa, autentica a qualidade de “vida” ao feto?

Entretanto, tendo comigo ser positiva a resposta, aparto-me, desde já, do entendimento perfilhado naquela decisão.

Em termos expressos, a Constituição Federal de 1988 realmente quedou omissa acerca do status de ser vivo ou não do feto. A situação é bem diversa, porém, quando se faz uso de uma interpretação constitucionalmente construtiva.

A República Federativa do Brasil ratificou (5) a Convenção Americana dos Direitos Humanos, “Pacto San José da Costa Rica”, de 1969, que, todavia, ainda se ressente de expedição de Decreto Legislativo, nos termos do disposto nos Arts. 49, I, e 84, VIII, da Constituição Federal.

A despeito dessa inércia legiferante e de divergentes posicionamentos da doutrina e do próprio Supremo Tribunal Federal (6), alinho-me com aqueles (7) que propugnam a superior hierarquia dos tratados ou convenções que disponham sobre direitos humanos, como também sua imediata aplicabilidade na ordem jurídica nacional, independentemente daquela mediação legislativa.

Adoto esse entendimento na medida em que é clara a não mais poder a redação do Art. 5º, § 1º da Constituição Federal, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e liberdades fundamentais têm aplicação imediata”. Ainda que assim não fosse, forçoso convir que a aplicabilidade imediata do “Pacto San José da Costa Rica” estaria assegurada pelo teor do § 2º do mesmo Art. 5º, que assinala que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Pois bem, o que diz o Art. 4º, intitulado “Direito à Vida”, § 1º, do referido pacto costarriquenho? Afirma textualmente, verbis, que:

“§ 1º Toda pessoa tem o direito de que respeitem sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida” (negritei).

Diante, portanto, dos contornos do dispositivo em exame, plenamente integrante da ordem jurídica brasileira, em decorrência do estatuído no Art. 5º, §§ 1º e 2º, torna-se satisfatoriamente defensável a interpretação, construtiva, de que se reconhece normativa e constitucionalmente o surgimento da vida com o ato da concepção, pelo que a partir de então deve ser preservada. Retendo-se isso, pouco importa, para fins garantísticos, ser o feto saudável ou portador de patologia congênita, viável extra-uterinamente ou não. Sublinhe-se, o feto é vida, a qual poderá ser longeva ou sujeita a desaparecimento prematuro, até mesmo num átimo após o nascimento. O “Pacto San José da Costa Rica” e a ordem constitucional brasileira, insista-se, asseguram a vida do feto independentemente do tempo de existência pós-uterina. De conseguinte, mesmo fadados inexoravelmente ao falecimento quase que imediato fora do ventre da mãe, como sói ocorrer nos casos de anencefalia, os fetos possuem, assegurado, o direito a nascer. Em uma palavra: o feto anencefálico possui um direito constitucional de não morrer, ainda.

Nesse aspecto, estou também convencido de que a constitucionalidade ou não de aborto do feto anencefálico não pode ser analisada apenas sob a perspectiva da dignidade da pessoa humana da gestante.

Inicialmente, saliento que existindo dispositivo constitucional que, com remissão a norma de Direito Internacional Público, declara a existência da vida com a concepção, não identifico no seio da Constituição Federal de 1988 conflito normativo idôneo o suficiente a ensejar a utilização da ponderação de valores (8). De outra parte, muito embora rejeite a tese de uma catalogação apriorística e hierárquica dos direitos fundamentais (conducente à absolutização de alguns deles e, conseqüentemente, impeditiva de aplicação de uma hermenêutica concretizadora, corrente à qual filio-me), estabeleço uma única ressalva, “exceção que vem reforçar a regra”, para referir-me ao direito à vida. Muito mais do que integrante do núcleo essencial dos direitos fundamentais, a vida, se assim posso dizer, consubstancia a própria “essência” desse núcleo essencial - o direito fundamental por excelência. Sendo ela o bem de maior valor, o seu sacrifício só se justificaria se preordenado à preservação da vida de outrem. É a hipótese de gravidez que represente risco à gestante. Em situação que tal, o Código Penal brasileiro despenaliza o aborto, de vez que praticado com o objetivo de preservar a integridade física da mãe. Nada obstante, não ocorrendo a periclitação da vida da mãe na hipótese de gravidez de anencéfalo, descarta-se o estabelecimento de um conflito “vida x vida” que possa dar ensejo ao sacrifício de uma de modo a preservar a outra.

Com base nessas considerações, não vejo como possa prosperar a tese da extinção da vida em favor de algo que, por maior valor que tenha, e a “dignidade da pessoa” certamente o tem, é-lhe decorrente, acessório. A escolha pela vida haverá de ser sempre compulsória, posto que calcada numa lógica meridiana: somente possui dignidade a ser preservada quem vive, quem tem existência. Baseado nisso é que classifico como anódina a instauração de um conflito dessa natureza. Fixada a hierarquia, abstrata ou concreta, do bem ou valor “vida”, eventual clivagem sua, mesmo intra-uterina, com a “dignidade da pessoa humana” (mãe) haverá de ser sempre resolvida em favor do feto. Não se entendendo assim, para além de uma inadmissível suspensão da Constituição, a vida também estaria se sujeitando a uma ameaçadora relativização. Nesse sentido, causa-me enorme preocupação, com a devida vênia, a tese, reproduzida pelo Ministro Marco Aurélio em seu solteiro pronunciamento, de autoria de uma Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que concedera liminar autorizativa de interrupção da gravidez em caso concreto de anencefalia, submetido posteriormente a exame do Supremo Tribunal Federal (9). Segundo a Desembargadora, “a vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de angústia, de desespero”. Tantas vezes li esse comentário, igual número de vezes não consegui evitar a possibilidade perigosa de colonização do argumento por um discurso eugenista. Edwin Black, em seu livro A guerra contra os fracos (10), faz uma categórica advertência que não nos é dado ignorar:


“Vozes destacadas no campo da tecnologia genética acreditam que a humanidade está destinada a uma divisão genética que permitirá que uma raça ou espécie superior exercite o domínio sobre um grupo inferior da humanidade. Elas falam de uma ‘evolução autodirigida’, em que a tecnologia genética é aproveitada para corrigir incomensuravelmente a humanidade – e depois, imensuravelmente aperfeiçoá-la. A correção já está a caminho. Muito já é completamente possível: a terapia genética, a análise embrionária em caso de doença hereditária e mesmo a modificação de genes responsáveis por comportamentos adversos, como a agressão e a compulsão a jogar. Tecnologias ainda mais exóticas propiciarão bebês mais saudáveis e mais fortes, indivíduos mais capazes, de maneiras que a sociedade jamais pôde sonhar antes que o Projeto Genoma Humano fosse completado. [...] Aqueles que se preocupam com o procedimento ‘limitando-pela-genética’, com os ‘guetos genéticos’ e com a ‘subclasse genética’ conseguem vislumbrar um profundo fosso sociológico sendo escavado, daqui para o futuro, que competirá com as atuais iniqüidades do sistema de saúde pública e do sistema jurídico. O próprio termo ‘designer babies’ tem uma conotação de riqueza.

A expressão ‘designer babies’ é, de modo geral, emblemática da idéia do que a tecnologia genética pode fazer, além de meramente corrigir os aspectos frágeis da existência humana. Essa tecnologia pode redirecionar a imprevisibilidade essencial da natureza. Mudanças puramente eletivas devem estar disponíveis em breve. A indústria discute os detalhes, mas muitos garantem que ainda nesta década, dependendo da família e das circunstâncias, a altura, o peso e mesmo a cor dos olhos poderão ser escolhidos. [...] Alguns que falam sobre clonagem humana referem-se à replicação em massa de espécies aperfeiçoadas. Isso nada mais é do que um retorno da campanha para criar uma super-raça dominante – mas agora com a ajuda de computadores, comunicação digital e uma infra-estrutura comercial globalizada para acelerar o processo. [...] Os defensores da divisão genética encorajam-na como uma questão de escolha pessoal, e argumentam que o mesmo homem que compra óculos, que ensina seu filho ou que procura cuidados médicos para dominar sua limitação biológica está destinado a dar o próximo passo e atingir a superioridade genética. Isso não é somente a filosofia, mas, sobretudo, a raison d`être da nova genética – ou nova-genia.

[...] Será necessário um consenso global para legislar contra a violação genética, porque nenhuma lei de país algum poderá, por si mesma, antecipar a natureza intercolaborativa da genomia global. Somente um preceito pode evitar que o sonho da eugenia do século XX encontre, finalmente, sua realização na engenharia genética do século XXI: não importa até onde ou quão rapidamente a ciência se desenvolva, nada deverá ser feito, ou ser permitido, em nenhum lugar do mundo, por ninguém, para excluir, infringir, reprimir ou fazer mal a um indivíduo, com base em sua composição genética. Somente então a humanidade poderá estar segura de que jamais haverá uma outra guerra contra o fraco”.

Talvez seja sombrio por demais esse vaticínio, pressupondo-se a aprovação da “Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos”, de 1997. Objetar-se-ia ainda dizendo que o debate em torno do aborto dos fetos anencefálicos não importa necessariamente uma aceitação da eugenia. Estou de acordo nesse ponto. Nada obstante, existe a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, num aprofundamento da discussão, na esteira do consignado alhures, valorar a constitucionalidade ou não do aborto em outras hipóteses de malformação fetal ou cromossômica (hidrocefalia e síndrome de Down, por exemplo). Demais, há uma estreita imbricação do tema com dois outros, os da eutanásia e ortonásia. Que dizer então das técnicas mais avançadas (?) de reprodução assistida, notadamente aquelas que envolvem a clonagem reprodutiva? A partir dessas factíveis interfaces, não me parece ser um rematado exagero refletir detidamente sobre a admoestação de Edwin Black. Destarte, uma eventual ratificação, em plenário, da liminar do Ministro Aurélio, sobretudo se lastreada em fundamentação ainda mais relativizadora da vida intra-uterina, poderá vir a se constituir num perigoso precedente. A exemplo do que vem ganhando espaço nas academias norte-americanas, impõe-se que os juízes, cada vez mais instados a se pronunciar acerca de casos complexos, ajam “conseqüentemente”, procurando antecipar os possíveis efeitos de seus julgados perante as comunidades nas quais se encontram inseridos. Que nunca nos descuremos de que alguns dos fatos mais ignominiosos da história da humanidade não ocorreram de assalto ou de maneira ruidosa. Ao revés, antes de assomarem-se, deslizaram furtiva e silenciosamente por entre as frestas muitas vezes ingênuas (ou descuidadas?) da sociedade.

Como suma do argumento, cumpre-me deixar patenteado que não ignoro que a gravidez de um anencéfalo acarreta profundo sofrimento à gestante, que projeta na maternidade o momento mais nobre do elemento feminino, do ser mulher. Entretanto, afigura-se-me que esse drama pessoal por que passa a gestante não pode ser superado com a eliminação do mais “fraco”. Como bem esclarece Dalton Luiz de Paula Ramos, Professor de Bioética da Universidade de São Paulo, “não se pode tentar resolver o que é dramático com o trágico! No dramático existe a possibilidade de uma positividade, no trágico só a destruição” (11).

Poderia me ocupar ainda de outros pontos envolvidos na discussão dos anencéfalos. No entanto, nenhum deles a meu sentir contribuiria para um enfoque constitucionalmente mais dogmático e que não acarretasse, ao mesmo tempo, dogmatismo. Talvez ainda tangenciasse aspectos periféricos, distantes de uma estruturação argumentativamente racional. Nem por isso ousaria dizer que o que aqui externei materializa o único entendimento aceitável que o caso comporta. O Direito contempla inúmeras situações de hermética solução, que desafiam a elaboração de discursos jurídicos com igual grau de sofisticação. A vida, complexa em sua essência, corresponde a um desses motes que reclamam rigorosa e acurada argumentação. O que é simples em torno da vida é o modo como se a perde. Assim, sempre que o Direito, baseado que está em certezas efêmeras, condena alguém ao extermínio, melhor que não se descubra amanhã que a construção dessa provisoriedade tenha se dado sobre um cemitério de erros.

Notas

1 HÄBERLE, Peter. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, 55 p. volta

2 Eufemismo que em nada contribui, segundo penso, para a confecção de uma argumentação racional em torno do tema. De fato, este já é suficientemente polêmico para assistir à deflagração de mais uma disputa conceitual, a saber, se a eliminação do feto anencefálico representa ou não uma prática abortiva. O Ministro Marco Aurélio, em sua decisão, conseguiu, data venia, agregar mais esse complicador, porquanto não admitiu que a interrupção da gravidez do anencéfalo seja classificada como aborto. Melhor aproveitaria ao debate caso o insigne Ministro houvesse patrocinado a tese de que o não prosseguimento da gravidez consistiria em mais uma modalidade de excludente da antijuridicidade, somando-se às escusatórias das hipóteses de aborto em caso de estupro e em caso de oferecimento de risco à integridade física da mãe. Por esse motivo, emprego aqui, indistintamente, as expressões “aborto” e “interrupção terapêutica”. volta

3 Senão impossibilidade da tarefa, visto que poucas tematizações encontram-se tão impregnadas de aspectos ético-religiosos como a do aborto. Segue disso que eventual depuração kelseniana dos argumentos jamais resultará na libertação do intérprete daqueles “pré-juízos” e “pré-conceitos”. Aliás, o próprio emprego de um tratamento agnóstico ou rigorosamente cientificista no deslinde do caso, típico de um paradigma positivista, será iniludivelmente “pré-conceituoso”, porquanto explicitará uma visão “neutra” e “avalorativa” do Direito, quando se sabe que tudo o que este anseia hodiernamente é por um processo de (re)legitimação, construído e reconstruído a partir da introdução de argumentos moralmente aceitáveis no discurso jurídico. Desde Heidegger e sua identificação de um “círculo hermenêutico”, bem como com o advento da hermenêutica filosófica gadameriana, a aplicação do Direito deixou de ser algo “puro” e “asséptico”, mas inextricavelmente vinculada e tributária da “pré-compreensão”, condição de possibilidade do processo hermenêutico, que supõe ainda os elementos da compreensão e interpretação. Tudo isso considerado, ousaria dizer que uma leitura positivista do caso dos anencefálicos representaria um erro epistemológico. volta

4 Antes de me ocupar com as respostas, justifico o porquê dessas indagações, que me parecem prejudiciais a todo o exame da questão do aborto. Lawrence Tribe, um dos mais renomados constitucionalistas norte-americanos, ao discorrer sobre a dissensão entre “originalistas” e “não-originalistas”, tendo como pano de fundo a indagação a respeito da correta interpretação da Constituição estadunidense, afirma ser defeso ao intérprete dizer aquilo que subjetivamente, apenas, pensa ser a Constituição. O papel do intérprete, prossegue Tribe, é bem mais ingente. Espera-se do intérprete que ele esteja preordenado a dizer aquilo a que a Constituição deve corresponder, segundo uma visão objetivamente compartilhada de todos para com todos. Tal dicotomia, muitas vezes lábil, ganha relevo na medida em que diferencia “o que eu penso” daquilo que “eu suponho ser pensado por outros”. É que aqui, diferentemente do que sói ocorrer lá, trabalha-se com a perspectiva do outro. Essa noção de “alteridade” é que permite ao intérprete elaborar uma construção de sentido amalgamada por uma “fusão de horizontes”, inclusive a dele próprio, pois o homem não pode nunca se colocar entre parênteses – em uma palavra: a unidade na pluralidade. volta

5 Decreto 678, de 6 de novembro de 1992. volta

6 STF – Adin nº 1.480-3/DF – Min. Celso de Mello. volta

7 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996; ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. A incorporação dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, nº 130, p. 81, 1996); CLÈVE, Clèmerson Melin. Contribuições Previdenciárias, não-recolhimento. Art. 95, c, da Lei 8.271. Inconstitucionalidade. RT/Fasc. Penal, Ano 86, v. 736, fev. 1997, pp. 503-532; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A interpretação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, v. 46, nº 182, p. 27-54, jul.-dez./93. volta

8 Dentre inúmeros artigos escritos a partir da obra de Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, na qual o juspublicista alemão trata da colisão de princípios e da aplicação do método da ponderação, cito o elucidativo trabalho de Daniel Sarmento intitulado “Os princípios constitucionais e a ponderação de bens”, apud in TORRES, Ricardo Lobo (org). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. volta

9 Habeas Corpus nº 80.025-6/RJ, que, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, acabou não tendo o seu mérito enfrentado pela morte do feto. volta

10 BLACK, Edwin. A guerra contra os fracos: a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma raça superior. São Paulo: Girafa Editora, 2004, p. 697-701. volta

11 RAMOS, Dalton Luiz de Paula. Alguns esclarecimentos sobre os fetos anencéfalos: para não transformar o dramático em trágico. volta

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