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A necessidade de sermos bons

Artigo publicado no jornal econômico Il sole 24 ore
Angelo Scola

 

A crise econômica atual deve ser vista não apenas em seus aspectos econômico-financeiros, mas também em suas raízes culturais: a crença num progresso constante e irrefreável e o esquecimento da pessoa humana como ponto de partida para toda a atividade econômica e social.

As análises do “mal sombrio” da crise econômica em ato correm facilmente o risco de irem de um extremo ao outro, do alarmismo à simplificação. Mas diante dela é inevitável buscar uma interpretação.
Mas só será possível encontrar soluções concretas e duráveis para a crise se a tomarmos a partir de suas raízes profundas, sem nos determos em respostas que até podem ser generosas, mas não são adequadas para as demandas que emergem nessa situação.
Como estamos então interpretando essa crise? Como desejamos acompanhar-la criticamente?
Creio que essa é uma crise da cultura, no sentido forte do termo.
Para além das análises feitas pelos especialistas a respeito da “bolha financeira” que está produzindo graves conseqüências sobre a atividade produtiva, com a perda de muitos postos de trabalho; para além do conseqüente aumento da vulnerabilidade dos mais fracos tanto no interior das nações como no cenário internacional; para além das leituras econômico-financeiras vistas diariamente na mídia, a crise demonstra uma dúplice raiz cultural.
A primeira consiste na ilusão neo-iluminista do progresso como processo linear sempre constante e em constante ascensão.
Mas, pelo contrário, como a história documenta, em nenhum campo da vida prática acontece um crescimento progressivo e linear. A história sempre segue num ritmo ondulatório, cujas conseqüências devem ser consideradas.
Isto vale também para a esfera econômico-financeira. Apesar do mundo financeiro frequentemente preveja as crises como “fatores fisiológicos”, não se abandona a ilusão de um crescimento que não pode ser detido.
Mas a segunda e mais grave raiz da crise está na remoção do sujeito pessoal e comunitário da esfera econômico-produtiva – enquanto, como ensina a Doutrina Social da Igreja, o sujeito do trabalho não pode nunca estar subordinado ao capital, em nenhuma de suas formas.
Quando o sujeito comunitário e pessoal, isto é, o “eu” e a trama de relações constitutivas no qual está imerso, é esquecido ou instrumentalizado em nome de um sistema abstrato de fatores e políticas reguladoras, então – cedo ou tarde – acontece o contragolpe da realidade. Explodem uma série de contradições que devem ser pagas inexoravelmente pelos próprios sujeitos, em particular por aqueles mais fragilizados.
Daqui nasce uma outra consideração que não é secundária...
Entre as análises que li sobre a crise, me chamaram a atenção – a mim, que não sou um especialista – particularmente algumas que remetem as raízes da crise ao início do período de redução demográfica a partir da metade dos anos ‘70. Um aspecto fundamental dessa tese sustenta que a capacidade de poupança das famílias no primeiro mundo, sobretudo nos Estados Unidos, foi reduzida com esse processo, pois se acredita que quando não se tem filhos, não se faz poupança. O desenvolvimento, nesse caso, se apoiaria no mercado financeiro até a exaustão.
Sairemos dessa crise de maneira nobre e objetiva, portanto, somente formos ao fundo das suas raízes culturais e dos elementos que a compõem, se revisarmos as regras das finanças e da economia, colocarmos novamente no centro o sujeito pessoal e comunitário e, por fim, se nos decidirmos a levar em conta também os países mais pobres, tratando-os como atores responsáveis no processo de desenvolvimento. Temos ainda que encontrar estradas que abarquem esses países, evitando repetir erros cometidos no passado, quando se viabilizaram grandes transações econômicas sem pedir o respeito aos direitos fundamentais do homem.
Por fim, quero referir-me ao horizonte no qual esta proposta de leitura se coloca: é necessária uma educação – que envolva a todos – a estilos de vida sóbrios e solidários.
Um estilo de vida digno desse nome é integral: considera os afetos, o trabalho, o repouso, para chegar a uma relação correta com os bens, tendendo à superação de uma obscenidade consumista que não é menos deprimente que uma obscenidade erótica.
A sobriedade necessita de responsabilidade e liberdade, por isso n]ao pode deixar de começar pela pessoa: eu devo mudar, em mim mesmo e em minhas relações com os outros e com Deus. Só assim mudaremos os atores da sociedade civil e aqueles que têm responsabilidade nos governos.
Nesse momento de mudanças rápidas e contraditórias, são os valores que se encontram na vitalidade da sociedade que dão esperança. Desde que não esqueçamos a aguda advertência de Eliot, “Os homens sempre buscaram fugir da escuridão interior e da exterior até chegarem a sonhar com sistemas de tal modo perfeitos que não teríamos mais a necessidade de sermos bons”.

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