Entrevistas

Estante - UOL

1. Ilíada, de Homero. Tradução bilíngüe em dois volumes de Haroldo de Campos. Introdução e organização de Trajano Vieira (ed. Arx).

Porque Homero não nasceu antes-de-ontem, essa deve ser a obra mais interessante do ano no Brasil. O leitor sai duplamente premiado. Com um kit em papel-cartão negro onde se encaixam os dois volumes com os 14 mil versos sobre a Guerra de Tróia -aliás, ótima idéia para um fino presente de Natal. E com a língua homérica de Haroldo, onde se pode encontrar maravilhas como estas: “a aurora duodécima”, “o deus flechicerteiro”, “Apolo contra os Aqueus dispara um flechaço funesto”.

2. O Mundo de Homero, de Pierre Vidal-Naquet. Tradução de Jônatas Batista Neto (Companhia das Letras).

Rapidamente vertido para o português, dois anos depois de sua publicação na França, esse pequeno livro de um dos mais importantes helenistas vivos é feito para acompanhar a viagem a Ítaca de Haroldo de Campos. Esbarramos aí na perturbadora possibilidade de não ter havido nenhum Homero cabeludo, barbudo e cego. Mas uma multidão de Homeros: os rapsodos que cantavam os poemas atribuídos a um pretenso antepassado fora de todo alcance que não imaginário.

3. Narrativas do Espólio, de Franz Kafka. Tradução de Modesto Carone (Companhia das Letras).

Tiradas por Max Brod dos cadernos prometidos à fogueira, são 31 peças curtas selecionadas em que a famosa economia kafkiana de recursos chega a um máximo de rendimento irônico. Como no texto de uma página e meia que evolui em crescendo para um desenlace tão absurdo quanto dramático, por conta de um desencontro de negócios entre A e B que não se sabe nem sequer qual é. “Apesar do comportamento incompreensível de A, no entanto, B ficara ali esperando.”

4. O Partido das Coisas, de Francis Ponge. Organização de Ignacio Antonio Neis e Michel Peterson. Traduções de Adalberto Müller Jr., Ignacio Antonio Neis, Júlio Castañon Guimarães, Michel Peterson (Iluminuras).

Desde que Sergio Buarque de Holanda, informado e cosmopolita como era, aqui falou, pela primeira vez, nesse que é um dos mais surpreendentes poetas franceses do século XX, estávamos em falta com "Le Parti Pris des Choses", cuja primeira publicação é de 1942. No mundo argentino, Borges já traduzia partes desse volume que vale por um manifesto antilírico em 1947. Mas, mesmo na França, o poeta teria que esperar a entrada em cena do grupo Tel Quel para ser minimamente reconhecido. Vale notar ainda que nada se pode compreender de João Cabral sem seu mestre Ponge.

5. Poemas do Brasil, de Elisabeth Bishop. Seleção, introdução e tradução de Paulo Henriques Britto (Companhia das Letras).

Não é só pela tradução de poeta de Paulo Henriques Britto, nem só pela excelente apresentação que o tradutor faz dessa importante norte-americana que morou e escreveu no Brasil, nem só pela moderna coloquialidade de Bishop que vale a coletânea. Mas pelo retrato do Brasil que temos aí, colhido por um olhar geralmente cruel, que nos mostra o que somos com as lentes de quem observa tudo de fora. Até o que acontece na padaria, como no poema “Going to the bakery”: “As tortas gosmentas, vermelhas/ doem. O que devo comprar?”.

6. O Homem e Sua hora e Outros Poemas, de Mário Faustino. Pesquisa e organização de Maria Eugenia Boaventura (Companhia das Letras).

No ano do centenário Drummond, em que nosso poeta considerado maior foi sepultado sob o peso do jargão universitário e das muitas homenagens oficiais, como acabaram notando os espíritos mais argutos, não deixa de ser refrescante essa recuperação dos poemas do jovem piauiense que concebeu e animou a célebre e sofisticada página Poesia-Experiência do "Jornal do Brasil". Já que, escrevendo contra a língua, como todo experimentalista, Mário Faustino resiste a quem queira tomá-lo fora do círculo auto-referente da própria literatura.

7. Matrizes da Linguagem e do Pensamento, de Lucia Santaella (Iluminuras).

Longe da atenção da grande mídia -onde jamais foi resenhado, até onde eu chego, o que não o impediu de levar o Prêmio Jabuti de 2002 na categoria teoria literária-, o volume realiza um tour de force. Retoma toda a arquitetura filosófica do norte-americano Charles Sanders Peirce, que classificou o mar de signos em que banhamos em três categorias enxutas, para sustentar a hipótese de que todas as linguagens existentes, sejam sonoras, verbais, visuais ou híbridas, e menos ou mais complicadas, desenvolvem uma das três matrizes peircianas, e só uma. O que permite uma aproximação milimétrica do funcionamento das artes!

8. O Otelo Brasileiro de Machado de Assis, de Helen Caldwell. Tradução de Fábio Fonseca de Melo (Ateliê Editora).

Importantíssima tradução de uma obra de 1960, assinada por uma brasilianista californiana, que transtorna todas as perspectivas de leitura de "Dom Casmurro", ao acenar, pela primeira vez, à luz do ciúme shakespeariano, com a hipótese da culpa de Bentinho. Culpa tão mais insuspeitável quanto, graças ao artifícios sempre diabólicos de Machado, o acusador de Capitu é o próprio Narrador. Machadianos importantes vieram recentemente a público manifestar seu espanto diante dos mais de 40 anos que levamos para chegar à versão dessa peça crítica imperdível.

9. Walter Benjamim - Tradução e Melancolia, de Susana Kampf Lages (Edusp).

Saído de uma tese de doutorado, esse é um brilhante comentário de um dos tópicos gnósticos e de um dos textos-fetiche de Walter Benjamin, "A Tarefa do Tradutor". A autora -que domina tão bem o alemão quanto o português, o que não é o caso de todos os nossos germanistas de plantão- administra com clareza a fascinante visão que tem Benjamin da tradução como contraprova de uma língua adâmica perdida na babelização. Quer dizer, como aquela que recola os cacos vernaculares desse estilhaçamento melancólico.

10. Isaac Newton e Sua Maçã, de Kjartan Poskitt. Tradução de Eduardo Brandão. Revisão técnica de Iole de Freitas Druck (Companhia das Letras).

Esse é outro perfeito presente de Natal. Trata-se de uma introdução seríssima à racionalidade científica moderna na base do relato cômico. O leigo é introduzido na revolução newtoniana -com tudo que isso demanda de perspectiva histórica e de matemática- como quem saboreia as aventuras de um solteirão inglês esquisito, com um pé na alquimia, que levou uma “maçanzada” na cabeça, chamado Isaac.

Leda Tenório da Motta
É crítica literária e tradutora. Professora no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP, acaba de publicar "Sobre a Crítica Literária Brasileira no Último Meio Século" (Imago), no qual faz um exame da trajetória de Haroldo de Campos como crítico. Na mesma linha, prepara atualmente um "Dicionário Temático da Crítica Brasileira" que deverá selecionar cerca de 100 nomes.

 

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