Passar para o conteúdo principal
Diálogos Impertinentes

Diálogos Impertinentes - A FELICIDADE 26/05/1998.

A hora fugaz Desejada por todos, a felicidade é apenas um estado passageiro - MARIO SERGIO CORTELLA - especial para a Folha de São Paulo "Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora..."; essa foi a lembrança lupiciana que nos restou, após duas horas de um denso e feliz passeio na noite de 26 de maio, levados que fomos pelo escritor Moacyr Scliar e pelo psicanalista Renato Mezan. "A Felicidade", terceiro programa da série 98 dos "Diálogos Impertinentes (já no seu quarto ano como promoção conjunta Folha/Sesc/PUC-SP), aconteceu no teatro do Sesc Pompéia em São Paulo, com transmissão nacional ao vivo pela TV PUC (por meio dos sistemas de TV a cabo e parabólicas). O passeio teve início a partir da transformação em interrogação da assertiva de Tom e Vinícius: "Tristeza não tem fim; felicidade, sim..."? Scliar e Mezan foram enfáticos: ambas têm fim, por serem, antes de tudo, um estado passageiro; no entanto, o psicanalista lembrou que o oposto da tristeza é a alegria, e não a felicidade. Ao ser questionado sobre se sua opção pela literatura (deixando a medicina que, antes, exercia) não seria a busca da felicidade, Scliar lançou mão, humoradamente, de um argumento étnico para justificar sua escolha: "Duas noções governaram a minha adolescência revoltada: a da batalha final (entre os justos e os injustos, entre os pobres e os ricos, entre os bons e os maus), e a do final feliz (a batalha termina com a vitória do bem sobre o mal). É uma expectativa messiânica, que deve estar embutida no meu aparelho genético judaico. Ora, é a noção do final feliz que governa o ficcionista, e, ainda que na sua obra isso nem sempre ocorra, só a possibilidade de controlar o final e fazê-lo feliz (se quiser), é uma tentação que induz as pessoas à literatura". Renato Mezan, indagado sobre uma suposta conexão psicanalítica da busca do final feliz com um desejo infantil (já que o final da vida é a morte, que não é feliz), não titubeou: "O final feliz é uma forma de interromper a passagem do tempo (foram felizes para sempre...); é, sim, um desejo infantil, o que não quer dizer que seja pueril, bobo, tolo. Muitas coisas são desejos infantis e não necessariamente desejos pueris". Scliar lembrou, então, o conceito de saúde (há 50 anos estabelecido pela OMS), que a indica como o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social; falou da crença de muitos na impossibilidade desse estado, ao dizerem, com certo desprezo, "isso não é um conceito de saúde, e sim de felicidade; não é operacional nem prático". O escritor provocou o psicanalista recordando que, em um livro de psiquiatria que estudara, havia uma nota de rodapé dizendo que, "para Freud, a idéia de felicidade não era uma idéia concreta, real; o máximo que um ser humano pode esperar é um estado de tranquila infelicidade". Mezan, inquirido sobre se a felicidade é um conceito operacional em sua área e se nesta é possível um "final feliz", rebateu ludicamente: "Depende da definição de felicidade e da definição de final (problema também complicado na psicanálise...)". Para ele, a felicidade é como a noção de "idéia reguladora" criada por Kant e comparada com a estrela polar; "ela guia o navegante para que ele chegue aonde quer chegar, mas não é objetivo do navegante chegar até a estrela polar". Naquela noite faltou apenas o Lupicínio Rodrigues adentrar virtualmente e, para fazer um "final feliz", completar a letra de seu clássico cantando "o pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar"... Mario Sergio Cortella é professor-adjunto do departamento de teologia e ciências da religião e da pós-graduação em educação da PUC-SP; autor de "A Escola e o Conhecimento" (Inst. Paulo Freire/Cortez). https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs28069818.htm

TV PUC Diálogos Impertinentes