Uma antiga fábrica de beneficiamento de trigo - o Moinho - tornou-se moradia de desabrigados, ponto de marginais e prostitutas. Aqui, a cena da comunhão cede lugar ao espetáculo do tráfico. Neste lugar em que se abandonou a produção do alimento essencialmente ligado à vida, Eliane Prolik ergue uma encenação escultórica de um ritual de morte. São vários leitos de chumbo, sobre os quais se encontram porções de massa de pão. Como matéria orgânica, o pão apresenta viscosidade, fermentação, crescimento, solidificação e por fim esfacelamento à pó, dotando-o de significações profundas. No imaginário cristão, o pão é corpo.

Já o chumbo é denso, emudecedor. Sua condição amorfa testemunha o abafamento da luz, o silêncio, a ausência de vida. Essas mantas de chumbo, recobertas pela massa de pão, criam uma situação de extrema tensão, o drama do confronto entre a matéria orgãnica, como um corpo, e aquilo que a aspira. A resistência desesperada da vida diante da morte avassaladora e implacável.

Nesses leitos de morte, o pão passa por um processo de definhamento e putrefação, símbolo arcaico do ciclo que leva à decadência. Materiais contrastantes, situações conflitivas, desordem e harmonia, criam uma configuração poética barroca. O conjunto arquitetônico e escultórico com que, no séc. XVIII, se representou a epopéia da riqueza e os dramas da perdição humana. Estes leitos lívidos, ao retomarem procedimentos desta tradição, problematizam a produção escultórica brasileira.

Aqui complexidade, saturação e tensão _ características dos próprios lugares de intervenção _ são trazidas ao território da arte. O peso silencioso das mantas plúmbeas de chumbo, sobre as massas pálidas e frágeis de pão, investem poética e esteticamente aquelas cenas de opressão e dor.