Ao contrário do pintor, que trabalha com a luz, à distância do quadro, o gravurista atua diretamente sobre o material, escavando-o com o buril. Para jogar escuridão sobre o papel. A gravura é um dos procedimentos mais emblemáticos neste mundo de ferro e tijolos, de engrenagens corroídas em meio a ruínas. O gesto do gravurista é um corpo a corpo com a matéria.

Artista cartógrafo, Evandro Carlos Jardim realizou um dos mais significativos e líricos mapeamentos da área marginal da cidade, ao longo do rio. Visões fragmentadas, objetos isolados, como que à deriva. Observados por quem passa, como se estivesse num trem. Árvores, um barco, uma cadeira, a Lua... as cenas dispersas vão compondo uma história. Reproduzidas num folder, uma tira que lembra os trilhos ferroviários ou o travelling cinematográfico, princípios da narrativa. Um modo de contar a história da cidade.

Ao fazer cópias para serem distribuídas nos vagões, como se fossem volantes, Evandro está retomando uma das práticas mais características do período revolucionário russo,em que se usava os trens para difundir cultura e ideologia entre a população. Uma espécie de panfletagem, em que as palavras de ordem são substituídas pela sensibilidade da observação artística.

Cenas de trânsito, elementos urbanos comuns, objetos do cotidiano são arrolados para constituírem um inusitado mapa daquela área da cidade. Imagens gravadas no inconsciente do passante, fruto da observação distraída, que o artista sabe captar. O olhar do gravurista faz ver o que mostrar tudo aquilo que está ali, mas que comumente nos escapa. É uma visão: revela, paradoxalmente pelas sombras, o que não podemos ver.