wagner garcia
 
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A situação em que Wagner Garcia desenvolve seu projeto é a única, na região recortada por Arte/Cidade, a apresentar efeitos dos processos mais recentes de reconfiguração do espaço urbano. Aqui foram criadas áreas de condomínios residenciais, shopping centers e grandes superfícies, que tenderam a constituir unidades urbanas relativamente autônomas, diretamente relacionadas ao restante da metrópole, destacadas do entorno tradicional imediato.

O surgimento destes equipamentos e enclaves instaura uma nova escala, metropolitana, nesta área. Enquanto a ocupação anterior tinha uma dimensão essencialmente local, estas novas ilhas estabelecem, na experiência cotidiana das pessoas, de morar, trabalhar e consumir, novas relações espaciais, muito mais ampliadas.

Um novo mapeamento torna-se necessário quando o desenho urbano da área é completamente redimensionado, alterando-se as relações de vizinhança entre os locais. O antigo sentido das distâncias não tem mais validade. É este verdadeiro abalo sísmico que Wagner Garcia procura captar, ao mesmo tempo que oferece um outro dispositivo para cartografar a configuração deste território movente, invisível na escala da nossa experiência e percepção.

A proposta consiste em fazer um mapeamento do subsolo, talvez um modo de traçar os contornos de uma área tão fragmentada e desconfigurada na superfície. Trata-se de instalar dois bate-estacas nas extremidades de uma imensa plataforma metálica _ um verdadeiro metro urbano _ existente em frente à estrutura abandonada. Sensores serão dispostos ao longo da distância que separa a estrutura do SESC Belenzinho. De acordo com a resistência do solo, evidência da presença de fundações, encanamentos e outras implantações, os sensores emitirão sinais diferentes, captados no SESC para a elaboração de um mapa desta configuração invisível.

No interior de um dos galpões do SESC será aberta uma vala de cerca de 19 x 6 m, com 2,5 m de profundidade. O público poderá descer no interior dessa fenda, onde serão ouvidos os sons do bate-estaca e projetado um vídeo registando a ação.

Território é uma operação de demarcação de distâncias. Mas a distância crítica não é uma medida, é um ritmo. Outro esquema anuncia-se aqui: em rede. Não uma forma ou estrutura, mas uma articulação. Um conjunto fluído, sem evolução linear, mas densificações, intensificações e atos intercaladores. Intervalos, repartições de desigualdades e vazios. Superposição de ritmos díspares, sem imposição de medida.

Assim é que o espaço liso infiltra-se na polis, espaço estriado. Trata-se de se distribuir pelo espaço, tomar o espaço, guardando a possibilidade de surgir num ponto qualquer. O movimento não vai mais de um ponto a outro, mas é perpétuo, sem origem nem destino.

É o modelo hidráulico de Serres: espaço sem limites onde fluxos se distribuem. As figuras são consideradas em função das afetações que lhes ocorrem, acontecimentos, acidentes que as determinam e resolvem. O Estado subordina a força hidráulica com condutores, canais. O modelo hidráulico se expande por turbulência, um movimento que toma o espaço simultaneamente por todos os pontos, em vez do movimento local que vai de um ponto a outro. O efeito pode surgir de qualquer ponto.

O espaço liso, diz Deleuze, é um meio sem horizonte, como o deserto ou o mar. Não existem distância intermediária, perspectiva ou contorno. Espaço tátil, mais sonoro do que visual. Localizado, mas não delimitado. Local absoluto, contra o global relativo do espaço estriado, em que as partes que articulam conjunto.

Aqui o número não é subordinado à determinações métricas ou dimensões geométricas: é uma relação dinâmica com direções geográficas. Direcional, não dimensional ou métrica. A matéria-movimento, em fluxo, que entra no processo é desestratificada. Matérias vagas, anexatas, distintas das fixas, métricas e formais. Constituem conjuntos fluídos. Como o dispositivo de sinais subterrâneos multidirecionais criado por Wagner Garcia: estendem-se em todas as direções, ignorando as canalizações, fundações, trilhos de trem e vias de transporte que alinham e recortam a área.

Daí o exemplo da metalurgia: a materialidade energética transborda matéria e forma. Um desenvolvimento contínuo que supera a sucessão de formas. Uma variação contínua de forma. O artesão da forja, o homem do subsolo, que habita o espaço como um buraco, é aquele que segue um fluxo de matéria. Como o itinerante, o ambulante.