Nota sobre o futuro da Universidade

Pierre Lévy

 

Introdução: do texto estático ao hiperdocumento mergulhado no ciberespaço

Cada vez mais os textos, ou melhor, os hiperdocumentos, são lidos e escritos na tela ou em outros suportes interativos conectados à internet. Sob cada página, cada palavra, se encontra potencialmente a totalidade incircunscritível da web. Nesse novo ambiente de leitura e consulta, o texto aparece como uma figura particular do ambiente quase infinito do ciberespaço ao qual ele remete. O texto se volta sobre seu próprio fundo para propor ao seu leitor um percurso no oceano informacional. Uma leitura é um mergulho múltiplo. Quanto à escritura, ela se transforma no ato de organizar uma coleção de tesouros trazida das profundezas.

Uma das grandes novidades da escritura hipertextual on line (quer dizer da nova escritura) é que ela permite mostrar aquilo sobre o qual ela trata. Por exemplo, aqui está a Galáxia Girassol. Ainda é difícil calcular as implicações desta nova situação no que se refere ao saber e à pedagogia, mas certamente, as transformações serão numerosas e inesperadas. Num livro impresso, ou em uma sala de aula, poderíamos mostrar imagens, mas não poderíamos apontar para um site cujos dados mudam continuamente Weather.Yahoo .

Não poderíamos também fazer o leitor mergulhar nesses meios sociais que são as comunidades virtuais, nem dar acesso à edição do dia de todos os jornais do planeta (ver a rubrica , "o quiosque on line", no pé da página de entrada do Correio Internacional). Agora é possível direcionar seu index para quase todos os pontos do universo cultural humano, permitindo a leitura, a visão e a compreensão sobre o que aí acontece e desencadear um diálogo. De agora em diante, on line, estamos todos no meio do mundo.

Eu redigi este texto tentando ilustrar o que acabo de propor. Portanto, aconselha-se a leitura on line e não a impressão no papel. Este documento contém algumas considerações sobre o futuro da universidade, à luz das recentes evoluções do mundo ciber. Não ignoro evidentemente que este assunto é objeto de numerosas reflexões em todos os países, mas preferi produzir um curto texto resumindo algumas reflexões, ao invés de produzir um estudo que reunisse todos os trabalhos sobre o assunto.

A Convergência

Observamos desde agora (e observaremos cada vez mais no futuro) uma convergência no ciberespaço entre as diferentes instituições que têm como objetivo a difusão da informação e da cultura (Universidades, Museus, editoras, Bibliotecas, jornais, revistas, televisões). Um excelente exemplo desta convergência é www.fathom.com (a destacar, neste site , a cooperação das universidades, das editoras, bibliotecas e museus).

O site de Télérama (revista de cultura francesa que, no papel, apresenta os programas de espetáculo, da radio e televisão na França) oferece acesso livre e gratuito a uma enciclopédia de áudio e texto sobre "todos os conhecimentos", das matemáticas às ciências humanas, composto por conferências realizadas pelos melhores especialistas universitários.

Outro exemplo, muito significativo desta tendência, é o "learning network" do NY Times e sua comunidade virtual, Abuzz, onde as pessoas rivalizam entre si para fazer as melhores perguntas e dar as melhores respostas. A função educativa é cada vez mais e mais "distribuída". As empresas, e notadamente as empresas hi-tech, representam cada vez mais um papel de formação e difusão de conhecimentos. Será preciso mencionar os sites da Netscape, Microsoft ou de outras empresas do mundo da tecnologia de informação, consultados por milhões de pessoas todos os dias, com seus grupos de discussão ou seus melhores especialistas trocando conhecimento, sob o olhar de novatos que ainda estão aprendendo? Mas esta tendência se afirma em todos os domínios, por exemplo, em biotecnologia . Lembremos, finalmente, que a Enciclopédia Britânica tem acesso livre na web, assim como outras enciclopédias muito bem feitas e que oferecem, além dos seus excelentes artigos, links para o resto da internet. A enciclopédia Encarta da Microsoft oferece recursos educativos para os professores . Hoje, a maior parte dos grandes museus já possui seções educativas nos seus sites. O papel e a função da universidade devem ser completamente repensados neste novo ambiente, que muito rapidamente vai se tornar "o ambiente", simplesmente.

A Concorrência

Com o desenvolvimento por todo o mundo das universidades ditas "virtuais", a concorrência está cada vez mais internacionalizada, já que os estudantes de qualquer país podem acompanhar de suas casas os cursos de qualquer universidade do mundo. A título de ilustração, existem 70 mil respostas para "universidade virtual" em Google.com. O mercado de testes e avaliações on line apresenta um forte crescimento e as fusões e aquisições se multiplicam neste setor (ver exemplo). Encontraremos na página a seguir um relato de uma interessante iniciativa inglesa de universidade virtual visando um público planetário, e que representa o que está acontecendo em todo o mundo: Alphagalileo . Para o mundo de língua francesa, outra consulta útil é em thot.cursus.edu , que é sustentado pela agência intergovernamental da francofonia e que contém todas as novidades do ensino a distância, assim como um impressionante repertório de ferramentas e recursos on line, freqüentemente gratuitos. Outro exemplo tirado da minha experiência, eu inaugurei três universidades virtuais durante a minha viagem ao Brasil, em maio de 2000. Novos "modelos de business" estão fundados na implantação de Universidades on line gratuitas, que funcionam como suporte de marketing e de venda para anunciantes e para as marcas que os sustentam (como caso de Notharvard.com, sustentadas por Barnes e Nobles, Motorola e Merril Lynch , entre outros, com seus milhões de dólares. Ver Nothavard) Podemos observar o resultado, por exemplo, no site desta Universidade de marca: BarnesandNobleUniversity . Finalmente, com a convergência de todas as empresas e instituições de produção e difusão de conhecimentos (incluídas as empresas high tech onde são feitas muitas pesquisas), a Universidade está concorrendo igualmente com o conjunto de mídias e de fontes de informação presentes de agora em diante na web.

A Desterritorialização

Todas as mídias publicam ou "emitem" agora na web. Algumas só publicam na web (como a revista on line Salon ou certas rádios e televisões temáticas que achamos, por exemplo em Comfm.fr) Pode-se também, com o computador conectado à internet, escutar todas as rádios de qualquer lugar do mundo. As mídias, antes locais, como a rádio e a televisão ou os jornais, sofrem uma desterritorialização radical. Elas não estão mais ligadas a uma zona geográfica, mas a uma comunidade virtual de ouvintes, espectadores, leitores. Esse fenômeno de desterritorialização vai atingir da mesma maneira, ainda que mais lentamente, as universidades, museus, bibliotecas e outras instituições culturais. As singularidades locais se universalizam e se misturam. Na web, as rádios oferecem textos, os jornais sons e imagens animadas, os vendedores de livros, ou de qualquer coisa, universidades. As diferenças de suporte das mídias, e mesmo as diferenças entre as instituições de criação e difusão de "mensagens"(museus, universidades, editoras, mídias...) estão desaparecendo. Todas as mídias estão convergindo no ciberespaço.

As comunidades virtuais

Os membros de empresas, de administrações e de organizações classistas estão quase todos ligados pelo correio eletrônico e dividem suas memórias através de uma intranet. Tornaram-se, portanto, comunidades virtuais. Por exemplo, a Universidade do Quebec em Trois-Rivières também é uma comunidade virtual, já que a administração, os professores e os estudantes estão conectados em rede (uqtr.uquebec.ca). Além das comunidades virtuais que reproduzem as instituições clássicas, a maioria das comunidades virtuais são, por natureza, desterritorializadas e reúnem pessoas que estão interessadas pelos mesmos temas, paixões, projetos, objetos... independentemente das fronteiras geográficas e institucionais. Diríamos que sobre esse novo território virtual, as proximidades são semânticas e não mais geográficas. Os grupos de discussão, as listas de difusão, news groups, salas de chat, mundos virtuais multiparticipativos, jogos de vídeo coletivos on line e outras comunidades virtuais conhecem um desenvolvimento espetacular, e particularmente entre as gerações mais jovens.

Os jovens se apegam particularmente aos chats, às comunidades gráficas e às comunidades de sem fio (principalmente no Japão). Entre os sites de chats, citamos Alamak ou o francês Caramail . No domínio das comunidades virtuais gráficas, assinalamos The Palace , cujos membros podem ter uma aparência, um visual, que chamamos de avatar.

O desenvolvimento de comunidades virtuais é provavelmente um dos grandes acontecimentos sociológicos destes últimos anos, pois concebe uma nova maneira de se "fazer sociedade". Comunidades virtuais reunindo centenas de milhares de pessoas são as novas "cidades" do ciberespaço. Vocês conhecem "The Park"(500 mil pessoas) , por exemplo, cuja filosofia (um povo, um planeta, uma comunidade) é tipicamente californiana ? Ou a "Respublica" (mais de 300 mil pessoas), comunidade francesa, cujos cidadãos elegeram um Presidente da República? Existem grandes comunidades virtuais comerciais oferecendo galerias de páginas pessoais, com as ferramentas para construí-las, grupos de discussão sobre assuntos diversos, salas de chat e um leque de serviços, como Crosswinds, Fortunecity, Tripod, pertencente a Lycos, ou Geocities, que pertence a Yahoo. Geocities, por exemplo, é organizado em "vizinhanças", ou seja, temas agrupando sites pessoais por afinidades (observem esses temas na página).

Essas "nações virtuais" podem somar milhões de membros, todos com suas páginas pessoais. Os "habitantes" de tais comunidades podem não só se falar por email, por chat e grupos de discussão, como podem também fazer publicidade uns para os outros diretamente em seus sites pessoais, vender mercadorias, se organizar em anéis que reúnam vários sites, etc. Podemos também criar pequenas comunidades com ambições mais modestas, com custos técnicos e financeiros mínimos. As soluções vão da simples lista de discussão ao uso de ferramentas que permitem construir comunidades virtuais dotadas dos últimos aperfeiçoamentos técnicos (ver por exemplo o site comercial: Bravenet) e mesmo comunidades virtuais gráficas, desde que adquirindo os servidores adequados (ver no site ThePalace).

As conseqüências econômicas do aparecimento deste novo formato social que é a comunidade virtual são capitais. Lembremos, simplesmente, da potência adquirida pela AOL (que acaba de comprar a Time Warner) (AOL) - hoje uma das companhias mais poderosas do mundo - porque ela está gerindo a mais importante comunidade virtual. Assistimos hoje uma verdadeira competição entre as instituições on line para reunir a maior comunidade virtual possível, pois a sobrevivência da instituição está ligada ao suporte dado por essa comunidade. Foi o que percebeu, por exemplo, a equipe do jornal francês Le Monde, que se transformou em uma comunidade virtual que oferece serviços aos membros do clube, correio eletrônico gratuito etc. No geral, se todas as mídias de comunicação e instituições culturais estão convergindo no ciberespaço, seria preciso, para traçar um quadro completo da situação, afirmar que estas instituições estão se transformando em comunidades virtuais.

A verdadeira concorrência entre todas as mídias e, para além delas, entre todas as empresas e instituições de um Planeta dominado pela "economia da informação", vai se apoiar na capacidade de cada um deles em reunir e fidelizar uma comunidade virtual. De fato, quanto mais numerosa e fiel é a comunidade virtual, mais importantes podem ser os rendimentos (receita e publicidade). Além disso, uma comunidade virtual representa uma grande riqueza em termos de conhecimento compartilhado, de capacidade de ação e de poder de cooperação. Uma comunidade virtual tende a se tornar uma "inteligência coletiva", quer dizer uma fonte de conhecimento e criatividade.

Uma perspectiva para a Universidade X

A Universidade X deve hoje se perguntar:

  1. Como reunir, o mais rapidamente, a maior comunidade virtual possível?
  2. Como animar essa comunidade virtual de tal maneira que ela se transforme em uma inteligência coletiva cuja ação científica, cultural, social e econômica seja a mais positiva possível para o conjunto da comunidade (e em particular para a Comunidade que financia a Universidade)?
  3. Como a universidade deve se transformar, ela mesma, para responder melhor às questões 1 e 2?

Imaginemos que a missão da Universidade X (em parceria com o cabo, as telecoms, mídias locais, a prefeitura, as instituições culturais com as quais ela tenha afinidades) seja redefinida da seguinte maneira: "animar a inteligência coletiva da região".

Todos os cursos e publicações dos professores seriam acessíveis gratuitamente on line. Os professores animariam sites e grupos de discussão para responder aos problemas de empresas e comunidades locais, colocando em contato idéias, projetos e recursos, trabalhando no desenvolvimento econômico e cultural, envolvendo os estudantes nesta obra de pesquisa, de transmissão e de aprendizado permanente, de diálogo e de animação da inteligência coletiva que será, de toda forma, a essência de seus futuros trabalhos.

Uma das ferramentas de animação da inteligência coletiva e de gestão dos recursos humanos da comunidade local poderia ser as Árvores de Conhecimentos, (e no Brasil DDIC).

Além do horizonte regional, a Universidade animaria igualmente (com as redes de parcerias) centros de especialização e comunidades virtuais internacionais em seus campos de excelência específicos.

Conclusão poético-utópica

No futuro, a espécie humana estará inteiramente interconectada. Todos os nossos espíritos se tocarão numa esfera comum de signos vivos. A sociedade será formada pelo entrelaçamento de uma multidão de comunidades virtuais nomadizando no território semântico infinito da noosfera. As organizações humanas, misturadas, constituirão associações flexíveis de empreendedores do conhecimento e de animadores da inteligência coletiva, trabalhando a serviço das comunidades virtuais, sustentadas por clientes e financiadores. A competição cooperativa se dará entre os melhores modos de valorizar por toda parte as riquezas humanas e de permitir o nascimento das idéias.