Publicações da Psicologia da Religião Alemã: uma amostragem

Edênio Valle[*] []

Começo com algumas observações destinadas a contextualizar os estudos psicológicos da religião na Alemanha atual, referindo-me principalmente ao que se faz no campo propriamente acadêmico. Não levo, assim, em consideração os livros desenvolvidos de modo extenso no âmbito mais fechado das Igrejas, cujas finalidades são práticas e têm a ver mais com o in group confessional, mesmo quando seu nível é elevado.

Não são, portanto, recensões o que apresento a seguir e sim um overview. Neste mesmo número de REVER o leitor tem a possibilidade de tomar conhecimento das temáticas e desenvolvimentos da Psicologia da Religião na Holanda e Bélgica, através dos dois substanciosos artigos de Jacob van Belzen que nos brinda com um apanhado da evolução teórica e metodológica experimentada pela Psicologia da Religião nos Países Baixos. A abordagem de van Belzen, voltada para o cultural, oferece um prisma de grande interesse para o Brasil, um país marcado, desde sua primeira formação, pelo pluralismo cultural-religioso. Depois de entrar em contato com as ideias de nomes expressivos da Psicologia holandesa, como os de F .J. T. H. Rutten, A. A. Grübaum, F. J. M. A. Roels e H. M. M. Fortman, o leitor talvez esteja se perguntando por quais razões nós brasileiros conhecemos tão pouco a respeito do itinerário e do pensamento desses psicólogos que, ao lado dos alemães e franceses, fazem parte de uma tradição pioneira de pesquisa no campo da Psicologia da Religião.

No que tange ao campo mais específico da idioma alemão, é quase como se tivesse cessado de existir. Trata-se de uma situação no mínimo curiosa. É do conhecimento de todos que em sua fase inicial os livros de Psicologia faziam constante menção aos teóricos e pesquisadores alemães, mormente no campo específico da Psicanálise e da Psiquiatria, ramos científicos que praticamente nasceram falando a língua de Goethe. Não há necessidade de citar os muitos autores e escolas nascidas na Alemanha, Áustria ou Suíça, pois o fato é notório. Qual a origem do silêncio a que se condenou o pensamento psicológico alemão? Será que a Psicologia alemã da Religião cessou de existir? Tornou-se (também) ela um corolário das teorias e autores dos países de língua inglesa? Ou haverá, por trás, uma questão de mercado, condicionado pelo poder de fogo das grandes editoras americanas? Deixo ao leitor a resposta às perguntas, sublinhando que não se trata de pôr em dúvida o mérito científico da enorme produção que nos vem dos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, etc.

Nas indicações bibliográficas do apanhado aqui apresentado minha intenção é a de oferecer uma visão do que se produz atualmente nos países de língua alemã. Simultaneamente, estarei mostrando que a Alemanha continua sendo um centro de pesquisa e reflexão de notável peso. Vou me deter na produção dos últimos 10 ou 15 anos, uma vez que em outra ocasião (VALLE 2007:142-144) já mapeei muito sinteticamente a bibliografia alemã mais recente.

É importante que fique claro que o espírito crítico e criativo da Psicologia alemã continua vivo e atuante. No que toca à Psicologia da Religião, tudo indica que esta já não goza do mesmo prestígio dos tempos de W. Wundt, W. Stählin, K. Girgensohn e W. Grühn e - não olvidemos - de S. Freud e C.G. Jung. Sintoma claro de uma perda de prestígio é o retrocesso experimentado por periódicos como o famoso “Archiv für Religionspsychologie”, que chegou quase a sair da circulação. Essa onda cultural negativa avançou até os Anos 80, aproximadamente, mas emite atualmente sinais de enfraquecimento, indicando uma tendência de recuperação que provavelmente reflete a importância que as religiões voltaram a adquirir com relação a problemas fundamentais trazidos pela globalização e pluralização da modernidade em crise, com incidências marcantes na vida social (mundial e local), nas Igrejas e na vida e comportamento dos grupos humanos e das pessoas. O fato é que tem aumentado nas universidades alemãs e centros de pesquisa especializada o interesse pelo tema da religião. Alguns sérios obstáculos que dificultavam a pesquisa psicológica da religião até um passado recente (e que ainda persistem em parte!) vão sendo superados. Dois deles merecem ressalto:

a) surgiu no campo da epistemologia uma sensibilidade maior quanto à importância da experiência religiosa para a compreensão do comportamento humano, tanto individual quanto coletivo;

b) tornou-se ponto pacífico que não existe pesquisa psicológica isenta. Há sempre algum ponto de partida preconcebido. Nesse sentido, aceita-se que também a Psicologia da Religião é sempre feita desde pontos de vista que têm sua especificidade. Cada psicólogo da religião deve é definir com clareza o lugar desde o qual fala (a sua “Standortbestimmung”). Esse é um prerrequisito necessário para mostrar postura de distanciamento crítico e objetividade científica.

Com isto não estou insinuando que se tenha já alcançado na Psicologia da Religião – na Alemanha, como no resto do mundo - uma adequada solução para as questões epistemológicas e metodológicas que sempre existiram nas relações entre ciência e religião. Persistem ainda posições bastante diferenciadas em todos os ramos da Psicologia, inclusive entre os que estudam a religião e a religiosidade. Há quem fale em diálogo e integração entre esses dois campos, como se não mais existissem antagonismos. Autores alemães como Michael Utsch, por exemplo, pensam que na Psicologia da Religião alemã de hoje há que contar com pluralismos e diferenças, mas que certos antagonismos a priori vão sendo deixados para trás. Mais frequentemente o que ainda persiste, na maior parte das vezes, é uma atitude de relativa desconfiança de um e outro lado. Muito especialmente é preciso dizer que com a grande especialização dos campos teoricometodológicos há o perigo de um tipo de isolamento que prejudica a compreensão do que teorias e métodos superespecializados afirmam ou negam. O psicólogo da religião de hoje necessita conhecer melhor as demais aproximações científicas ao fenômeno religioso, buscando assim uma complementação entre o que é específico ao saber peculiar de sua área de conhecimento e aos saberes e métodos das demais aproximações científicas, dentro ou fora do campo propriamente psicológico. .

Um dado interessante é que, apesar do aumento da demanda, persiste na Universidade Alemã uma quase ausência de Cadeiras especificamente voltadas para a Psicologia da Religião, o que tem consequências práticas de peso quanto a uma afirmação mais plena da Psicologia da Religião no sofisticado sistema superior de ensino e pesquisa da Alemanha. Nesse ponto, os Estados Unidos e a Inglaterra, estão, há decênios, em condições muito mais favoráveis. Mas - como aqui pretendo mostrar - há indicadores bibliográficos que apontam para uma retomada da Psicologia da Religião nos países de língua alemã.

Selecionei algumas obras mais recentes, de modo a dar ao leitor brasileiro uma ideia dos autores e dos temas que preocupam atualmente os psicólogos alemães da religião. Não tenho a pretensão de ser completo. Do grande número de publicações, procurei escolher as que me pareceram de maior interesse, organizando o material em quatro blocos: obras de introdução; obras de orientação psicanalítica; obras relacionadas à Psicoterapia e à Psiquiatria; obras de base neuropsicológica. Devido à dificuldade de acesso, deixei de lado o talvez mais decisivo campo de avanço teórico e da pesquisa empírica: as muitas monografias resultantes de teses de doutorado e/ou elaboradas em pesquisas coletivas de institutos de pesquisa como o Instituto Max Planck da Alemanha ou o Laboratório de Neurociência Cognitiva, da Suíça. Ficam para outra recensão. Omiti propositadamente trabalhos de divulgação (tipo literatura de ajuda) que, como no Brasil, são muitas vezes traduzidos do inglês e podem ser comprados até em quiosques de jornais.

Introduções à Psicologia da Religião

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Notas

[*] Professor do programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, PUC de São Paulo.