O Curso de Graduação em Ciências da Religião nas Faculdades Integradas Claretianas em São Paulo

Entrevista a Moacir Nunes de Oliveira[*] []

Em 1999, as Faculdades Integradas Claretianas (Centro Universitário de Batatais/Ceuclar, São Paulo), lançaram um curso de graduação em Ciências da Religião. REVER conversou com o coordenador do curso na instituição, o professor Antonio Boeing, para saber mais a respeito.[1]

REVER: Quais as razões que levaram os Claretianos a lançar um curso de Ciências da Religião?

Antonio Boeing: Os principais motivos que impulsionaram o lançamento do curso de Ciências da Religião estavam relacionados à necessidade de qualificar agentes e profissionais para dedicarem-se ao campo religioso. A justificativa estava no entendimento de que para oferecer um serviço eficaz às pessoas, comunidades e instituições, era preciso uma capacitação que levasse em conta a pluralidade cultural e religiosa, na perspectiva do respeito e do diálogo. Além dessas motivações, o projeto apresentou, desde o início, uma proposta de ensino superior diferenciado daquele da teologia, especialmente para as congregações religiosas, tendo em vista ampliar os horizontes formativos no campo religioso.

Outro aspecto que impulsionou a criação do curso foi a percepção da necessidade de qualificar docentes para atuarem no ensino religioso nas escolas públicas e privadas. Com a legislação das Diretrizes e Bases da Educação, publicada em 1996, que em seu Artigo 33 abriu possibilidade do ensino religioso para as instituições escolares, sentimos a responsabilidade em poder dar uma contribuição e viabilizar esta área de conhecimento. Entendíamos que a partir de um estudo sistemático sobre o campo religioso seria possível contribuir para que as crianças, adolescentes e jovens ampliassem a consciência de que os valores fundamentais do ser humano são determinantes para uma convivência social, pacífica e respeitosa. O reconhecimento de que o estudo do campo religioso tem muito a contribuir na formação do cidadão, daí a necessidade da formação dos profissionais desta área de conhecimento, foram preocupações determinantes para o lançamento do curso.

Por ser o primeiro de graduação reconhecido no Brasil, e por não ter parâmetros no MEC, numa primeira fase, ainda como curso livre, apresentou um perfil mais teológico. Gradativamente foi se delineando como Ciências da Religião, e a partir da autorização, em 07 de outubro de 1999, a definição da sua identidade tornou-se estável na sua grade curricular. A maior clareza do perfil do curso facilitou a organização e o encaminhamento do projeto em sintonia com as pesquisas acadêmicas no campo das Ciências da Religião, realizadas em diferentes instituições nacionais e internacionais.[2]

REVER: Quais os objetivos visados com esse curso?

Antonio Boeing: Os objetivos são propiciar a compreensão da complexidade do campo religioso através de um estudo sistemático; favorecer a qualificação do bacharel em Ciências da Religião para lidar com a dimensão transcendente da vida, na perspectiva dialógica, respeitosa, ecumênica, inter-religiosa, comunitária e social; capacitar profissionais para ministrar o ensino religioso nas escolas públicas e privadas, como também nas entidades educacionais; contribuir na formação de profissionais para assessorar grupos religiosos e ecumênicos, pastorais, projetos de cidadania e de desenvolvimento social, órgãos de imprensa, movimentos sociais, órgãos de pesquisa e empresas sobre o campo religioso; estimular o bacharel em Ciências da Religião a continuar a pesquisa científica em cursos de especialização e pós-graduação.

REVER: Por gentileza, de uma forma sintética, descreva como funciona o curso, sua estrutura curricular, duração, aprovação pelo MEC, etc. e qual o grau de expansão até o momento?

Antonio Boeing: O curso está estruturado em três anos, seis semestres, e confere o título de bacharel em Ciências da Religião. Possui uma carga horária de 2.420 horas (grade iniciada em 2007), em um tempo mínimo de três anos. Foi autorizado pelo MEC através da Portaria 1.146, de 07/10/1999, e reconhecido pela Portaria 762, de 24/03/2004, publicada no DOU de 26/03/2004. Com a autorização, desde a primeira turma iniciada em 2000 até a turma de 2008, foram 368 os alunos matriculados.

REVER: Qual é o perfil do corpo docente?

Antonio Boeing: A formação do corpo docente é, na grande maioria, em Ciências da Religião, com mestrado ou doutorado nesta área. Outros são formados em áreas afins, como Ciências Sociais, Educação e Teologia. Todos os docentes possuem formação adequada às disciplinas que lecionam. Os docentes também têm experiência e formação pedagógica para o ensino em nível superior. A instituição oferece apoio pedagógico junto à coordenadoria, como também através das reuniões pedagógicas sistemáticas que ocorrem durante o ano.

REVER: Qual o perfil do corpo discente?

Antonio Boeing: O corpo discente conta com a presença de religiosos e religiosas de diversas congregações, leigos e leigas que atuam nas comunidades da Grande São Paulo, assim como interessados de outras designações religiosas, em menor número, e de organizações e instituições não-governamentais.

REVER: O curso dispõe de alguma publicação?

Antonio Boeing: Sim. A Revista Uniclar é uma publicação das Faculdades Integradas Claretianas de São Paulo, mantida pela Ação Educacional Claretiana, que tem como objetivo divulgar artigos científicos e culturais relacionados ao campo das Ciências da Religião e da Teologia. A revista é um espaço de diálogo entre diferentes linhas de pesquisa sobre o campo religioso. A periodicidade é anual, tiragem mil exemplares.[3]

REVER: Quantos alunos inscritos já se encontram formados?

Antonio Boeing: Do total de inscritos, 116 já colaram grau, isto até final de 2006.

REVER: A formação visa que tipo de profissão?

Antonio Boeing: O perfil desejado do egresso é de que ele seja capaz de analisar o fenômeno religioso dentro da sua complexidade, desde os instrumentais elaborados pelas diferentes áreas do conhecimento. Visa capacitar profissionais para prestarem um serviço eficaz às pessoas e suas comunidades no campo religioso, nas suas múltiplas e complexas expressões. Busca capacitar os alunos para atuarem no ensino religioso na rede pública e privada, por isso os egressos são motivados a fazerem a complementação pedagógica, Resolução 2, que respalda a formação pedagógica do bacharel. No caso do bacharel em Ciências da Religião, o Programa de Formação de Docentes é feito na área de Filosofia. Há egressos com esta formação que atuam na rede pública, inclusive aprovados em concurso na área de Filosofia. O bacharel em Ciências da Religião também exerce sua tarefa profissional em parceria com psicólogos, professores, sociólogos, terapeutas, assistentes sociais, médicos, etc. no âmbito da ajuda na formação da pessoa em sua busca de sentido para sua vida e na plena realização de seus ideais e seus sonhos. Por isso, a capacitação se dá com suporte das Ciências Humanas e Sociais, a partir de uma pedagogia que oriente o processo de conhecimento dos alunos, considerando-os como sujeitos ativos e criativos.

REVER: Por que optaram por Ciências da Religião e não Ciência da Religião?

Antonio Boeing: A proposta inicial do curso, quando apresentada para o MEC, era de Licenciatura em Ciências da Religião. O projeto foi aceito, mas não como Ciências da Religião, a alegação apresentada, em 1998, por membros do Conselho Nacional de Educação era de que sobre religião não se faz ciência, mesmo que argumentássemos o contrário. Como estratégia para obter a autorização, o projeto foi batizado com o nome de Curso Superior de Cultura Religiosa. Funcionou como Cultura Religiosa até a visita do MEC, no final de 2003, para o reconhecimento, quando então solicitamos a mudança de nome para Ciências da Religião, o que foi aceito.

A escolha do nome decorre da concepção e proposta do curso que é a estudar o campo religioso com o auxilio das ferramentas, instrumentos e chaves de pesquisas sistematizadas pelas diversas ciências que buscam aproximar-se e compreender cientificamente este fenômeno. Acreditamos que não há uma única Ciência da Religião, como também não colocamos Religião no plural, pois entendemos que o fenômeno religioso é mais abrangente do que as religiões estruturadas. As manifestações religiosas expressam-se dentro de uma complexidade que transcendem as religiões institucionalizadas, daí a necessidade e contribuição de cada área do conhecimento, especialmente a antropologia, sociologia, filosofia, história, psicologia, literatura e teologia.

REVER: Olhando as disciplinas, vemos que buscam abarcar um quadro muito amplo das religiões, incluindo aí, por exemplo, as Religiões Afro-Indígenas Brasileiras e as Religiões Orientais. Como elas são estudadas, por elas mesmas independentemente da referência cristã ou em termos comparativos ou a partir da ótica cristã?

Antonio Boeing: Tanto as religiões de matriz africana como as religiões indígenas e orientais revelam uma multiplicidade de expressões, manifestações e de saberes sistematizados pelos seus agentes, por isto são estudas por elas mesmas e não em relação à ótica cristã. Não se trata de analisar a estrutura, proposta e teologia de cada uma delas e comparar com a teologia cristã. O estudo busca aproximar-se das concepções presentes em cada uma das religiões e entendê-las a partir do seu universo.

Verificamos ainda a necessidade de ampliar o estudo sobre as religiões indígenas, dada a sua complexidade e diversidade no contexto latino-americano. O currículo já possui uma abrangência significativa, mas estamos sempre em processo de aprimoramento, por isso estamos incluindo duas novas disciplinas: Análise da Sociedade Contemporânea e Literatura Brasileira e Religião. A justificativa quanto à primeira decorre da necessidade dos alunos entenderem as grandes questões sócio-econômicas e políticas da sociedade atual, para então compreenderem a complexidade do fenômeno religioso nos diferentes contextos. Quanto a Literatura Brasileira justifica-se pela presença constante da questão religiosa num grande número de clássicos em diferentes estilos e tempos.

REVER: Considerando o estatuto de independência buscada pelas ciências modernas face às tradições teológicas, como é abordada no curso a relação com a teologia?

Antonio Boeing: Partimos do pressuposto de que o campo de pesquisa das Ciências da Religião é a pluralidade e complexidade do fenômeno religioso. Esta área do conhecimento busca uma aproximação científica de tudo aquilo que o ser humano afirma crer, por isto ela não é uma ciência normativa. Enquanto que a Teologia, por ser confessional, define o que os adeptos de uma denominação religiosa devem crer, isto é, traça o perfil e as exigências das divindades e as conseqüentes ações que devem ser desenvolvidas pelos seguidores, por isto ela é normativa. O curso não faz teologia, estuda sim, algumas teologias; entre elas, por opção, são destacados os fundamentos da teologia cristã.

REVER: Uma dimensão importante das Ciências da Religião é a sua dimensão crítica face às instituições religiosas. Visto que o curso existe no interior de uma instituição religiosa, como se dá essa relação?

Antonio Boeing: O curso é acadêmico, por isso desenvolve os conteúdos de cada disciplina cientificamente. Conseqüentemente, há muitas críticas para as instituições religiosas. São críticas fundamentadas nas diferentes ciências e não em subjetivismos que inviabilizam um diálogo ético que impulsione a melhoria da qualidade de vida, inclusive das instituições envolvidas no projeto. A instituição mantenedora do curso tem apostado no projeto de Ciências da Religião com o objetivo de dar uma contribuição na compreensão do campo religioso por entender que o alcance é diferente das teologias. Numa sociedade que expressa, cada vez com mais intensidade, o pluralismo religioso, surge a exigência de um estudo científico sobre esta realidade como forma de contribuir para a convivência com qualidade, desde as diferenças.

REVER: O campo para Ciências da Religião é promissor no Brasil?

Antonio Boeing: Apostamos no campo das Ciências da Religião por acreditar na necessidade e urgência de estudos que contribuam no sentido de esclarecer as grandes questões ligadas ao campo religioso, tendo como meta qualificar a vida de todos. É preciso considerar que o olhar crítico sobre as diferentes produções religiosas pode contribuir para que a dimensão religiosa potencialize o ser humano e não seja manipulada a fim de garantir os interesses de indivíduos e grupos isolados que se beneficiam da fragilidade humana. Pelo quadro religioso que verificamos na atualidade não serão, ao menos num curto prazo, as lideranças que irão interessar-se ou motivar seus adeptos a um estudo científico sobre suas práticas.

Nas diferentes denominações religiosas constata-se uma certa rejeição aos estudos científicos que decodificam os fenômenos que são remetidos à esfera mítica. Permanecendo um quadro de lideranças religiosas voltado sobre inquietações internas, especialmente em relação à própria sobrevivência dentro do mercado religioso, não irá aflorar um grande interesse por esta área. Acreditamos que, gradativamente, dadas as grandes questões que são colocadas em relação à necessidade de garantir e qualificar as diferentes formas de vida, o estudo no campo das Ciências da Religião poderá ampliar seus espaços de influência. O avanço ocorrerá, mas será lento e dependerá da qualidade dos cursos oferecidos.

Notas

[*] Moacir Nunes de Oliveira é professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP e doutorando em Ciências da Religião pela mesma universidade.

[1] Antonio Boeing é doutor em Ciências da Religião, área de concentrção Ciências Sociais e Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2004); coordenador do Curso de Bacharelado em Ciências da Religião nas Faculdades Integradas Claretianas e professor de Antropologia da Religião, Religiosidade Popular, Relgião no Contexto Urbano e Métodos e Projetos de Pesquisas.

[2] Mais detalhes em http://www.claretiano.edu.br

[3] Revista Uniclar, ISSN 1517-2546.