O Estudo das Religiões e o Diálogo entre as Religiões
(Shûkyôgaku to shûkyôtaiwa)[*]

Michael Pye[**]
Tradução: Soemis Martinez Guzman[***]

Distinguindo entre Ciência das Religiões e Diálogo das Religiões

O objetivo deste trabalho é considerar alguns dos modos pelos quais o estudo científico das religiões[1] pode ter implicações no processo contínuo de diálogo entre as mesmas. Enquanto o estudo das religiões é, por si só, uma atividade não-religiosa, o diálogo entre religiões, pelo contrário, certamente é, em algum sentido, uma atividade religiosa. Envolve a apresentação e a troca de experiências e posições religiosas. É possível que tais diálogos aconteçam sem referência ao Estudo das Religiões. No entanto, é possível que aqueles envolvidos em tais diálogos beneficiem-se das perspectivas abertas no estudo científico das religiões. Este trabalho, baseado em uma palestra dada na Universidade Ôtani, em Quioto, faz algumas sugestões nessa direção[2].

Dado que o estudo das religiões é, por princípio, uma tarefa científica e não-religiosa, ela não promove ou toma parte em programas religiosos, devido ao fato de ser uma iniciativa leiga. Isso pode sugerir que não há e nem deveria existir nenhum relacionamento entre o estudo das religiões e o diálogo entre religiões. De um ponto de vista, está correto. Como “o estudo das religiões” tem algo a ver com qualquer diálogo entre religiões, a não ser por simplesmente observá-las? Seria simples para os especialistas do estudo das religiões se eles simplesmente se retirassem da arena de discussão pública. Isso teria certa legitimidade, e alguns especialistas preferem adotar essa posição. Todavia, se não estivermos cegos para a situação humana como um todo e se pensarmos seriamente a totalidade da sociedade e cultura, talvez algo mais deva ser esperado, até mesmo dos especialistas.

Se adotarmos uma visão rigorosa da “Ciência das Religiões”, podemos aceitar a afirmação de Tominaga Nakamoto, pensador japonês do século XVIII, no final do capítulo 24 de Shutsujôkôgo, no qual ele diz “Eu não sou um seguidor do Confucionismo, nem do Taoísmo, nem mesmo do Budismo. Eu observo as palavras e ações deles, privadamente, as debato”. Em princípio, eu concordo com essa visão. Podemos esperar apenas de uma Ciência da Religião independente de posições religiosas que consiga efetuar observações sistemáticas e estáveis, e providenciar sistemas de análise religiosa convenientes. (cf., por exemplo, PYE 1994; 1999; 2000a, 2000b). “Observação”, aqui, não significa meramente “olhar”. Antes, implica olhar com a finalidade do entendimento, da análise e da explicação. Em outras palavras, implica o alcance total da reflexão “científica” em relação ao campo particular dos sistemas religiosos. Embora esse não seja o lugar para providenciar uma introdução geral aos métodos e à teoria do estudo das religiões, pode ser útil indicar as quatro etapas principais em tal pesquisa. Elas podem ser dispostas da seguinte forma:

(teoria preliminar)

(1) elucidação

(2) caracterização

(3) análise

(4) correlação

(teoria subsequente) Destes, as duas primeiras etapas são destinadas à “identificação”, ou seja, ocupam-se da percepção e do entendimento dos fenômenos religiosos. As duas últimas são “explanatórias”, ou seja, explicam tanto por meio da análise das estruturas internas (etapa 3) quanto pelo estabelecimento de correlações com outros fatores sociais e culturais. (etapa 4). Atravessando esses quatro passos, aumentam tanto a relevância da comparação quanto a possibilidade de tensão entre os fiéis. Isso é reportado como “fator de tensão relacionada os fiéis” (= “TWB factor”, PYE 1999).

É importante que aqueles que estudam as religiões estejam atentos ao aumento do nível desse “fator de tensão relacionada os fiéis”. Se ele estiver alto durante as etapas de identificação, há algo errado com o método de investigação. Se estiver atipicamente baixo durante as etapas explanatórias, isso pode sugerir que as explanações estejam fracas ou pode sugerir algo interessante sobre a natureza da religião estudada.

É importante, a partir disso, distinguir claramente entre a realização de diálogos religiosos e o estudo das religiões como sistema. Diálogos religiosos podem ser parte do campo de estudo. Devido à complexidade deste, que não é apenas histórico, mas também atual, parte ativa da cultura contemporânea, é natural que o especialista esteja próximo aos eventos diários, tomando parte deles. Essa é uma oportunidade para a observação participativa, e algumas vezes até mesmo para a participação observacional. No entanto, é também possível, e na verdade provável, que parte das perspectivas teóricas do estudo das religiões possa ser relevante para o futuro progresso do diálogo entre as religiões. Deste modo, na próxima seção algumas razões serão exemplificadas para que se encoraje a proximidade entre o estudo das religiões e as várias atividades relacionadas ao diálogo religioso.

Por que o estudo das religiões é relevante para o diálogo entre as religiões?

Os representantes de várias organizações religiosas que tomam parte em diálogos com outras religiões são geralmente muito sinceros e respeitosos em sua abordagem. No entanto, mesmo com a melhor das intenções é possível que ocorram desentendimentos. Como pode acontecer um verdadeiro diálogo entre religiões a não ser que informações precisas e análises instrutivas estejam disponíveis?

Pode ser útil, consequentemente, que especialistas no estudo das religiões sejam admitidos de algum modo nesses eventos em que ocorre o diálogo, quando acontecem. Apesar do fato de eles não representarem uma religião em particular, eles podem, todavia, ser capazes de auxiliar no trabalho de elucidação e análise. Assim, a participação deles pode ajudar a firmar e facilitar o processo de diálogo em determinadas situações. O que algumas vezes ocorre é que os sensíveis participantes em um diálogo entre religiões, após estabelecerem primeiro contato, deixam suas leais posições de lado e, por si só, passam a estudar o “estudo das religiões”. Eles percebem e entendem que conhecimento preciso e confiável é necessário, não apenas de sua própria religião, mas também de outras. Eles também podem continuar até a análise comparativa, apesar das dificuldades. Dietrich Korsch, por exemplo, um sistemático teólogo que participou do Simpósio de 1999, em Marburg, entre o Budismo Shin e a Teologia Protestante, observou que seria interessante analisar comparativamente as estruturas formais de religiões diferentes (BARTH et alii 2000:163-164).

Dado que a análise seria independente dos detalhes específicos do conteúdo da crença de qualquer religião em particular, ela corresponde a uma reinvenção da Ciência da Religião ou, ao mesmo, de parte dela. Isso seria similar ao que eu tenho chamado de “hermenêutica comparativa” (MORGAN; PYE 1973), e de modo mais geral, estaria relacionado à análise da dinâmica da tradição religiosa, de que tratamos mais abaixo.

Obviamente, esse processo de análise nem sempre acontece. Em alguns casos, após uma exploração inicial, uma solução conclusiva é encontrada por parceiros de diálogo que simplesmente beneficia a religião “de casa”. Nesse caso, nenhuma informação adicional parece ser necessária. Em outras palavras, a posição religiosa torna-se dominante novamente, e o “estudo das religiões” é deixado de lado. Se uma pessoa tem fé no nome de Jesus, por exemplo, porque deveria estar interessada em estudar várias religiões e em analisar suas similaridades? Provavelmente parecerá a tal pessoa que enfatizar a diferença seja mais valioso. O mesmo pensamento ocorre à pessoa que tem fé em voto fundamental de Amida (hongan). No entanto, enquanto tão simples fé possa ser necessária e até mesmo suficiente para que se viva e morra, as questões relacionadas à razão continuam, mesmo que sejam secundárias. Portanto, assim que nós começamos a pensar sobre isso, o estudo das religiões em uma perspectiva comparativa surge outra vez, inevitavelmente.

Finalmente, e não menos importante, discussões sociais e políticas sobre a posição legal de várias religiões estão sendo realizadas hoje como nunca antes, apesar de que essas discussões também possuem uma história considerável. Religiões importantes historicamente, como o Cristianismo, o Islamismo, o Budismo e o Xintoísmo, deveriam ou não possuir uma posição privilegiada na sociedade? Se a resposta for ‘sim’, como se posicionar diante dos muitos grupos religiosos menores e movimentos mais novos? A existência desses grupos deveria ser permitida? Religiões que passaram por críticas recentemente, deste ponto de vista, são o Aleph, ou “Ensinamento da Verdade Suprema” (“Aum Shinrikyô”, no Japão), a “Cientologia” (na Alemanha) e “Falun Gong” (na China). Essas religiões estão sendo consideradas, com a citação de maiores ou menores evidências, como ameaças que podem enfraquecer a sociedade estabelecida. O mesmo foi dito em relação ao Budismo e ao Cristianismo quando se originaram. Claro que todas essas religiões não são as mesmas em relação umas às outras. Além disso, algumas causam mais comoção social do que outras. Contudo, como comentaristas sociais, jornalistas e políticos serão capazes de discutir propriamente estes assuntos a não ser que tenham informações claras e confiáveis sobre as várias religiões em questão? Por isso, o estudo das religiões é necessário.

Com essas questões em mente, parece válido que aqueles comprometidos no diálogo religioso o levem seriamente, e contribuam com seu desenvolvimento. Não é devido ao fato de que especialistas no estudo das religiões necessariamente têm mais conhecimento à disposição. Na verdade, na ocasião do diálogo especializado, os representantes de cada lado da questão estão quase certos de possuírem mais conhecimento especializado, ao menos em relação ao lado que apoiam. Em discussões mais amplas, no entanto, o estudo das religiões pode providenciar um ponto de referência teórico que pode ser compartilhado por aqueles que, de oura maneira, têm religiões diferentes ou outras convicções.

Uma pressuposição compartilhada

Uma importantíssima pressuposição subjacente que é compartilhada pelo estudo científico das religiões e por todas as formas de diálogo religioso, por mais diferentes que sejam, é a percepção da pluralidade das religiões. De modo significante, este foi um dos pontos iniciais para a reflexão do Iluminismo Europeu sobre religião, e ao mesmo tempo para Tominaga Nakamoto, o pensador japonês do século XVIII citado anteriormente. Interessante notar que a citação apresentada anteriormente foi retirada pelo capítulo escrito por ele sobre os “três ensinamentos”, uma expressão que simboliza a pluralidade das religiões. No próprio estudo das religiões, portanto, a percepção da pluralidade das religiões não é problemática. É um estado natural do assunto.

Essa pressuposição pode ser vista em um trabalho do sociólogo Peter Berger sobre a discussão, publicado na primeira edição do “Buddhist-Christian Studies” intitulado “The pluralistic situation and the coming dialogue between the world religions" (1981:31-41). A questão conclusiva de Berger era: como duas religiões, como o Budismo e o Catolicismo, podem ser “verdadeiras ao mesmo tempo”? Essa questão substitui a velha questão ocidental sobre qual religião é verdadeira e por quê. No entanto, nós não deveríamos ser levados a acreditar que essa é uma questão de fácil solução. Mesmo que alguns budistas e alguns cristãos concordem em um “algo” determinado, há tantas religiões no mundo que é difícil entender como todas possam ser verdadeiras “ao mesmo tempo”, a não ser que as afirmações façam ou sugiram, sejam relativamente desprovidos de sentido. Assim, permanece em aberto uma questão filosófica sobre a natureza da verdade reivindicada pela religião, e sobre os critérios pelos quais seria significativo avaliá-las. Embora o estudo científico das religiões não diga respeito diretamente à determinação filosófica da verdade reivindicada pelas religiões, ele pode ser capaz de auxiliar em sua identificação e esclarecimento.

Embora a mesma pressuposição sirva de base para muitas abordagens bem intencionadas para o diálogo religioso ou “entre crenças”, a percepção da pluralidade religiosa pode parecer problemática do ponto de vista da certeza e do engajamento religioso. Isso se deve ao fato de que a existência de orientações religiosas díspares parece relativizar a verdade ou valor da religião de ‘casa’, a partir de então a colocando em perigo. Em outros entendimentos religiosos, no entanto, a pluralidade das religiões não é vista como um problema, dado que a verdade derradeira seria superior a todas as religiões.

Sendo assim, historicamente, o aparecimento do estudo comparativo das religiões (em sua pluralidade) tem sido associado frequentemente com a visão de que há um princípio ou essência em comum subjacente a todas elas. Atualmente, no entanto, essa ideia é amplamente tida como um beco sem saída. Como resultado, o pensamento relacionado à pluralidade das religiões é separado em duas direções. Em conexão com o estudo científico das religiões, a unidade das religiões nem sequer é necessariamente interpretada como uma realidade, e certamente não é interpretada como objetiva. O estudo das religiões se concentra na análise das religiões, enquanto o diálogo entre as religiões se concentra no entendimento mútuo, na coexistência e na cooperação. Essas relações podem ser expostas por meios de um simples esquema, como abaixo:

Explicações religiosas para a percepção da pluralidade

Neste ponto, vislumbrando o tema segundo a ótica de um observador distanciado, será útil notar que há vários caminhos pelos quais o diálogo entre as religiões foi abordado pelos devotos. Alguns caminhos são altamente organizados e, alguns, bastante informais. Ainda que a sinceridade dos participantes, em geral, não precise ser questionada, diversas motivações podem existir. Algumas vezes, por exemplo, para o participante, uma finalidade importante é atingir um efeito servindo como “relações públicas” dentro da comunidade religiosa a que pertence.

Em primeiro lugar, organizações religiosas bem-conceituadas descobrem que, às margens de suas instituições, há um problema de relacionamento mútuo com as chamadas “outras” religiões. Esse problema é, por vezes, tratado negativa e polemicamente, e outras vezes, construtiva e cooperativamente. Como resultado, há a tradição da escrita, especialmente na teologia cristã, que tem como assunto o relacionamento entre a cristandade e as “outras crenças”. Amiúde, a questão de como pensar as “outras” religiões é relegada a um plano secundário e relativamente sem qualquer importância no sistema teológico. Esse pensamento habitual vem sendo criticado ocasionalmente por aqueles que estudam a história geral das religiões (SMART 1962: PYE 1976; 1979). Frequentemente, há uma clara concepção da religião que forma o ponto de partida, e uma compreensão menos clara das “outras” religiões que devem ser levadas em conta. Isso se confirma tanto para aqueles com uma visão negativa das religiões (i.e. Karl Barth) quanto para aqueles que, em alguns casos, possuem uma visão mais positiva (i.e. Hans Küng). Em todos os casos em que a tentativa é realizada, talvez de modo suficientemente compreensivo, para de algum modo servir às várias “outras” religiões no panorama mundial do ponto de partida.

Obviamente, não foi apenas a tradição cristã que produziu reflexões sobre seus próprios procedimentos sobre esse assunto. Considere, por exemplo, o instrutivo título “The Buddhist Philosophy of Assimilation. The Historical Development of the Honji Suijaku Theory” (MATSUNAGA 1969), no qual o processo mental que levou àquela explicação particular é estudado em detalhes. Foram feitas várias tentativas para mapear sistematicamente as opções disponíveis na correlação entre uma tradição “própria” e uma tradição “do outro”, como o recente e substancial estudo de Andreas Grünschloss em “Der eigene und der fremde Glaube” (1999) sobre o tema. Embora o trabalho dirija-se ao público teológico em algumas partes (e o autor descreve a si mesmo como Grenzgänger, ou seja, um desbravador), a intenção principal é analisar possíveis posições e procedimentos com base na observação de várias religiões.

Em segundo lugar, existem várias religiões recentemente fundadas que, desde o princípio, têm um ponto de vista em relação à integração ou harmonia das religiões existentes. A religião japonesa Ananaikyô pode ser mencionada como um exemplo. Outros exemplos ativos mundialmente são a Igreja da Unificação (Unification Church), originada na Coreia, e a fé Baha’i, originada no Irã. Tais religiões foram criadas com um ponto de vista formado em relação às outras religiões pelo simples motivo de que, quando foram concebidas, é evidente que já existiam outras religiões bem organizadas. È, portanto, uma condição natural e quase necessária dizer qual papel essas novas religiões desempenham na nova mensagem. Interessante notar que, embora existam diversas religiões que, de algum modo, defendem “a unidade” de todas as religiões, elas não cooperam umas com as outras usualmente. Pelo contrário, elas continuam a oferecer mensagens superiores e distintas.

Em terceiro lugar, existem várias organizações “entre crenças”, ou seja, partidárias do sincretismo religioso, que operam independes de religiões institucionalizadas, e.g. “O Congresso Mundial das Religiões” (World Congress of Faiths), o “Parlamento Mundial das Religiões” (World's Parliament of Religions) e o “Religiões Unidas” (United Religions), recentemente fundado. No geral, essas organizações são apoiadas por indivíduos que têm uma atitude extremamente positiva em relação às várias religiões mundiais. De fato, tais “organizações sincréticas” têm uma longa história. Na verdade, frente ao rápido desenvolvimento da consciência global no século XX, é talvez surpreendente que essas organizações não sejam tão fortes quanto as outras religiões. Existem vários motivos para isso. Por um lado, os ativistas que as apoiam vêm de pequenos grupos religiosos, como o Brahma Kumaris, ativo no “International Interfaith Centre at Oxford”, Inglaterra, ou são membros atípicos de organizações maiores, e.g. sacerdotes anglicanos ou católicos agindo com, no máximo, uma legitimação hierárquica muito tênue em relação a seus trabalhos sincréticos. Além disso, os vários movimentos sincréticos, em determinada proporção, competem entre si como organizações, cada um com seus próprios líderes e interesses característicos.

Em quarto lugar, houve um pequeno número de diálogos bem organizados entre grupos verdadeiramente representativos de religiões organizadas. Tais diálogos são muito exigentes, pela simples razão de que há um senso de responsabilidade muito forte em relação às específicas tradições religiosas envolvidas, junto a uma real necessidade por um conhecimento novo e por uma nova consciência da religião associada. Esse padrão pode tornar-se mais significativo, a longo prazo, do que foi geralmente reconhecido. Que dois breves diálogos sejam tomados como exemplo.

O primeiro exemplo é um encontro bem estruturado entre Tenrikyô e o Catolicismo, realizado na Universidade Gregoriana de Roma, em 1998. Foi acompanhado de uma exibição informativa sobre a religião Tenrikyô. A ata foi publicada logo depois do encontro (Tenrikyô). Ainda que os conteúdos da discussão tenham sido sérios, não há controvérsia em relação ao fato de que a força organizacional das duas religiosas é muito diferente. O diálogo por si só não pareceu unilateral na ocasião. Porém, como os participantes sem dúvida sabiam, há certamente um desequilíbrio de tamanho considerável entre os dois grupos engajados no diálogo. Por causa disso, a significação do diálogo para a religião Tenrikyô foi consideravelmente maior do que foi para o lado católico. A maioria dos católicos, mesmo os clérigos e os professores, provavelmente nunca conhecerão a existência desse diálogo, enquanto que do lado da religião Tenrikyô, o diálogo é muito mais reconhecido. Como aspecto adicional, podemos notar que os organizadores dessa conferência, em conjunto, conscientemente procuraram a participação de quatro especialistas no estudo das religiões, que não apenas produziram seus próprios trabalhos como também moderaram determinadas discussões[3].

Um diálogo recente que obedeceu a uma estrutura similar aconteceu entre os representantes do Jôdo Shinshű, em grande parte, porém não exclusivamente da Universidade Ôtani, de Quioto, e representantes da Faculdade da Teologia Protestante da Universidade de Marburg. Esse evento foi realizado em Marburg, na primavera de 1999. O aspecto especial desse diálogo é que já era conhecida a existência de muitas similares estruturais interessantes em relação à fé, às crenças e às práticas entre as duas religiões. É preciso que se comunique que o nível intelectual das colaborações vindo dos dois lados da discussão foi muito exigente. Isso significa que grandes esforços tiveram que ser feitos, como traduções linguísticas e interpretações. Também significou que um sério processo de reconhecimento das tradições alheias foi colocado em movimento, o que, de outro modo, não teria ocorrido à maioria dos participantes. O evento foi acompanhado não apenas pela exibição de livros e pergaminhos pertencentes ao Budismo Shin, mas também por uma cerimônia religiosa gongyô celebrada por representantes do Higashi Honganji no festivo salão de conferência, (o “Alte Aula”) da universidade. Desnecessário dizer que esse diálogo é parte de uma longa e complexa inteiração entre o Budismo e o Cristianismo, que têm sido documentado e discutido em detalhes por escritores como John D'Arcy May (1984), Michael von Brück & Whalen-Lai (1997), bem como por Perry Schmidt-Leukel (1992). No entanto, uma característica especial desse episódio em particular foi o fato de o diálogo ter ocorrido entre grupos representativos, provavelmente pela primeira vez entre esses dois interlocutores tão bem equilibrados. Pode também ser notada, nesse caso, a mediação realizada por especialistas do estudo das religiões. A documentação do diálogo ocorrido em Marburg foi publicada tanto em alemão quanto em japonês (BARTH et alii. 2000).

Podemos observar através desses exemplos que é possível e, na verdade, desejável para o “estudo das religiões”, a manutenção de seu caráter independente, mesmo que especialistas tomem parte na situação complexa dos diálogos.

Modelos dominantes de religião condicionados à diferença cultural

Há vários modos pelos quais as características principais das religiões, como estudadas independentemente, deveriam ser levadas em conta no contexto dos diálogos entre religiões. Algumas dessas características existem em função da diferença cultural. Outras surgem inevitavelmente da análise sistemática e comparativa das religiões. É o propósito desse estudo científico das religiões desenvolver tais modelos, que deveriam ser relevantes em várias culturas diferenças. Esses aspectos são, portanto, regulares, ao invés de culturalmente diversos. Primeiro, contudo, admita-se que, nas várias regiões culturais do mundo, modelos dominantes de religião não são iguais. Esses modelos, embora sejam subcientíficos, são muito influentes.

Tentou-se estabelecer uma conta mais detalhada de tais modelos em vários lugares, e apenas alguns detalhes resumidos serão mostrados aqui[4]. Na América Latina, por exemplo, temos uma evidente justaposição do Catolicismo, por um lado, e de sistemas religiosos anteriores ao descobrimento e de seus elementos, por outro. A interação entre essas duas correntes proporcionou um modelo clássico para o estudo das religiões na América Latina, quer tenham se aproximado de um ponto de vista religioso (católico), quer tenham se aproximado de um ponto de vista “antropológico”. Agora considere os parâmetros principais na Europa Ocidental. Eles são diferentes. O Catolicismo e o secularismo anticatólico por um lado, e o Protestantismo e o secularismo pós-protestante por outro, providenciaram o mapa básico. Fenômenos recentes como a religiosidade vinculada à Nova Era (New Age) são sempre considerados contrários a essa disposição de coisas. Analisando agora a África, a pressuposição de que os “africanos” não têm nenhum tipo de religião foi ultrapassada. Atualmente, é vastamente pressuposto um modelo de quatro vértices, que consiste das religiões nativas, comumente chamadas de “religiões africanas tradicionais”; em segundo lugar, o Cristianismo em suas vertentes Católica Romana e também relacionada ao “Conselho Mundial de Igrejas” (World Council of Churches); em terceiro lugar, o Islamismo; e, em quarto, as religiões africanas independentes que se formaram em resposta ao período colonial e missionário. Estas são as recorrências em meio aos conteúdos escolhidos para estudo não apenas pelos africanistas mais, mais significantemente, por todos os especialistas em religião que trabalham na África, sejam eles africanos ou não-africanos. Isso já nos dá três modelos diferentes de religião profundamente arraigados nas culturas em questão.

Na Ásia, é notável o fato de que o primeiro imperador da Dinastia Ming na China decidiu desenvolver uma política sobre as religiões e, portanto, passou a definir o contorno com a ajuda de uma espécie de tratado sobre o assunto, o Sanjiaolun. Começando com a ideia já então estabelecida dos “três ensinamentos” (ou seja, Confucionismo, Budismo e Taoísmo), ele ainda levou em conta outros três elementos no modelo total. Estas eram: as cerimônias solenes de Estado, a crença geral em uma rede de deuses e espíritos oferecendo apoio para os ensinamentos do Budismo e o Taoísmo e, por fim, ensinamentos que desviavam as pessoas e que, portanto, deveriam ser proibidos. A esse modelo, podemos adicionar a veneração aos ancestrais, o que providencia o principal tema para o famoso tratamento de Groot que ele chamou de The Religious System of China (1892). Esse modelo persiste de várias formas nos países da Ásia Oriental que foram influenciados pela tradição literária, intelectual e política da China. Uma das características principais desse modelo é que o registro político e, em alguns casos, o controle das religiões têm uma história estabelecida. Diversamente, esse não é o caso no Brasil. A importância política do modelo da Ásia Oriental definitivamente tem um efeito no que muitos estudiosos nesses países pensam estar investigando. No Japão, por exemplo, especialistas em religião estão sempre familiarizados com o livro annual de estatísticas (Shűkyô Nenkan) e com outros registros publicados pelo Ministério da Educação (Monbushô). Isso contribui como suposição subjacente para a determinação de seus campos de estudo. Esses modelos podem parecer muito simples. No entanto, o ponto é, precisamente, que tais modelos subjacentes são, de fato, muito simples. A pessoa que toma parte no diálogo entre religiões precisa estar atenta dos aspectos persistentes do modelo dominante das religiões em sua própria área cultural. Por exemplo, representantes do Budismo Shin, ou aqueles que entram em diálogo com ele, devem lembrar que a veneração ou o cuidado em relação aos ancestrais é um aspecto permanente do modelo de religião dominante no Japão. Esta pode até não ser uma parte significante da doutrina Budismo Shin. Ainda assim, diferente das pessoas que rezam para os benefícios desse mundo (genzeriyaku), benefícios estes que são rejeitados no campo dogmático, a veneração aos ancestrais é aceita no contexto do Budismo Shin como uma parte normal da atividade religiosa.

Considerando todos os quatro principais aspectos da religião

O estudo científico das religiões pretende fazer análises de campo em que muitos elementos adicionais são considerados, e que são, portanto, mais complexos do que os modelos culturais dominantes citados acima, ao mesmo no nível descritivo. Por outro lado, o estudo também procura desenvolver modelos analíticos unificados, relevantes para várias culturas diferentes. Aqui, novamente, a simplicidade é procurada. Mas deve ser a simplicidade da ciência, não a simplicidade das suposições culturais. Como ponto inicial, tomemos a morfologia geral das religiões. Muitas vezes foi mencionado que as religiões não são apenas assuntos relacionados ao cérebro, ou ao coração, e que existem outros aspectos a serem considerados. Observando a morfologia das religiões do ponto de vista de seu estudo geral, parece correto delimitar quatro aspectos principais que devem ser considerados em todos os casos, sejam eles conceituais, simbólicos, subjetivos, afetivos, comportamentais ou sociais. Cada um deles situa-se em alguma relação com os outros, o que expliquei em mais detalhes em momentos variados (PYE 1972; 1994).

Infelizmente, até mesmo reconhecidos teóricos das religiões algumas vezes ignoram completamente um ou outro desses aspectos. As cinco dimensões das religiões as quais Glock e Stark (1968) fazem referência, por exemplo, e que são muitas vezes citadas por outros, omitem completamente a parte social. Alternativamente, muitos aspectos ou dimensões são discriminados, deste modo confundindo o esquema. Portanto, Glock e Stark, no mesmo trabalho, propõem tanto uma “dimensão da fé” quanto uma “dimensão do conhecimento”, sendo que as duas claramente envolvem elementos conceituais. A distinção entre “fé” e “conhecimento”, destarte, que são consideradas próximas por eles, devem ser relegadas a um nível secundário. Em todo caso, essa distinção é problemática porque surge de um problema particular característico da tradição ocidental na Filosofia das Religiões e não tem nenhuma base convincente em um universo intercultural. Nós fugiríamos do campo de pesquisa se aqui discutíssemos as muitas oposições das “dimensões” ou dos aspectos das religiões. Afirmado sumariamente, no que diz respeito ao estudo geral das religiões, não parece existir nenhuma razão para partirmos de uma percepção dos sistemas religiosos que leve em conta cada um dos quatro principais aspectos. Qualquer diferenciação adicional deve ser relegada a um nível secundário na análise.

O ponto a se notar aqui é que esses quatro aspectos principais, embora proporcionem um ponto de partida morfológico estável e abarcador para os especialistas do estudo das religiões, também deveriam ser encarados seriamente pelos participantes dos diálogos entre as religiões. Em outras palavras, o diálogo não mora apenas na cabeça, ou seja, não deve se limitar aos aspectos cognitivos. Há, também, o aspecto afetivo em segundo lugar. Em terceiro, é possível diálogos através de “ações” como, por exemplo, participando de exercícios de meditação coletivos ou atividades que visam o bem-estar social. Finalmente, o diálogo será realizado por pessoas que de algum modo mantêm alguma relação social de algum tipo, seja altamente oficial ou relativamente tênue. Não é impossível encontrar exemplos de todos esses aspectos aqui. Que o ponto seja ilustrado brevemente através do diálogo entre o Budismo Shin e o Cristianismo Protestante. Mais frequentemente, interesse tem sido demonstrado pelos vários modos no qual o aparato conceitual das duas tradições pode ser entendido. Em particular, é corrente a ideia de que métodos de pensamento podem ser transferidos de uma tradição a outra produtivamente. Tem sido debatido, por exemplo, que o conceito de desmistificação pode ser transferido do debate sobre a Teologia Cristã para a interpretação da figura de Amida Buddha e da Terra Pura. O que conceitos “mitológicos” significam existencialmente? Na outra direção, foi discutido que a ideia de que os “skilful means” (primeiros ensinamentos do Buda, algo como “recursos hábeis”) podem ser transferidos do Budismo para o Cristianismo (PYE 1990; 1998; SHARMA 1990; HICK 1993). Foi também sugerido que, durante o simpósio de Marburg, uma “deontologiação” (neologismo criado a partir de deontologia, ou seja, do estudo dos princípios e sistemas de moral) dos conceitos principais pôde ser empreendida, que é familiar ao Budismo Mahayana, mas que até hoje foi observada com mais cuidado no Cristianismo. Esses são assuntos para a discussão de especialistas nas duas tradições. No entanto, poderia parecer que um ativo desenvolvimento de ideias nessas duas direções levaria a uma apreciação mútua muito mais próxima entre os representantes intelectuais das duas tradições. O que também deveria ser notado é que levaria a uma mudança no aspecto afetivo em ambos os lados. Ou seja, as pessoas começariam a se sentir de outro modo em relação ao sistema simbólico com o qual estão familiarizadas. Desenvolveriam, possivelmente, um tipo diferente de “religiosidade”, utilizando o termo psicológico.

Mas e os outros aspectos? E quanto a nos engajarmos em um diálogo sobre o comportamento, ou sobre as relações institucionais? Claro que isso não é fácil, embora a história dos diálogos entre as religiões esteja cheia de exemplos. Algumas coisas podem parecer possíveis, como meditação conjunta entre os zen-budistas e os católicos, mas outras não, como a récita do nembutsu ou a participação conjunta em uma cerimônia de eucaristia. Uma das práticas regulares efetuadas no Higashi Honganji pelos devotos (monto) é um programa de limpeza, entendido como uma atividade religiosa que visa expressar gratidão. Talvez, para o grupo de devotos da Igreja Protestante em Hesse, seja concebível viajar para o Japão para auxiliar nessa atividade! Este seria um exemplo de diálogo a partir da “ação”, representando o aspecto que se relaciona ao comportamento religioso.

Esses exemplos são, claramente, apenas meras ilustrações. O ponto principal e subjacente é que na medida em que o estudo das religiões procura uma visão balanceada dos fenômenos estudados levando em conta cada um dos quatro aspectos fundamentais, a mesma visão estável pode ser utilizada como recurso e como corretivo no planejamento do diálogo entre as religiões.

Religiões primitivas e Religiões críticas

Concentremo-nos agora em uma distinção fundamental na tipologia das religiões, que aparece para ordenar certo consentimento. Isso, também, traz implicações para o diálogo entre as religiões. Embora a mesma distinção geral possa ser corrente sob diversas terminologias, os termos “primitiva” e “crítica” são preferenciais aqui. “Religiões críticas” é um termo usado para a inclusão de subcategorias para religiões soteriológicas, que advertem e orientam, evitando assim uma ênfase imprópria em apenas uma dessas subcategorias. O ponto é simplesmente que uma religião “crítica” se distancia de algum modo da cultura religiosa em voga naquele determinado tempo, criando uma diferença. Para ilustrar com exemplos simples, o Budismo é uma forma crítica de religião frente ao Bramanismo (i.e., o “Hinduísmo” do período em que o Budismo apareceu), o Cristianismo é uma forma de religião crítica frente ao Judaísmo, o Islamismo é uma forma de religião crítica frente ao politeísmo pré-muçulmano, e o Konkôkyô ou o Tenrikyô são formas de religiões críticas frentes ao Xintoísmo. Isso não significa, no que interessa ao estudo das religiões, que as formas primitivas ou as críticas serão preferenciais. Elas são apenas diferentes tipos de religião que podem ser observadas na história geral das religiões. No entanto, ficará evidente que não faz sentido falarmos vagamente do “diálogo entre as religiões mundiais” como se todas as religiões fossem simplesmente o mesmo tipo de coisa. Realmente existem diferentes tipos de religião. Seguindo essa tipologia não-convencional, apresenta-se a questão de que se há ou não uma relação particular entre os principais tipos de religião e os tipos de diálogo que acontecem ou que podem ser esperados. Parece haver! Concentremos-nos nas possíveis relações de um modo simplificado. A essa altura, casos fronteiriços e casos nos quais as religiões que mudaram de um caso para outro serão descartados. As três relações clássicas são:

(1) primitiva-para-primitiva (paralelos e temas contemporâneos selecionados)

(2) primitiva-para-crítica (pontos críticos e temas contemporâneos selecionados)

(3) crítica-para-crítica (paralelos e temas contemporâneos selecionados)

Primeiro, então, pode existir diálogo entre as “religiões primitivas”. Poderia envolver uma ou mais como, por exemplo, as religiões indígenas norte-americanas, como os saami de Lapland, o Xamanismo Iacute e o Xintoísmo japonês. Claro que existem muitas diferenças, dado que o Xintoísmo, em particular, passou por um desenvolvimento imensamente complicado em conexão com os processos modernizantes. No entanto, não há realmente nenhuma questão relacionada a reivindicações alternativas da verdade. Ao invés, tais sistemas religiosos são as religiões primitivas de povos diferentes. Então seus representantes e até mesmo seus pesquisadores podem aproveitar o engajamento nas conversações e a elaboração de estudos comparativos entre, por exemplo, a “sweat lodge” norte-americana, a “sauna” finlandesa e o “ofurô” japonês (as três expressões se relacionam a práticas cerimoniais das religiões primitivas) (JETSONEN; PENTIKÄINEN 2000).

O segundo diálogo típico seria entre as religiões primitivas e as religiões críticas. Tais relações podem ser tanto cooperativas quanto comparativas. Na história das religiões, o compartilhamento de funções pode frequentemente ser observado, sendo a história do Budismo o caso clássico. O desenvolvimento de um processo de reflexão intelectual sobre isso, que seria o começo do “diálogo”, pode ser unilateral de terminada maneira. Por exemplo, o Budismo pensou essa questão mais profundamente do que as religiões que veneram os espíritos locais no Sul da Ásia Oriental. Além disso, o relacionamento ou o diálogo entre religiões críticas e primitivas pode ser bem competitivo, especialmente se o aspecto peculiar das religiões é mais fortemente criticado do ponto de vista universal de uma religião de salvação. Um exemplo disso é o relacionamento entre o Cristianismo e o Xintoísmo japonês, no qual o Xintoísmo é geralmente criticado pelo grupo cristão. Todavia, pode haver novas possibilidades para diálogos positivos, especialmente se os conteúdos em questão, como assuntos ambientais e problemas na ética relativa à medicina, forem debatidos.

A terceira relação típica se dá entre duas religiões “críticas”. Esse diálogo pode ser altamente competitivo, mas pode também levar a um diálogo parceiros similares, mesmo que eles não sejam iguais em todos de todos os modos. Exemplos desse caso são os diálogos mencionados acima, entre a religião Tenrikyô e o Catolicismo, e entre o Budismo Shin e a Teologia do Protestantismo Alemão, no qual fortes paralelos analíticos foram notados. Também houve um amplo alcance em relação a interesses e temas em comum, como a meditação, o misticismo e questões éticas. Pode-se esperar que o aspecto competitivo seja avançado quando os interesses organizacionais também o são (c.f. veja abaixo diferentes casos de organização), e ainda esse nem sempre será o caso. Uma organização clara pode também levar a um diálogo eficaz, ao menos no sentido de que um significante processo de aprendizagem pode ocorrer.

Dinâmica, inovação - e diálogos

Sistemas religiosos ou culturas religiosas não são apenas entidades fixas, mas sim passíveis de mudança por vários motivos. À parte das influências de fatores externos, há uma dimensão inovadora relacionada às religiões que toma diversas formas. Isso significa que reinterpretações são inevitáveis, e em dada medida podem ser parte do processo de diálogo entre as religiões. Pode-se ser importante, portanto, que os participantes nos debates religiosos estejam atentos aos processos de mudança, reinterpretação e adaptação. O que traz à tona todo o assunto da dinâmica das religiões, na qual há vários subproblemas que não podem nos deter.

Brevemente, parece que possa ser de interesse, até mesmo de importância, que os participantes nos diálogos entre religiões reflitam sobre sua própria posição na dinâmica religiosa presente a todo o momento. Nem todos os sistemas religiosos movem-se a mesma velocidade no que diz respeito a mudanças adaptativas, e partidos diferentes dentro de cada religião também se movem em velocidades diferentes. Embora seja óbvio para o observador que todos os grupos religiosos incluem tanto conservadores quando reformistas e liberais, é possível que isso seja não apenas pelo fato de que as pessoas tendem a discordar sobre a velocidade das mudanças, mas sim porque o sistema como um todo necessite de todos esses partidos. Isso precisa ser entendido na ocasião dos diálogos entre religiões. Nesse sentido, eu gostaria de chamar a atenção em particular para o aspecto da inovação nas religiões, que é parte do campo mais amplo da dinâmica das religiões mencionado logo acima. Em uma tentativa recente de oferecer uma teoria geral sobre a inovação religiosa, eu delineei quatro modos fundamentais desta inovação que são apresentados abaixo:

  1. inovação dentro das normas das organizações atuais
  2. reforma inovadora levando a separação organizacional
  3. inovação com diferença, mas sem claras consequências organizacionais
  4. inovação com diferença, incluindo novas formas organizacionais

O segundo modo nos leva a conjuntos ou divisões religiosas, no sentido clássico do termo, enquanto o quarto modo nos leva a novas religiões. Essa classificação provavelmente não é discutível. No entanto, a implicação para os diálogos entre religiões é que o terceiro modo de inovação religiosa é, de um ponto de vista institucional, relativamente irresponsável. Precisamente por não ser exatamente institucional. Como exemplo desse terceiro modo pode-se adicionar muito da cultura das religiões inovadoras que responde pelo novo de “Nova Era” ou “Espiritualidade”. Uma porção significativa da população das sociedades industriais ou pós-industriais participa de tais atividades. Elas representam um desafio considerável para o entendimento do diálogo entre religiões ou para a análise das várias opções disponíveis. Para que ao considerar a relevância da inovação nos diálogos entre religiões, uma tipologia de relativa institucionalização se faz necessária. De um lado pode ser o Vaticano ou outra religião instituição bem definida eclesiasticamente, e do outro, contribuições organizadas de modo relativamente indefinido para a cultura religiosa no estilo da Nova Era, como dito acima. Diálogos mais bem estruturados podem ser esperados por parte dos representantes de instituições, enquanto diálogos menos estruturados são realizados entre indivíduos como os que conduzem elementos não institucionalizados em relação à cultura das religiões. Podem ser realizados diálogos religiosos entre indivíduos mais ou menos independentes ou até mesmo isolados? Talvez, de algum modo, possam. Por outro lado, os diálogos apresentam mais ligações e parecem ser mais sérios quando há algum tipo de estrutura social institucionalizada pronta para o debate, como nos diálogos organizados em Roma e em Marburg mencionados anteriormente. Resumindo, a questão é: quem tem o direito de realizar um diálogo, e por parte de quem? Infelizmente, as respostas não são simples. Talvez sejam inevitavelmente inesgotáveis.

Uma distinção também pode ser feita entre diálogos “rígidos” e “amenos”. Tornou-se claro na discussão realizada em Quioto após esta conferência que no geral as pessoas não estão preparadas para se identificarem com o diálogo “rígido”. Ao invés, mesmo firmando-se com força em uma tradição religiosa, eles preferem se enxergar como membros de diálogos “amenos”. Consequentemente, apesar de existirem realmente instituições firmes nos bastidores, como a Higashi Honganji do Budismo Shin, ou a Igreja Protestante Alemã (Evangelische Kirche Deutschlands), é preferível preservar os termos “rígido” e “ameno” para as atitudes ao invés de utilizados para designar as institucionalizações comparativamente. Nessa utilização, portanto, diálogo “rígido” funcionaria em relação à autoapresentação, rigoroso e, no final, improdutivo. Por outro lado, o diálogo “ameno” pode ser gentil, paciente, imaginativo e criativo, deixando muitas questões abertas para consideração futura. É bem admissível ser gentil e criativo para aqueles representando as instituições e, assim, tomar parte em diálogos “amenos”.

Conclusão

O tema dos diálogos entre religiões foi abordado acima partindo da perspectiva do estudo das religiões, e aproveitou-se a oportunidade para a apresentação de várias sugestões. Embora exista a necessidade de se distinguir claramente o estudo das religiões e a realização de diálogos entre religiões, parece haver vários modos pelos quais o primeiro pode auxiliar o segundo. Aqueles que representam tradições religiosas na ocasião dos diálogos deveriam, portanto, levar em conta as perspectivas teóricas e as tarefas do estudo das religiões. Eles podem até mesmo desejar contribuir para seu desenvolvimento subsequente. Especialistas no estudo das religiões, de sua parte, podem sentir-se livres para participar em discussões contemporâneas, embora mantendo uma visão clara de sua disciplina acadêmica.

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Notas

[*] Original: The study of religions and the dialogue of religions, Marburg Journal of Religion: Volume 6, No. 2 (June 2001), online: http://www.uni-marburg.de/fb03/ivk/mjr/pdfs/2001/articles/pye2-2001.pdf.

[**] Universidade de Marburg, Alemanha.

[***] Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC/SP.

[1] Em alemão há um termo mais compacto, Religionswissenschaft, que significa o que aqui foi exposto, e é geralmente reproduzido em japonês como shűkyôgaku.

[2] A conferência foi proferida pela primeira vez em japonês tomando por base notas bilíngues em 30 de outubro de 2000. Este texto foi finalizado em inglês e traduzido para o Japonês na sequência, um trabalho pelo qual o autor está muito grato. Os agradecimentos são também devidos aos organizadores da palestra e do programa do seminário, no qual Gerhard Marcel Martin de Marburg também participou. O programa foi concebido como continuação do Terceiro Simpósio Rudolf Otto, realizado em Marburg, em 1999, que é mencionado novamente na discussão abaixo.

[3] Os quarto eram: Martin Kraatz (Marburg), Johannes Laube (München), Michael Pye (Marburg) e Ninian Smart (Santa Barbara).

[4] Os dois parágrafos seguintes são uma abreviação de tratamento mais detalhado deste assunto sob o título de "Difference and coherence in the worldwide study of religions", palestra ministrada na Universidade de Boston e programada para publicação.