Muito Além do Sábado: O Pionerismo Adventista na Mídia Eletrônica Religiosa[*]

Alexandre Brasil Fonseca [Universidade Federal do Rio de Janeiro][**] []

Resumo

Ainda são poucos os estudos que se detiveram sobre a atuação da Igreja Adventista do Sétimo Dia, especialmente no que se refere à sua presença na mídia. Esta denominação foi responsável por um dos primeiros programas religiosos veiculados tanto no rádio como na televisão no Brasil, e têm feito significativos investimentos nesta área. Ao consideramos a mídia como cultura, temos no estudo da relação desta com a religião um importante elemento a ser desenvolvido e explorado. Neste sentido, este artigo tem como objetivo contribuir num maior conhecimento sobre a história do início da Igreja Adventista no país, além de pontuar como se deu o seu pioneirismo na mídia eletrônica brasileira. Afirma-se, ao final, a necessidade de maior investimento e atenção por parte da comunidade científica em relação a esse ator social, especialmente no que se refere aos estudos culturais e de mídia.

Palavras-chave: Igreja Adventista, Religião, Mídia, Cultura

Abstract

There are still few studies concerning the Seventh Say Adventist Church, especially on their presence in the media. The denomination, however, has been responsible for one of the first religious programs broadcasted both on radio and TV in Brazil and has made significant investments in this area. Considering media as culture, there is an important element to be developed and explored in the study of the relationship between media and religion. Therefore, this article aims at contributing to a larger knowledge on the genesis of the Adventist Church in the country, pointing out how was it that its pioneer presence occurred in the Brazilian electronic media and, finally, stating the need for more investment and attention to this social actor on the part of the scientific community.

Keywords: Adventist Church, Religion, Media, Culture

Introdução

Compreender a mídia como cultura, como um local de constituição de identidades e como um espaço para a configuração das comunidades representa umas das diferentes abordagens assumidas pelos estudos de comunicação (LIMA 2001). A mídia não é apenas um fenômeno econômico ou um instrumento político. Mais do que isso, a mídia deve ser estudada como processo de criação de identidades culturais, fator central na constituição dos atores sociais e na produção e distribuição dos bens simbólicos. Não por acaso que é recorrente a presença e o uso das religiões dos veículos de comunicação de massa.

Neste artigo apontaremos algumas notas introdutórias sobre um dos primeiros grupos religiosos que passou a atuar na televisão e no rádio no Brasil, em meados do século passado, e que também desde a primeira hora tem utilizado os recursos disponibilizados pela Internet. Chama especial atenção o fato de existirem poucos trabalhos que tenham como foco a Igreja Adventista do Sétimo Dia, grupo com religioso com expressiva presença numérica, intensa presença na mídia e no setor educacional com vários colégios e escolas. Algumas peculiaridades caracterizam a denominação, como a postura de se reservar o sábado como dia dedicado às atividades religiosas, com a negação da possibilidade de quaisquer outros tipos de atividades nesse específico dia da semana, a espera do advento (segunda vinda de Cristo) ou ainda a adesão de seus fiéis à dieta vegetariana.

Este artigo se constitui de duas partes. Na primeira trataremos de questões históricas, relacionadas à chegada da denominação no Brasil e alguns tópicos que ilustram sua conformação doutrinária. Na segunda, apresentaremos algumas informações sobre o pioneirismo dos adventistas no rádio e na televisão. Nas considerações finais salienta-se a importância de se desenvolverem mais e melhores estudos na área de estudos culturais e de mídia que considerem a Igreja Adventista como objeto de estudo.

O início do Adventismo no Brasil

Com uma significativa e ampla distribuição no território nacional – congregando mais de 1,2 milhões de pessoas segundo o censo 2000 - a Igreja Adventista do Sétimo Dia não tem sido contemplada nas recentes pesquisas sobre a presença evangélica na sociedade. Normalmente ela aparece como figurante. Podemos apontar dois fatores para essa postura, inicialmente devido à posição de fronteira que a denominação ocupa no universo evangélico. Segundo D’Epinay, ser evangélico é participar do “... conjunto de pessoas e grupos que, além da confissão do Deus trino, se apropriam de um dos grandes princípios da Reforma: sola scriptura” (1975: 17). Há, entre setores evangélicos, acusações de que os ensinamentos de uma das fundadoras da Igreja, Ellen White, também seriam considerados revelação e, portanto, em igualdade de condições com a Bíblia (FONSECA 2003).

O segundo motivo é o estereótipo que se formou dos adventistas[1]. A questão do sábado, a alimentação vegetariana, seus hospitais, colégios e universidades fornecem um número mínimo de informações que nos levam a crer que já conhecemos suficientemente esse grupo e que, por isso, são desnecessárias maiores investigações ou análises. Sobre todas as outras igrejas históricas há farto material e bibliografia de fácil acesso[2]. A importância da mídia adventista e a pouca disponibilidade de informações dessa igreja[3] nos levam a uma digressão sobre sua história.

Tanto nos dados divulgados pelo censo do IBGE, como no Censo Institucional Evangélico-CIN (FERNANDES 1992), ou na ampla pesquisa Novo Nascimento feita pelo ISER, os adventistas foram incluídos dentro da categoria evangélicos. Para Bittencourt Filho (1996: 42) eles constituem seita, também já sendo definidos como pseudo-protestantes, comparados aos mórmons e testemunhas de Jeová, enquanto Oliveira Filho (2004) os situa no contexto dos movimentos messiânicos milenaristas e Martin (1990: 52) considera que os adventistas estão mais próximos da família evangélica[4] do que mórmons e jestemunhas. Voltamos à posição inicial de D’Epinay, que aponta uma situação de fronteira para os adventistas: estes se consideram evangélicos e ora são vistos como pertencentes ao Protestantismo e ora como seitas externas à esse grupo. A seguir apresentaremos, resumidamente, a história do Adventismo no Brasil.

Igreja no Brasil: um estranho início

A gênese dos adventistas no Brasil é no mínimo curiosa. Até onde pudemos verificar ela não é muito difundida, mesmo tendo os adventistas uma série de revistas e uma editora. Nas livrarias adventistas é possível, por exemplo, saber a história da denominação na Rússia, mas se o interessado busca conhecer o início da igreja no Brasil - a segunda maior no mundo em número de batizados - ficará frustrado. De forma genérica, o início é reportado nas publicações da denominação. A Revista Adventista (RA) de outubro de 1986 afirma que “por meios estranhos, a mensagem achou guarida em alguns corações”. Esses meios estranhos são um tripulante clandestino de um navio, foragido da polícia, e um vendedor de livros alcoolista. Em decorrência da dificuldade de acesso, segue uma tradução adaptada de trechos de uma extensa citação, em que é relatado o histórico de fundação da igreja no Brasil, conforme consta na enciclopédia da denominação:

Final do século XIX. Um navio de bandeira alemã, após parada no porto de Itajaí, Santa Catarina, segue viagem rumo à Europa. Um jovem, Burchard, que após problemas com a polícia brasileira resolve fugir para sua terra e a de seus familiares, é descoberto como clandestino dentro do navio. Obrigado a trabalhar para pagar sua passagem, conhece os passageiros e, entre estes, dois missionários da Igreja Adventista. No percurso da longa viagem, Burchard contou sobre a vida no Brasil e respondeu a questões quanto às atividades religiosas da comunidade em que vivia. Alemães, os familiares e vizinhos do jovem eram luteranos. Os missionários obtiveram o endereço do padrasto, Carlos Drefke, que residia em Brusque, Santa Catarina.
Em 1881, dois anos após a viagem, quando Drefke estava no armazém de Brusque, lhe foi entregue um volumoso pacote. Como não havia solicitado nada e desconhecendo o porquê daquele material, ficou temeroso em abri-lo. Incentivado por outros presentes no armazém, abre o embrulho e ali encontra dez exemplares da revista Stimme der Wahrheit (Voz da Verdade). Drefke fica com um exemplar e distribui os outros entre os presentes. Como resultado, dez famílias foram presenteadas com o material. Logo depois, os remetentes receberam cartas de interessados, pedindo o envio para o Brasil de mais informações.
Os custos para esse envio foram assumidos por outro morador da região, que logo em seguida não mais custeou as despesas. Anos mais tarde, Friederich Dressel, filho de um pastor luterano, assumiu a responsabilidade de pagar e solicitar mais publicações, com o objetivo de vendê-las no Brasil. Dressel havia sido expulso de casa por seu pai devido ao seu vício pelo álcool. Assim, Dressel completava seu salário de professor com a venda de revistas, folhetos e livros, a fim de ‘saciar sua sede pelo licor’.
O primeiro convertido ao adventismo foi fruto dessa intricada história de um fugitivo e um bêbado. Guilherme Belz, enquanto visitava seu irmão em Brusque, tem acesso a um livro adventista e em 1890 ele e sua família passam a guardar o sábado. Morador da cidade de Gaspar Alto, Belz prega para seus vizinhos e em pouco tempo outras quatro famílias também seguem a guarda do sábado.
Os anos se passavam e os pedidos enviados de Brusque somavam centenas de dólares. Atenta à demanda existente no Brasil, a Igreja Adventista envia em maio de 1883 seu primeiro colportor. Em 1894 chegam os primeiros missionários, os quais deveriam sobreviver por meio da venda de livros. Neste mesmo ano, o primeiro brasileiro é batizado (data considerada como de fundação da igreja no Brasil) e em 1895 é inaugurada a primeira igreja no Rio de Janeiro, formada somente por trabalhadores americanos que residiam no País e que requisitaram a presença de um pastor americano para formar uma comunidade. E em 1896 é inaugurada em Gaspar Alto uma igreja entre os colonos da região (SEVENTH-DAY ADVENTIST ENCYCLOPAEDIA 1996: 231- 245).

Dessa curiosa história alguns aspectos devem ser observados. Temos a identificação da primeira conversão (Guilherme Belz) com o hábito de se guardar o sábado - esse, de fato, constitui um dos elementos centrais na mentalidade da denominação. O início da igreja se dá entre alemães e americanos, o primeiro culto em português foi realizado em 1899 e a primeira publicação em nossa língua - o jornal O Arauto da Verdade - ocorreu em 1900. Entre os presidentes da Divisão Sul-Americana[5], o primeiro não-americano assume somente em 1975.

Entre os adventistas sempre é afirmada a importância do colportor[6], com variados incentivos aos fiéis para se tornarem vendedores dos livros, folhetos e revistas da igreja. Além da colportagem, é comum encontrarmos frases como esta: “Apesar de alguns não darem importância, foi o método [correio missionário] pelo qual a verdade chegou ao Brasil” (RA, nov. 1990). O correio missionário seria uma espécie de colportagem à distância, pelo qual, após estabelecimento de contato, o fiel passa a receber (de início gratuitamente) material da igreja (estudos bíblicos). Com o tempo são oferecidos livros e revistas, que devem ser comprados.

O ideal para a denominação era que de cada cem membros, um fosse colportor. Em 1990, o número de colportores foi totalizado em 7.120 e, na década passada, eles foram responsáveis por vendas que chegaram a US$ 103 milhões (FONSECA 2003). No estabelecimento da denominação no País, o primeiro casal de missionários deveria viver da venda de livros, sem nenhuma ajuda da denominação. O casal chegou a enfrentar dificuldades financeiras e, graças à doação de outro missionário, não chegaram a passar fome. Essa prática é comumente adotada e incentivada, pois “... o evangelismo com publicações envolve maior volume de dinheiro do que qualquer outro departamento: só que o dinheiro foi trazido do bolso não-adventista e não dos cofres da igreja” (RA, jul 1990, grifo meu).

A organização é outra marca dos adventistas. A denominação elabora sistematicamente planos de ação. A partir de 1990 foi criada uma estratégia para ocupação de todo o território nacional (Missão Global), enquanto o plano anterior (Colheita 90) buscava incrementar o número de batismos. Atualmente está em curso o Impacto Esperança, que engloba todos os países da América Latina e objetiva integrar diferentes ministérios e ações da igreja em torno de um mesmo projeto missionário. Além disso, independentemente de planos, entre os membros há um significativo investimento no proselitismo, inclusive com casos de pessoas que se mudam para outros bairros ou cidades com objetivo de iniciar novas comunidades adventistas.

Desde a fundação da igreja há esse tipo de ação, com ou sem apoio ou intencionalidade por parte da organização oficial da denominação, em que famílias inteiras se mudam com o único objetivo de fundar novas igrejas. Ao lado desse fator há as escolas, importante elemento na divulgação da fé adventista. Espalhadas por todo o País, elas se tornam elementos aglutinadores, fazendo com que a comunidade adventista cresça ao seu redor. Existem escolas e colégios da denominação em pelo menos 400 cidades brasileiras, atingindo mais de 500 unidades de ensino.

Os hospitais também participam ativamente na prática proselitista da igreja. São oferecidos cursos sobre alimentação vegetariana, palestras sobre como parar de beber e fumar. Nos colégios e hospitais são feitos convites a pais, alunos, pacientes e familiares para a formação de grupos de estudos bíblicos. Além disso, as indústrias de alimentos também realizam proselitismo junto com seus clientes. Essas instituições devem destinar parte de sua verba para os projetos da denominação, além de apoiar financeiramente iniciativas das igrejas locais.

Esse conjunto de ações e a diversidade de atuação configuram uma denominação religiosa peculiar, a qual possui na condução de sua administração uma estreita relação com a sede americana. A organização da denominação, com empresas nas áreas de comunicação, saúde, alimentação e educação, parece se refletir numa gestão mais objetiva da própria igreja, sendo esta uma exceção em relação à discrepância que geralmente se encontra entre os números de fiéis que as igrejas afirmam possuir e os resultados divulgados pelo censo. Os adventistas afirmavam ser 500 mil em 1988 e o censo encontrou 700 mil em 1991. Além do tempo, o resultado inclui outras duas igrejas, fruto de divisões da denominação: a Adventista da Reforma e a Adventista da Promessa.

Rádio e TV: O início da voz da profecia

Um dos primeiros programas religiosos de rádio no Brasil, com alcance nacional, começou no mesmo período em que as rádio-novelas passaram a ser veiculadas. No início dos anos de 1940 havia um pouco mais de 100 emissoras de rádios no País e, entre 1943 e 1945, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro produziu 116 novelas. Nesses anos de início da radiodifusão é provável que tenha ocorrido uma série de iniciativas entre as igrejas cristãs para ocupar espaços de pregação na programação das emissoras.

No dia 23 de setembro de 1943, 17 emissoras de várias cidades colocaram no ar a voz do pastor Roberto Rabello: “Esta é a Voz da Profecia, uma mensagem de fé e esperança que anuncia a volta do Senhor”. Com esse prefixo, tinha início o programa A Voz da Profecia, produzido pela Associação Geral da Igreja Adventista, com sede nos Estados Unidos. Importado, o primeiro programa evangélico brasileiro com ampla distribuição era feito a partir das traduções que Rabello - pastor no Rio de Janeiro que desde meados de 1941 residia nos Estados Unidos para estudar no Pacific Union College - fazia.

Escolhido entre os brasileiros residentes nos EUA ligados à denominação, Rabello se dirigia a cada dois ou três meses para Los Angeles a fim de gravar os programas com meia hora de duração cada. Por ano eram 52 programas. Além de narrar, o pastor traduzia as pregações do pastor Richards, produzidas para um programa similar da igreja nos EUA. No programa, era oferecido aos interessados um curso bíblico pela Escola Radiopostal, cuja sede foi instalada na cidade de Niterói-RJ em 1945. Dirigida por Ilka Reis, a Escola Radiopostal servia para viabilizar o envio de lições dos alunos de cursos bíblicos e para responder as correspondências dos ouvintes.

A aceitação das rádios para a transmissão do programa não foi uma negociação fácil, já que inicialmente algumas emissoras relutaram em transmitir um programa não-católico. Segundo a Seventh-Day Adventist Encyclopaedia (1996: 239), isso ocorreu “devido a pressões de outros religiosos”, as quais levaram algumas estações a cancelarem o contrato mesmo após este ter sido assinado. Mesmo com os rádios de válvula, o número de aparelhos ainda era pequeno, e uma das estratégias adotadas pelos adventistas consistia em “... instalar alto-falantes nas fachadas das casas para que os vizinhos pudessem ouvir o programa” (RA, nov. 1996). Entre 1943 e 1963 o programa havia recebido mais de 400 mil pedidos para inscrições na Escola Radiopostal, pessoas interessadas em fazer cursos bíblicos por correspondência.

O investimento da denominação foi significativo e no início da década de 1960 o programa já atingia cerca de 300 emissoras (atualmente, é transmitido por 295 emissoras). Somente a partir de 1962 é que o programa passa a ser gravado no Brasil, após requisição do pastor Rabello à Divisão Sul-Americana, órgão responsável pela administração da igreja brasileira. Nesse ano é inaugurado no Rio de Janeiro o Centro Evangelístico A Voz da Profecia, com a presença do então presidente da república Juscelino Kubitschek.

Até onde pudemos averiguar, o primeiro programa evangélico na televisão, como no rádio, foi produzido pelos adventistas. A Seventh-Day Adventist Encyclopaedia 1996 Edition registra que em novembro de 1962 teve início, primeiramente em São Paulo e logo depois no Rio de Janeiro, o programa Fé para Hoje, apresentado até os dias de hoje pelo pastor Alcides Campolongo. Veiculado por 17 anos pela TV Tupi, o programa também foi veiculado pela Band e pela Record. Desde a década de 1980 o programa é transmitido pela TV Gazeta.

Considerações finais

Vivemos numa “sociedade de comunicação” que se caracteriza pela presença do capitalismo, pelo processo de industrialização e pela evolução e continuidade desta realidade. Neste sentido, a Igreja Adventista se apresenta atenta ao seu tempo ao desenvolver sua mensagem religiosa por intermédio de várias frentes e por fomentar e gerir a atuação de empresas, em variados setores, como parte de sua missão.

Nas palavras de Lima (2001: 188-193) uma sociedade de comunicação pode ser definida como uma sociedade centrada na mídia (media-centered), situação possível graças às condições de infra-estrutura, onde o sistema nacional de comunicação permite que praticamente todos os lares brasileiros tenham acesso à televisão e ao rádio. O centro refere-se a uma maior participação (em oposição à periferia) e a percepção de que as pessoas carismáticas são aquelas que estão no centro, não no aspecto geométrico ou geográfico, mas sim no “coração das coisas”, onde “as principais idéias da sociedade se unem às suas principais instituições para criar uma arena na qual ocorrem os eventos que mais diretamente afetam as vidas de seus membros” (GEERTZ apud Lima 2001: 189).

Em relação aos aspectos sociais e culturais, a mídia passa a ser o local de constituição de identidades, configuração de comunidades, construção da realidade[7], além de ser fator central na constituição dos atores sociais (MARTÍN-BARBERO, 1997: 102). Com isso, a mídia participa ativamente do processo de socialização ao promover a internalização da cultura e das normas sociais, dividindo o lugar da igreja, dos amigos, da família e da escola.

Pensar essa situação pode ser útil para que, como sociedade, possamos ter uma melhor dimensionamento do espaço e da centralidade que representa uma mídia sujeita ao controle social no processo de consolidação da democracia brasileira. No caso específico, temos uma denominação religiosa com fortes ligações internacionais e com uma significativa presença ainda pouco estudada. Os estudos em desenvolvimento sobre esta relação entre religião e mídia têm na Igreja Adventista e em sua ação um promissor foco de trabalho.

Parece que a ênfase da igreja na educação tem tido conseqüências concretas. O que repercute numa maior produção de trabalhos de pós-graduação sobre os adventistas nos últimos anos em diferentes áreas de conhecimento, especialmente em trabalhos na área da Saúde, Educação, Ciências Sociais e alguns na área de Comunicação, como uma primeira e rápida observação no Banco de Teses da CAPES parece indicar. São trabalhos que se propõe a conhecer e estudar os processos e estâncias da igreja, com aparente investimento e envolvimento de algumas pessoas vinculadas à igreja. O fato de termos essa situação representa, por um lado, uma importante contribuição ao desenvolvimento dos estudos relacionados à Igreja Adventista e, por outro, provavelmente estamos diante de trabalhos que vivem as dificuldades e desafios pontuados por Bourdieu (1990) em relação às crenças dos sociólogos das crenças.

Este envolvimento no campo educacional também se reflete na busca de reconhecimento, junto ao Ministério da Educação, de cursos de Teologia confessionais ligados à denominação. No momento existem três cursos reconhecidos, sendo este número menor apenas do que os cursos ligados à Igreja Católica e às duas maiores denominações evangélicas do Brasil (Batistas e Assembléia de Deus). As igrejas adventistas possuem o mesmo número de cursos reconhecidos do que os metodistas e os luteranos, por exemplo.

Atualmente a igreja mantém uma ampla atuação horizontal no campo da mídia, com produtos e ações que englobam desde jornais, revistas e livros até a produção e distribuição de filmes e documentários. A igreja veicula pela televisão por assinatura o canal Novo Tempo e continua sua atuação nas rádios, além de vários sítios na Internet. Todas estas ações, conjuntamente com as suas empresas que cobrem a área de alimentos, de educação com escolas e universidades, de saúde com clínicas e hospitais e centros de recreação e eventos estão, juntamente com as igrejas e atividades estritamente religiosas, sob uma mesma organização centralizada e burocrática.

O tamanho, a distribuição e escopo de atuação da Igreja Adventista, ao lado de sua característica de gestão centralizadora, além de seu pioneirismo no uso dos meios de comunicação de massa, são alguns dos elementos que devem nos instigar para o investimento de mais e melhores estudos que ao pensar a relação entre mídia, religião e cultura tenham nessa denominação um dos focos de sua atenção.

Bibliografia

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LÉONARD, E. 1963 O Protestantismo Brasileiro. São Paulo, Aste.

LIMA, V. 2001 Mídia: Teoria e Política. São Paulo, Fundação Perseu Abramo.

MARTIN, D. 1990 Tongues of Fire: The Explosion of Protestantism in Latin America. Oxford, Blackwell.

MONTEIRO DE LIMA, D. 1987 Os Demônios Descem do Norte. Rio de Janeiro, Francisco Alves.

MARTÍN-BARBERO, J. 1997 Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ.

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OLIVEIRA FILHO, J. J. 2004 “Formação histórica do movimento adventista”. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, 157-179.

WILLEMS, E. 1967 Followers of the New Faith Culture Change and Rise of Protestantism in Brasil and Chile. Nashville, Vanderbilt University Press.

Recebido: 17/08/2008
Aceite final: 21/09/2008

Notas

[*] Este artigo é uma revisão, adaptação e atualização de parte do capítulo A mídia brasileira e os pioneiros evangélicos (FONSECA, 2003, p. 45-72).

[**] Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

[1] Estereótipo que é reforçado pela baixa participação dos fiéis desse grupo em atividades interdenominacionais ou ecumênicas.

[2] Entre outos, podemos citar: Leonard, 1963; Willens, 1967; Mendonça & Velasques Filho, 1990, p. ex.

[3] O livro de Monteiro de Lima (1987:1-8) é uma das poucas referências disponíveis. Nos últimos anos, algumas teses e dissertações foram defendidas, mas não há, por exemplo, grupos de pesquisa cadastrados no CNPq que tenham a Igreja Adventista como objeto.

[4] No livro de Martin (1990) há uma série de referências acerca da significativa presença desse grupo religioso na América Latina, principalmente na (denominada pela igreja) região incaiana. que abrange a Bolívia e o Peru.

[5] Formada pelos países da América Latina localizados do Equador para baixo. As Divisões são formadas por Uniões que podem unir países, como no caso da Incaiana, que engloba o Peru e a Bolívia, ser um país só, no caso da União Chilena, ou ocuparem parte de um país (no Brasil existem seis Uniões).

[6] O colportor é um vendedor de literatura que tem acesso às publicações com um valor reduzido (entre 20% e 40%). Dessa forma, ele poderá evangelizar e dispor de uma fonte de renda. Essa figura existe nas outras igrejas evangélicas, contudo não obtém tanta centralidade como entre os adventistas.

[7] O qual pode oferecer um pseudo-enviroment ao omitir informações ou pautá-las de determinadas formas, questão essencial na ação dos indivíduos, pois “o que cada pessoa faz não é baseado em conhecimento direto e seguro mas em imagens feitas por ele ou dadas a ela (...) o modo pelo qual o mundo é imaginado determina o que as pessoas irão fazer em cada momento particular” (LIPPMANN apud Lima, 2001, p. 190).