Primeiro Encontro Nacional da ANPTECRE

Carlos Caldas[*] []

De 24 a 27 de agosto de 2008 realizou-se na capital de São Paulo, nas dependências do campus Marquês de Paranaguá da PUC-SP, o I Encontro Nacional da ANPTECRE – Associação Nacional de Pós-Graduação em Teologia e Ciências da Religião. Vale registrar que a própria idéia da ANPTECRE surgiu para dar visibilidade a uma área ainda nova no país, que luta por seu reconhecimento e identidade própria. Surgiu há poucos anos no Brasil a ANPTER, que pretendia ser uma associação de professores de Teologia. O problema é que a ANPTER “morreu no nascedouro” – jamais foi adiante. A idéia de organizar evento dessa natureza surgiu em reuniões da sub-área de Teologia (vinculada à área de Filosofia) da CAPES, que envolveram os coordenadores dos programas de pós-graduação reconhecidos pelo governo brasileiro. No caso da Teologia, FAJE/BH (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), PUC-RJ, PUC-RS, Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (São Paulo) e Escola Superior de Teologia (São Leopoldo, RS). No caso de Ciências da Religião, Universidade Católica de Goiás, Universidade Católica de Pernambuco, PUC-SP, PUC-MG, Universidade Metodista de São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie e as por enquanto duas únicas universidades federais do país que oferecem programas em nível de pós-graduação na área de estudos de religião: Universidade Federal de Juiz de Fora (nesta, a primeira do país a oferecer pós-graduação nesta área, optou-se pela terminologia “Ciência da Religião”) e Universidade Federal da Paraíba (“Ciências das Religiões” – o único programa “triplo S” do Brasil). Em fevereiro de 2008 uma reunião deste jaez aconteceu em Brasília, nas dependências da CAPES. Na ocasião, os coordenadores presentes decidiram que o professor Edênio Vale, da PUC-SP, deveria assumir a presidência da entidade visto que o presidente efetivamente eleito, Antonio Carlos Melo Magalhães, até então professor da Metodista de São Paulo, transferiu-se para o Programa de Pós-Graduação em Letras da Estadual de Campina Grande (PB), e o vice-presidente, Paulo Afonso de Araujo, da UFJF, declarou sua impossibilidade de assumir a função. Antes disso, reuniões de planejamento do evento aconteceram desde dezembro de 2007.

Como o encontro teria lugar em São Paulo, decidiu-se que a comissão organizadora seria formada pelos coordenadores (ou representantes por estes nomeados) dos programas localizados na Grande São Paulo: Carlos Ribeiro Caldas Filho, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Cláudio de Oliveira Ribeiro, representando a Metodista, e, representando a PUC-SP, Edênio Vale, Eduardo Cruz, Frank Usarski, Marina Silveira Lopes e Silas Guerriero. A partir deste momento as reuniões de planejamento passaram a acontecer mais amiúde. Dezenas e dezenas de e-mails foram trocados durante esse período, na tentativa de resolver questões decidir questões logísticas importantes, tais como temas e preletores e levantamento de recursos financeiros. Por ser o primeiro evento do gênero, pensou-se em um tema geral que fosse um “guarda-chuva”, amplo o bastante para expressar a história, o momento atual e as esperanças desta área acadêmica no Brasil. Daí, foi escolhido o tema TEOLOGIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO: TRAJETÓRIAS, DESAFIOS, PERSPECTIVAS. Este título expressa verdadeiramente o que o congresso pretendia: a trajetória histórica do estudo de Teologia e Ciências da Religião no Brasil, os atuais desafios, e as possibilidades várias que se descortinam perante os que decidiram fazer academia nessa direção.

A comissão organizadora chegou sem grandes dificuldades a um consenso quanto ao desenho que o evento deveria ter. Fruto de decisão consensual, decidiu-se que o encontro teria três palestrantes principais, que ministrariam uma palestra cada, sendo que dois deles seriam convidados internacionais e, um, palestrante nacional. Por fim, foram convidados os professores Michael Pye, Vitor Westhelle e João Batista Libânio. Pye é britânico, foi professor na Otani University em Kyoto, Japão, e atualmente é professor emérito da Universidade de Marburg, Alemanha. Foi por vários anos presidente da IAHR – International Association for the History of Religions. Westhelle é brasileiro, e há alguns é professor de Teologia Sistemática na Lutheran School of Theology em Chicago. Batista Libânio, nome por demais conhecido no Brasil, é professor também na área de Sistemática na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia em Belo Horizonte.

Além dessas palestras magnas, haveria também mesas redondas sobre temas que seriam sugeridos pelos próprios programas de pós-graduação. As mesas seriam oferecidas simultaneamente, por dois, três ou quatro professores de cada programa. Finalmente, haveria ainda apresentação de painéis com trabalhos defendidos por egressos de cada programa sobre suas dissertações de mestrado ou teses de doutorado. As mesas e os painéis foram particularmente ricos porque apresentaram o que realmente é, hoje, a pesquisa em Teologia e Ciências da Religião no Brasil. É bom registrar, posto que rápida e resumidamente, os conteúdos das mesas: professores da PUC-RS e EST apresentaram trabalhos sobre Teologia e Ciência na universidade e também sobre a questão da Teologia pública. Este tema, ainda recente no Brasil, é potencialmente capaz de oxigenar algumas áreas da reflexão teológica propriamente. A UMESP apresentou uma mesa sobre o sujeito religioso como objeto de estudo das Ciências da Religião. A UCG apresentou uma mesa bastante interessante sobre literatura sagrada e hermenêutica em Teologia e Ciências da Religião. Professores da Metodista e da Católica de Goiás apresentaram em conjunto uma mesa sobre a contribuição prestada por Hugo Assmann, teólogo libertacionista brasileiro, recentemente falecido, para a Teologia e as Ciências da Religião. A Faculdade Nossa Senhora da Assunção apresentou mesa sobre os atuais desafios da Teologia latino-americana. A PUC-SP apresentou uma mesa bastante criativa, sobre a trajetória do estudo das Ciências da Religião no Brasil, tomando como ponto de partida sua própria trajetória institucional, além de evidentemente apresentar reflexões teóricas e conceituais concernentes a este campo do saber. Também bastante criativa foi a mesa da PUC-RJ, que versou sobre Teologia como ciência e prática do diálogo interdisciplinar. Esta mesa procurou estabelecer pontos de contato entre a Teologia e a Comunicação Social, a Literatura e a própria ciência. A FAJE apresentou mesa sobre a Teologia como discurso da fé confessional. Nesta perspectiva da Teologia que assume o papel da confessionalidade da fé foi particularmente interessante a fala apresentada sobre a Teologia trinitária como núcleo da existência cristã. A PUC-MG tratou em sua mesa da especificidade dos fundamentos epistemológicos da Teologia e das Ciências da Religião, e ainda a questão dos discursos inter e transdisciplinares. Finalmente, a Universidade Presbiteriana Mackenzie apresentou mesa sobre a diversidade do campo religioso brasileiro e a reflexão acadêmica no campo de Teologia e Ciências da Religião. Nesta mesa os trabalhos procuraram estabelecer pontos de contato entre aspectos do campo religioso brasileiro e a Antropologia, a Psicologia e a Literatura, além de uma abordagem do fenômeno religioso do Pentecostalismo no país. Lamentou-se apenas a ausência de mesas apresentadas pelas instituições nordestinas, quais sejam, a Católica de Pernambuco e a Federal da Paraíba.

As palestras magnas foram de igual modo muito interessantes. João Batista Libânio, encantador como sempre, apresentou sua fala com a paixão, a profundidade e a sensibilidade pastoral que lhe são peculiares. Vitor Westhelle apresentou seu trabalho com bastante competência e capacidade. E o professor Pye provocou debate candente e interessante com sua fala sobre o estudo da religião no mundo contemporâneo. Pye é uma das principais autoridades na questão do estatuto teórico do estudo da religião. Sua palestra foi instrutiva e provocativa. A discussão é, de fato, polêmica. Haja vista a variedade encontrada nos nomes dos programas de pós-graduação no Brasil. Quem tem razão? Quem optou por “Ciências da Religião”? Esta é a terminologia consagrada pelo uso no Brasil. Mas o que dizer de “Ciência da Religião”? Há mesmo uma “ciência” unificada que dê conta da complexidade de todo o fenômeno religioso? É possível falar de uma única “religião”, no singular? Ou estaria certo quem prefere pluralizar, e falar sobre “Ciências das Religiões”? A questão continua sem resposta. Talvez fique sem resposta ainda por um bom tempo.

A realização de um congresso desta natureza é muito importante. Teologia e Ciências da Religião ainda são vistas pela CAPES como sub-área, estando alocadas sob o “guarda-chuva” da área da Filosofia. Talvez seja isto ainda reflexo de uma compreensão positivista e/ou uma influência marxista, que não vê com bons olhos a reflexão teológica, e que não julga o campo da Teologia e das Ciências da Religião como academicamente respeitável e intelectualmente digno. A realização de um congresso de alto nível como foi o primeiro encontro da ANPTECRE mostra quão sem razão de ser é este preconceito.

O segundo encontro já está convocado para agosto de 2009. A PUC-BH será desta feita a anfitriã. A partir da experiência adquirida, certamente este segundo será ainda mais rico e frutífero que foi o primeiro.

Notas

[*] Carlos Caldas, doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, é professor da Escola Superior de Teologia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Fez parte da comissão organizadora do I Encontro da ANPTECRE.