Neurociências e religião: interfaces

Prof. Dr. Edenio Valle []
PUC-SP - Brasil

Em 1995, foi publicado um livro sério e bem informado sobre o Universo em que vivemos. Seu autor[1], ao se fazer comentarista da ciência, buscava uma síntese entre o conhecimento científico hoje disponível e uma visão espiritual do cosmo e da vida. Deu à obra um título significativo e quase poético: "A Obra do Artista. Uma visão holística do Universo".

Ao ler esse livro, escrito com a poeira das estrelas mas versando sobre fatos científicos, tive ímpetos de procurar o autor para contar-lhe algo do fascinante que eu ia descobrindo ao aprofundar-me em uma área de conhecimento que é apenas aflorada no mencionado livro, as neurociências e, mais especialmente, a neuro-psicologia. A cada nova leitura me convenço de que o dito em "A Obra do Artista" será muito enriquecido se complementado pelo que hoje se sabe da mais maravilhosa das realidades existentes: o cérebro e a mente humana.

Neste artigo pretendo condensar algo do novo que surge a esse respeito. O objetivo do artigo é o de introduzir os que se interessam pelas Ciências da Religião no promissor diálogo que começa a se estabelecer entre as ciências da mente e as que se debruçam sobre a religião e a religiosidade humana.

Por não ser, infelizmente, nem escritor, nem poeta, meu texto seguirá os cânones pesados da literatura acadêmica. Mas escrevo esta nota prévia para dizer que é preciso ter coração de poeta para compreender quão profundamente o aqui dito tem a ver com o mistério, a poesia e o sentido do que existe, ou seja, com o que no ocidente é chamado de "religiosidade" ou de "religião".

I. Novos questionamentos e horizontes

Revistas científicas e de divulgação têm mostrado amplamente ao grande público os extraordinários avanços obtidos pelas neurociências nos últimos dez ou vinte anos. São progressos que correm lado a lado com os logros conseguidos por outras ciências de ponta, como a biogenética, a química e a informática. Tais avanços já começam a exercer forte influência sobre os rumos, tanto das ciências bio-médicas, quanto das ciências humanas, sociais e da cultura. A neuropsicologia é um dos campos mais afetados pelas novas descobertas propiciadas por metodologias inéditas de observação do funcionamento do cérebro humano.

São conhecimentos e constatações que não podiam deixar de provocar uma notável revisão em alguns dos conceitos e teorias vigentes nas ciências da religião, em especial na psicologia da religião. Isto por, ao menos, duas razões principais. Primeiro porque as ciências da religião acham-se ainda atreladas a hipóteses, conceitos e conhecimentos - em geral herdados da medicina e da física -- velhos de mais de cem anos, que são já seguramente já superados. Em segundo lugar, porque Estudos da Religião nunca se distanciaram totalmente da pesquisa sobre a consciência e os estados superiores da mente, duas áreas diretamente afetadas pelos avanços das neurociências.

Merece especial menção a situação ambígua que perdura, há mais de um século, no tocante à relação mente x corpo, dificultando, de um lado, o estabelecimento de uma conexão mais clara entre emoção, razão e cérebro e, de outro, entre processos mentais e valores da cultura, da ética e da religião. Há fundadas esperanças de que possamos avançar nesta discussão no próximo decênio. Algo disto se verá no presente artigo que tem natureza apenas introdutória à questão e pretende tão somente traçar um quadro de fundo que ajude o leitor a perceber a abrangência e o alcance do novo debate que está se estabelecendo entre as neurociências e as ciências da religião. E no seio desse debate, no âmbito mais restrito da psicologia da religião.

Saliento, de início, que as bio-ciências, mais que as demais ciências, sofreram o impacto da maneira de pensar do século XIX, cuja nota primeira era o fechamento a tudo que escapasse ao dogma biologístico. Sua visão do psíquico e do mental era caracterizada por esse viés reducionista. Houve médicos que tentaram outras vias. W. James e C.G. Jung, por exemplo, abriram brechas em novas direções. Mas para inovar em sentido humanista eles quase que tiveram de deixar de ser médicos. Muito do que escreveram tinha mais a ver com o metacientífico e com perspectivas não biológicas, quais as oferecidas pela antropologia cultural, a história comparada das religiões, a semiótica e a linguística que, ao menos em certo sentido, se afastaram dos pressupostos biologísticos da medicina, assim como essa era concebida até aproximadamente os anos 60 do século que findou. Esses médicos interessados na dimensão psíquica - como próprio S. Freud --para expor suas idéias, descobertas e intuições tiveram que criar uma metapsicologia que só nominalmente dizia ter base biológica. De fato, eles não tinham ainda elementos científicos para conceber adequadamente as duas abordagens, a fisiológica e a psicológica. Eles estavam entravando em um terreno novo e desconhecido que era tido, no Ocidente, como território exclusivo da filosofia e da teologia. Interessante observar que, apesar da extraordinária repercussão cultural de suas obras - da psicanálise, por exemplo --, eles tiveram pouca ou nenhuma influência em sua ciência de origem, cuja "main stream" permaneceu rigorosamente materialista e organicista.

O resultado final desse processo levou, segundo o neurofisiologista A. Damásio, a

"uma amputação do conceito de natureza humana com o qual a medicina trabalha...Não surpreende que, de um modo geral, as conseqüências do corpo sobre a mente mereçam na medicina uma atenção secundária ou mesmo nenhuma atenção... (Ela) não percebe que aquilo que as pessoas sentem em relação ao seu estado físico é um fator principal no resultado do tratamento" (Damásio, 1998, 287).

II. Posições organicistas versus posições preocupadas com a mente

É coisa patente que a psicologia e a psicanálise sempre mantiveram uma correlação estreita com a medicina. Assim não é de se admirar que fenômenos tidos como sendo coisas da religião e da mente, tenham estado muito freqüentemente em mãos de médicos. Resultado: a psiquiatria e psicologia do século XX conservaram largamente os mesmos pressupostos e conceitos positivistas e materialistas vigentes nas modernas ciências médicas. Com isto, a contraposição entre ciência e religião tornou-se uma tônica também na psicologia da religião, claro que sempre ao lado de outras tendências, por vezes quase diametralmente opostas ao enfoque organicista[2].

Segundo I. Barbour[3], no campo das neurocências, existiram ao longo do século XX, quatro posições de fundo na visão deste relacionamento. A predominância desta ou daquela visão ou tendência variou de acordo com os ventos que sopravam em cada época.

A primeira posição via (e vê) um antagonismo de base entre as duas visões. Entre ambas existiria uma incompatibilidade intrínseca e de princípio. O antagonismo é defendido pelos dois lados. Do lado da ciência, biólogos como Jacques Monod e Edward O. Wilson, estavam convencidos de que a religião não representava a realidade (destorcia-a, até), ao passo que as teorias científicas o faziam, embora de modo (ainda) amplamente incompleto. No outro extremo situava-se a posição dos fundamentalistas religiosos. O debate mais típico, embora não o mais importante, é o que se estabeleceu em torno do chamado criacionismo. Para os fundamentalistas a Bíblia é mais fidedigna que as hipóteses das ciências naturais e da astrofísica a respeito da origem do universo, da vida e do homem. Na Bíblia encontramos não "mitos" e sim verdades às quais a ciência humana deveria se curvar por se tratar de um conhecimento com chancela divina.

Mais tarde, firma-se uma posição epistemológica diversa fundamentada no princípio da existência de uma independência entre os dois tipos de conhecimento, o religioso e o científico. Não existe um conflito de raiz entre os dois, uma vez que as ciências objetivam uma compreensão natural e direta dos fenômenos do mundo, enquanto que a religião interpreta a ação indireta de Deus na natureza. Seriam duas abordagens distintas, embora afins e complementares. Essa parece ser a opinião de um moderno físico brasileiro M. Gleiser, quando escreve que

"da mesma forma que é hoje absurdo afirmar que a terra tem somente 6000 anos, é absurdo declarar que a ciência tem todas as respostas, ou mesmo que seja capaz de obtê-las. Para começar existem certas questões que estão (...) fora do âmbito científico. Mais ainda, nós nunca seremos capazes de formular todas as perguntas (...). Às vezes, confundimos o objetivo comum das ciências e da religião, a busca por uma perfeição inatingível, com nós próprios, acreditando que nossa mera participação nesse processo (...) nos transforma em deuses! Nada como uma boa dose de humildade contra essa triste vaidade moral e intelectual"[4].

Uma terceira forma de se correlacionar religião e ciência é a que postula a possibilidade de um diálogo entre as duas. São muitos, hoje, os cientistas que reconhecem que a investigação científica não tem como chegar a questões como: o que havia antes do big bang ? em que direção apontam certos fenômenos detectados pela física quântica? São dados irrefutáveis que ultrapassariam as possibilidades das ciências, ao menos pelo momento, abrindo, assim, um campo próprio à explicação filosófica e religiosa. Embora religião e ciência não sejam isomorfas, ambas apresentam suficientes pontos de contato para estabelecer um diálogo que beneficiará os objetivos de ambas, que é o de conhecer de maneira mais ampla a realidade do ser humano e do mundo. Nos últimos anos, indo mais longe, cientistas advindos da biologia, da stronomia, da neurologia e da física, falam já da possibilidade de uma futura integração entre ciência e religião. As duas confluiriam, em níveis distintos, para explicar complementarmente fenômenos que não se deixam explicar de modo exaustivo por só uma delas. D'Aquili e Newberg[5], médicos e neurofisiologistas , assumem expressamente essa posição em um livro que obteve grande sucesso nos Estados Unidos e já começa a ser comentado no Brasil.

Simplificando esse quadro que, diga-se de passagem, é extremamente complexo, pode-se afirmar que no que tange a visão da neuropsicologia a respeito da religião já há claros indícios de que se superou a fase da hostilidade e/ou indiferença entre as duas partes e que aumenta o número dos pesquisadores científicos que se dedicam a criar condições para um diálogo e complementação entre o que se sabe sobre o cérebro ou a mente e o religioso. Para destacados cientistas contemporâneos as novas descobertas das ciências da natureza parecem abrir perspectivas extremamente promissoras quanto a um diálogo interdisciplinar no referente aos estados místico-religiosos e aos processos biológicos à ela subjacentes. Fugindo a concepções dicotômicas, a nova visão busca um sentido mais integrado do conjunto bio-psico-social, com o existencial-ético-teológico em que ela precisa ser desenvolvida. Lugar de destaque nesse novo eqüacionamento é o ocupado pela neurofisiologia.

Não se pense que esteja já tudo claro e resolvido. Persistem dúvidas sérias e pontos obscuros em inúmeros campos. As posições de mútuo fechamento permanecem e continuam mesmo sendo a tônica. Os dados e indicações de que dispomos não podem ser tidos como definitivos. Mas algo novo se vislumbra! O que começa a se tornar universalmente aceito é que a tradição médico-psicológica ocidental laborou durante séculos em um preconceito que remonta ao que Damásio chamou de "o erro de Descartes"[6]. Para esse famoso filósofo e médico francês, como se sabe, a mente humana era uma realidade incorpórea (uma "res cogitans", separada e distante de sua outra parte, a "res extensa", a "coisa" corpórea e material) cuja sede se localizaria na glândula pineal, a única parte do cérebro humano que não tem uma reduplicação nos dois hemisférios, como ele, excelente anatomista, bem sabia.

Há muito se percebeu que as hipóteses neurofisiológicas e mesmo anatômicas de Descartes são erradas. Contudo, ao se falar da "mente humana" ("mind") e da "consciência ("consciousness"), muitos persistem a pensá-las cartesianamente, centrando sua compreensão[7] ou em um "cérebro" exclusivamente material, ou em um "cogito" só espiritual. É, nessa segunda hipótese, como se o "saber" e a "consciência" de si e do mundo não tivessem "corpo" e, em conseqüência, como se a religiosidade fosse uma realidade só do "espírito", um "ens" imaterial caído do céu, por intervenção dos deuses. Em conseqüência, as funções superiores da mente -- como a fantasia, a memória, a sensibilidade emotiva, a inteligência, a emocão etc - são vistas como que "pairando" acima do corpo, o que dá margem ao surgimento de uma compreensão dualizada do funcionamento da psique humana. O resultado é um insanável dicotomia entre mente e cérebro, entre corpo e alma, entre consciência e espírito.

Descartes não podia, nem de longe, sonhar que a atividade do cérebro resulta do trabalho de conjugação individualizada de neurônios que se articulam e se inscrevem em redes neurais de complexa natureza eletro-química que servem de base ao que chamamos de consciência, esse elemento tão central do sentir/pensar específicos do ser humano.

São atividades que se escondem em performances tão disparatadas quanto compor um poema, dançar o "Lagos dos Cisnes", sentir remorso pelo mal cometido, amar uma pessoa ou dar a vida por um ideal maior. Não se trata apenas da ressonância subjetiva dessas experiências em cada sujeito que poeta, dança, se arrepende, ama ou entrega sua vida e sim de uma trajetória psico-evolutiva que vem de milhões e milhões de anos e resulta de um minucioso emaranhado de articulações neuro-químicas e de significados psíquicas. Os mecanismos biológicos dessa trajetória começam agora a ser desvendados desde dentro, quase que ao vivo e a cores. Está se tornando possível a observação e manipulação (também genética) cada vez mais direta do funcionamento dos sistemas nervoso, hormonal e celular. Todos ouvimos falar do Projeto Genoma e da ovelha Dolly que foi clonada há pouco, na Inglaterra. O canal Discovery nos mostra imagens coloridas do que vai no cérebro de uma pessoa que tenta se lembrar de um número de telefone ou que se emociona ao recordar-se de um poema ou de um fato triste de sua vida.

Os cientistas estão se apercebendo da validade e importância de intuições quase místicas de pesquisadores como Einstein e Teilhard de Chardin ao tentarem captar em toda sua extensão o sentido dos dados colhidos em suas respectivas ciências. O horizonte para o qual todas as grandes religiões parecem estar apontando se aproxima, de certa maneira, à percepção que esses cientistas têm das descobertas verdadeiramente revolucionárias que a pesquisa vai acumulando, criando novos paradigmas e exigindo novos quadros conceituais.

Há uma divulgação muito grande na mídia do que a astrofísica, a matemática e a física quântica hipotizam hoje a respeito do big-bang. Já menos difundido é o que se sabe sobre o microcosmo maravilhoso dos "qualia" da mente e do cérebro humano. A questão da consciência é uma questão central no debate que se insinua desde as neuro-ciências. Ela precisa ser considerada dentro de um diálogo interdisciplinar novo e aberto, ainda à nossa frente.

III. Pesquisas na interface entre neuro-ciências e religião

1. Fases teóricas na evolução da discussão sobre cérebro/mente

James B. Ashbrook[8] descreve três fases na evolução acontecida na interface entre religião e Neuro-ciências, entre 1970 a 1995. No centro de suas observações e interpretações está o famoso "mind-brain problem". Inicialmente a pesquisa foi influenciada pelas chamadas "duas correntes de consciência". É o período do "split-brain research". Os dois hemisférios cerebrais estriam de tal forma diferenciados em suas funções que quase corresponderiam a duas distintas personalidades dentro de um só e mesmo sujeito. Uma caracterizada por um modo analítico de ser e outra estilos marcados pela síntese. Robert Ornstein[9] divulgava entre o grande público a concepção de que a personalidade humana seria psiconeurologicamente bi-modal. Buscava-se encontrar um modo de correlaçionar estes dois diversos estilos de agir do cérebro. Deixava-se, assim, de lado a hipótese antes dominante da explicação através da "lateralização" da consciência. Essa hipótese bi-modal foi criticada desde o início por ser uma explicação demasiado genérica, além de insatisfatória para quem leva em conta o que a evolução mostrava. Os interessados em teologia e religião viram de imediato as conseqüências dela decorrentes para o campo religioso (Ashbrook, 1996, 551 s).

Ao longo dos anos 80 observou-se uma mudança na orientação geral do enfoque. O funcionamento integrado do "cérebro todo" passou a merecer a atenção principal. A relação cérebro-mente passou a ser o tema básico. Nessa época dá-se uma controvérsia famosa entre o prêmio Nobel John Ecles, apoiado pelo maior neuro-cirurgião daquele tempo, Wilder Penfield, e Roger Sperry que defendia uma posição reducionista. Não há como resumir aqui o complexo debate (cf. Ashbrook, 1996, 557 s.). Do lado dos teólogos que participavam da discussão essa mudança de enfoque foi vista como mais apropriada para se compreender o sentido da religião, quando menos em sua dimensão metafórica.

Os anos 90 viram nascer uma fase nova. A consciência passou a ser percebida como " capaz de dar sentido e de integrar". Surge assim uma ponte para o diálogo entre o que diz a neurologia cognitiva e o que postula a religião enfocada desde este ponto. Pois, do ponto de vista da religião, por mais importante que possa ser a base neurológica das atividades do cérebro em seu todo, não se pode perder de vista a existência de uma consciência integradora, sempre intencionalmente atuante, envolvendo todos os níveis do cérebro e todos os aspectos da cultura.

Contra este pano de fundo dá-se outra polêmica famosa. De um lado estava o prêmio Nobel F. Crick (1994) que pensava ser o homem "nada mais que o comportamento de um vasto conjunto de células nervosas com suas moléculas associadas". Portanto, nada de tomar a sério o "todo", o que deve ser considerado são as partes. De outro lado causa reboliço o livro de António Damásio, pesquisador e médico português radicado nos Estados Unidos, que deixa explícito, como neurofisiologista, que a commpreensão neurofisiológica da consciência dev, em virtude das evidências novas, superar em definitivo a posição cartesiana, pois essa não se sustenta sobre fatos. O que conta é o todo. A "nenhum corpo" corresponde "nenhuma mente". (Damásio, 1998, 254). Eis duas frases significativas do neurologista português, trazidas por Ashbrook (1996, 565):

"Deveria já estar patente... que os segredos da base neurológica da mente não podem ser descobertos mediante a decifração de todos os mistérios de um único neurônio ...ou de todos os intrincados padrões de atividade local de um (único) circuito neural típico"
"A mente que se acha verdadeiramente embutida no corpo não perde a capacidade de realizar suas operações de nível mais refinado, as que dizem respeito à sua alma e ao seu espírito".

2. Questões preliminares em torno do conceito de consciência

2.1. O conceito de consciência deve ser melhor entendido antes de entramos em outras considerações. Vejamos, primeiro, seu significado etimológico

Em algumas línguas indo-germânicas a palavra latina "conscientia" dá origem a dois termos diversos, cujos sentidos não se recobrem inteiramente. O inglês, por exemplo, distinge "conscienciousness" de "conscience". Neste texto usaremos a palavra prevalentemente no sentido de "consciousness" e menos no de "conscience".

"Consciousness", para o Longman (1991) tem, ao lado de outros, dois sentidos que são de nosso interesse direto. Com esse termo se designa "a qualidade ou estado de ser consciente de alguma coisa dentro ou fora de uma pessoa" abrangendo "todos os estados de consciência da mesma", de modo muito especial os do nível superior da vida mental da qual a pessoa tem consciência em contraposição aos processos inconscientes e aos que temos em comum com outras espécies e que, em psicologia, não podem nem devem ser excluídos."Conscience" tem um sentido diferente e mais restrito. Refere-se à "consciência da qualidade moral do comportamento ou das intenções de alguém juntamente com o senso de obrigatoriedade de se evitar praticar o mal". Este significado da palavra nos interessará aqui de maneira secundária, mas não pode ser posto de lado em Psicologia da Religião.

Compulsando o Aurélio encontramos também várias definições de consciência. Duas delas vão na linha da "consciousness" (ou da "awareness") dos ingleses. Ei-los: "é o atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo (e, depois, em relação aos chamados estados interiores, subjetivos) aquela distância em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integração". Uma segunda definição fala muito apropriadamente da consciência enquanto "o conhecimento imediato da sua própria atividade psíquica".

A aproximação à questão da consciência, na perspectiva das neurociências pressupõe uma certa clareza em torno de dois pontos principais : entender os passos (fases) acontecidos na evolução interna das pesquisas neurológicas em sua conexão com um novo entendimento do fenômeno religioso em sua complexidade bio-psio-social[10].

2.2. Os pesquisadores dos anos 90, dão ênfase a três temas que consideram como fundamentais para a elucidação do assunto em questão.

O primeiro é o problema da consciência e do self. Antes de mais nada é necessário frizar que a questão da consciência é mais ampla que a do self. O problema da consciência envolve um outro, o de entender como o cérebro humano, dentro do conjunto orgânico do Sistema Nervoso Central e do corpo em seu todo, desenvolve as imagens ou padrões mentais ("mental patterns") de um objeto qualquer.

A palavra "objeto" recobre aqui entidades tão diversificadas quanto a própria pessoa, um lugar, uma melodia, uma dor de dente, uma situação de trânsito, uma relação pessoal com uma outra pessoa ou um valor que pode ser objeto de amor ou de ódio. Por "imagem" deve-se entender um "padrão mental" , construído desde diferentes modalidades sensoriais, quais, por exemplo, a imagem de um som, de uma percepção tátil, de uma sensação de bem-estar. Tais imagens são composta de vários elementos: as características físicas do objeto, a reação de prazer/desprazer que ele suscita em nós, os planos e reações que ele provoca e também as conexões que a consciência estabelece - pela tríplice via da memória, do sentimento e da razão - entre a imagem daquele objeto e e as de outros que já estão dentro do sujeito. Uma imagem psíquica nunca é um retrato parado; é, antes, um filme que reúne em cenas e enredos elementos como o som, a cor, as expressões faciais dos atores, etc.

O problema que se põe para a neurofisiologia é o de entender como o cérebro constrói estes padrões (redes e circuitos) neurais e os transforma em imagens mentais dotadas de sentido e que superam o nível puramente fisiológico, adquirindo características humanas. Ver o azul do céu e inebriar-se com sua beleza, por exemplo, é mais do que sentir um determinado estímulo visual na parte do cérebro que elabora as imagens visivas.

Mas, o trabalho da consciência não para aí. Além de gerar imagens mentais dotadas de sentido, a consciência gera um "sentido do self" que é inerente à atividade eminentemente humana do "conhecer". As imagens todas têm no "self" uma dimensão de unificação e de continuidade que confere a cada imagem e ao conjunto de todas as imagens mentais, perceptivas e sensoriais presentes em nosso cérebro um caráter inequívocamente idiossincrático e individual. Por exemplo: enquanto eu escrevo esta página, eu tenho objetivos, preocupações e sentidos que são só meus (do meu "self"); enquanto você, leitor, fará a leitura deste texto desde conotações que são exclusivas do seu próprio "self". Outras serão as conexões, motivações e nível de envolvimento e interesse que você terá, em função do seu "self".

Entra aqui toda a sua biografia pessoal. Se você estiver fazendo um curso de psiconeurologia, o nível e a intensidade de seu interesse será provavelmente maior e diferente do de alguém que estiver estudando um autor como Mestre Eckhardt, pois este artigo evocará, em cada um dos dois casos, imagens mentais distintas, fazendo com que o "self" se volte para referenciais cognitivos e afetivos igualmente distintos. Considerando o acima dito, compreendemos que a consciência, de seus níveis mais elementares até os mais refinadamente humanos, é um padrão mental unificado que correlaciona um objeto (ou muitos, ou todos os objetos presentes em nós) com o nosso "self".

Um segundo tema é o da correlação entre mente e cérebro (e, em conseqüência, comportamento. Consciência e mente[11] acham-se unidas em primeira pessoa. Eis aí um dado primário da auto-percepção. Estão, ao mesmo tempo, estreitamente unidas à nossa ao nosso comportamento e à nossa auto-percepção intra e extrapessoal[12]. Seja analisando a nós próprios, seja analisando os outros, nós todos sabemos disto. A conexão entre mente e comportamento interno e externo tem sua base no cérebro e no corpo e é preciso associar esses componentes todos para se entender o que seja e como funciona a consciência. Nem todas as imagens construídas pelo cérebro são acessíveis à consciência. Logo, pode-se e deve-se distinguir a "consciência" das "imagens" e o "cérebro" da "mente". O "self", por sua vez, é mais que a somatória de tudo isto.

Não há unanimidade de pontos de vista nas relações existentes entre cérebro e mente, muito especialmente quando eles se referem à consciência. Nas últimas duas décadas as ciências neuro-cognitivas fizeram avanços notáveis graças a tecnologias que permitem "ver" como certas estruturas e funções cerebrais se realcionam a determinados comportamentos e reações mentais. O comportamento e qualquer estado mental e psicológico têm sempre e seguramente uma contraparte em atividades cerebrais e neuro-químicas. A grande dúvida é a que toca a maneira como tudo isto funciona e se conjuga , possibilitando o surgimento de estados superiores da mente humana.

O terceiro tópico que nos interessa sublinhar é o da relação entre a neurofisiologia e a neuropsicologia. As modernas concepções sobre o funcionamento do cérebro/mente são devidas a fatos bem constatados, embora não inteiramente pesquisados. Tais fatos estabelecem novos insights sobre as relações entre a neurologia e a psicologia. Primeiro, sabe-se hoje com certeza que alguns processos da consciência estão relacionados a operações em áreas bem específicas de algumas regiões e sistemas cerebrais. Com isto, conhece-se hoje o que Damásio chama de "arcabouço neurológico" de sustentação da mente. Estudos aprimorados nessa área já são realizados no Brasil. Cruz e Landeira fernadez, por exemplo, descrevem com minúcia tecnológica as estruturas e processos cerebrais envolvidos nas respostas do cérebro ao medo e à dor, o que "torna possível não só um conhecimento mais detalhado de como o cérebro deflagra e regula esses sentimentos, mas ainda revelam como e porque as psicoterapias são capazes de reduzir os sintomas de distúrbios como fobias, ansiedade e pânico"[13]. Um segundo fato tido como certo é o de que os estados de vigilância e os de "baixa-atenção" podem ser separados. Certos pacientes portadores de lesão cerebral podem estar acordados e atentos sem estar em um nível normal de vigilância. São fatos e constatações que não podem deixar de chamar a atenção, por exemplo, do psicólogo interessado em detectar o que subjaz aos estados de euforia, pacificação interior e transe freqüentemente observados em situações de intenso fervor religioso, o que é comum nos cultos de cura que hoje proliferam em todas as cidades brasileiras de maior porte.

Há mais dois fatos que talvez sejam ainda mais reveladores: consciência e emoção não são separáveis; estão sempre unidas e ambas inexoravelmente atadas a processos do corpo. Eis, finalmente um quarto fato: a consciência não é monolítica; ela pode ser separada em dados mais elementares e conjugada em conjuntos mais complexos. Para Damásio, como se verá adiante, existe uma consciência "nuclear" (que é algo mais próximo ao biológico) e existe uma consciência "estendida" (que é algo mais de tipo "mental"). As duas diferem neurofisiológicamente e têm implicações diversas para o "self", para a mente e para o comportamento.

IV. Novos enfoques metateóricos da neurofisiologia

1. Nos últimos dois decênios as neurociências começaram a investigar a maneira como o cérebro consegue criar imagens e elaborar sentimentos finalizados. Os neurocientistas perseverando em sua busca de respostas às questões de sua área especificamente experimental, passaram a abrir-se à consideração do que antes era tido por eles como uma questão não científica. Começaram a surgir trabalhos conjuntos de psicólogos, filósofos, teólogos e neurologistas. Surgiram revistas espeialmente dedicadas à essa área interdisciplinar do religioso. É o caso da revista Zygon, publicação norte-americana de sólido renome científico. Na bibliografia de primeiro plano citam-se nomes de neurocientistas como P. D. Mac Lean, A. Damásio, Steven Pinker, E. d'Aquili e Newberg, , R.E. Ornstein, J. LeDoux, H. Gardner, Roger Penrose, etc e de filósofos como John Searle, Jerome Brunner, Robert Forman e Daniel Dennett, além de muitos outros[14].

Cientistas das mais diversas especializações, imbuídos ou não de convicções religiosas pessoais, se perguntam hoje sobre o possível papel da religiosidade neste emaranhado que mal começa a ser desvendado. Interessante que muitos deles vêm da Física Quântica, da Astronomia, da Química Orgânica e da Biologia, ciências que por serem "naturais" e não "do espírito" (lembrem-se da distinção de Dilthey[15]), eram consideradas teórica e metodologicamente como necessariamente "a-téias". Alguns desses cientistas "da natureza", seguindo um sonho pouco conhecido do jovem Freud[16], chegam a externar sua admiração pela demora dos teólogos em perceber a existência latente de uma questão religiosa por baixo das atuais discussões metateóricas propostas pelas recentes descobertas de suas respectivas ciências.

São sintomáticas as colocações, nem sempre sistemáticas, que já eram levantadas por cientistas[17] do porte de W. Heisenberg, A. N. Whitehead, L. de Broglie, E. Schroedinger ou Einstein. Livros de bom caráter divulgatório[18], como os de F. Capra, por exemplo, tentam mostrar que a física quântica toca aspectos que a sabedoria religiosa oriental conhecia desde milênios. Em outros termos, estamos diante de uma evolução inesperada que reverte as posições materialistas do século XIX e chegando, mesmo, a criar o perigo de se cair no extremo oposto de um espiritualismo ingênuo e a-racional. Em todo caso é difícil negar que "Deus" volta a ser uma hipótese "conatural" para quem vai fundo na discussão das implicações últimas dos achados científicos[19].

A novidade dessas novas opiniões da ciência pós-racionalista se evidencia, pela via do contraste, em uma estória jocosa narrada por John Searle a respeito de Bertrand Russel.. Em certa ocasião, durante um banquete oferecido ao conhecido matemático e filósofo inglês, famoso também por sua posição duramente atéia, os alunos perguntaram a ele a seguinte questão:

"Suponha que você esteja errado sobre a existência de Deus ... que toda essa história (das religiões) seja verdadeira e que você chegue à porta do céu e São Pedro esteja lá. Tendo negado a existência de Deus toda a vida, o que você diria a Ele? Russell respondeu sem sequer titubear: "Eu iria até Ele e diria: Você não nos deu provas suficientes".

É de se perguntar: será que Deus começou a mostrar suas provas?

2. Um bom exemplo dessa nova postura é-nos oferecido pelo scholar americano J. Searle, que tinha a ambição de criar uma teoria abrangente para o funcionamento da mente, da linguagem e da interação social humana[20], procurando uma via de saída para o interminável conflito entre os "religionistas" e os "naturalistas". Searle escreveu um livro[21] que resume os conceitos e hipóteses por ele apresentados na polêmica que travou com o "materialista" Daniel Dennett, nas páginas do "New York Times Book Review". Para Dennett a mente não passa de um aglomerado de programas de hard ware implantados no winchester de nosso cérebro. Seriam programações que mais cedo ou mais tarde poderão ser replicadas por máquinas pensantes. Searle e outros que intervieram na polêmica, baseando-se nos resultados das últimas pesquisas sobre o funcionamento mental, desmentem a possibilidade de se igualar a performance global da mente humana com a de um computador avançado. Na opinião de Searle, o que se sabe sobre a relação da mente com o organismo biológico e os processos superiores da mente, parece indicar que essa última Não poderá jamais ser objeto de "clonagens" propriamente ditas, devido às suas caraterísticas eminentemente idiossincráticas. A mente deve ser vista como algo diferente das máquinas inteligentes. Essas, mesmo após a sofisticação tecnológica dos próximos decênios, continuarão sendo artefatos humanos fundamentalmente mecânicos, podendo ao máximo "simular’ o que é próprio do ser humano.

O presente artigo se circunscreverá ao ângulo das neurociências. Seu objetivo é o de mostrar como também os psicólogos da religião que dominam as neurociências - por exemplo, C. Albright, J.B. Ashbrook, E. d'Aquili com seu parceiro A .B. Newberg, M. Meulders, etc. - se esforçam por rever os termos em que se coloca atualmente a relação entre neurociências e religião. Não pretendo entrar em noções de neuroanatomia e neurofisiologia. Minha preocupação neste texto não é a de expor os avanços da neurofisiologia e sim a de mostrar ao leitor/a as novas conexões que os resultados da pesquisa nesse campo revelam, exigindo a atenção do psicólogo da religião. Estamos ante os portais de uma problemática que vira a página da época que gerou as teorias de W. James, S. Freud , F. B. Skinner, W. Winnicott ou G.W. Allport.

B. Pontos de vista suscitados pelos novos mapas da mente

I. Visão geral do problema

1. Vamos nos apoiar largamente em A. Damásio, neurocientista e psiquiatra português que trabalha nos Estados Unidos, no Departamento de Neurologia da Universidade de Iowa. Ele é hoje um dos mais festejados cientistas do mundo. Virou best seller, por seu estilo acessível, mas permanece no campo estrito de sua ciência, sem muitas concessões. A questão da religião, da ética e da arte aparece em sua obra mais em observações marginais, embora tenham notável peso em seu pensamento. Para não fugir à terminologia própria de sua ciência ele parece preferir uma linguagem apenas alusiva.

Damásio tem dois livros fundamentais[22]. A originalidade de seu primeiro livro reside na maneira como ele articula a capacidade humana de sentir, discernir, pensar e avaliar com uma minuciosa descrição do funcionamento do cérebro. Em seu segundo trabalho, aproximando-se mais ainda ao assunto que nos interessa -- a religiosidade -- ele aborda o mistério da consciência humana, este "sentimento" ("feeling") tão diferente que temos a respeito daquilo que acontece dentro e fora de nós. Como é que nós conhecemos que conhecemos? Como é que nossa consciência e nossa mente elaboram um sentido de nós mesmos (de nosso self)?

Nossa maneira usual (seja dos filósofos e cientistas da religião, seja dos médicos e psicólogos) de conceituar a consciência humana se detinha mais sobre a tentativa de ver como nós elaboramos nossas imagens mentais. Damásio vai mais além. O que busca explanar é o surgimento e o sentido do self enquanto elemento central de nossa consciência. Damásio mostra que este sentido tem a ver com a habilidade do cérebro humano de permitir ao indivíduo perceber-se como um organismo vivo no jogo que estabelece com o mundo e os objetos. Isto não é algo restrito apenas à memória, à razão ou à linguagem, como se diz quase sempre. Damásio mostra que, também neurofisiológicamente falando, o que está no centro da atenção hoje é a consciência. É ela a chave que nos pode permitir um acesso cientificamente adequado à compreensão daquilo que nos faz propriamente humanos, quando comparados a outros mamíferos superiores. Nem é necessário salientar como esta maneira de falar, inusitada na medicina fisiológica, interessa a quem pretende entender o fenômeno religioso em seus fundamentos mais essenciais.

2. Para quem é leigo em medicina talvez valha a pensa acrescentar que o notável avanço verificado na neurologia e na neuropsiquiatria deve muito ao progresso das ciências da computação. Os dados se acumulam quase que mês a mês, mas estamos ainda em uma época de descobertas isoladas. Crescemos de teorias de meio alcance capazes de reunir o que se sabe em quadros teóricos mais complexivos. Tudo está "in fieri". A teoria de Damásio não deve ser tida como assegurada; ela é apenas precursora.

A introdução de tecnologias computorizadas de observação direta do funcionamento do cérebro é que torna plausível e dá seriedade científica à visão de conjunto que está emergindo. Não se trata de especulações e sim de deduções que têm fundamento em dados seguros. A ressonância magnética (MRI) e a tomografia computorizada através de positrons (PET), por exemplo, nos permitem visualizar em imagens o funcionamento do cérebro. São técnicas que tornam possível mapear diretamente a atividade neuronal por ocasião de cada uma de suas atividades (memória, sentimento, raciocínio, medo, raiva, etc). Em pacientes que sofrem de lesões cerebrais, essas imagens possibilitam observações de grande valor heurístico e clínico[23]. Pode-se hoje enxergar a mente humana funcionando de modo tão claro como o da ultrassonografia que nos faz ver "em direta e a cores" um feto humano em seus primeiros meses de desenvolvimento intra-uterino.

3. O melhor, talvez, seja dar um ou dois exemplos. Um, tido como clássico, é o acontecido em 1848, com um operário norte-americano de nome Phineas Gage. Em um acidente seu cérebro pre-frontal foi trespassado por uma fina barra de metal. O rapaz de 25 anos não perdeu nem os sentidos nem as funções cerebrais de fala, memória e locomoção. Após a retirada do objeto contundente ele se recuperou completamente, só que sua personalidade sofreu uma grande mudança em aspectos exclusivamente humanos, em especial na capacidade de se relacionar com os outros com senso de reciprocidade. Diz Damasio, que estudou a fundo este caso:

"...(Gage) perdeu a capacidade de planejar o futuro enquanto ser social. Até que ponto esteve consciente dessa perda? Poderá ser descrito como um ser consciente de si mesmo, tal como qualquer um de nós? Será sensato afirmar que sua alma foi prejudicada ou que a perdeu? E se assim foi, o que pensaria Descartes se tivesse conhecimento desse caso e possuísse os conhecimentos que hoje possuímos sobre neuro-biologia? Ter-se-ia interrogado sobre a glândula pineal de Gage?" (Damásio, 1998, 41).

O médico que atendeu Phineas, do ponto de vista diagnóstico, tinha basicamente os mesmo recursos que Descartes. Mas a medicina de sua época já lhe permitia seguir outras hipóteses clínicas que se mostraram muito fecundas. Se Phineas vivesse hoje e fosse a um hospital bem equipado, o médico poderia "assistir" o que se passava em seu cérebro, quase como se estivesse assistindo a um filme. Hoje o MRI e o PET ajudam a mapear e ver com boa exatidão as partes do cérebro que geram reações e estilos de personalidade como as que aparecem no caso Gage.

É algo fascinante ver em uma tela as diferentes áreas cerebrais que entram em ação quando falamos, lemos ou pensamos. Ou, então, como as regiões do cérebro responsáveis pela linguagem são ativadas quando contamos as sílabas de uma sentença ou de uma palavra ou quando tentamos entender o significado das mesmas. Ou, ainda, como outras partes bem distintas do cérebro entram em ação quando a leitura é feita sob tensão emocional.

Como não dispomos dos equipamentos para mostrar tudo isto, lancemos mão de um pequeno experimento[24]. Leia de modo normal a frase abaixo:

FINISHED FILES ARE THE RESULT OF YEARS OF SCIENTIFIC STUDY
COMBINED WITH THE EXPERIENCE OF YEARS

Depois de ler a frase, diga, quantas são as letras "F" contidas naquela frase. Faça uma única leitura. Quantos "Fs" você contou?[25]

R. Carter[26] descreve outros comportamentos mais complexos (os ligados a emoções e valores humanos) que estão também conectados a circuitos neurais e áreas específicas que não se devem a lesões cerebrais. Menciona, entre outros, o alcoolismo, a dislexia, a anorexia, o autismo, a depressão e algumas disfuncões que sabemos ligadas a áreas já bem determinadas do cérebro. Um dado mencionado por ela é especialmente conhecido em comportamentos religiosos: a dificuldade em mudar de opinião. Essa dificuldade parece conectada à baixa atividade nos lobos frontais, uma área que tem tudo a ver com a formação de idéias, a construção de planos e com uma caraterística de que muito nos orgulhamos: a nossa consciência ética, que, por sua vez é indissociável de noções tão essenciais à espécie humana hoje como as de dignidade, liberdade, direitos, ética e religião.

4. Voltemos agora às perguntas-chave que Damásio nos propõe em seu último livro: "O que é a consciência? Como surge?". Ou às ainda mais agressivas levantadas por Steven Spinker: "será que um dia nós poderemos compreender o cérebro tão bem quanto o coração e os rins e outros órgãos? Quem controlará o nosso pensamento, os cientistas ou os ditadores? E os neurologistas, depois de mapear o cérebro até a última sinapse (conexão entre dois neurônios) conseguirão reproduzir sua configuração elétrica num chip de silício e imortalizar a mente humana?

Mas, antes de responder a tais perguntas (será que um dia o lograremos?) é oportuno recordar que o cérebro humano é o sistema mais complexo do nosso universo.

II. Desvendaremos os mistérios do cérebro?

1. Diz Steven Pinker (1998) que "entender o funcionamento do cérebro é uma coisa, mas saber como o cérebro gera a consciência é um problema bem diferente". Mas, o que quer ele exatamente dizer com essa acertada observação?

Partamos novamente de exemplos e suposições. Imagine-se no ano 2020, em um laboratório qualquer, olhando um quadro artístico, escutando uma música ou rezando. Os estímulos estarão provocando nas células de seu cérebro um padrão correspondente ao que vocês estará vivenciando. Se um cientista ou um observador qualquer puder observar os seus neurônios, ele poderá saber quais as imagens que você está vendo, escutando ou sentindo. Mais: ele poderá alterar esse padrão, enviando uma corrente elétrica para outras regiões de seu cérebro e você passará a ver, escutar ou sentir outra coisa.

O exemplo dado acima se inspira em Pinker. Para ele não é fazer ciência fantástica supor que, das imagens ao senso moral, dos sentimentos cotidianos às grandes proezas intelectuais, cada processo da mente possa ser mapeado em uma ou mais regiões do cérebro. No momento a tecnologia já torna possível saber se uma pessoa está criando uma imagem mental de um lugar de sua infância ou tentando se lembrar do nome de alguém. Existe real possibilidade de, muito em breve, se comandar a fantasia e despertar a criatividade. Já entendemos bastante bem como isto acontece. Na Universidade de Stanford já se faz algo análogo com macacos. O mesmo já se faz com pacientes portadores de lesões neurológicas estimulados desde fora por processadores sofisticados. Os cientistas falam com desenvoltura da possibilidade de se intervir no que se passa na consciência de uma pessoa, orientando-se, por exemplo, o fluxo de suas recordações e pensamentos[27].

Escreve o próprio Pinker:

"Embora as regiões cerebrais responsáveis pelo ciúme, percepção visual e fala tenham sido identificadas, entender como - e não onde - esses fenômenos ocorrem é um grande mistério. Não se sabe ainda como o cérebro organiza as conexões lógicas que permitem diferenciar a piscadela de um flerte do piscar de olhos da de alguém colocando uma lente de contato. Outra dificuldade é entender como o simples trânsito de íons pode criar a sensação vívida, subjetiva e imediata da cor, som, coceira e outras manifestações que compõem o nosso ser (...)
Não há dúvida de que a atividade fisiológica do cérebro é responsável por aquilo que nós chamamos de experiência (ou de consciência, na terminologia de Damásio). Pensamentos e emoções podem ser deflagrados, interrompidos ou modificado por impulsos elétricos e químicos. Mas, ninguém consegue entender ao certo por que alguns estímulos cerebrais são sentidos como algo pessoal. Há quem diga que as experiências subjetivas não podem ser cientificamente medidas e portanto não constituem objetos de estudo da ciência. Outros afirmam que, uma vez feita a distinção entre processos conscientes e inconscientes e demonstrada sua influência sobre o comportamento humano, tudo poderia ser esclarecido. Mas alguns acreditam que esse ramo da ciência conhecido como "sentiência" ainda carece de uma boa explicação e esperam que um dia apareça um gênio[28] capaz de elucidá-lo".

Fico me perguntando o que diriam Tomás de Aquino, Wiliam James, Rudolf Otto e S. Freud se tivessem ante seus olhos tal "status quaestionis"? E eu mesmo me pergunto: que deve dizer a isto um psicólogo da religião do ano 2001?

2. Corpo e emoção no surgimento da consciência

2.1. Levando adiante sua análise do papel fundamental da emoção na racionalidade humana (objeto do primeiro livro), o segundo livro de Damásio perscruta a natureza da consciência e sua ligação com a emoção e o corpo, através da mediação do cérebro.

Diz Greco (1999) que o principal desafio que Damásio se propõe enfrentar é o de

"entender como...sabemos não somente coisas sobre o mundo à nossa volta, usando nossos sentidos, mas também como estamos cientes simultaneamente de que existe um "eu" experimentando essa "sensação" do que acontece"

O ponto talvez central das hipóteses teóricas de Damásio é o seguinte: a mente humana tem a capacidade de perceber que existe uma interação do corpo com o meio ambiente e que ela pode reagir com base nos dados que o corpo colhe através de sensações, percepções e emoções internas e externas. O que chamamos de "consciência" é o fruto de tudo isto. Do ponto de vista da neurofisiologia a base segura para se dizer o que acontece na consciência é o corpo, entendido em seu sentido global.

Desde essa base, considerada em todos os seus aspectos, Damásio cria uma teoria que tenta interligar os elementos que entram em jogo. Hipotiza para tanto uma seqüência de quatro níveis, que corre em uma via de duas mãos:

O que Damásio chama de consciência envolve esses quatro níveis, mas emerge em seu sentido específico é na passagem do terceiro ao quarto nível. Ele chega a desenhar um modelo da forma como o cérebro lida com estes quatro níveis e da relação entre eles. Este modelo é fruto de um estudo minucioso com pacientes portadores de distúrbios neurológicos. Um bom exemplo é o caso de uma jovem que sofre de calcificação na amígdala cerebral. Ela é em tudo normal, salvo em um detalhe importante: ela desconhece absolutamente a sensação/emoção do medo. Mas é capaz de identificar a alegria e o nojo. Damásio vê neste caso uma prova de que não existe um centro cerebral único de processamento de emoções. O que existe são sistemas separados para diferentes padrões de emoção. Na passagem da emoção para a sensação (do segundo para o terceiro nível) entram em ação dois mecanismos complementares: primeiro há o envio de mensagens químicas enviadas por via sangüínea e, depois, seguem-se mensagens eletroquímicas passadas através dos neurônios e sinapses. Juntos, estes dois processos nos fazem ter consciência de que estamos tendo uma emoção. Nós a podemos, então, visualizar mentalmente, significar e expressar; ou seja, nós podemos "senti-la". Mas, permanece a pergunta do como sabemos que estamos sentindo tal emoção. Damásio é categórico ao afirmar que

"para um organismo saber que tem uma sensação é necessário adicionar o processo da consciência como conseqüência da emoção e da sensação".
2.2. A palavra "consciência" na perspectiva do psiconeurologista

2.2.1. Primeiro, é preciso recordar o que ficou dito sobre o sentido de "consciência" no nível do senso comum (cf o parágrafo A,III, 2.1. deste artigo). Acontece que a palavra tem vários significados também para os neurofisiologistas aqui considerados. Eles, contudo, estão de acordo alguns ítens importantes. Segundo Greco (1999), todos tendem a ver

"a consciência como um fenômeno biológico; pensam que resolver o mistério da consciência não equivale a resolver todos os mistérios da mente humana; que a consciência é um fenômeno relativo ao senso de si mesmo e do saber experimentado por cada um de nós; e que ela é um processo e não uma 'coisa' única".

Mas, existem também inúmeras divergências quanto ao entendimento da função, classificação e interpretação do que seja a consciência. Francis Crick[29], por exemplo, salienta que para entender a consciência é indispensável compreender o processo de formação das imagens do cérebro, uma afirmação que encontra inteiro acolhimento em Damásio. Mas defende a tese de que existem várias consciências: uma estaria relacionada à dor, outra à emoção e outra -- de tipo especial e própria só do homem -- à auto-consciência. Ora, Damásio não o aceita e propõe um outra leitura. Sabedor de que está lidando com conceitos complexos e sutis, escreve:

"A ciência pode nos ajudar a fazer distinções entre os fenômenos; pode agora distinguir... (e afirmar que) .... consciência e mente são distinguíveis: a consciência é a parte da mente que parece relacionar-se ao sentido do self e ao saber. Na mente existe algo mais que a consciência e a mente pode existir sem a consciência, como nós descobrimos pacientes que têm uma e não a outra... (Damásio, 1999, 27).
2.2.2. Explicitando o acima dito, ele concebe a consciência humana evoluindo ao longo de dois estágios que se completam:

Há uma "consciência nuclear" (a "core consciousness"). É um fenômeno fundamentalmente biológico, de organização relativamente mais simples. Permanece praticamente estável durante toda a vida do organismo. É constituída no início do processo da formação da consciência. Não depende da memória convencional, nem da linguagem ou da razão. Ela dá ao organismo um sentido do eu que permite à pessoa situar-se e orientar-se em uma determinada situação de tempo e lugar, fazendo com que aquela dada situação adquira um sentido imediato para o sujeito. A consciência nuclear por si mesma só percebe o que está acontecendo aqui e agora. Não orienta o indivíduo sobre o que passou antes e sobre o que está por vir. Ou seja, ela não se conecta a um passado (remoto ou próximo) e a um futuro. Tem, por isto, um sentido fragmentário e parcial.

Há uma "consciência estendida" (a "extended consciousness"). É um fenômeno igualmente biológico, mas, por seu extremo grau de complexidade, precisa ser explicado através de categorias psicológicas e mentais mais elaboradas. Só existe de modo pleno na espécie humana, (embora os mamíferos superiores já a possam vivenciar de maneira elementar). Evolui ao longo de vários níveis durante a vida útil do organismo. Está ligada ao que convencionalmente chamamos de memória. É construída a partir da "consciência nuclear" que, por sua vez, torna possível um sentido temporal e espacial, o qual confere ao que se vê e vive aqui e agora, um significado abrangente que ultrapassa necessidades defensivas de sobrevivência e déficit, adquirindo aquelas conotações de significado e valor, que podemos chamar de propriamente humanas.

Correlacionando esses dois estágios (que são, evidentemente, de uma só e mesma consciência humana e de um só e mesmo cerebro) Damásio observa que

"se for verdade que a consciência nuclear equivale a um rito de passagem para o "saber"[30], será igualmente verdade que os níveis de "saber" que levam à criatividade humana são aqueles que somente a consciência estendida pode permitir".
2.3. Os três tipos de "self" de Damásio

Com base em estudos muito técnicos e específicos, Damásio postula a existência de distintas bases neurológicas para três tipos de self, que existem e atuam distintamente um do outro. Em geral os três "self" agem integradamente, mas em portadores de certas lesões e disfunções cerebrais -- como no caso, por exemplo, dos automatismos de ausência presentes em alguns tipos de epilepsia -- percebe-se claramente que os três "selfs" existem e atuam indpendentemente um do outro. Devemos, portanto, falar de

Vejamos primeiro um exemplo concreto da interação entre os três "selfs". O exemplo é do próprio Damásio em uma recente entrevista[31]. Ele pergunta: o que percebe uma pessoa assentada, tomando chá? O seu "proto-self" é constituído por uma coleção de mapas cerebrais do sistema límbico e das demais zonas corticais de associação, conectados a diversas partes do sistema nervoso central e do sistema neuro-vegetativo. Estes mapas representam aspectos fundamentais do estado interno do corpo, como a corrente sanguínea, a pressão, o que ocorre no coração, pulmões e outros órgãos internos, a postura, o equilíbrio homeostático, etc. Ë como se fosse um centro de monitoramento sustentado por estruturas ancestrais que datam das primeiríssimas formas de evolução do cérebro de nossa espécie e que persistem quase intocadas no cérebro do tomador de chá. Normalmente não prestamos atenção alguma ao que é coordenado pelo proto-self, exceto no caso de algo extraordinário, como derramar chá quente na mão. A sensação de dor resultante da queimadura produzirá uma concentração instantânea da atenção, em tudo semelhante à que se observa em situações de medo e alarme. Uma vez que a pessoa presta atenção em um dado objeto (na mão queimada pelo chá quente ou em um cachorro que a ameaça) suas imagens internas passam a ser representadas em outros níveis do sistema nervoso e do cérebro. Essas imagens por sua vez, irão modificar fisicamente a forma como a pessoa se percebe e reage. Se a pessoa que toma chá pular da cadeira e curvar a cabeça para melhor atender a mão queimada, ela terá em seu cérebro duas representações: uma se referirá ao estado interno de seu corpo que sente a dor e se agita e outra enfocará com excepcional nível de consciência um objeto, sua mão que dói. Poderá haver ulteriores complicações que envolvam elementos auto-biográficos do tomador de chá. Ele poderá ser, por exemplo, alguém que sofreu uma infecção devido a um acontecimento semelhante e, por isto, ficará mais ansioso com o acidente e desejoso de procurar logo um médico, talvez o mesmo que o socorreu antes e e se tornou seu amigo de confiança. Ou, ele, se religioso e brasileiro, fará uma reza para a cura queimaduras, ensinada por sua querida avó. À essa altura as três áreas cerebrais correspondentes aos três "selfs" já estarão sendo simultaneamente acionadas e a consciência desta pessoa estará plenamente ativada.

Em indivíduos normais, portanto, os vários "self" não são coisas estranhas postas um ante o outro. Ao contrário, a consciência estendida deste indivíduo se constrói sobre a nuclear e supõe o funcionamento do "proto self ". Um é continuação e complementação do outro. O "self nuclear" tem continuidade no "self auto-biográfico" e os dois juntos passam ao indivíduo uma única e mesma idéia de si mesmo. O "self central" tem a ver com a auto-percepção aqui e agora e o "self auto-biográfico" situa permanentemente (podendo haver é claro instantes de curto circuito) essa imagem auto-perceptiva de si em uma linha de continuidade. A pessoa possui, assim, uma consciência de si; pode, desta maneira, desentranhar e reativar situações e experiências, emoções e idéias a respeito de si e das coisas. O arsenal de sua memória está vivo e atuante em função do que ela precisa, sente, pensa e quer.

O ser humano é um animal da espécie "homo rationalis", diria o zoólogo; ele é uma a pessoa humana, diriam o filósofo e o teólogo; ele é alguém com identidade e consciência inconfundivelmente próprias e que possui uma dimensão inconsciente que pode ou não ser objeto de repressões afetivas, diria o psicólogo.

3. Estruturas funcionais do cérebro humano

Há outras constatações da neurofisiologia contemporânea que podem nos ajudar a entender as colocações de Damásio sobre o corpo, a conciência e o self e, mais todavia, a perceber as conexões que esses dados têm com o fenômeno religioso. Veremos, a seguir, duas delas, ambas de natureza estrutural: (3.1.) a dos três cérebros e (3.2.) a dos dois hemisférios.

3.1. Os três cérebros

Os folhetins científicos dos grandes jornais mundiais têm falado com freqüência dos "três cérebros[32]", divulgando conhecimentos que devem muito a Mac Lean (1970), um dos pioneiros dos estudos de ponta nesta área. Mac Lean vê cada um com uma destas três partes (do sistema nervoso central e/ou do encéfalo mais propriamente falando)

"com uma história filogenética diferente, cada um com sua organização e constituição distintas, apesar de estarem interligados por milhões de conexões, cada um tem sua própria inteligência, sua própria sensação de espaço e tempo e seu próprio funcionamento motor...postula que os três cérebros evoluíram em três estágios produzindo parte do cérebro que está agora ativamente em nós apesar de modificado e intercomunicado".

Eis os nomes que ele dá a estas três partes:

Um exemplo, dado por Turner (1983, 6) ilustra a função do neo-córtex:

"um animal privado de seu córtex pode ainda encontrar o caminho para casa, pode alimentar-se, saciar a sede, evitar estímulos dolorosos, mas terá dificuldade em atribuir função ou significado a objetos: um predador será percebido, mas, aparentemente não será percebido como uma ameaça. Isto porque a percepção precisa e a atribuição de significado requerem evidentemente a presença dos hemisférios cerebrais".

3.2. Os dois hemisférios

São como duas estruturas paralelas de forma arredondada, em forma de nozes, que se contrapõem simetricamente dentro da caixa craniana. São aparentemente iguais e foram tidos como idênticos em suas funções durante centenas de anos. Hoje sabe-se, graças a neuro-cirurgiões como R.W. Sperry e outros, que eles não exercem as mesmas funções. Os dois hemisférios, ao que tudo indica, trabalham separadamente em um sistema de "on" e "off" ainda não bem esclarecido. Parece existir uma espécie de competição entre eles pelo controle da consciência e do organismo. Supõem alguns que os dois hemisférios têm consciência separada e que o corpo caloso é que torna unitário o funcionamento da mente humana, permitindo o surgimento de uma consciência unitária de si.

Turner (1985, 7), citando Barbara Lex, sintetiza assim as descobertas a este respeito:

"na maior parte dos seres humanos o hemisfério cerebral esquerdo funciona na produção do discurso, bem como do pensamento linear e analítico e também avalia as unidades temporais processando as informações seqüencialmente. Em contraste, a especialização do hemisfério direito dá conta da percepção espacial e sonora do reconhecimento de padrões (modelos) - inclusive os constitutivos das emoções e outros estados íntimos - do pensamento holístico e sintético, mas sua capacidade linguística é limitada e sua capacidade temporal, acredita-se, seja ausente. Os atos específicos são processados complementarmente pelas funções dos dois hemisférios"

Turner, da mesma maneira que d'Aquili e Laughlin, julga que os dois hemisférios agem conjuntamente para encontrar a solução de problemas através de

"um mecanismo de mútua inibição controlado a nível de tronco cerebral. O mundo é aproximado por uma rápida alternação funcional de cada hemisfério. Um é, por assim dizer, ligado e desligado e, então, o segundo é ligado e desligado. O ritmo deste processo e o predomínio de um lado ou de outro pode ser a explicação para os diversos estilos cognitivos (pode-se pensar no contraste de Pascal entre o " l'esprit de gometrie et l'esprit de finesse") desde o extremamente analítico e científico até o extremamente artístico e sintético".

Detalhemos um pouco mais as funções específicas de cada um deles:

O hemisfério esquerdo é usualmente associado à capacidade linguística e analítica. Como a linguagem é o que mais distingue o homem de outros animais, este hemisfério esquerdo é tido - especialmente no Ocidente - como o mais importante. Eis algumas de suas características: é verbal, temporal, racional, digital, numérico, lógico, causal. Seu desenvolvimento seria favorecido pela cultura e pela escola ocidentais. E por suas religiões (o judaísmo, o cristianismo e o islamismo).

O hemisfério direito usa símbolos mais que palavras, é sintético, intuitivo, analógico, não temporal, não racional, espacial, holístico. Povos de raças e culturas orientais o teriam desenvolvido melhor. Suas religiões (Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo, Taoismo) acusariam os mesmos traços.

Ornstein (1986) defende que o lado esquerdo é esquemático e rígido; volta-se para a eficiência objetiva. O hemisfério direito, ao contrário, é o que responde pela criatividade, possibilitando uma qualidade de vida mais equilibrada e mais consciente. Jaynes (1990), detentor do Nobel, diz que o surgimento da consciência humana é devido ao fim do que ele chama de "mente bicameral". Segundo ele a fisiologia e o funcionamento dos dois hemisférios eram desarticulados um dos outros. Não haveria no passado remoto da humanidade uma conexão sistemática entre os dois lados. Haveria um predomínio da câmara direita. Devido a tal predomínio a racionalidade e a lógica não eram a marca característica do conhecimento e das reações do sistema nervoso central daqueles seres humanos. Jaynes levanta a hipótese de que, então, as percepções e reações do organismo humano, especialmente em momentos de stress, eram regidas pela audição de "vozes, palavras, idéias", identificadas com as de deuses ou de forças mais ou menos mágicas da natureza. Com o passar dos milênios e o advento das civilizações teria se firmado um estilo de consciência mais objetivo e realista, decorrente de redes e conexões neurais do lado direito do cérebro e do corpo caloso. Isto foi tornando possível uma harmonia maior entre as duas partes do cérebro humano, modificando-se o estilo fantasioso, não-racional e intuitivo do "conhecer" e do "pensar" determinado pelo hemisfério direito. A civilização pôde dar um salto qualitativo, associando organização racional e criatividade. Isto não significa, segundo Jaynes e também Turner, que as reações e comportamentos se tenham tornado inteiramente articulados, processuais, linguísticos, sintéticos e racionais. O lado direito continua existindo e exercendo influência sobre a percepção e as reações neurológicas de base. Ele continua influindo na percepção da realidade que permanece visual-espacial, cinestésica, difusa.

Os êxtases religiosos, por exemplo, que hoje são observados também em milhões de cristãos ocidentais, são uma espécie de "retorno" a essa mente bi-cameral não articulada. Hoje tornou-se patente que as expressões religiosas ditadas pelo lado esquerdo, ao contrário das previsões da sociologia, não desapareceram com o advento das sociedades industrializadas. Ao contrário, em cidades como São Paulo e exatamente nas classes sociais que haviam apostado tudo nas possibilidades do hemisfério direito há uma marcante efervescência místico-religiosa. Claro que fenômenos como o da expansão dos esoterismos em cidades São Paulo, constatados por G. Magnani[34], não se explicam desde a neurofisiologia, mas esse fator não deixa de ter sua importância na compreensão global das transformações porque passa a religiosidade do brasileiro neste momento.

O corpo caloso, denso feixe de nervos e fibras, situado entre os dois hemisférios, é responsável pela transmissão de informações entre eles. Ele leva aproximadamente dez anos para amadurecer, o que significa que uma criança pequena não apresenta ainda um funcionamento sintônico e fluido entre as duas partes. Ele tem conexão, também, com a memória. Sua lenta maturação nos indivíduos da espécie humana é uma das razões porque não temos lembrança dos dois ou três primeiros anos de vida, embora emocionalmente eles já possam deixar vestígios[35].

O lóbulo frontal precisa ser mencionado de maneira especial. Ele é, digamos assim, a "sede" da imaginação, concatenação elaboração do raciocínio e da decisão. Sua maturação principal se realiza lentamente, dos 3 ou 4 anos de idade até os 7 ou 8 anos de idade. Entra também em decadência mais cedo que outras partes do cérebro. Sem o fronte cortical não poderia existir a maravilhosa sinfonia dotada de significado racional, volitivo e afetivo (a consciência, a mente), tornada possível mediante uma síntese de todas as demais partes, sistemas, mecanismos, conexões e órgãos do sistema nervoso central.

C . E tudo isto com a religião?

À esta altura é oportuno fazer um pequeno retrospecto do que se tentou mostrar na parte B do presente paper. Foi delineada uma visão de conjunto do modo como o cérebro humano trabalha no nível neuro-psico-fisiológico. Vimos que certas estruturas e redes neurais do cérebro são responsáveis pelos processos e atividades mentais que caracterizam o ser humano. Entre outras foram lembradas funções como a formação de imagens e de idéias, a linguagem, a orientação espacial, as respostas emocionais, as reações primitivas geneticamente herdadas que garantem reações fundamentais para a sobrevivência e a defesa da espécie e do indivíduo, etc. Dentro de uma tendência -- hoje dominante -- mostrou-se o cérebro e a mente de uma maneira holística e não como agregações de áreas e funções exclusivas, que podem até, eventualmente, trabalhar em conjunto, mas que precisam ser separadamente entendidas. Só uma discussão muito rigorosa e minuciosa poderia nos dar uma idéia exata de como funciona a mente e de como é ela que nos propicia os sentimentos e pensamentos que vivenciamos na chamada experiência religiosa. Discussões tão pertinentes assim escapam à competência de quem é apenas diletante em Neurologia e Bioquímica Orgânica, como nós[36].

Deu para perceber que para neurologistas atualizados "a mente é o nome que se dá a realidades intangíveis produzidas pelo cérebro"(d’Áquili e Newberg, 1999, 47). Essas realidades são múltiplas: o pensar lógico, a vida afetiva-emocional, a arte, as intenções e os ideais, o amor, a fé e um sem número de outras "realidades intangíveis". Em linguagem religiosa, poderíamos, com W. James[37], continuar essa enumeração: "presença de Deus", "sentimento religioso", "reações solenes", "sensação de irrealidade", "vida como dádiva", "unidade atingida", "excitação soberana" "paz de espírito", "consciência cósmica", "divisão do eu", "fusão", etc. Todas essas experiências e percepções, de uma ou outra forma presentes nas religiões, caem sob o manto da chamada mente. Sem sombra de dúvida, também, deve-se dizer que elas se relacionam com o cérebro.

Mas, como e em que sentido cérebro e mente se relacionam entre si e como e em que sentido ambos se relacionam com as experiências que fenomenologicamente devemos e podemos chamar de "religiosas"? São cérebro e mente duas coisas distintas ou são uma só realidade? Para certos autores e escolas a resposta é categórica: não existem realidades "intangíveis"; tudo se reduz ao cérebro. Também o "mental" é igual a cerebral. As atividades neurais responsáveis pela criação de um pensamento, por exemplo, seriam devidas ao cérebro e não à mente em si. Logo, o pensamento ou qualquer imagem mental são tão somente um epifenômeno de outros mecanismos produzidos e geridos pelo cérebro. Os neurônios e estímulos eletro-químicos que visibilizam o que chamamos de mental é que contam[38].

A posição de um número significativo de neurofisiologistas de hoje, porém, é outra e bem diversa da acima elencada. D'Aquili e Newberg, por exemplo, atiram muito alto na resposta a àquela questão. Chegam a postular e defender a existência de uma "mente mística", para eles não um conceito religioso e sim um termo técnico indispensável para uma discussão científica séria sobre as conexões cérebro-mente-mística. Um conceito, portanto, que nada tem de "angelical" e que, no entanto, usa sem pejo algum uma palavra que há milênios é quase que privativa dos religiosos e dos teólogos.

I. Três linhas de aproximação à questão fundamental que nos ocupa

Passamos, agora, a ver três pontos de vista abalizados que podem nos ajudar a aprofundar o visto e discutido até aqui: o (1) o de Damásio; (2.) e o de V. Turner, talvez o mais eminente antropólogo de hoje e (3.) o de d'Áquili e Newberg.

1. Um ponto de vista mais cauteloso: Damásio

Consultando o índice remissivo dos dois livros de Damásio não encontramos o verbete "religião" ou "religiosidade". Mas, em ambos, ele fala reiteradamente de "juízo moral", ‘amor verdadeiro", "generosidade", "compaixão genuína", "amizade sincera", "honestidade", "livre arbítrio". No segundo livro vai um pouco adiante, falando de "atitudes humanas sublimes", "altruísmo", "guerras morais", "êxtase" e "júbilo", "crenças", "intenções", "valor", "dignidade" e "beleza" e por aí a fora. São termos, sem dúvida, densos de significado também religioso. Evidenciam-se em todas estas inúmeras passagens as preocupações humanistas, culturais e sociais do autor.

Como explicar seu silêncio sobre a dimensão religiosa da consciência humana ? Será devido a pruridos de cientista, que deve se ater a um linguajar "cientificamente correto" e que por isto prefere falar daquilo que os comuns mortais denominam "religião" através de eufemismos como a expressão "mecanismos neurais que sustentam o repertório supra-instintivo"? Será em razão de uma convicção pessoal de quem julga o religioso um espaço que é preferivel se evitar em textos de ciência? Ou será, mesmo, respeito ante algo maior, que o cientista de hoje está aprendendo a contemplar como algo inefável, mas de alguma maneira indiciado pelos segredos da natureza que ele vai descobrindo?

Em todo caso, importa mostrar que teorias cautelosas quanto às dimensões religiosas, como a de Damásio, não só não fecham as portas a um diálogo novo entre "ciência" e "religião", como abrem verdadeiras avenidas para uma consideração original das relações entre os dados cientificamente constatados a respeito do cérebro e da consciência e a experiência do transcendente que tão teimosamente o ser humano e a humanidade tendem a conservar. Nessa linha, Damásio escreve que o que ele chama de consciência

"não deve ser visto como o cume da evolução. As criações que vêm da consciência - a moral, as religiões e leis, as artes e as ciências - é que são o pico. Sem o senso do "self" e o senso do outro, duvido que alguém poderia construir a ética como o fizemos"

2. Um ponto de vista mais ousado: o de V. Turner

O antropólogo V. Turner, refletindo sobre as muitas dicas que advêm da neurofisiologia e especialmente do modelo do cérebro triuno de MacLean, levanta algumas questões que são de grande interesse para a psicologia da religião. O mais notável é que tais perguntas partem de alguém profundamente interessado em relacionar neurofisiologia e cultura (ou, porque não dizer, neurofisiologia e religião). Ele pergunta:

E arremata, perguntando com Burhoe:

"até que ponto é verdade que os sentimentos humanos, as esperanças e temores do que é mais sagrado são um ingrediente necessário na elaboração das decisões e na motivação de sua implementação? Esta questão - acrescenta ele - está ligada com o problema de ser ou não verdade que tal informação é necessariamente filtrada por áreas altamente programadas geneticamente no cérebro inferior no tronco cerebral e no sistema límbico.
Mais questões surgem: por exemplo, se a ritualização[39] discutida por Huxley, Lorenz e outros etólogos, tem uma fundamentação bio-genética, enquanto que o significado tem uma base no aprendizado neo-cortical, isto significaria que o processo criativo, este que gera novo conhecimento cultural, poderia resultar da co-adaptação, talvez no próprio ritual, de informações genéticas e culturais? Nós também podemos perguntar-nos se o neocórtex não seria sede de programas altamente estruturados pela cultura na transmissão da linguagem e outros sistemas simbólicos com o objetivo de modificar as expressões de programas genéticos. Até que ponto podem estes símbolos altamente elaborados como os da religião e rituais, derivar seus significados e força para agir de suas associações com as etapas neutras de ritualização animal estabelecidas anteriormente?" (Turner, 2000, 6- 7).

Nos últimos decênios os progressos da neuropsicologia foram de tal monta que zoólogos, etólogos, geneticistas, biólogos, neurologistas, psiquiatras, psicólogos e antropólogos se reuniram para discutir em bases novas o que este impressionante conjunto de descobertas trazia para certos comportamentos rituais (eu quase diria, "religiosos") que se notam já em espécies animais, mas se tornam expressivos é entre os seres humanos. Em Londres cientistas do primeiríssimo escalão - em 1965 - reuniram-se para debater os comportamentos rituais[40]. Não os preocupava, naquele instante, a religião em si e sim a necessidade de rever a visão científica de certos rituais através dos quais os seres vivos superiores se relacionam entre si. Vítor Turner, presente ao simpósio, voltou deliberadamente ao assunto mais de 30 anos depois, por honestidade intelectual e por força de ditames sua consciência de cientista. Ele escreve[41]:

"Parece-me que a religião pode ser, pelo menos parcialmente, o produto da intuição da humanidade quanto à sua dualidade interior e do frutífero e criativo Espírito; gerada pelo jogo mútuo da herança genética, como sendo o Senhor do Tempo e o cérebro superior, como o Logos - para usar uma linguagem intuitiva de uma religião histórica, o cristianismo. O princípio Filioque (o Espírito procedendo do Pai e do Filho), os cristão ocidentais poderiam dizer! Uma vez que a cultura é, parafraseando Wilhelm Dilthey, uma mentalidade objetivada e cristalizada (Geist), pode muito bem ser que umas culturas reforçam a um ou outro dos sistemas cerebrais semi-autônomos às custas do outro, através da educação e de outros métodos de condicionamento. Isto resulta em conflito entre eles e a repressão de um sobre o outro, em vez do livre intercâmbio e apoio mútuo - que muitas vezes é chamado amor "

A preocupação de Turner é com a cultura, não com a neurofisiologia. De modo penetrante ele percebe a importância do que ouviu de etólogos, psiquiatras e médicos. Meditando sobre o assunto, convenceu-se, a exemplo de d'Aquili, da possibilidade e da necessidade de se criarem condições para um intercâmbio entre os dados tão interessantes de cada uma das ciências em causa. Turner se restringe mais ao diálogo entre a antropologia e as neurociências e enuncia claramente seu ponto de vista favorável à abertura de um diálogo entre esses dois ramos do conhecimento humano:

"um genuíno diálogo entre neurologia e culturologia (!), desde que ambos os lados tenham em conta a capacidade do cérebro superior de adaptar-se, sua plasticidade, capacidade de aprender e simbolizar, em caminhos talvez negligenciados pelo etólogos pur sang, que parecem ter parado cedo em seu pensamento a respeito da ritualização, fixando-se nos comportamentos mais obviamente programados geneticamente no cérebro inferior. É para os aspectos dialéticos, e mesmo para os tempos contraditórios, entre os sistemas do cérebro humano que deveríamos olhar e buscar a formulação de hipóteses testáveis sobre o procedimento ritual e seu papel como realização de funções noéticas com meios peculiares a este contexto e entendê-lo como sendo um modo sui generis de conhecimento"

3. A "Neuroteologia": é possível?

3. 1. Experiência do sagrado e religiões

De todas as perguntas levantadas pelo ser humano ao dar conta de si no universo, nenhuma foi mais persistente e pervasiva que a que invoca um "ser divino" e/ou da existência , digamos, de "estados elevados de ser".

Tais perguntas com suas respectivas tentativas de resposta passaram bem cedo a ser algo privativo das religiões, não obstante sua incidência sobre o dia-a-dia das pessoas e dos grupos. Nas "civilizações altas" a compreensão e reflexão sobre o "sagrado", para usar o termo de R. Otto, foi reservada aos aparatos sacerdotais e codificadas em sistemas de saber teológico, nem sempre isentos de ideologia. Esses códigos e ministros tinham a tarefa sapiencial de conduzir as pessoas até essa ordem e compreensão mais elevada de coisas. Claro que tudo isto dentro do quadro maior spontado pela sociologia.

Nas formas históricas de religião tudo se desenrola com muita nitidez. Elas se revestem das mais diversas formas conceituais e rituais, mas designam e visam no fundo fenômenos, estados e percepções bem semelhantes. Nas culturas do Oriente - Budismo, Hinduismo, Taoismo, Xintoismo - as religiões tenderam a afastar-se da noção de um "ser supremo" per se" e passaram a concentrar a atenção em um estado de bem estar centrado em uma realidade última de alguma forma transcendente ao existir cotidiano. Este estado poderia ser alcançado através de exercícios de meditação, que assumiam formas e nomes variados, mas caminhavam todos em direção a um destacar-se do cotidiano, do corpo e das preocupações mais imediatas do viver.

No Hinduismo este estado final de repouso é Brahma, enquanto que, no Budismo, é o Nirvana. No Ocidente e Oriente Médio - em suas três principais religiões, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo- o ser supremo é uma pessoa, o que dá à religião e à teologia uma conotação específica, de cunho relacional, que tem seu ápice na reciprocidade assumida livremente, através de um diálogo inter-pessoal e de um chamado- opção des-coberta pelo discípulo. Mas, em sua essência, a experiência místico-religiosa subjacente ao proposto por todas estas religiões tem flagrantes pontos de contato no tocante às suas experiências, práticas, rituais e crenças essenciais.

As religiões da humanidade, das mais "primitivas" às mais sofisticadas, surgiram só na medida em que os mecanismos neuropsicológicos humanos se apuraram e assumiram as características do sentir, do agir e do pensar propriamente humanos. São características que se vinculavam ao senso de si e dos outros em um mundo e uma natureza percebidos como necessários e imanentes, mas também, de alguma forma relacionados com forças ou entidades "transcendentes". Esta evolução da religião durou milhares e milhares de anos, tendo sua raízes em épocas muito anteriores às estudadas pela história. Exatamente por causa desta mescla de imanência e transcendência as mudanças verificadas nas religiões foram não só lentas como também conservadoras.

Os estudiosos da religião do século XIX, que foram os primeiros a desvendar os segredos das religiões não ocidentais, chegavam a surpreender-se da relativa homogeneidade do que encontravam nas religiões que iam conhecendo. Essa é uma das razões porque eles tinham como meta chegar a uma única "ciência da religião". Note que tanto a palavra "ciência" quanto "religião" estão no singular.

3. 1. Alguns pioneiros da "Neuroteologia"

O diálogo entre as neurociências com a psicologia da religião não pára em posições teóricas como a de V. Turner. Com C.R. Albright, J.B. Ashbrook, Eugênio d'Aquili e Andrew Newberg, entre outros, as perguntas e respostas sobre o que se passa na interface entre as duas abordagens tornaram-se mais precisas. As respostas teóricas se fizeram mais ousadas, mas sempre dentro dos padrões de aderência ao que a pesquisa neuropsicológica foi revelando.

3.1.1. d'Aquili e Newberg Mencionaremos aqui algo sobre o trabalho de dois pioneiros norte-americanos: Eugene d'Aquili e Andrew Newberg[42]. Um crítico[43] diz que o último livro destes autores é um
"fascinante estudo da base neurológica da experiência mística e religiosa... (e um) trabalho que prova explicitamente a biologia da experiência religiosa".

Tem razão o crítico. Os dois pesquisadores -- permanecendo psiquiatras e neurologistas - entram destemidamente em uma discussão que se aventura explicitamente por um terreno cheio de armadilhas, o da "neuroteologia"[44]. Este se situa na interface de uma ciência "hard", a neurofisiologia e de outra "soft", a fenomenologia teológica da religião, buscando entender complexiva e compreensivamente a consciência teológica que as culturas e, em outro patamar, os seres humanos elaboram sobre o sentido de seu existir no mundo. As idéias dos autores são difíceis e precisam ser lidas no original, tal sua densidade. Aqui serão apontados só um que outro dos aspectos capazes de mostrar ao leitor do que se trata.

O trabalho de d'Aquili teve início há 25 anos atrás, no contexto de uma Faculdade de Medicina. Contou com a cooperação de vários colaboradores. Começou pela análise da experiência religiosa em culturas antigas. Para d'Aquili existe uma concomitância entre a evolução das culturas e a da experiência religiosa do seres humanos. Hoje dispomos de uma tremenda quantidade de dados a respeito. Elas cobrem sejam as experiências religiosas, seja o funcionamento do sistema nervoso, do cérebro e da mente humana. O que d'Aquili e Newberg tentam em seu livro mais recente -- dando seqüência a um esforço que encontra sua primeira tentativa de sistematização em 1975[45] -- é viabilizar uma compreensão do fenômeno religioso que integre as duas vertentes em causa. Em primeiro lugar ele aborda o que a pesquisa neuro-científica tem a dizer e a contribuir. Depois, secundariamente, investiga e discute qual o aporte da antropologia teológica para o esclarecimento da experiência religiosa. Fechando a abóbada, examina as implicações que a experiência em si mesma tem a dar à bio-antropologia e à formação de uma possível neuroteologia.

A originalidade destes autores - em nada fantastas -- consiste em construir e fundamentar suas hipóteses e quadros teóricos sempre a partir das neurociências, mas sem perder de vista o lado propriamente religioso de cada argumento em pauta. Isto dá à sua obra um sabor de atualidade e ineditismo. Estamos ante um modelo seguramente ainda provisório, mas exemplar do que poderia vir a ser um trabalho integrado entre as neurociências, a psicologia e as ciências da religião. É um panorama que abre horizontes promissores também para a psicologia da religião.

Eis algumas das questões que d'Aquili e Newberg enfrentam em seu bem documentado livro:

Ante o leitor vai sendo criado, passo a passo, um modelo integrado que explica tentativamente, em capítulos específicos, os mitos, os rituais, a meditação e as "near death experiences" . Temos, na realidade, em mãos um quadro de fundo que descreve quase todos os aspectos que interessam a uma compreensão abrangente e polifacetada do que os autores chamam de "mente mística" ("mystical mind").

3.1.2. A "mente mística" (= "mystical mind)

Devido à linguagem "transdisciplinar" usada pelos autores não é tarefa simples dizer em poucas palavras o que seja a "mente mística", nome criado por d'Aquili e colaboradores para designar o modo de captação do mundo presente em todas as culturas e em todos os seres humanos, exatamente porque obediente a necessidades inseridas no próprio processo evolutivo. Resumo apenas e muito brevemente o essencial do que escrevem a respeito os autores. A intuição mestra deles, o que querem comprovar é algo relativamente simples. Sabemos que o cérebro humano, devido às notáveis potencialidades que possui em virtude de um modelamento sofrido por milênios e milênios de evolução, traz em si mesmo certas capacidades "inatas" que adquirem feições próprias em cada cultura concreta. Por exemplo, todos os seres humanos e todas as culturas desenvolvem alguma forma de expressão musical ou de cálculo numérico. Existem algumas extremamente cultivadas e refinadas e outras que são toscas e primitivas. Mas são o mesmo corpo, o mesmo aparelho fonador, as mesmas mãos e o mesmo cérebro que criaram tais formas. O mesmo se diga da poesia ou do teatro. Ora, todas essas manifestações nascem da ação conjunta dos dispositivos e padrões culturais e dos padrões e redes neuro-químicas de que o homem é dotado. Porque não hipotizar o mesmo a respeito da religião ?

Sublinhemos dois aspectos que os autores vêem como importantes para se compreender o que pretendem ao postularem uma "mente mística". Após minuciosa descrição do funcionamento do cérebro e da mente (que para eles, na prática, acabam sendo dois nomes para uma só e mesma coisa), eles passam a fundamentar aquele conceito com dois argumentos. Ba-seiam-se, primeiro, no fato de as funcões exercidas pelo cérebro/mente levarem, por si mesmas, a experiências de tipo místico, construídas sobre uma percepção espontânea e natural do maravilhoso que transcendente. D'Aquili e Newberg descem a pormenores neurofisiológicos[46] de como isto se dá. Como segundo ponto de partida[47] tentam demonstrar que o cérebro e a mente têm condições intrínsecas para gerar estados místicos e para nos fazer vivenciá-los[48]. Assim sendo é válido usar o adjetivo "místico" para caracterizar algo que a mente/cérebro possibilitam e fazem de fato. Não é de uma especulação de filósofos e teólogos e sim uma realidade biológica humana que precisa ser reconhecida em todas as suas reais dimensões e aspectos.

Os autores buscam tornar acessível a compreensão do adjetivo "místico" aposto à palavra mente, comparando a neurofisiologia à física quântica. No funcionamento do cérebro/mente dar-se-ia um fenômeno similar que se verifica na física atômica. Há experimentos que mostram que, dependendo da maneira como é medido, um elétron parece agir como se fosse simultâneamente uma onda e como se fosse uma partícula. Não se pode objetivamente dizer que o eletron seja uma partícula, mas tampouco se pode defini-lo como sendo uma onda. A única coisa que se pode logicamente deduzir desse experimento é que o eletron só pode ser definido - simultâneamente -- como onda e como partícula. Isto não é uma contradição nos termos. É algo que pode ser verificado em laboratório. Semelhantemente pode-se dizer da mente e do cérebro que eles não são duas realidades separadas e distintas. São simultâneamente neurônios e imagens mentais. São sentimentos e produtos do espírito. São a um só tempo realidade "mística" e realidade "material".

Neuro-psiquicamente falando, na experiência de arrebatamentos místicos como já apontava William James, há, em geral, uma diminuição e até uma completa ausência de diferenciação entre os objetos. Na experiência mística os contraditórios se dissolvem; tudo tende a uma "oneness" não diferenciada, a uma conjunção de contrários. A experiência mística só pode ser compreendida enquanto produto do cérebro e da mente, enquanto sim e não, enquanto imanente e transcendente. As imagens e percepções religiosas vividas na experiência do divino são em si mesmas "místicas", isto é, são resultantes de uma fusão de contrários análoga à identificação da onda e da partícula descrita pela física quântica.

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Notas

[1] Betto, Frei (1995)

[2] Filoramo e Prandi abordam bem a tensão existente entre o "explicar" e o "compreender" que divide "religionistas" e "naturalistas" Cf. Filoramo, G. e Prandi, C., (1999, p. 8-ss.)

[3] Cf Barbour, I., 1990.

[4] Cf Almeida, A Ozorio, Criação e destruição, 2001, p. 7

[5] D'Aquili, Eugene e Newberg, Andrew B., 1999, p. 9.

[6] Damásio, António, R., 1998

[7] Sei que estes termos ("espírito", "mente", "consciência", "experiência mística") são usados com muitas acepções. Renuncio aqui a defini-los um a um. Ao longo da exposição irá se esclarecendo (parcialmente, ao menos) o seu significado, mas sem chegar, evidentemente, a definições unívocas. O esforço da reconceituação se concentrará é na superação da dicotomização entre "corpo" e "espírito" e entre "religião" e " neurociências".

[8] Ashbrook, James B., 1996, 545 s.

[9] Cf Ornstein, Robert, 1998

[10] Cf Damásio, A. , 1999, 8 - 19

[11] O termo " mente" incorpora, para Damásio, tanto operações conscientes quanto inconscientes. O termo não se refere a uma "coisa" e sim a um processo. No nível consciente a mente é percebida como uma corrente permanente dos padrões mentais gerados pelo cérebro. Muitos deles têm forte correlação lógica e de sentido, mas existem também pontos de confusão e incoerência. Nem tudo está organizado e no lugar. Do ponto de vista do tempo esta corrente caminha para a frente em ritmos e movimentos diversos, nem sempre coesos entre si e, às vezes, plurais. As seqüências podem ser convergentes ou divergentes entre si. Podem também sobrepor-se e/ou contrapor-se. A mente, segundo Damásio, na elaboração das "imagens", trabalha com todos todos os sentidos. (Cf Damásio, A . R., 1999, 337).

[12] Podemos aqui fazer interessantes paralelos com a maneira como hoje é vista a inteligência por alguns dos maiores psicólogos infantis da atualidade. É o caso de Howard Gardner (1995) com sua teoria das inteligências múltiplas. Contrapondo-se ao senso comum e a antigas teorias da inteligência, ele fala de uma inteligência intra e de outra inter pessoal, que trabalham em conjunto, embora sejam instâncias separadas e mexem tanto com a afetividade quanto com o raciocínio da criança.

[13] Cf Cruz, Antonio P. de Mello e Landeira-Fernandez, J., A ciência do medo e da dor, em Ciência Hoje, vol. 29, 2001, No. 174, p. 16

[14] Veja os títulos dos livros destes autores na bibliografia geral.

[15] É a conhecida distinção, do filósofo alemão Wilhelm Dilthey, entre "Naturwissenschften" e "Geisteswissenchaften".

[16] Cf Fulgêncio Jr, Leopoldo, 2000.

[17] Uma breve visão do pensamento destes autores pode ser encontrada em Wilber K. , 1995, 26 - 41.

[18] É notória a existência de muito material de péssima qualidade sendo vendido no mercado livreiro. O livro de Capra, que é físico, se coloca em um nível mais elevado, embora, evidentemente, possa ser criticado. Cf Capra, F., O Tao da Física. Um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental, Cultrix, São Paulo, 1985.

[19] É preciso ser muito precavido quanto a este retorno da "hipótese Deus"em textos escritos por cientistas. É um tipo do discurso que exige não só sólida competência científica como também boa formação filosófica e capacidade de reflexão crítica. Além, naturalmente, de maturidade humana, porque não dizê-lo, religiosa. Do contrário, se cairá facilmente em deslumbramentos simplistas e aproximações injustificadas.

[20] Um interessante exemplo deste debate é o que se deu entre Karl Popper e John Eccles sobre o problema mente X corpo. Cf Eccles, John e Popper, Karl, 1995.

[21] Cf Searle, J., 1994

[22] Cf Damásio, A., 1995 e 1999

[23] Para citar um exemplo brasileiro, menciono as pesquisas de Espere A . Cavallheiro, do laboratório de Neurologia Experimental da Unifesp de São Paulo. Ele estudos a fundo porque dois cérebros com lesões iguais desenvolvem enfermidades disrtintas (por exemplo, em um a disfunção neuronal gera a epilepsia, em outro provoca um derrame, dois quadros nosológicos que nada têm em comum.. Para uma informação sumária, cf Arantes, Tadeu, Memória seletiva, em Pesquisa -PAPESP, Suplemento especial-Infraestrutura 3, , 2001, No. 66, p. 32-35.

[24] O que acontece de fato, como o MRI o demonstra, é que a maioria das pessoas, de língua inglesa ou não, contam normalmente só quatro letras "F ", (deixando de contar os "F" das preposições "of "). A razão é a seguinte: o cérebro processa palavras curtas que nos são familiares como se fossem um símbolo, isto é, não as divide em unidades menores, como aprende a fazer com palavras mais longas ou pouco familiares (caso mais freqüente quando se trata de outra língua). Os dois tipos de palavra (as curtas com "of" e as de tamanho normal) são processados em áreas diferentes do cérebro ainda pouco conhecidas. As novas tecnologias estão permitindo "ver" diretamente isto na tela.

[25]

[26] Cf CARTER, Rita, 1999. Várias das observações deste parágrafo são tiradas deste livro, escrito por uma jornalista especializada.

[27] Nesta hipótese os doutorandos de amanhã se alvoroçarão ante a possibilidade de poderem conceber e redigir suas dissertações com a ajuda de laboratório de neurociências.

[28] Observe-se que vanguardas controvertidas da especulação trans-psicológica pensam que este gênio já chegou na pessoa de Ken Wilber (nascido em 1954), batizado por alguns deles de " o Einstein do conhecimento". Cf. VALLE,, Edênio, 1998, 226

[29] CRICK, Francis,1994

[30] Damásio fala aqui de um "saber" que não é o do animal. Trata-se de um saber noético e axiológico. É uma "scientia" e é uma "com-scientia".

[31] CONCAR, David, 2000, 14.

[32] J.P. Henry e P.M. Stephens ajuntaram a estes três um quarto cérebro. De fato, segundo eles, o quarto cérebro seria representado pelo hemisfério cerebral dominante (o esquerdo) que filogeneticamente seria o mais recente e apanágio exclusivo da espécie humana. Apud Turner, 2000, p. 4

[33] Cf Ledoux, Joseph, 1998. Este autor faz uma excelente descrição de todo este processo deixando bem delineado o que é novo na visão das relações entre o tálamo e a amígdala, de um lado, e o neocórtex, do outro.

[34] MAGNANI, José G., 1996. Cf também VALLE, Edênio, 1998, p. 201 - 228

[35] A repressão, mecanismo de defesa do ego, postulado pela psicanálise, à essa luz, carece de uma revisão e complementação sérias.

[36] Sem qualquer exagero um leigo (e mesmo um médico formado) levaria anos para ter condições de ler bem um livro como o de MacLean, ,1990.

[37] Cf JAMES, William, 1995, 20 ss.

[38] D'Aquili e Newberg dizem que não há como negar que existe certa evidência teórica e fática em favor dessa tese, que é herdeira direta do "materialismo médico" do qual se queixava já William James. O novo é que a tese se apresenta de maneira bem diversa da que era à época do grande pioneiro norte-americano.

[39]

[40] Veja em TURNER, V., 2000, 1-4 uma informação e discussão a respeito dos rituais religiosos. Turner esteve na reunião de Londres de 1965. Mais de trinta anos após, senhor de grande bagagem de conhecimentos antropológicos, ele voltou ao assunto, escrevendo um artigo de peso a respeito dos rituais, vistos na perspectiva da neurologia, da antropologia e de várias outras abordagens científicas do fenômeno religioso. Turner enumera entre os presentes ao simpósio de Londres: Julian Huxley, Konrad Lorenz, R.A . Hinde, W.H. Torpe, Desmond Morris, N.M. Cullen, F.W. Braestrup, I. Eible-Eibesfeld, Edmund Leach, Meyer Fortes, Erik Erickson, R.D. Laing e G. Morris Caister,Maurice Bowra, E. H. Gombric, Basil bernstein, H. Elvin, R. S. Peters, David Attenborough, William Wise e outros.

[41] Cf Turner, V. , 2000, 20

[42] As opiniões de Albright e Ashbrook serão tratadas em sala de aula com o o apoio dos artigos elencados na bibliografia

[43] Este comentário se encontra na contracapa do livro de d'Aquili, E. e Newberg, A. B.,1999. É de autoria da revista de resenhas "Publisher Weekly", de Nova York.

[44] Cf d'Aquili, Eugene e Newberg, Andrew B., 1999, 163 - 195.

[45] Trata-se de um artigo escrito para a revista Zygon, fundada exatamente para discutir as fronteiras entre a ciência e a religião. Cf : d'Aquili , Eugene e Laughlin, Charles, 1975.

[46] Cf d'Aquili e Newberg, 1999, 77 - 94.

[47] Cf d'Aquili e Newberg, 1999, 48.

[48] Um argumento, meio filosófico-epistemológico, que d'Aquili e Newberg vêem como controvertido e a ser discutido é se o cérebro e a mente "causam" ou se apenas "criam condições" para o aparecimento da experiência mística.