Oriente: fonte de uma geografia imaginária[*]

Leila Marrach Basto de Albuquerque[**] []
Tentei estudar como nós, os orientais, nos tornamos "orientais",
isto é, imagem e fantasia do Ocidente.

(Edward Saïd)

Introdução

Esse artigo discute o fenômeno da orientalização do universo religioso ocidental como uma metáfora para a crise da racionalidade moderna. Além disso, argumenta que uma tal metáfora retrata preconceitos historicamente arraigados na trajetória colonialista dos povos ocidentais. O Brasil se apresenta como uma caso exemplar porque, embora geograficamente ocidental, seria oriental pela sua longa submissão aos vários processos colonizadores (políticos, econômicos e culturais).

O Brasil assiste ao crescimento de religiões, filosofias e terapias de origem oriental desde meados dos anos 60. Trata-se de um fenômeno que atinge o mundo ocidental moderno, denominado de orientalização do universo religioso ocidental, e que tem merecido a atenção de estudiosos da religião já há quase 40 anos. No Brasil, todavia, o interesse de sociólogos e antropólogos por esse tema data de, no máximo, uma década.

O mais importante veículo de divulgação dos estudos sociológicos e antropológicos sobre religião, no Brasil, a Revista Religião e Sociedade, criada em 1977, só passou a apresentar uns poucos artigos sobre o fenômeno da orientalização em 1986 e, assim mesmo, traduções de autores estrangeiros. Os estudos de brasileiros sobre o tema, nessa revista são, contudo, mais recentes e relativamente escassos. Todavia, presentemente essa situação está se revertendo, pois além do fenômeno insistir em existir, tem aumentado o número de papers sobre o fenômeno da orientalização nos congressos e simpósios sobre religião, devido talvez a uma nova geração de pesquisadores.

Esse ocultamento se deveria à força política e cultural do cristianismo na sociedade brasileira e, também, à associação do crescimento das religiões orientais no ocidente ao movimento da contracultura dos anos 60. No primeiro caso, para falar de tempos recentes, a Teologia da Libertação desempenhou papel importante na resistência à ditadura militar (1964 - 1986), tornando-se objeto de estudo privilegiado, ao lado do crescimento do pentecostalismo e das religiões afro-brasileiras. No segundo caso, a contracultura, apesar de ter marcado toda uma geração de jovens de classe média urbana, intelectuais e artistas brasileiros, se apresentaria como associada a coisas pouco sérias como jovens, hippies, drogas e rock-and-roll. Em uma época de forte repressão política, o complexo e rico movimento da contracultura foi, inevitavelmente, associado à alienação, perdendo-se de vista o seu forte caráter revolucionário. Um belo depoimento desse tempo no Brasil, é o livro Mare Nostrum, de Fauzi Arap (1998).

A orientalização do universo religioso.

Porém, apesar da pouca visibilidade acadêmica ou científica, a demanda por religiões, filosofias e terapias da Índia, Japão, China, Tibete, Coréia, Irã, Egito e etc. se impõe, no Brasil, como um fenômeno sociologicamente relevante, desde meados dos anos 60. Empiricamente essa demanda se manifesta pela adesão a religiões como o Budismo japonês, coreano e tibetano, às novas seitas japonêsas como a Seicho-no-iê, Perfect Liberty e Igreja Messiânica, o Sufismo iraniano, o Hare-Krishna e a prática da ioga indianos, a alimentação macrobiótica japonesa, o Tai-chi-chuan chinês, a acupuntura chinesa e outras formas de medicina chinesa, japonesa e indiana e as várias formas de meditação advindas da Índia, China e Japão. Inclue-se nesse inventário, também, a crença nos poderes energéticos de réplicas de pirâmides do Egito e a ampla difusão do oráculo chinês I-Ching.

Sendo o Brasil um país de imigração desde os últimos 100 anos, algumas dessas religiões já existiam desde o início do século. É o caso do Budismo e das novas seitas japoneses. Estavam, contudo, restritas aos imigrantes, tendo a função de preservação do patrimônio étnico e cultural da colônia japonesa. ( Camargo et alii, 1973 ). Desde meados dos anos 60, entretanto, passaram a desenvolver proselitismo entre os brasileiros, no que têm tido relativo sucesso (Albuquerque, 1999; Gonçalves, 1998).

Todavia, ao lado dessas religiões e filosofias de origem oriental ocorre, nessa mesma época, nas Américas, uma revitalização das religiões e práticas nativas, como as indígenas e as da cultura popular. No primeiro caso, é expressiva no Brasil a Religião do Santo Daime e, no segundo, a valorização da flora e da fauna associadas ao catolicismo popular, bem como a legitimação, pelas camadas médias, das religiões de origem africana.

Além disso, observa-se também o crescimento da consulta a horóscopos, mapas astrológicos, cartas do tarô, crença em anjos e bruxas e popularização da psicologia junguiana. Essas fontes de conhecimento são, porém, como se sabe, provenientes da Europa (Eliade, 1979).

Ao longo do tempo ocorreram inevitáveis hibridizações dessas religiões e práticas com conhecimentos sedimentados no ocidente, gerando modalidades terapêuticas que combinam a Psicologia com a meditação e também com astrologia, por exemplo. No campo estritamente religioso, onde esse processo é mais intenso, os adeptos não se fixam em um religião determinada, mas apresentam comportamento errante e nômade. Isso gera teodicéias compostas de combinações pessoais e livres, com forte caráter de auto- suficiência no enfrentamento dos problemas deste mundo.

Como não poderia deixar de ser, desenvolveu-se, paralelamente, um mercado voltado para as coisas místicas, esotéricas, orientais e naturais como lojas, cursos, workshops, feiras, congressos, livros especializados e, claro, especialistas. Até o turismo se vale disso, promovendo cidades no interior do Brasil que, acredita-se, tenham passagens secretas para o interior do planeta, onde viveriam civilizações espiritualmente mais avançadas. Outro aspecto é a associação entre essas práticas religiosas e preocupações ambientais denominada genericamente de misticismo ecológico (Soares, 1994).

Apesar desse inventário não ser completamente exaustivo, ele apresenta as principais tendências filosóficas, religiosas e terapêuticas que competem com as religiões tradicionais no Brasil. Como o crescimento dessas religiões e práticas é acompanhado da difusão de novos comportamentos, o seu conjunto é também denominado de cultura alternativa.

A explicação desse fenômeno remete, obrigatoriamente, a dois outros paralelos: a crise da racionalidade ocidental moderna e o reencantamento do mundo. Tanto no Brasil como no resto do mundo ocidental, ambos são herdeiros do movimento da contracultura dos anos 60. O resgate de suas motivações fornece pistas para compreender o sentido da metáfora oriental para o ocidente contemporâneo.

Contracultura e alternativos.

A contracultura foi um movimento surgido na década de 60, composto por grupos aparentemente heterogêneos – hippies, ecológicos, psicodélicos e praticantes de ioga - que tinham em comum a oposição à revolução científica do século XVII e seus resultados. Esta oposição, ou resistência, se concretizou através da procura por saberes e práticas estranhos à cultura ocidental moderna, como a valorização do artesanato, os movimentos ambientalistas, a procura por religiões orientais e cristãs, o resgate da cultura popular e indígena, a prática da ioga, a vida em comunidade e a busca de estados alterados de consciência através do êxtase religioso, da música e das drogas.

Dos Estados Unidos, onde surgiu, a contracultura se espalhou pela Europa e todo o continente americano, inspirando parte da juventude da época em viver e experimentar outros padrões de comportamento. Assim, todo esse movimento expressou valores como a defesa da espontaneidade e a nostalgia da comunidade, que eram tidos como um escudo contra o imperativo da tecnocracia do pós-guerra, enraizada na cosmovisão científica.

Conforme Roszak (1972), que tão bem analisou as motivações da contracultura, a tecnocracia tornou tudo objeto de especialistas. Nesse processo, despojou o ser humano de competências, remetendo a solução dos problemas (públicos e privados) aos homens possuidores de treinamento especial. Fundada na objetividade científica, que dispensa qualquer consideração pessoal, a tecnocracia transformou o homem e a natureza em objetos de manipulação de técnicos. Assim, para o cidadão comum, despojado de treinamento especial, a realidade ganhou escala e complexidade que transcendem a sua competência.

Morin (1986) também apresenta o movimento da contracultura no contexto de um processo transformador da sociedade técno-burocrático-urbano-industrial, "A sociedade burguesa, - afirma - pelo seu próprio desenvolvimento, gera as contradições que a minam, isto é, opera simultaneamente um duplo processo de auto-produção e de auto-destruição" (p.13). Este autor identifica na imposição da objetividade científica, a origem de uma experiência esquizofrênica do homem moderno. Isto é, a subordinação da experiência particular e imediata a uma generalização leva a que a dimensão subjetiva não encontre amparo no mundo científico. A reação, encarnada nos beatniks e nos hippies, é o desprezo aos valores técnico-industriais e a opção por uma volta à natureza, pela vida em comunidade e a exploração de modos de consciência não intelectiva. Ou seja, índices do anti-moderno.

A objetividade científica exige uma relação de força do sujeito sobre o objeto, o qual julga quais aspectos da realidade são compatíveis com a linguagem da ciência. Na reconstrução do real, os aspectos negligenciados nunca são inventariados, pois atrapalhariam a "universalidade" dos resultados. Ora, são justamente esses aspectos desprezados, por não terem "cidadania científica e racional", que inspiram as práticas da contracultura. A elas, Morin (1986) dá o nome de nova-gnose: "conjunto de crenças que têm como denominador comum uma volta às origens mágicas, estranha e hostil à tradição positivista-ocidental" (p.14). Uma antropocosmologia que reencanta o mundo e sintetiza a crise da racionalidade.[1]

Um dos veículos de divulgação desse movimento é a revista francesa Planète criada em 1960, por Louis Pauwels e Jacques Bergier. O inesperado sucesso da Planète francesa, que tinha 80.000 assinantes e 100.000 compradores na primeira metade da década de 60 chama a atenção de Eliade (1979, p. 18). Ele vê, no conteúdo dessa revista, uma ciência "redentora" que conjuga informação científica e esoterismo, fornecendo ao homem uma visão otimista do futuro e uma vida com sentido. Sua análise também aponta para a crise da modernidade, sobretudo de duas de suas filosofias mais expressivas. Afirma: "todos estão cansados do existencialismo e do marxismo, cansados do contínuo debate sobre a história, a condição histórica, o momento histórico, engajamento, etc.", concluindo que Planète mostrou que "o homem não estava mais abandonado e inútil num mundo absurdo para o qual ele havia vindo por acidente e em vão" (p. 21 e 20 respectivamente). Em 1972 essa revista iniciou sua publicação no Brasil e mantém periodicidade inalterada até hoje. (Albuquerque, 1998).

Já Eco (1986) caracteriza os temas da contracultura como "uma nova Idade Média de místicos e leigos, mais inclinados ao retiro monástico que à participação cidadã". (p.130)[2]. No entanto, identifica nesse crescimento do sentido do sagrado, uma crise da religiosidade institucional.

Com efeito, o empobrecimento da experiência individual se reflete também no âmbito religioso. A religiosidade institucional, que separa a experiência do objeto de fé, exige a reflexão e o argumento teológicos. Já a contracultura, ao explorar os estados alterados de consciência, possibilita a experiência direta e o contato imediato com o divino, tornando a Teologia dispensável.

Enfim, o reencantamento do mundo através da irrupção de irracionalidades temporariamente domesticadas, pela modernidade, apresentou as seguintes tendências nos anos 60 – 70 (Morin, 1986, p. 179):

Essas tendências se firmam sempre em oposição aos saberes e práticas científicos e industrializados. Apesar disso, a valorização do rústico e do arcaico não recusa a técnica, mas a inclui num universo reintegrado.

As décadas seguintes assistem à difusão desses temas no mundo ocidental bem como à emergência de novas combinações e hibridizações denominadas, agora, de cultura alternativa. Soares (1994) define a cultura alternativa dos anos 80 e 90 através dos temas recorrentes pelos quais ela tem se manifestado, como "o trinômio corpo-espírito-natureza e as díades saúde-violência, equilíbrio-desequilíbrio, respeito-violência, restauração-devastação, reconciliação-ruptura, harmonia-desarmonia, fluência-bloqueio (...)" (p.193). O universo reintegrado da nova gnose, ao se fragmentar em combinações múltiplas de versões religiosas e laicas, orientais e ocidentais, perdeu o seu caráter transgressor; como afirma Soares (1994), "o alternativo facilmente aparece colado ao cidadão convencional, preocupado com a moralidade civil crítica" (p. 192).

A esse aspecto deve-se acrescentar um outro, que ganhou força nas duas últimas décadas do século 20: a utopia milenarista. A aproximação do fim do milênio estimulou a expectativa do advento de uma Nova Era, regida pelo signo de Aquário. Ancorada na Astrologia, que aos poucos vai ganhando mais espaço no espectro de fontes inspiradoras da cultura alternativa, a Nova Era espera a realização de todas as integrações de que o presente se ressente: dos homens entre si, do homem no cosmo, do homem com a natureza, de todos os povos, de todos os saberes, de todas as ciências, de todas as religiões... "A New Age se define como um 'novo paradigma', isto é, uma nova maneira de ver as coisas e de conceber a nossa relação como o universo (...). Contesta os ídolos da modernidade, a ditadura da razão e da técnica. Crê no advento próximo de um mundo renovado em que cada um se reconhecerá como um fragmento da consciência cósmica" (Delumeau, 1997, p. 346).

Apesar da expressão Era de Aquário ter surgido pela primeira vez em 1930[3], ela não tinha, nos anos 60, o caráter milenarista de hoje. Já o estabelecimento de um calendário para o novo milênio, parece que procura conferir um sentido histórico racionalizante às irrupções de irracionalidades. Enfim, seja como contracultura, nova gnose, cultura alternativa ou nova idade média, esse movimento tem, como eixo, a oposição aos valores da modernidade.

O oriente como metáfora.

Diante desse quadro, alguns autores acreditam numa transformação fundamental na visão de mundo ocidental. Afirma Campbell (1997, p. 18 - 9 ) que "enquanto que anteriormente a visão ocidental era dominante e a oriental uma alternativa popular mas secundária, (...) essa relação foi invertida".

É, pois, com o objetivo de medir a orientalização do pensamento no ocidente que psicólogos criaram categorias que representariam estilos próprios de cada um. Krus e Blackman (1980, apud Campbell, 1997, p. 9) caracterizaram as perspectiva do oriente e do ocidente da seguinte forma:

Oriente Ocidente
síntese análise
totalidade generalização
integração diferenciação
dedução indução
subjetivo objetivo
dogmático intelectual
intuição razão
anti-ciência ciência
pessoal impessoal
moral legal
não - discursivo assertivo
associativo poder
êxtase ordem
imaginativo crítico
irracional racional

Relembre-se que o fenômeno da orientalização do universo religioso ocidental é acompanhado da valorização das culturas indígena, popular, medieval e pré–cristã. O seu conjunto como cultura alternativa estimula, como já se viu, comportamentos ligados à vida comunitária, à rusticidade, à aliança com a natureza, ao contato direto com o sagrado, ao artesanato e à simplicidade que, por sua vez, são indicadores empíricos de arranjos sociais pré-modernos. Isso, provavelmente, teria levado Heelas (1996, p. 23) a afirmar, a respeito da religiosidade pré-moderna da Nova Era, que "(...) seria possível realizar estudos (...) a respeito das muitas maneiras diferentes como diversos domínios do passado vêm sendo explorados, em particular a espiritualidade oriental " (grifou-se). Fica evidente, assim, a equivalência entre estágio e território como um viés etnocêntrico.

O próprio Campbell (1997, p. 13) afirma que "um processo de orientalização não tem que depender simplesmente de uma importação de idéias exóticas, mas pode ser entendido como facilitado pela presença de uma tradição cultural nativa ao ocidente. (...) Aqui, a teodicéia que dominou o ocidente por dois mil anos é rejeitada não a partir de uma "virada para o oriente" ou mesmo por um apelo a alguma tendência inerentemente oriental que essa tradição pudesse conter em si, mas sim, ao contrário, por uma "volta" mais radical às tradições religiosas que o ocidente derrotou"

Bem, sabe-se que a derrota dessas e outras tradições inaugurou os tempos modernos. Falar em orientalização é pois, ficar na superfície, sem compreender as motivações mais profundas que abalam o panorama religioso contemporâneo. Aliás, sintomaticamente, o fenômeno da orientalização do universo religioso ocorre mais intensamente nas regiões mais desenvolvidas, onde a modernidade teve mais sucesso.

Assim, se por ventura trocarmos as categorias oriente e ocidente por pré-moderno (ou tradicional) e moderno, naquela classificação dos psicólogos, o fenômeno da orientalização do ocidente resgata o seu sentido histórico. O dualismo oriente-ocidente, que procura explicar a religiosidade contemporânea expressa uma construção do processo civilizatório moderno, já que as características do pensamento ocidental coincidem com as do pensamento moderno e as do pensamento oriental com as do pré-moderno. Além disso, o crescimento de uma visão encantada do mundo ao lado da orientalização reforça o argumento de que estamos tratando de um resgate ansioso de traços culturais pré-modernos. Portanto, seja como pré-moderno, como oriental ou como alternativo são, nesse novo contexto, também contramodernos.

Enfim, multiplicidade de temas e fontes de conhecimento de que se vale a contramodernidade mostra um traço comum: não tem legitimidade no âmbito da cosmovisão ocidental moderna, representada pela racionalidade. Temas desprezados pela objetividade científica e conhecimentos exorcizados pela ciência formam um conjunto de prática e saberes rotulados de irracionais, os quais a modernidade pretendeu colonizar.

Originário não só de culturas específicas mas também de tempos históricos diferentes, esse conjunto comparece nas discussões acadêmicas e nos meios de comunicação como um imenso e indefinido oriente. O desinteresse pelas estruturas econômicas, sociais e políticas específicas das sociedades que nutrem a orientalização do ocidente alimenta a dimensão utópica de um oriente mítico, além dos determinismos existenciais. Veja-se, por exemplo, em Morin (1998): "Encontramo-nos numa época de transição e de tomada de consciência de uma falta. Daí decorre uma necessidade de Oriente, que resulta do vazio de nossas vidas de Ocidente" (p. 49) "(...) Assim, o Oriente nos penetra através de mil vias e mil tecidos cotidianos, enquanto que, por outro lado, o Ocidente técnico, industrial e capitalista se expande sobre o Oriente." (p. 51). É possível suspeitar que isso queira dizer alguma coisa do próprio ocidente.

O ocidente, civilizado e científico, elevou a razão ao estatuto de bem comum da humanidade. O acesso a ela e o seu uso por outros povos ou culturas, ocorreria na medida em que superassem os estágios menos evoluídos, marcados por modos de agir, sentir e pensar irracionais. Sendo o ocidente o portador da razão, ao oriente caberia chegar até ela, pensam os modernos. A Filosofia da ciência expressa bem essa perspectiva etnocêntrica, o que se pode apreciar nas palavras de Bronowski (1979, p. 49-50): "As culturas do oriente diferem ainda da nossa, como diferiam então. Depreciam ainda o homem como indivíduo. Sob isso corre uma indiferença para o mundo dos sentidos, do qual a indiferença para o fato experimentando constitui um aspecto. Qualquer pessoa que tenha trabalhado no oriente sabe como é difícil obter ali uma resposta a uma pergunta de fato (...) Estas culturas do oriente permanecem fixas, porque lhes falta a linguagem e o hábito do fato. Para nós, o hábito da linguagem simples, em relação à experiência, tem sido inspirador da civilização". Assim, a expressão orientalização do universo religioso retrataria mais uma geografia imaginária, que tem por base os estágios da humanidade do que territórios, histórias e culturas específicos. Estes, desapareceriam sob a marca da irracionalidade que reencantou o mundo e desencantou a modernidade.

Bibliografia

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Notas

[1] Deve- se observar que o universo científico não ficou imune aos valores da contracultura. Pensadores como Morin, Atlan, Prigogine, Capra e outros incorporaram suas críticas às consequências negativas da ciência e se empenham em construir um novo paradigma científico que valoriza saberes e práticas distantes do universo cultural ocidental. Capra (1993), por exemplo, pretende aliar o misticismo oriental à Física moderna.

[2] Harris (1978) também vê na contracultura a volta da "loucura medieval" e não crê na eficiência do seu poder revolucionário já que "para fazer uma revolução, é preciso que todo mundo faça a mesma coisa". (p. 190). Para ele, "na antropologia da contracultura, a consciência primitiva é resumida pelo xamã, uma figura que tem luz e poder, mas nunca paga as contas de energia" (p. 181).

[3] Paul Le Cour foi o primeiro a mencionar a "era de Aquário" na sua revista Atlantis e, em 1937, no seu livro "L'ère du Verseau" (apud Delumeau, 1997).

[*] Este artigo é uma versão ampliada da comunicação intitulada "East: source of an imaginary geography in Brazil" apresentada no 18th Quinquennial Congress of the International Association for the History of Religions, em agosto de 2000, em Durban, South Africa.

[**] Leila Marrach Basto de Albuquerque é mestre e doutora em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora da UNESP, Campus de Rio Claro- SP.