Editorial - REVER março, ano 10, 2010

Pluralismo Religioso e Secularização: sobreposições

A sessão temática desta edição de REVER reúne quatro papers[1] apresentados no painel “O Impacto do pluralismo religioso intensificado sobre o processo de secularização”, organizado por Peter Clarke (Wolfson College, Oxford University, Inglaterra) e Frank Usarski (PUC-SP) no âmbito da 30ª Conferência da International Society for the Sociology of Religions (realizada no período de 27 a 30 de julho de 2009 em Santiago de Compostela, Espanha) sobre os desafios do pluralismo religioso.

Nesse contexto temático, o painel abriu espaço para discutir a hipótese de que o pluralismo religioso crescente – promovido, entre outros fatores, por processos de migração e pela dinâmica de “mercados religiosos” - tem efeitos aparentemente antagônicos: por um lado, sustenta o processo de secularização; por outro, contribui para revigorar o campo religioso nas sociedades modernas. Devido à complexidade do assunto, não se esperava dos debates do painel uma reflexão “pacificada” ou respostas definitivas a perguntas tematicamente relevantes. Contentava-se com um intercâmbio, em um primeiro momento, principalmente interessado em demarcar o terreno da discussão, assim como nos resultados de pesquisas específicas na área em questão, em problemas teóricos relacionados e em possíveis caminhos para superá-los. Desse ponto de vista, o painel foi um passo importante também no sentido de uma aproximação de pesquisadores provenientes em diferentes países e que estão ligados pela curiosidade em relação aos mesmos temas e por um interesse de conhecimento compatível com os princípios epistemológicos e os objetivos da Ciência da Religião.

O primeiro artigo da sessão temática é de autoria de Mallory Schneuwly Purdie, integrante do Observatório das Religiões na Suiça, da Universidade de Lausanne. O texto traz um resumo de pesquisas empíricas da autora que concretizam a hipótese conhecida (e, do ponto de vista da Sociologia da Religião, consensual) de que o indivíduo contemporâneo apropria-se de maneira criativa e relativamente autônoma dos «bens» de um mercado de sistemas de sentido cada vez mais diversificado, característico da sociedade moderna.

Em seguida, Kees de Groot, da Universidade de Tilburg, Holanda, aborda a área da chamada assistência espiritual. O uso desse termo técnico em substituição à expressão convencional assistência pastoral aponta para a diversificação desse campo de atuação. Antigamente dominado por organizações religiosas tradicionais especializadas em serviços de caridade tanto em instituições próprias quanto em setores seculares como o militar e o penitenciário, em tempos mais recentes (desde os anos 1970) passou a receber o engajamento de diversas entidades alternativas, inclusive de origem não-cristã e orientação humanista. Trata-se de uma dinâmica gerada pela simultaneidade de processos de secularização e de pluralização, que faz com que o artigo de Kees de Groot se encaixe de maneira paradigmática no espectro da sessão temática deste número da REVER.

Diferentemente dos primeiros dois artigos, o ensaio de Masanobu Yamada, pesquisador vinculado à Universidade Tenri, Japão, chama atenção para a evolução de um determinado setor do campo religioso brasileiro. O texto reconstrói o percurso da Igreja Tenrikyo desde sua transplantação do Japão para o Brasil, em fins dos anos 1920. O autor mostra que, no decorrer dos anos, a Igreja Tenrikyo transformou-se de uma instituição predominantemente frequentada por imigrantes japoneses em um grupo aberto para não-descendentes que buscavam uma alternativa às tradições convencionais brasileiras, sobretudo ao Cristianismo. Apesar da emancipação das instituições religiosas tradicionais, os “novos” adeptos mostram disposição de se aproximar das doutrinas e práticas tenrikyanas dentro de um horizonte constituído por elementos típicos da religiosidade brasileira.

Dando continuidade à reflexão sobre o campo religioso brasileiro, o artigo de Paulo Barrera Rivera, da Universidade Metodista de São Paulo, trata da relação entre o processo de secularização e a diversificação do segmento pentecostal na periferia da cidade de São Paulo. O autor atribui essa efervescência espiritual ao declínio do poder de definição da Igreja Católica e à contribuição desse processo para uma crescente autonomia do sujeito diante de alternativas religiosas. Todavia, conforme a hipótese central do artigo, as opções privilegiadas por um número considerável dos moradores das periferias urbanas não são arbitrárias. Pelo contrário, o Pentecostalismo aparece como algo atraente devido à sua capacidade de reencantar o mundo, assim amenizando o impacto do choque da modernidade e seus desafios especialmente sensíveis no cotidiano em ambiente sociais focados pelo artigo.


Peter Clarke / Frank Usarski

Notas

[1] A redação de REVER agradece a Nadine Laura Faulkner e Paul Martin, da Bangor University (Grã-Bretanha) pela revisão dos textos em inglês encontrados nessa sessão temática.