STARK, Rodney
O Crescimento do Cristianismo: Um Sociólogo Reconsidera a História, Editora Paulinas, São Paulo, 2006, ISBN 85-356-1657-8. 267 p.

por Cleusi Gama da Silva[*]

Rodney Stark é um sociólogo conhecido por produzir uma sociologia da religião com rigor metodológico, o que nem sempre acontece em outros estudiosos da área. Essa preocupação remonta há muito tempo. Stark, à luz de Popper, desenvolve uma teoria da religião pautada na utilização de axiomas, a partir dos quais levanta um conjunto de proposições que podem ser empiricamente testadas. No Prefácio da obra em tela, Stark indica-nos seu método de trabalho, no qual utilizou dados históricos de diversas fontes, introduzindo historiadores, biblistas, para elaborar uma releitura sociológica do crescimento do Cristianismo. Apropria-se da formulação da teoria formal da escolha racional, das teorias da firma, do papel das redes sociais e dos vínculos interpessoais no processo de conversão. Inclui ainda os modelos de dinâmica populacional, a epistemologia social e os modelos de economias da religião.

No primeiro capítulo, Conversão e crescimento cristão, o tema central é responder o que subjaz à difusão do Cristianismo primitivo, caracterizado como um movimento messiânico minúsculo, obscuro e periférico. Para entender como o Cristianismo sobrepujou o paganismo clássico, afirma existirem várias explicações. Segundo Stark, não torna sacrílego empenhar-se em explicações plausíveis advindas da observação das variáveis constituintes da dinâmica social. Esse esforço não pretende contrapor-se à crença em uma ação divina, na medida em que busca entender “ações humanas em termos humanos” de um processo inacabado. A partir de projeções estatísticas, analisa possíveis taxas de crescimento do Cristianismo primitivo. Estas, comparadas à conversão dos mórmons, apresentam-se em níveis semelhantes, sem a necessidade de recorrer a argumentos miraculosos.

Constatação plausível na leitura de Stark é a de que a conversão a grupos religiosos novos ou dissidentes torna-se possível quando os vínculos com membros do grupo novo são mais fortes do que os mantidos com os anteriores, fato este explicado pela teoria do controle do comportamento dissidente (p.26), acrescentando ainda que os convertidos, em geral, não apresentavam anteriormente uma prática religiosa consistente.

Em A classe fundamental do Cristianismo primitivo, segundo capítulo da obra, Stark, discordando de análises feitas sobre os primeiros cristãos, argumenta que o movimento em seus primórdios pode ter contado com indivíduos provenientes dos estratos mais desfavorecidos da sociedade clássica, os quais, porém, não constituíam sua maioria. A plausibilidade da afirmação dos conversos procederem de estratos mais elevados alinha-se à distinção feita por Stark em sua obra Uma teoria da Religião, na qual apresenta a diferença entre seita e movimentos de culto. A seita constitui-se por um cisma no interior do movimento religioso convencional (p. 45). Já os movimentos de culto apresentam-se como nova crença, e indivíduos de estratos mais elevados da sociedade são mais propensos a aderir a novas crenças do que os mais incultos. Stark faz um paralelo com a conversão ao Mormonismo, à Ciência Cristã, ao Espiritualismo, os quais não foram e nem são movimentos proletários (p. 52). Tais proposições, corroboradas por dados estatísticos (1989-90), levam à conclusão de que o Cristianismo primitivo foi um movimento de indivíduos mais favorecidos.

No capítulo terceiro, A missão junto ao povo judeu: as razões de seu provável sucesso, o autor apresenta evidências de que os judeus da diáspora possibilitaram as adesões ao Cristianismo não apenas no séc I e II, mas também até por volta do séc V. Para refutar a posição de que os judeus rejeitavam a mensagem cristã, Stark recorre a três argumentos: os judeus emancipados perceberam que o Judaísmo não era apenas uma religião, mas uma etnicidade que os mantinha à margem. A solução da dissonância cognitiva, em marginalizados, ocorre pela assimilação ou a resolução do conflito, corroborada pelas proposições de que novos movimentos religiosos arregimentam adeptos principalmente dos estratos religiosamente inativos e descontentes, que, no caso judaico, são constituídos pelas novas gerações. Em segundo lugar, as pessoas se mostram mais dispostas a adotar uma nova religião à medida que esta mantém uma continuidade cultural presente no Judaísmo/Cristianismo, por possuírem aspectos semelhantes. O último argumento é que os movimentos sociais crescem mais rapidamente quando se disseminam ao longo de redes sociais preexistentes, e essas redes existiam entre os judeus da diáspora.

Para o sociólogo, as epidemias de varíola e sarampo foram devastadoras da população pagã, enquanto, para o Cristianismo, constituíram solo fértil para a sua disseminação, pois a religião cristã tinha capacidade de explicação e consolação das desgraças – isso, além da maior resistência dos cristãos às epidemias, que teve como resultado o fato de os mesmos se tornarem a maioria na população. Além disso, os pagãos, tendo seus laços sociais abalados pelas epidemias, aderiam mais facilmente a novos vínculos com os cristãos, aumentando o número de conversões, tendo em vista o aspecto da solidariedade humana dos cristãos primitivos.

Aspectos interessantes são apresentados quanto ao papel da mulher dentro do Cristianismo primitivo, no capítulo quinto, sob o título: O papel das mulheres no crescimento cristão. Stark, diferentemente da análise simplista de autores que afirmam serem as mulheres da época fáceis de se filiarem a “qualquer superstição forânea”, apresenta-nos os elementos do ethos cristão (a proibição do infanticídio, a condenação ao aborto e ao divórcio, ao incesto, à infidelidade conjugal e à poligamia) como fatores que constituíram o poder de atração às mulheres da época. Na subcultura cristã era possível às mulheres ocuparem status diferenciado, o que não acontecia no mundo greco-romano. Além disso, a conversão feminina em novos movimentos contemporâneos também apresenta índice mais elevado do que no caso do sexo masculino, não se restringindo, pois, ao início do movimento cristão. A destacada diferenciação do coeficiente sexual com superioridade para as mulheres em relação aos homens cristãos decorreu da proibição do aborto e infanticídio nas doutrinas cristãs. Stark trabalha sua demonstração recorrendo a evidências arqueológicas e à demografia histórica, as quais corroboram o status privilegiado das mulheres na Igreja cristã primitiva. Tal fenômeno relativo a relações de gênero não se limitava à família, mas à sociedade e à própria Igreja, em que mulheres ocuparam postos de destaque, como o caso da diaconisa Febe. Casamentos exogâmicos permitidos entre as cristãs e homens pagãos, dado o alto nível de comprometimento dos cristãos, não manifestava apostasia; ao contrário, acreditava-se na possibilidade de que esse tipo de casamento conduziria a novas adesões, denominado por Stark de conversões “secundárias”. A alta taxa de natalidade e fertilidade das mulheres cristãs também é um aspecto a ser destacado.

Sob o título A cristianização do Império urbano: uma abordagem quantitativa, Stark recorre a Meeks para reconhecer os novos adeptos ao Cristianismo primitivo através da categoria urbanidades. Acresce a essa contribuição o resultado de pesquisa em vasta fonte de dados garimpados em Atlas históricos, traçando a rota de disseminação do movimento cristão em 22 grandes cidades, sendo que, destas, 20 integravam o mundo greco-romano. No aspecto localização, a distância de viagem entre Jerusalém e as cidades em tela foi utilizada para compreender em que medida a influência de contatos judaicos anteriores à romanização se fez presente. O Gnosticismo é visto por Stark não como heresia cristã, mas como mais uma heresia judaica.

O caos urbano propiciou ao Cristianismo a oportunidade de sobrepujar o paganismo e outros movimentos religiosos, como solução a esses problemas. Essa análise é realizada tendo como objeto a cidade de Antioquia, apontada como exemplo da precária condição de sobrevivência urbana da época. Esse estudo está consignado no capítulo sétimo, sob o título Caos urbano e crise: o caso de Antioquia. Através de seu meticuloso estilo metodológico de produção científica, Stark ampara sua análise na alta densidade da cidade de Antioquia no séc. I, com 117 habitantes por acre e sérios problemas de infra-estrutura e segurança.

Para desenvolver o capítulo oitavo, Os mártires: o sacrifício como escolha racional, Stark se contrapõe ao estudo científico-social da religião como simples questão de classificação, pois isso retrata mais um objetivo primordial de desacreditar a religião do que de empreender sua compreensão. Assim, pauta sua análise na teoria da escolha racional, importada da microeconomia e adaptada à sociologia da religião. Estigmas e sacrifícios religiosos são escolhas racionais, na medida em que “quanto mais sacrifícios as pessoas oferecem à sua fé, maior o valor das recompensas que ganham em contrapartida” (p.186). No subtítulo, Religião e racionalidade, enuncia uma proposição teórica na qual “a religião provê compensadores por galardões que são escassos ou indisponíveis”. Racionalmente, o indivíduo deseja recompensas imediatas, mas se estas são muito escassas, satisfaz-se com os compensadores, ou alternativas. Por outro lado, as pessoas diferem em suas avaliações quanto às recompensas ou benefícios específicos pois possuem diferentes esquemas de preferência. Os indivíduos avaliaram compensadores buscando custos e benefícios, custos de oportunidade e maximização de benefícios líquidos. Os mártires são considerados o ponto mais crível de uma religião, pois a mesma está pautada nas redes de relacionamentos e na força dos testemunhos como forma de sedimentação da credulidade. Stark alerta, também, que na rede de relacionamentos podem existir os aproveitadores, os quais, como atores racionais, apenas desejam auferir benefícios e não contribuir para o interesse coletivo. No sentido oposto, encontra-se a prática cotidiana, na qual o Cristianismo não se resume a sacrifícios e estigmas, mas a auxílio aos menos favorecidos. Como os cristãos deviam amar ao próximo, eram amados, e seu código moral rigoroso propiciava-lhes uma vida familiar mais segura.

Em Oportunidade e Organização, capítulo nono, o autor avalia as oportunidades do surgimento do novo culto, além de focalizar os aspectos diferenciais da organização do movimento cristão que desencadearam perseguição contra os adeptos. Quanto à regulação estatal, Roma parece não ter efetuado severa perseguição legal aos cristãos primitivos, o que pode ser confirmado tanto pela pujança do crescimento da nova religião quanto pelas evidências arqueológicas. Na análise produzida, o sociólogo lança mão do conceito de economias religiosas. O Cristianismo encontrou solo fértil para desenvolver-se dada a debilidade pagã, e seu sucesso residiu em ser uma firma religiosa que oferece serviço completo, com adeptos obstinados, resultando em recompensas religiosas admiráveis. Além do mais, seu crescimento contou com o poderoso marketing da influência pessoa a pessoa.

Em Breve reflexão sobre a virtude, afirma que crescimento do Cristianismo deveu-se às suas doutrinas religiosas particulares. Elas foram revolucionárias por inspirar o amor ao próximo e pela concretude das ações dos cristãos primitivos. O Cristianismo, como movimento de revitalização, respondeu pela formação de uma cultura desprovida de etnicidade, unificando as diversas subculturas existentes no interior do Império. A ética cristã possibilitou uma visão moral de valorização e respeito à vida, ou, nas palavras de Stark, a virtude foi sua própria recompensa (p. 240).

Stark contribui para a sociologia da religião com uma análise pautada em axiomas, definições e proposições, revendo conceitos sociológicos clássicos, além de fornecer dados, fatos e fontes históricas ricos na compreensão da evolução do Cristianismo primitivo.

Notas

[*] Doutoranda em Ciências da Religião, docente das disciplinas de Sociologia e Cultura Organizacional no Curso de Graduação de Administração da FACCE – UNIMES –Santos/SP.