Demonstrações

 

Demonstração Matemática? Se não me perguntam o que é, eu sei; se me perguntam, e eu queira explicar, não sei. Santo Agostinho

 A verdade é inacessível pela observação: ela só é acessível ao pensamento puro. G.Arsac

A lógica clássica teve sua origem na obra de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), permanecendo mais de 2.000 anos praticamente inalterada. “Kant chegou mesmo a sustentar que, desde Aristóteles, a lógica não havia dado nenhum passo para a frente e nenhum para trás, e que, por conseguinte, se constituía numa ciência acabada” (CARRION et al, 1988, p.15).

Algumas mudanças podem ser observadas a partir dos trabalhos de G. Leibniz (1646-1716) e J.H. Lambert (1728-1777), mas as contribuições significativas vieram somente a partir do inicio do séc. XIX com G. Boole (1815-1864), A. De Morgan (1806-1871) e G. Frege (1848-1925).

Com ele [Frege] tomou forma o conceito de demonstração formal, que Tarski[1] sintetiza como a construção de um seqüência de proposições tal que (i) a primeira proposição é um axioma; (ii) cada uma das outras ou é um axioma ou é dedutível diretamente das que a precedem na seqüência;  (iii) a última proposição é aquilo que se pretendia demonstrar” (DOMINGUES, 2002, p.52)

 A lógica de nossa época foi reestrutura a partir dos trabalhos de Bertrand Russel (1872-1970), Wittgenstein, Ramsey, e atualmente é apresentada nas áreas de lingüística, filosofia e matemática.

 Atribui-se ao grego Tales (c. 625 – 547) a aplicação da lógica ao conhecimento matemático de seu tempo, em especial à geometria. Os conceitos por trás dos fenômenos naturais antes explicados pelos mitos passaram a serem considerados explicáveis por meio do intelecto. Possuindo conhecimentos científicos também do Egito e da Babilônia, foram os gregos os primeiros a organizá-los em sistemas dedutíveis.”[Tales] percebeu que fatos geométricos eram dedutíveis a partir de outros. Domingues, citando a obra Comenntário ao Livro Primeiro dos elementos de Euclides, de Proclus, afirma que “Tales foi o primeiro a ir para o Egito e a levar para a Grécia, na volta, o saber [geometria] que encontrou.Ele descobriu muitas proposições e revelou para seus sucessores os princípios subjacentes a muitas outras, valendo-se de métodos gerais em alguns casos e em outros métodos empíricos” (DOMINGUES, 2002, p.47).

 Pitágoras (580 a.C. - 497 a.C.), que herdou essa concepção de geometria, fundou uma escola chamada Sociedade dos Pitagóricos, dedicada ao estudo da matemática, que consideravam ser uma ciência superior capaz de explicar a natureza. Seu legado muito influenciou não só os filósofos de seu tempo como também o pensamento ocidental até os dias atuais. A grande contribuição dos pitagóricos ao desenvolvimento da lógica, foi perceber que a intuição muitas vezes influenciou os trabalhos de Tales, confirmada com  a descoberta, feita provavelmente pelo pitagórico Hipaso, da irracionalidade da . Surge assim o conceito de excluir da matemática o que pode ser considerado intuitivo e ainda a possibilidade de organizá-la em sistemas dedutíveis, surgindo a concepção do “rigor” nas ciências exatas. “Pitágoras transformou – diz o Sumario[2] – o estudo da geometria em uma educação liberal, examinando os princípios de uma ciência desde seu começo, e provando os teoremas um atrás do outro, de modo lógico[3]”. (PROCLUS abud CABRERA, 1949, p.22).

 

Sistemas Axiomáticos Formais

Em certo sentido, os teoremas são apenas etiquetas, legendas de demonstrações, sumários de informação, títulos de notícias, esquemas editoriais. O arsenal completo de métodos matemáticos, conceitos, estratégias e técnicas de resolução de problemas, o estabelecimento de interconexões entre teorias de resolução de problemas, o estabelecimento de interconexões entre as teorias, a sistematização dos resultados – todo o saber matemático está imbuído nas demonstrações... Pense nas demonstrações como uma rede de estradas num sistema de transportes públicos, e olhe para os enunciados dos teoremas como sendo as paragens de autocarro; o local das paragens é só uma questão de conveniência. Yehuda Rav

Um sistema axiomático formal é baseado num conjunto de termos técnicos, denominados termos primitivos e são os elementos fundamentais do sistema. São inseridos a seguir os axiomas, definidos como um conjunto de enunciados privados de justificações e que dizem respeito aos termos primitivos, também aceitos sem demonstrações. O termo axioma origina-se do grego e significa “fidedigno”, “digno de confiança”. Depois são definidos, a partir dos termos anteriores, os termos técnicos que serão utilizados, denominados por termos definidos.  As demais proposições, chamadas de teoremas, são deduzidas logicamente a partir das anteriores. A palavra teorema, de origem grega, significa “pensar”, “refletir”. Ressaltamos a necessidade dos conceitos primitivos e dos axiomas serem pré-definidos, marcando o ponto de início do raciocínio, para não se incorrer em circularidades ou regresso ao infinito.

Um sistema é coerente quando os enunciados são compatíveis entre si, isto é, quando não é possível deduzir deles uma contradição lógica. Consideramos uma contradição o que negar um fato já conhecido como verdadeiro (um axioma, um teorema anteriormente deduzido). Além da coerência, os axiomas devem ser suficientes e independentes. Suficientes, pois devem ser capazes de desenvolver todo o sistema, não necessitando de outros axiomas. Independentes, pois nenhum axioma pode ser deduzido a partir dos demais.

É importante ressaltar que num sistema formal se preocupa tão somente em garantir a lógica interna, e não o significado dos termos primitivos ou ainda dos teoremas obtidos, ou seja, a aplicação dos resultados ou a intuição de sua existência não são necessárias. Os termos primitivos não são interpretados. Essa é a diferença em relação aos sistemas axiomáticos materiais, que partem de termos primitivos intuitivamente corretos e aceitos por todos. “A coerência é uma propriedade interna de um conjunto de premissas e não diz respeito a sua verdade (as relações que apresentam com o mundo), mas somente a sua recíproca compatibilidade (as relações que apresentam entre si), e premissas verdadeiras e falsas podem ser compatíveis se elas e suas conseqüências não representam um conflito lógico”. TRUDEAU (2004, p.174).

Os Elementos, de Euclides, é o primeiro sistema axiomático material e o livro Fundamentos de Geometria, de Hilbert, é o marco de um sistema axiomático formal. “Euclides partia do pressuposto de que os conceitos básicos de seu discurso dedutivo já eram conhecidos intuitivamente quando da enunciação dos axiomas e postulados. Isso explica tanto a ausência de conceitos primitivos nos Elementos como o caráter material que permeia essa obra”. (FETISSOV, 1994, p.11).

 

Demonstrações

A necessidade das demonstrações é conseqüência de uma das leis fundamentais da lógica, o princípio da razão suficiente. Esse princípio exige que toda afirmação que façamos tenha fundamento, isto é, que venha acompanhada de argumentos suficientemente sólidos para confirmar sua veracidade, sua concordância com os fatos e a realidade. A.I. Fetissov

O antigo significado da palavra demonstrar é “visualizar concretamente” (SZABÓ[4], abud BRITO, 1995, p.26). Dos desenhos nas areias feitos pelos gregos até os nossos dias, a concepção de demonstração se alterou profundamente como reflexo do próprio amadurecimento do conhecimento filosófico-científico.”Uma demonstração consiste em um conjunto de raciocínios feitos a partir dos quais se estabelece a veracidade de uma dada proposição”. FETISSOV (1994, p.22).

 Segundo (VER; 19 , p.27) , o conceito de rigor como se entende nos dias atuais, pode ser definido pelas condições abaixo, que foram inicialmente formuladas por Pasch em 1881:

  1. Serão apresentadas explicitamente as noções primitivas por meio das quais se definirão logicamente todas as outras noções;

  2. Serão enunciadas explicitamente as proposições primitivas por meio das quais se demonstrarão logicamente as outras proposições (Teoremas). Essas proposições fundamentais devem ser consideradas como puras relações lógicas entre as noções primitivas, independentemente de qualquer significação concreta que se possa atribuir a essas noções primitivas;

  3. A demonstração se fará, em seguida, de acordo com os princípios da lógica formal, mecanicamente, sem recurso a qualquer elemento que não esteja incluído nas premissas.

Os teoremas são enunciados condicionais, passíveis de demonstração, ou seja, apresentam a forma “Se H então T”, onde a hipótese é H e a tese é T. Demonstrar um teorema significa partir da hipótese, elaborar enunciados lógicos (e justificados), considerando como verdadeiros a hipótese, os axiomas, e todos os teoremas demonstrados anteriormente e deduzir a tese. Segundo TRUDEAU (2004, p.26-27) um sistema axiomático admite como justificativa apenas as seguintes possibilidades:

  1. uma hipótese do teorema

  2. uma hipótese RAA (demonstração por absurdo)

  3. um axioma do sistema

  4. um teorema demonstrado anteriormente

  5. uma definição, por um termo definido no sistema

  6. um passo anterior da demonstração

  7. uma regra de lógica

 Podemos notar que os termos primitivos não podem ser utilizados para justificar uma demonstração, pois embora sendo aceito, não é demonstrado e é definido a partir de termos cotidianos informais.

Daremos a seguir as regras de lógica, segundo (CARRION et al, 1988, p.10), necessárias às demonstrações geométricas que serão apresentadas, quando recorremos à demonstração por absurdo:

  •  Lei da identidade: Todo objeto é idêntico a si mesmo.

  • Lei da contradição: dentre duas proposições contraditórias, isto é, uma das quais é a negação da outra, uma delas é falsa.

  • Lei do terceiro excluído: de duas proposições contraditórias, uma delas deve ser verdadeira.

 Numa demonstração por absurdo, também chamada demonstração indireta ou reductio ad absurdum (RAA), partimos pela negação da tese. Se conseguirmos encontrar alguma contradição, podemos concluir que, sendo a negação da tese falsa, sua afirmação deve ser verdadeira (pela lei da contradição e do terceiro excluído).

 

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REFERÊNCIAS

[1] Tarski. Truth and Proof, Scientific American, 1969.

[2] O Sumário é a obra deixada por Proclus, que apresenta o desenvolvimento histórico dos conhecimentos geométricos anteriores a Euclides. Acreditasse que ele tenha resumido os trabalhos de Eudemo, discípulo de Aristóteles.

[3] Traduzido por nós do original em espanhol.

[4] SZABÓ, A. The transformation of mathematics into deductive science and the beginnings of its foundation on definions na axioms. In SCRIPTA MATHAMATICA. V. XXVII . n.2, p.113-139