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RECOMENDAÇÕES






 


A Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri - CVPUC endossa plenamente as conclusões da Comissão Nacional da Verdade. E tendo em vista a sua qualidade de comissão universitária acredita que também é sua função enfatizar as recomendações que contribuam para a formação de uma cultura democrática na educação, que serão indicadas adiante.

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Recomendações da Comissão Nacional da Verdade: síntese

Em seu Relatório Final a Comissão Nacional da Verdade conclui que no período 1964-1985 o Estado ditatorial brasileiro praticou, de forma sistemática, graves violações aos Direitos Humanos. Tais violações, que foram implementadas por uma cadeia de comando que abrangia a Presidência da República, os ministérios militares até os órgãos de repressão, visavam a perseguição e eliminação de opositores políticos por meio de detenções ilegais e arbitrárias, da tortura, de desaparecimentos forçados, de execuções e, em muitos casos, da ocultação de seus cadáveres.

E tendo em vista que tais padrões de violações aos Direitos Humanos seguem ativos na atualidade, esperamos e desejamos que o Estado brasileiro finalmente assuma políticas institucionais que promovam a superação desse legado antidemocrático e violento mediante a implementação, no país, de políticas de Justiça de Transição e de Direito à Verdade e à Memória.

No Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade as Recomendações são as que seguem.

A) Medidas institucionais


[1] Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de Direitos Humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985).
[2] Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais.
[3] Proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais de regresso contra agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de direitos humanos.
[4] Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964.
[5] Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos Direitos Humanos.
[6] Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos Direitos Humanos.
[7] Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de Direitos Humanos.
[8] Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos.
[9] Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura.
[10] Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis.
[11] Fortalecimento das Defensorias Públicas.
[12] Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso.
[13] Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados.
[14] Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais.
[15] Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de Direitos Humanos.
[16] Promoção dos valores democráticos e dos Direitos Humanos na educação.
[17] Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos Direitos Humanos.

B) Reformas constitucionais e legais


[18] Revogação da Lei de Segurança Nacional.
[19] Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado.
[20] Desmilitarização das polícias militares estaduais.
[21] Extinção da Justiça Militar estadual.
[22] Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal.
[23] Supressão, na legislação, de referências discriminatórias das homossexualidades.
[24] Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão.
[25] Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal.


C) Medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV


[26] Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV.
[27] Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos.
[28] Preservação da memória das graves violações de Direitos Humanos.
[29] Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar.



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Recomendações da Comissão da Verdade da PUC-SP

Na qualidade de comissão universitária, a Comissão da Verdade da PUC-SP teve como objetivo registrar as maneiras como a ditadura estendeu suas políticas autoritárias, persecutórias e obscurantistas à universidade brasileira e à PUC-SP em particular, no período 1964 – 1988, pois estas também se tornaram alvos da ação da repressão.

Ao longo deste período, por meio de expurgos de reitores, docentes, estudantes; implantação das chamadas Assessorias de Segurança Interna – ASI; controle e censura da publicação de livros, entre outros atos autoritários, a ditadura levou a cabo uma vasta operação “de limpeza ideológica” na maioria das universidades públicas do país. Além das citadas perseguições, cassações e prisões de professores e estudantes, que então se tornaram alvos destacados das forças de repressão, o regime promoveu a invasão e ocupação de campi universitários em vários Estados do país, o monitoramento cotidiano da vida universitária, a proibição de reuniões de associações vinculadas ao ensino e pesquisa e a perseguição e fechamento de inúmeras entidades científicas, do movimento estudantil e de associações de várias áreas da intelectualidade brasileira.

Nesta época, a PUC-SP, amparada que esteve pela Cúria de São Paulo, diferentemente de outras Universidades do país, não sofreu as quase irreversíveis perseguições institucionais e desmonte de seus projetos educacionais. Mas, também não passou ilesa, é certo; sofreu vários atos de violência perpetrados pelo regime de exceção. Contudo, soube resistir e ficou historicamente marcada como espaço de resistência, de denúncia dos atos de perseguição e violência da ditadura, e de apoio e proteção aos atingidos por estes atos do regime militar. Sua comunidade mostrou que a conivência ou a indiferença não são as únicas alternativas, e que é sempre possível resistir às situações de exceção.

Passados mais de 50 anos do golpe, a universidade brasileira tem se empenhado na sua reconstrução enquanto espaço de produção de saberes compromissados com valores democráticos, apesar de uma herança de cultura autoritária. Atualmente, vive-se um momento de crise política que coloca em questão significativas conquistas democráticas que foram alcançadas com o fim da ditadura; em vários casos esta conjuntura guarda semelhanças com aquela época de obscurantismo. No ensino e na pesquisa, por exemplo, são claros os avanços de forças conservadoras no ataque à liberdade de pensamento e expressão, como é o caso do Projeto Escola Sem Partido que, em várias de suas orientações, lembra dispositivos do famigerado Decreto-Lei no 477 que dispunha sobre infrações disciplinares praticadas por professores, alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino.Lá como aqui, em nome da defesa da família, da educação moral e religiosa e da neutralidade do pensamento, se incentiva a intolerância, a delação e se propõe a vigilância e o banimento dos diferentes. Trata-se de um projeto que retoma mecanismos que foram utilizados pela ditadura e que está tentando impor conteúdos e metodologias de ensino de acordo com a ideologia autoritária daquele período, quando estabelecia a censura a determinados autores sob pretexto de doutrinação ideológica e quando determinava a perseguição e a repressão a educadores não coniventes.

Da mesma forma, em alguns Estados do país, professores vêm sendo processados sob a alegação de crimes ideológicos; exposições de arte são censuradas sob pretextos morais; cortes de verba, justificados pela busca da redução dos gastos do governo, provocam o atraso ou a eliminação de vários programas e projetos científicos importantes para o país. Estes exemplos constituem retrocessos que impedem a construção de projetos pedagógicos que promovam a reflexão crítica e plural dos formandos e que contrariam os próprios preceitos da Lei de Diretrizes e Bases – LDB que regulamenta o sistema educacional do país.
Assim, reafirmando a sua qualidade de comissão universitária, a Comissão da Verdade da PUC-SP propõe enfatizar as recomendações que contribuam para a formação de uma cultura democrática na educação, que são as que seguem.

 

A) Promoção dos valores democráticos e de defesa dos Direitos Humanos na educação

1. Denunciar e combater a prática da intolerância, discriminação, atos de violência, persecutórios e a cultura da tortura, estimulando para tal a formação de grupos de ação, atividades pedagógicas e de núcleos de pesquisa sobre estas questões no espaço universitário.

2. Reforçar o ensino de valores democráticos para a cidadania nos currículos de licenciatura de professores.

3. Incentivar intervenções pedagógicas de seu corpo docente e discente na Universidade e na sociedade civil visando a defesa de Direitos Humanos.

4. Formar profissionais comprometidos com a defesa e o fortalecimento de uma sociedade democrática.

 

B) Ações de Promoção do Direito à Memória

1. Instituir, no espaço físico da PUC-SP, marcos territoriais de memória das ações de repressão da ditadura e das lutas de resistência.

2. Incentivar estudos, pesquisas e produção de registros sobre a história da PUC-SP e da comunidade universitária no período da ditadura.

3. Incentivar e apoiar a preservação e difusão de acervos sobre a ditadura nos centros de memória e pesquisa da PUC-SP.

4. Apoiar estudos e ações de memória e sensibilização sobre as graves violências aos Direitos Humanos ocorridas durante a ditadura.

 

C) Ações de implementação da Justiça de Transição no Brasil

1. Defender as instituições democráticas e ampliação dos espaços de autonomia, poder e participação da sociedade nas diversas instâncias governamentais.

2. Exigir que o Estado brasileiro atue no sentido de identificar e localizar os corpos ocultados e esclarecer as condições da morte dos militantes assassinados pela ditadura, entre os quais se encontram os cinco estudantes da PUC-SP: Carlos Eduardo Pires Fleury, Cilon Cunha Brum, José Wilson Lessa Sabbag, Luiz Almeida Araujo e Maria Augusta Thomaz.

3. Exigir o reconhecimento, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações aos Direitos Humanos.

4. Criar um Observatório de Direitos Humanos institucional que articule, mobilize e apoie pesquisadores individuais, grupos e núcleos de pesquisa da universidade, visando acompanhar, denunciar e intervir nos casos de violações dos Direitos Humanos no país, e em especial na cidade de São Paulo.