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MORTOS E DESAPARECIDOS

M. AUGUSTA THOMAZ





Maria Augusta Thomaz nasceu em 14 de novembro de 1947 na cidade de Leme, localizada no Estado de São Paulo. Era filha de Aniz Thomaz e Olga Michel Thomaz. Foi dada como desaparecida em 17 de maio de 1973, à época, militante do Movimento de Libertação Popular – MOLIPO.

Em depoimento prestado à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, em 12 de março de 2013, o irmão de Maria Augusta, Max A. Thomaz, descrevendo-a brevemente, afirmou que desde pequena Maria Augusta era uma menina destemida, desafiadora, mas extremamente generosa e com personalidade marcante. Faziam parte de uma família comum de classe média. Os avós maternos eram imigrantes alemães fazendeiros e os paternos, de origem libanesa, eram comerciantes. Contou ainda que desde pequena questionava aspectos políticos de seu meio e achava que precisava sair de Leme, uma pequena cidade do interior, para buscar novos horizontes.

Realizando esse desejo, mudou-se para São Paulo e, em 1968, com 19 anos, ingressou no curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto Sedes Sapientiae agregada à PUC-SP. Nesta Faculdade, logo passa a integrar o movimento estudantil, resultando na sua participação, ainda em outubro de 1968, no XXX Congresso da UNE, realizado em Ibiúna, local em que foi presa.

Ainda de acordo com o irmão, quando a família tomou conhecimento de sua prisão, juntamente com sua mãe, foi buscar Maria Augusta no presídio Tiradentes. Após a sua soltura todos retornaram para Leme.

Esclarece que esse foi um momento muito difícil para a família. Ademais, toda a cidade ficou comentando tal acontecimento. Por isso, resistiram aos pedidos insistentes de Maria Augusta para voltar a São Paulo. Contudo, continua o irmão, a família conhecia Serveró de Motta Lima que, à época, era Secretário de Segurança Pública da cidade de São Paulo, e este, aconselhando a sua volta, deixou seus pais mais confortáveis para autorizarem seu retorno a esta cidade.

Para o irmão, que é seis anos mais novo que Maria Augusta, a partir do momento em que ela retornou a São Paulo, o contato com a família se tornou cada vez mais raro, em razão, conforme explica, de seu maior envolvimento com o movimento estudantil e, posteriormente, com a resistência armada.

Ainda segundo seu irmão Max, foi em 1969 que Maria Augusta visitou pela última vez a família em Leme, pouco antes da notícia de sua participação no sequestro de um avião, relatado adiante. Lembra que, nesta visita, ela pediu fotos de todos os seus familiares. A partir de então, nunca mais tiveram contato com ela. Após este último encontro e o seu desaparecimento, a família passou por enorme sofrimento, culminando na morte da mãe de Maria Augusta, em 1971, e de sua avó em 1973. Para Max, essa situação traumática decorreu, principalmente, do fato de terem que lidar com o seu desaparecimento, mas também por terem sido rotulados de “comunistas” e “terroristas” na cidade, tendo suas relações dificultadas com a população de Leme. Em 1972 Max foi para São Paulo estudar e trabalhar, ocasião em que foi constantemente seguido, muito provavelmente por agentes da repressão, na tentativa de descobrir o paradeiro de sua irmã, com a qual nunca mais ele se encontrou.

Logo após o retorno a São Paulo, Maria Augusta passou a militar na Ação Libertadora Nacional - ALN. Era companheira de José Wilson Lessa Sabbag, que ela conhecera na ocupação da Reitoria, em 1968, quando ambos estudavam na PUC-SP. Apesar da militância, ambos não viviam na clandestinidade, trabalhavam e, tanto quanto possível, mantinham uma vida relativamente normal, inclusive visitando esporadicamente a família. Foi após o assassinato de José Wilson, em setembro de 1969, que Maria Augusta teve que passar a viver na clandestinidade em razão de uma perseguição implacável pelos órgãos repressores. Em 14 de janeiro de 1970, é expedido mandado de prisão contra ela pela 2ª Auditoria da 2ª Região Militar.

Além disso, após o sequestro do embaixador americano, Charles Burke Elbrick, foi desencadeada uma violenta repressão à guerrilha urbana, resultando inclusive na morte de Marighella e, nesse cerco, os militantes mais procurados precisaram deixar o país. Foi nestas condições que, em 4 de novembro de 1969, Maria Augusta participou, com mais oito militantes da ALN, do sequestro de um avião Boeing da Varig que fazia a rota Buenos Aires-Santiago, desviando-o para Cuba.

Igualmente, de acordo com o irmão de Maria Augusta, neste episódio, sua família, que estava há muito tempo sem notícias dela, é surpreendida por um enorme movimento de tanques, aviões e cavalaria na cidade de Leme e na vizinha cidade de Pirassununga que tem uma base aérea, com o objetivo de encontrar o paradeiro de Maria Augusta. Invadiram a casa de sua família com metralhadoras e a confundiram com sua irmã menor, pois são muito parecidas, causando grande tensão. Em seguida, levaram seus pais para a base aérea de Pirassununga para serem interrogados. Foi assim que ficaram sabendo que ela estava envolvida neste sequestro.

Em Cuba, Maria Augusta, além de passar por um treinamento de guerrilha, ajudou a constituir um novo grupo, posteriormente conhecido como MOLIPO, e foi um dos primeiros integrantes a retornar ao Brasil, no início de 1971, quando foi morar em Goiás.

Em depoimentos prestados à Comissão da Verdade da PUC-SP, em 18 de setembro de 2013, e à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, na mesma audiência citada anteriormente, Arthur Machado Scavone, que também foi membro do MOLIPO, contou fatos relativos à militância de Maria Augusta durante e após a sua volta de Cuba. Disse que, segundo ela, o treinamento de guerrilha consistiu na ida a um lugar distante a fim de aprender a sobrevivência na selva, uma vez que o objetivo da guerrilha, no Brasil, era se deslocar para o campo. Ressaltou que na época em que a ALN estava decidindo quem iria para o treinamento em Cuba, ficou estabelecido que mulheres não seriam indicadas, por serem consideradas delicadas, menstruarem etc. Maria Augusta não aceitando essa determinação foi mesmo assim e, ao final do treinamento, obteve a segunda melhor colocação de seu grupo na avaliação feita, fato que muito a orgulhava.

Ainda segundo Scavone, Maria Augusta fazia parte do grupo dos “28 de Cuba”, composto por ex-militantes da ALN, que detinham divergências políticas com esta organização; por isso, decidiram tentar construir um novo agrupamento. Assim, a construção do MOLIPO surge com o retorno, ao Brasil, deste grupo que tinha por objetivo buscar resolver o problema do isolamento da resistência armada em relação à sociedade, recuperando o vínculo com o movimento social, a fim de romper o cerco em que as organizações armadas viviam. Conta ainda que, apesar da divergência, a relação com a ALN era amistosa e que chegou, inclusive, a ajudar o MOLIPO em algumas ações armadas. E por ser integrante daquele grupo, Maria Augusta teve um papel importante em todo esse processo.

O MOLIPO tinha uma estrutura compartimentada e o período em que Scavone descreve é exatamente a época em que vários companheiros voltavam de Cuba para o Brasil. Relata que ele e mais um grupo de integrantes do MOLIPO, que já estavam instalados clandestinamente no país, constituíam a base para estabelecer contato e receber aqueles que haviam voltado de Cuba recentemente.

Citando um episódio descrito detalhadamente no Depoimento 1 - em que Maria Augusta foi baleada em uma emboscada na Rua Turiassú, mas conseguiu escapar - destaca que no período de recuperação de sua saúde ela passou a viver em seu "aparelho". Este fato lhe permitiu manter contato muito próximo e, por isso, falar sobre alguns aspectos de sua personalidade. Assim, afirma que Maria Augusta era uma mulher de muita fibra, decidida, criativa e, principalmente, humana. Ademais, era muito consciente da situação política das organizações e preocupada com a situação dos guerrilheiros na cidade e, por isso, da necessidade de levar a luta armada para o campo. Acrescenta que os militantes do MOLIPO tinham os objetivos de fazer propaganda contra o regime militar e conseguir dinheiro, material e infraestrutura para estender a guerrilha até o campo, pois estava ficando cada vez mais evidente que na cidade a resistência estava sendo dizimada.

Da compreensão dessa necessidade, de estender a guerrilha para o campo, decorreu a ida de Maria Augusta para o interior de Goiás. E foi neste Estado que ela foi assassinada, juntamente com Márcio Beck Machado, em maio de 1973, na fazenda Rio Doce, situada entre as cidades de Rio Verde e Jataí, a cerca de 240 km de Goiânia.

No livro As quatro mortes de Maria Augusta, de Renato Dias, consta que o casal chegou à região de Rio Verde/Jataí e adquiriu uma propriedade rural, pagando parte em moeda e parte com a cessão de um caminhão. Contudo, este negócio foi desfeito porque o veículo, que foi dado como parte do pagamento, estava alienado com reserva de domínio para uma financeira paulista. Com isso, o vendedor logrou anular a venda, reintegrando a posse da propriedade rural. Por essa razão, o casal foi obrigado a procurar emprego em outras propriedades agrícolas, instalando-se, em 4 de maio de 1973, na fazenda Rio Doce de Sebastião Cabral e Maria Cabral, a cerca de 40 km adiante de Rio Verde, na estrada que liga Rio Verde a Jataí.

Ainda segundo essa fonte, em 17 de maio de 1973, isso é, treze dias após a fixação do casal nessa propriedade, agentes da repressão invadiram-na, cercaram e metralharam a casa onde dormiam Maria Augusta e Márcio, sem dar-lhes voz prisão; prenderam os proprietários na sede da fazenda, interrogando-os com violência, bem como os demais trabalhadores da propriedade. Permaneceram na fazenda por cerca de dois dias na expectativa de que aparecessem pessoas procurando os dois militantes. Ao abandonarem a propriedade, advertiram seus proprietários de que lá havia “duas cobras venenosas” que eles mataram e que deveriam enterrá-las. E, por fim, em um tom ameaçador, exigiram que a polícia fosse imediatamente notificada caso alguém procurasse o casal. Conforme depoimentos colhidos pela Comissão Nacional da Verdade em Rio Verde, após a execução, quatro pessoas enterraram os corpos de Maria Augusta e Márcio esfacelados por tiros: o proprietário da fazenda, Sebastião Cabral, o caseiro Eurípedes e os colegas Wanderick Emídio da Silva e João Rosa. Alegam que foram coagidos a sepultar clandestinamente o casal em um pasto da fazenda, em local afastado da estrada.

Segundo informações do Dossiê Ditadura – mortos e desaparecidos políticos no Brasil: 1964 - 1985 e da Comissão Nacional da Verdade, em 1980, o ex-deputado estadual de Goiás, Celso da Cunha Bastos, o jornalista do Diário da Manhã Antônio Carlos Fon e o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh empreenderam esforços para a localização das sepulturas de Maria Augusta e Márcio, baseando-se em depoimentos do fazendeiro Sebastião Cabral e de seus empregados. Entretanto, Cabral, que desde a execução do casal sofreu vigilância e ameaças por parte dos órgãos de segurança, comunicou a visita da equipe às delegacias de polícia de Rio Verde e Jataí e à Secretária de Segurança Pública de Goiânia. Com isso, agentes do governo se dirigiram para lá e exigiram que o proprietário e sua esposa revelassem o local da cova clandestina e, às pressas, subtraíram as ossadas em uma “operação limpeza”. Desta forma, quando a equipe chegou ao local, soube que, dias antes, três homens haviam retirado as ossadas das covas, deixando para trás apenas pedaços de dentes, falanges e botões de roupas, a fim de evitar que essa descoberta viesse a público. Em 2017, o Ministério Público Federal lança o livro Crimes da ditadura militar no qual apresenta ação penal de ocultação dos cadáveres de Maria Augusta e de Márcio Beck, incriminando Epaminondas Pereira do Nascimento, delegado de polícia em Rio Verde – GO.

Ainda segundo aquele Dossiê, em 10 de agosto de 1980, o jornal Folha de São Paulo, no artigo intitulado DPF frustra identificação de desaparecidos, diz CBA, o Comitê Brasileiro de Anistia – CBA-SP denunciou que agentes da polícia federal teriam violado as sepulturas de Maria Augusta e Marcio para impedir a identificação de ambos e que testemunhas confirmaram a remoção dos restos mortais. O artigo ainda revelou que Márcio teve a cabeça decepada por tiros de metralhadora, fato confirmado pelas testemunhas que presenciaram a retirada dos ossos ao constatarem uma ossada sem crânio.

Em outro artigo do dia 17 de agosto de 1980, este mesmo jornal relatou o assassinato de ambos: “Neusa e Raimundo, levantem para morrer”, esse foi o grito que cortou a madrugada na fazenda Rio Doce e que soou como uma sentença definitiva de morte. Essas informações vem do relato do lavrador Eurípedes João da Silva. A Comissão Nacional da Verdade também ouviu o médico Vicente Guerra que integrou o corpo médico da polícia militar de Goiás. Ele informou que foi à fazenda Rio Doce para atestar a morte do casal cerca de seis horas depois das execuções e que havia militares à paisana, possivelmente do exército, responsáveis pelo trabalho pericial e que exigiram rapidez na elaboração do laudo. Guerra confirmou a causa mortis de Maria Augusta como decorrente de hemorragia aguda causada por lesões perfuro-contusas de arma de fogo. Relatou também que a casa de Maria Augusta e de Márcio foi cercada e que as forças de repressão utilizaram armamento pesado, incluindo um obus que destruiu uma das paredes do imóvel.

O ex-agente do DOI-CODI/SP, Marival Chaves do Canto, em entrevista à revista IstoÉ, de 24 de março de 2004, declarou que a operação de exumação e ocultação das ossadas dos dois militantes foi comandada por André Pereira Leite Filho, oficial do Exército que trabalhava no Centro de Informação do Exercito – CIE de Brasília, DF, em 1981, depois de ter atuado no DOI-CODI/SP sob o codinome de Dr. Edgard. A matéria assim descreve os fatos:

Segundo Marival, em 1980, o Doutor Edgard comandou, por exemplo, uma expedição que retirou de uma fazenda em Rio Verde, em Goiás, as ossadas de Márcio Beck Machado e Maria Augusta Thomaz, integrantes do MOLIPO, mortos em 1973, num confronto com agentes da CIE. De acordo com o fazendeiro Sebastiao Cabral, os corpos enterrados em sua propriedade foram exumados por três homens em 1980, que deixaram para trás pequenos ossos e dentes perto das covas.

No boletim informativo do Ministério do Exército, de janeiro de 1976, os nomes de Maria Augusta e Márcio foram retirados da lista de procurados por serem considerados mortos, embora suas mortes nunca tivessem sido assumidas publicamente.

Em 1992, após a abertura dos arquivos do extinto DOPS-SP, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos descobriu um documento intitulado Retorno de Exilados, de 1978, endereçado ao delegado Romeu Tuma, diretor desse órgão policial, no qual se informava a respeito das mortes de Maria Augusta e de Márcio, ocorridas em 1973. Mesmo assim, as autoridades policiais jamais assumiram as suas mortes e até hoje o corpo de Maria Augusta está desaparecido.

O Relatório do Ministério do Exercito encaminhado ao ministro da Justiça Mauricio Correa, em 1993, afirma que Márcio “teria sido morto em tiroteio juntamente com Maria Augusta Thomaz, numa fazenda em Rio Verde (GO), no dia 17/5/73.” O relatório do Ministério da Marinha, de 1993, atesta que Marcio “(...) em maio de 1973, foi morto em Goiás, em tiroteio durante ação de segurança”.

Ressalte-se que em setembro de 1972 Maria Augusta foi condenada, à revelia, a cumprir pena de 17 anos de prisão e, em outro processo de 1973, foi condenada a mais 5 anos de reclusão  e depois de 3 anos de seu assassinato, foi absolvida pelo STN por falta de provas.

Seu nome consta da lista de desaparecidos políticos do anexo I, da lei 9.140/95. Na CEMDP, seu caso foi protocolado com o número 039/96.