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MORTOS E DESAPARECIDOS

J. WILSON L. SABBAG





José Wilson Lessa Sabbag nasceu em 25 de outubro de 1943 na cidade de São Paulo – SP. Era filho de Wilson José Sabbag e de Maria Lessa Sabbag. Foi morto aos 25 anos de idade, em 3 de setembro de 1969, por órgãos de segurança do Estado brasileiro, em razão de sua militância na ALN.

Em 1961, José Wilson concluiu o colegial técnico, "Comercial Técnico de Contabilidade", na Álvares Penteado e em 1964 ingressou, em segundo lugar, na Faculdade de Direito do Vale do Paraíba, em São José dos Campos, onde permaneceu até 1966. Neste ano, com 22 anos, residindo na cidade de São Paulo, noivo e querendo se casar, solicitou transferência para a então Faculdade Paulista de Direito da PUC-SP. Em uma carta de recomendação endereçada ao diretor desta Faculdade, Paulo Bonilha, um professor da Faculdade de São José dos Campos destacava que “as viagens de ida e vinda, diariamente”, não só eram onerosas como implicavam “horas perdidas com sua duração que lhe roubam tempo de trabalho precioso”. E termina destacando que “José Wilson é um moço de excelentes predicados morais, aluno aplicado e bom filho”. E que “não desmerecerá o selecto corpo discente da Faculdade que o acolherá”. Assim, em 1966, transferiu-se para o terceiro ano do curso de Direito da PUC-SP. Em São Paulo, casou-se com Maria Tereza de Lucca Sabbag com a qual teve uma filha.

Segundo o depoimento de Carlos Lichtsztejn à Comissão da Verdade da PUC-SP, José Wilson e cerca de outros 30 estudantes, em setembro de 1968, promoveram a ocupação da Reitoria da PUC-SP com o objetivo de mobilizar o movimento estudantil desta Universidade para a discussão da necessidade de educação para todos, pública e gratuita, a fim de fazer um contraponto às diretrizes do MEC-USAID e à politica educacional da ditadura. Nesta ocasião, a PUC foi tomada por atividades culturais como a apresentação de Geraldo Vandré, de grupos de estudos sobre marxismo, debates sobre politica, entre outras atividades. Os estudantes ficaram diuturnamente mobilizados, até as refeições eram feitas na própria Universidade. Ainda segundo Carlos, foi nessa ocupação que José Wilson e Maria Augusta se conheceram.

Durante esse período de participação no movimento estudantil, à moda “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, José Wilson fez um curta no qual entrevistou estudantes da PUC e da USP, filmou vários outros depoimentos que retratam aspectos do cenário político de 1967 e 1968.

Em outubro de 1968, cursando o 5º ano de Direito, José Wilson foi para o XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, sendo preso e, à diferença da maior parte dos estudantes que foram logo soltos, permaneceu detido por cerca de dois meses. Quando libertado, não se sentiu seguro para retornar às aulas na PUC e ao emprego que detinha à época, no Banco do Estado de São Paulo - Banespa.

Entrando para a ALN, passou a integrar o “setor de massas” desta organização ou o que era chamado GTB, em referência ao GTA, este último dedicado às ações armadas a fim de angariar recursos para organização de uma infraestrutura às guerrilhas urbana e rural, aquisição de material médico, materiais para propaganda, envio de pessoas à zona rural etc. O GTB, ao contrário, dedicava-se à organização do movimento estudantil, operário e outros setores sociais, a ações de propaganda, de denúncias etc.

Tendo em vista tais objetivos que, segundo o depoimento de Gilberto Luciano Belloque à Comissão da Verdade da PUC-SP, que coordenava o GTB com José Wilson, este concebeu a ideia de ocupar os transmissores da Radio Nacional, à época, a radio mais ouvida em todo o Brasil. Assim, na manhã de 15 de agosto de 1969, a torre de transmissão da rádio foi tomada e reproduziram, por mais de 40 minutos, um manifesto escrito por Carlos Marighela “ao povo brasileiro”, no qual expunha brevemente os objetivos da ALN, tendo ao fundo o Hino da Independência do Brasil.

Antenor Meyer, também em depoimento à Comissão da Verdade da PUC-SP, e que foi preso na mesma ação em que José Wilson foi morto, descreve como isso aconteceu. Afirma que em uma panfletagem armada no Cursinho Objetivo foram expropriados, entre outros, inúmeros cheques posteriormente depositados em sua conta bancária “fria”. Segundo informações que ele obteve à época, não haveria problema em usar os fundos desta conta e assim, resolveram usa-los na compra de um gravador – para ser utilizado nas atividades da organização – na Loja Lutz Ferrando, localizada na Avenida Ipiranga. E pagaram com um cheque da tal conta “fria”. Esperaram passar alguns dias, pois, caso a repressão tivesse identificado a origem do cheque, ela poderia montar uma emboscada. E foi o que aconteceu: deixaram um policial fora da loja para ser avisado por um funcionário na hipótese de que retornassem.

Três dias depois, em 03 de setembro de 1969, Maria Augusta, Chico, José Wilson e Antenor voltaram à loja para apanhar o equipamento, sendo que Antenor ficou no carro e os outros três entraram. No interior da loja, um funcionário avisou o policial que estava do lado de fora e começou uma troca de tiros; ocasião em que foram atingidos José Wilson, baleado na artéria do braço, o funcionário da loja, que sobreviveu, e o policial que tentou prendê-lo.

Neste entrevero, Maria Augusta conseguiu fugir do local. Chico e José Wilson, este sangrando muito, entraram no carro onde estava Antenor e foram em direção da Rua Consolação. No entanto ficaram presos no trânsito e policiais, alertados pelo que ocorrera na loja, vinham apitando e avisando outros policiais a frente para impedir o avanço dos carros. Antenor, então, pede ao Chico para deixar o carro, pois se algo acontecesse seriam só dois a serem presos. Antenor e José Wilson, logo em seguida, deixam o veículo e descem, a pé, pela Rua Amaral Gurgel. No trajeto, passando em frente ao prédio onde morava Roberto Cômodo, na Rua Epitácio Pessoa, amigo de Antenor, resolvem subir em seu apartamento com a intenção de limpar o ferimento do braço de José Wilson, que sangrava muito. Contudo, o sangue derramado ao longo do caminho e, provavelmente, transeuntes que informaram onde haviam entrado, a polícia chegou e cercou o prédio onde estavam.

Continuando seu depoimento, Antenor conta que no apartamento cogitou com José Wilson a possibilidade de se entregarem à policia e ele, muito ferido, se recusou, afirmando que se fosse levado por eles seria barbaramente torturado. Assim, pedindo que Antenor tentasse fugir, porque já não tinha condições físicas para isso, trancou-se no banheiro do apartamento. Antenor, ao tentar escapar, caiu do 6º andar, sendo preso em seguida com fraturas na bacia e na perna.

A partir daqui, como Antenor já não estava presente, a versão foi dada pela polícia.

Assim, conforme a versão oficial dos órgãos repressores, com a recusa de José Wilson deixar o local onde estava, foram então chamados a tropa de choque e o Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo – DOPS/SP. Segundo eles, após arrobarem a porta do apartamento e serem atiradas bombas de gás lacrimogênio para forçar a sua saída, José Wilson teria saído atirando, travando-se um tiroteio que culminou com sua morte e a do policial João Guilherme de Brito.

Igualmente, conforme a versão da policia para Antenor quando este já se encontrava no Hospital Militar, no momento da fuga, Maria Augusta e Chico esqueceram os seus documentos de identidade no carro; fato que serviu para que os órgãos de repressão realizassem o reconhecimento de ambos. E, por consequência, a que entrassem, em seguida, para a clandestinidade devido a intensa perseguição.

Ainda conforme o relatório oficial do 11º Batalhão Policial “o caso foi entregue à OBAN, quando se evidenciou que os indiciados eram elementos suspeitos de participarem de organização terrorista”. Segundo Belisário dos Santos Junior, relator deste caso na CEMDP, há várias informações nos autos que demonstram que José Wilson estava cercado, ferido e submetido a um enorme aparato policial, envolvendo a Polícia Civil, a Força Pública, a Marinha e a Oban.

Continuando seu depoimento, Antenor observa que só viu novamente José Wilson, ainda com vida, quando foram postos em diferentes viaturas da polícia e levados ao DOPS. No trajeto, na própria viatura, Antenor começou a ser interrogado com violência. Chegando lá, percebeu que a viatura que transportava José Wilson também estava estacionada no local. No DOPS continuou o interrogatório, agora sob tortura, mesmo estando ferido. Ao ser conduzido para o Hospital soube, por um funcionário, que José Wilson havia morrido.

Entretanto, segundo informações coletadas pela Comissão Nacional da Verdade, uma análise mais detalhada evidencia várias inconsistências na versão oficial da morte de José Wilson.

Por exemplo, no boletim de ocorrência de 03/09/1969, da Força Pública do Estado de São Paulo, Superintendência de Rádio Patrulha, há fichas policiais relatando a ocorrência do cerco policial e atestando que José Wilson foi “detido” e que, posteriormente, havia morrido na Santa Casa. Além disso, o documento registra que quem o recebeu pessoalmente na ocasião foi o delegado de polícia Hélio Tavares, que trabalhou com o delegado Fleury e que ficou conhecido por ter participado de vários tiroteios com membros da guerrilha armada.

Além disso, há também uma matéria jornalística publicada no dia seguinte ao episódio, afirmando que os fugitivos acabaram “rendendo-se à ação policial” e que reproduz um comunicado assinado pelo capitão do 6° Distrito Naval, Ordival Ferreira Mendes Cardoso, afirmando que foram presos naquele dia “2 assaltantes de banco (...) até a chegada do DOPS, Força Pública e Polícia Civil”.

Belisário dos Santos Junior, citado anteriormente, também aponta outro indício de falsidade da versão oficial, que é o fato do corpo do soldado Brito ter sido submetido ao exame necroscópico ainda no dia 3 de setembro ao passo que o corpo de José Wilson foi levado para o IML apenas no dia seguinte.

Ainda conforme a Comissão Nacional da Verdade, outra evidência da falsidade da versão oficial é o desenho anexado ao laudo necroscópico de José Wilson, assinado pelos legistas Ruy Barbosa Marques e Orlando Brandão. Ao ser analisada a trajetória dos projéteis que o atingiram, percebe-se que todas as perfurações têm um mesmo sentido, de cima para baixo, exceto um disparo que entrou por seu lábio superior e teve trajetória de baixo para cima, saindo na região temporal esquerda. Segundo consta no laudo, o disparo deste projétil teria sido fundamental para a sua morte, ao causar “lesão crânio-encefálica traumática e hemorragia interna aguda”.

Para a Comissão Nacional da Verdade, tais constatações resultam em uma forte convicção de que José Wilson não morreu em decorrência do tiroteio travado no apartamento em que estava, mas sim em decorrência de execução sumária, perpetrada após a sua prisão, em 3 de setembro de 1969.

A família de José Wilson requereu os benefícios da Lei nª 9.140/95 que, como visto, reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão da participação ou acusação de participação, em atividades politicas, no período entre 2 de setembro de 1961 a 12 de agosto de 1979. Como o requerimento fora feito após o prazo legal, a solicitação teve indeferimento inicial. Contudo, em decisão de 22 de abril de 2004, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP   reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de José Wilson Lessa Sabbag.