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BOLETIM CLÍNICO - número 20- julho/2005

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


10. O Complexo de Bode Expiratório na Dinâmica Ego - Sombra

INTRODUÇÃO

Neste estudo tentarei compreender o complexo de bode expiatório na relação ego - sombra, e para ilustrar esta dinâmica será utilizado um caso clínico, cujo atendimento ocorreu no ano de 2004 na Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic".

De acordo com Perera (1991) o complexo de bode expiatório está associado ao mecanismo de negação da sombra, já que o bode expiatório recebe a projeção da sombra e se identifica com características que o outro não aceita em si mesmo, por não estar em acordo com o ego ideal.

Pretendo através desta monografia contribuir para ampliar o entendimento da dinâmica presente em pacientes identificados com a figura do bode expiatório. E como coloca Perera (1991), esta experiência é mais comum do que imaginamos. Isto porque:

"Até certo ponto, todos nós partilhamos de seus traços mais marcantes, embora estes sejam mais claramente identificáveis em determinados casos. A diferença reside no grau de identificação com o arquétipo e, portanto, no grau de enfraquecimento do ego. A estrutura do complexo permanece a mesma" (p. 14).

Cowan (1994) também comenta que todos nós somos vítimas, e sofremos por algum mal em algum momento da vida ou até mesmo na morte. Mas em alguns essa figura arquetípica pode estar sendo negada ou projetada.

No caso a ser analisado Camila apresenta um alto grau de identificação com o arquétipo da vítima. Sente como se carregasse uma parcela maior de sombra do que deveria. E realmente parece se identificar com parte da sombra familiar, assim como aparenta estar captando e atuando tudo aquilo que vai contra os valores parentais.

Sendo assim, a paciente acaba tomando muitas atitudes para afrontar os pais e foi vista por muitos como rebelde. Assim como os indivíduos identificados com o complexo de bode expiatório a paciente se enquadra no grupo que representa as minorias da sociedade, por ser mulher, homossexual, por já ter tido experiência com drogas. Entretanto, quando falo em minoria, não me refiro a um padrão quantitativo, mas a um grupo marginalizado da sociedade, àqueles que não são bem vistos pelos padrões morais que vigoram na cultura.

Esta identificação com o complexo de bode expiatório parece estar emperrando diversos aspectos de sua vida, principalmente o lado profissional e afetivo. Sensação que ela mesma descreve numa sessão como se estivesse paralisada numa determinada época de sua vida, na qual começou a se sentir vitimizada e a sofrer com a rejeição, principalmente materna.

Perera (1991) descreve bem a situação que a paciente parece estar vivendo quando comenta que muitas vezes os indivíduos identificados com o bode expiatório ficam presos aos ideais coletivos, nos sentimentos de incapacidade e de rejeição, e evitam mostrar seus potenciais para se protegerem de possíveis novos ataques. Dessa forma, a paciente parece experimentar a vivência da vítima de forma defensiva e não criativa, que poderia levar a uma elaboração e a um crescimento pessoal através da compreensão do complexo que a domina.

Camila parece buscar a satisfação pessoal através da vida alheia, e admira o luxo e a vida fácil que as outras pessoas levam, segundo a sua maneira de ver. Através de sua percepção infantil e fantasiosa acaba se comparando com os outros, e coloca seus sonhos num patamar muito alto, tornando-os difíceis de serem alcançados. Assim, fica presa na inveja, que, até então, só tem servido para fazê-la sentir-se ainda pior e sem estímulos para progredir na vida.

Acredito que será necessário, para desenvolver-se criativamente e desfrutar de um crescimento pessoal significativo, poder aceitar a figura da vítima e encontrar um sentido pessoal para essas vivências dolorosas em sua vida. Para tanto, será necessário rever as defesas que serviram até agora como proteção contra a frustração para então poder se envolver mais profundamente nas suas relações, sejam elas profissionais ou amorosas. Penso que, assim, através do enfrentamento da vitimização e de uma postura mais arrojada, poderá aproveitar mais os prazeres da vida, podendo lidar melhor com as futuras crises que naturalmente virão também.

DINAMISMO PATRIARCAL

A compreensão do dinamismo patriarcal torna-se importante neste estudo porque será neste contexto que a psicologia do bode expiatório irá aparecer. Segundo Neumann (1991), na dinâmica patriarcal há uma tendência à unilateralidade, e, portanto, existe a prevalência de um pólo sobre o outro.

Dessa forma, o homem tende a se identificar e a seguir um valor ético, uma instância moral determinada pelo ambiente, pela sociedade e pelo tempo, e por outro lado exclui as propriedades contraditórias a esse valor. O autor considera a "negação do negativo", a exclusão de tudo que venha a se opor ao ideal de perfeição, como o principal traço do que chama de velha ética. (Neumann, 1991).

O coletivo tende a diminuir as forças ativas de cada indivíduo e a produzir um modo de vida em comum. Tudo o que ameaçar o equilíbrio do coletivo será considerado um tabu e proibido o seu desenvolvimento no indivíduo. (Neumann, 1991).

O ego é o representante das "exigências do coletivo no âmbito individual e rejeita as tendências contrárias existentes" (Neumann, 1991, p. 19). A persona é parte do ego que corresponde às exigências do coletivo, é a máscara utilizada no contato interpessoal. Já a sombra é o outro lado, é composta por todas as propriedades que não estão de acordo com os valores coletivos, é a parte não conhecida e reconhecida da personalidade. (Neumann, 1991).

Ainda de acordo com o autor, é nesse contexto dualista e unilateral da velha ética que a psicologia do bode expiatório vai aparecer como uma das formas encontradas para lidar com o lado sombrio e negativo. Portanto, o bode expiatório será objeto da projeção da sombra e tem um papel fundamental para a economia psíquica, pois mantém fora a parte da personalidade estranha ao ego. Assim, com a ajuda do bode expiatório o coletivo se liberta da sombra, e conseqüentemente do sentimento de culpa que surge da sensação de não estar à altura dos valores diretivos. (Neumann, 1991).

Perera (1991) também coloca que o bode expiatório está associado ao mecanismo de negação da sombra, daquilo que não se adequa ao ego ideal. Segundo ela, o acusador projeta no outro o que não aceita em si mesmo, e, por outro lado, o bode expiatório, que recebe a projeção da sombra, se identifica com estas características.

OS RITUAIS DE BODE EXPIATÓRIO

De acordo com Perera (1991) o termo "bode expiatório" teve origem num ritual presente em diversas culturas nas quais algum objeto, que podia ser desde uma vítima humana ou até mesmo um animal, era sacrificado para os deuses. Isto, porque acreditava-se que quando o mal era magicamente transferido para um objeto material poderia então ser eliminado. Todas estas cerimônias baseavam-se na expulsão do que é percebido como um elemento estranho. Assim, a finalidade deste ato era a de diminuir a ira das divindades; purificar a comunidade, aliviando-os da culpa através do restabelecimento da relação do povo com o espírito e com a moral.

O ritual hebraico do Yom Kippur, o dia do perdão, que faz parte das festividades do Ano - Novo do povo hebreu exprime bem o sentido deste tipo de cerimônia. Nele um bode, o bode imolado, era sacrificado e oferecido a Jeová, para perdoar e purificar Israel por todos os pecados cometidos. Já o bode errante era dedicado ao deus ctônico Azazel, e carregava para o deserto os pecados e a culpa dos israelitas. (Perera, 1991).

Porém, atualmente, o ritual do bode expiatório perdeu o sentido que tinha antigamente e foi banalizado. E, assim, o termo "bode expiatório" passou a ser usado para representar as pessoas que são responsabilizadas pelo mal ou por um delito provocado. (Perera, 1991).

A identificação de um bode expiatório isenta e alivia os acusadores de qualquer responsabilidade, e gera um sentimento de inculpabilidade e de reconciliação com os padrões coletivos de comportamento. Deste modo também tem um sentido educativo, a fim de evitar futuras faltas. (Perera, 1991).

No mundo ocidental freqüentemente o papel do bode expiatório foi atribuído às minorias que carregavam consigo valores que são desqualificados pela cultura e que preferem manter na sombra. (Perera, 1991).

ESTRUTURA DO COMPLEXO DE BODE EXPIATÓRIO

Perera (1991) a partir da análise do ritual hebraico descreve a estrutura do complexo de bode expiatório. Distingue alguns aspectos que compõem esta estrutura e que podem ser vivenciados pelos indivíduos que se identificam com este complexo. São eles: azazel, o acusador; o bode imolado; o bode errante; o sacerdote; e o ego - persona.

Azazel aparece nos indivíduos identificados com o bode expiatório como um acusador, que é experimentado como uma moral elevada, um sádico superego. Este aspecto é constelado pela rejeição na família. Ao mesmo tempo a pessoa identificada com o arquétipo do bode expiatório apega-se ao acusador, e também o teme.

O bode imolado "… corresponde ao pré -ego ou ao ego -vítima, oculto e desamparado, que sofreu e se identifica com a rejeição". (Perera, 1991, p.29). Convive com o sentimento de culpa, sente-se indigno de viver, pela incapacidade de seguir os ideais coletivos. Costumam se colocar perante a vida de forma infantil, e na relação transferencial com o terapeuta pode ser despertada tanto uma raiva profunda, quando antigas feridas do ego -vítima forem tocadas, quanto um amor carente.

O bode errante simboliza os impulsos que se encontram presos no indivíduo identificado com o bode expiatório, e com os quais se sente no dever de carregá-los. E nesse sentido exprime uma força que contrapõe e protege o ego -vítima.

O sacerdote representa um modelo para o ego-persona alienado do que é coletivamente aceitável, do ideal, e do que é bom. O indivíduo identificado com o complexo de bode expiatório se relaciona com o mundo através do ego- persona. Através dele busca se adaptar ao coletivo e ser aceito a qualquer custo, sendo que para isso adota qualquer persona e tenta ocultar o material da sombra coletiva. Mas, ainda segundo a autora, ao mesmo tempo também teme ser aceito porque teria que abandonar a principal base de sua identidade.

A VÍTIMA

Farei uma análise mais detalhada do ego-vítima, por considerar esta faceta do complexo de bode expiatório um fator importante para a análise posterior do caso. Para tanto utilizarei um texto de Cowan (1994) que aborda o tema do arquétipo da vítima.

A autora inicialmente fará uma distinção entre a vítima sagrada e a secular. A vítima secular, de acordo com ela, é aquela que se vê forçada por um ato criminoso a se colocar na posição de vítima da violência. Entretanto, neste trabalho me ocuparei apenas da vítima sagrada, pois me interessa a vivência interior do arquétipo da vítima na psique humana. Cowan (1994) define a vítima sagrada como a forma como a pessoa se imagina no seu sofrimento.

O termo vítima, assim como o bode expiatório, está associado ao sacrifício dedicado a um deus ou a um propósito religioso. A vítima evoca significados contraditórios, pois ao mesmo tempo pode ser vista como amaldiçoada, por pagar pelos pecados dos outros, mas também pode ser vista como inocente, por não merecer essa sina. Também traz consigo idéias referentes ao sofrimento e à impotência, e por isso a emoção primária que costuma acompanhar a vítima é o medo.

Perera (1991) lembra que a vítima é percebida como o aspecto sacrificado do complexo, mas em contraponto também há um sentido de onipotência relacionado ao fato de ter sido a escolhida para suportar a dor.

De acordo com Cowan (1994), a vítima é acometida pela questão "Por que eu?", e logo busca um sentido para o sofrimento vivido. "O que redime o sofrimento e a angústia da vítima não é necessariamente a cessação do sofrimento, mas vivenciá-lo como algo dotado de sentido" (p.220). E muitas vezes pode não ser encontrado o motivo de tanto sofrimento, mas ainda assim poderá haver um significado para tudo isso, que é algo extremamente pessoal.

A experiência da vítima pode parecer terrível, mas uma vivência tão profunda de perda e de dor como esta é um rito de passagem fundamental para o amadurecimento. Esta experiência nos traz a dimensão do humano, do limite, a idéia de que não somos deuses. (Cowan, 1994).

E poder aceitar o sacrifício e viver na adversidade é algo muito importante para o crescimento pessoal e se esta experiência for aproveitada de forma criativa pode levar ao encontro do indivíduo com o seu Self. Entretanto, é importante relembrar que crescer não significa negar e deixar para trás a experiência de vítima, mas poder aceitá-la e cuidar dessa dor sentida. (Cowan, 1994).

Mas Perera (1991) alerta que os indivíduos identificados com o complexo de bode expiatório muitas vezes ficam presos aos ideais coletivos, aos sentimentos de incapacidade e rejeição, e, sendo assim, costumam experimentar a vivência da vítima de forma defensiva e não criativa. Fazem de tudo para evitar os ataques do acusador, se protegem não expondo seus esforços criativos e espontâneos.

Portanto, apesar da elaboração da vivência da vítima ser fundamental para o seu amadurecimento, geralmente é muito difícil sair de um círculo vicioso no qual a própria pessoa se envolve. Isto porque o indivíduo identificado com o complexo de bode expiatório está habituado a ficar no papel da vítima, de rejeitado e excluído, e teme se arriscar em novos papéis, que podem trazer à tona novos sofrimentos e agressões. Ficar na posição de vitima tem uma função defensiva na dinâmica psíquica que reedita sempre a projeção da responsabilidade no outro e mantém a culpa pelo seu sofrimento fora de si mesmo, dessa forma além do medo de arriscar outra posição, ficar no lugar da vítima evita sofrer a dor das próprias feridas e aproriar-se delas como suas.

Entretanto, compreender o sentido desta identificação com o complexo de bode expiatório é um esforço necessário e importante no caminho da individuação da vítima. Penso que essa busca de sentido deve ser despertada no período que Perera (1991) chama de exílio no deserto, que equivale no ritual hebraico com a expulsão do bode errante para o deserto. Esta seria uma tentativa de retorno e de reconciliação com o transpessoal.

"Psicologicamente, o deserto, para esses indivíduos, é análogo ao seu senso paralisante de apatia, de ausência de sentido, de abandono e pânico. Reflete a dor do seu perene não -pertencer; da sua carência de um porto seguro; de seu viver às escondidas". (Perera, 1991, p. 36).

No exílio o bode expiatório deverá entrar em contato com a própria realidade e isso inclui entrar em contato com dolorosos sentimentos de exclusão, de se sentir inaceitável e diferente. (Perera, 1991).

E como vimos, será indispensável, para o amadurecimento do indivíduo identificado com o bode expiatório, em algum momento da vida, poder reconhecer sua condição de vítima e poder cuidar de suas próprias feridas de forma criativa.

O BODE EXPIATÓRIO NA FAMÍLIA

O ambiente familiar tem importância primordial para a formação da personalidade de uma criança e para a socialização desta. Isto porque a família é para a criança um modelo de referência que futuramente influenciará os relacionamentos que naturalmente o indivíduo desenvolverá com o mundo.

Na relação com os pais a criança capta os valores que regem a vida familiar, percebe o que é aprovado ou desaprovado por eles, e dessa forma aos poucos vai podendo se adaptar e iniciar um convívio social mais amplo.

Segundo Neumann (1980) nos primeiros anos de vida a criança mantém uma relação simbiótica com a mãe, dependendo profundamente dos cuidados dela para garantir a sua sobrevivência. A criança experimentará vivências de prazer vinculadas ao alívio da tensão provocada pelas sensações de fome, dor, etc. Mas também em alguns momentos será frustrada por não poder ser atendida em todos seus desejos. A alternância da satisfação e da frustração é importante para o desenvolvimento da personalidade e da capacidade de integrar crises futuramente. Entretanto, se as vivências de desconforto forem muito intensas e prolongadas poderá se instaurar na criança uma insegurança básica e profunda.

Por ser o primeiro contato do indivíduo com o meio externo, a relação primal tem um valor fundamental para o desenvolvimento da estrutura psíquica do indivíduo. O ego para ser forte precisa ter passado por boas experiências com o materno a fim de desenvolver um sentimento de confiança básica. O sentimento de valor próprio na criança é decorrente da valorização e acolhimento fornecido pela mãe. Isto porque nesta relação inicial a criança não discrimina eu-outro e a percepção que terá sobre si mesma começa a ser desenhada pelo olhar e o desejo dos pais, muitas vezes até mesmo antes do nascimento.

É justamente pela importância destas relações com as figuras parentais que torna-se necessário que os pais estejam em contato com as próprias sombras, pois caso contrário terão dificuldade em aceitar o lado escuro da criança e lidar com a sombra dos filhos. (Sanford, 1988).

Muitas vezes as questões não resolvidas pelos pais são passadas inconscientemente para os filhos. E é neste contexto que pode se estabelecer a identificação com o material da sombra familiar, que caracteriza a vivência de adultos identificados com o complexo de bode expiatório. De acordo com Perera (1991) é comum que as crianças identificadas com o bode expiatório sejam vistas pelos pais como perigosos observadores porque captam inconscientemente o conteúdo sombrio da família.

Quando a criança sente que não consegue corresponder às expectativas dos outros pode apresentar um comportamento inaceitável e tornar-se um bode expiatório para a projeção da sombra alheia. (Zweig & Abrams, 1994).

Porém, apesar da projeção da sombra dos pais, ainda assim há um vínculo forte do bode expiatório com o perseguidor, e é justamente essa ligação que dificultará expressões de hostilidade para o pai ou a mãe que persegue, além do medo de retaliação. (Perera, 1991).

É importante que os filhos não sejam castigados pelos pais com rejeição, com a retirada do afeto e da aprovação. Isto porque, segundo Sanford (1988): "Quando isso ocorre, as crianças recebem a mensagem de que são más; além disso, elas se tornam responsáveis pelo mau-humor da mãe ou do pai, o que as leva a ter sentimentos de culpa e auto-rejeição" (p. 73).

De acordo com Perera (1991), aqueles que se identificam com o bode expiatório sentem-se portadores de comportamentos e atitudes vergonhosas que perturbam o casal parental e a sociedade como um todo. Os indivíduos identificados com o arquétipo do bode expiatório: "Sentem-se inferiores, rejeitados e culpados. Sentem-se responsáveis por algo além de sua parcela individual de sombra" (p.13).

Segundo Perera (1991) as famílias dos indivíduos identificados com o bode expiatório são bastante preocupadas com as normas coletivas, e projetam, de forma inconsciente, em algum ou em alguns membros familiares, aquilo que consideram negativo. Portanto, neste caso a família pode estar identificada com Azazel, o acusador, se pensarmos nas estruturas que formam o complexo de bode expiatório.

Geralmente possuem um forte superego, uma persona coletivizada, e uma identidade dependente da aprovação social. Portanto, na relação interpessoal, ainda que entre pessoas mais próximas, adotam papéis e tentam fazer valer suas regras também para os outros. Evitam o contato emocional direto por terem medo da exposição e operam defensivamente através de um pensamento concreto e prático. (Perera, 1991).

Os impulsos da sombra dos pais, que são negados por eles, muitas vezes irrompem no lar e são desprezados e atacados por eles. Portanto, é comum o confronto dos pais com esse material sombrio que destoa do padrão coletivo ao qual estão associados. (Perera, 1991).

O adulto identificado com o bode expiatório resulta da criança que absorveu e passou a carregar a sombra familiar. E por isso, como já foi dito anteriormente, sente-se responsável por algo maior do que sua parcela individual de sombra.

"A inabilidade do bode expiatório adulto em desenvolver uma autoconfiança própria deve-se ao fato de ter sido sobrecarregado, desde muito cedo, com aqueles elementos desvalorizados, negativos, reprimidos e dissociados pelos pais, que, em primeira instância, representam o coletivo". (Perera, 1991, p.41).

Além da autoconfiança o indivíduo identificado com o bode expiatório também herda outras características como resultado desta sobrecarga de material sombrio com o qual se identifica.

A realidade é percebida de forma distorcida, pois adquiriu da família uma consciência rígida e julgadora. Assim, o bode expiatório tem uma visão fragmentada da realidade, tende a ver tudo como bom ou mau. Possui um ideal perfeccionista que reforça a vivência do fracasso, a auto-rejeição e o isolamento, que impedem ainda mais o próprio desenvolvimento (Perera, 1991).

"A típica distorção de percepção afeta a imagem física da pessoa de diversas maneiras. Geralmente, ocorre uma idealização de alguma parte da imagem coletivamente aceitável; esta parte torna-se o objetivo e o foco da visão que a pessoa tem do próprio corpo, pois parece residir ali a sua deficiência". (Perera, 1991, p. 56).

Muitas vezes apresentam também uma rigidez corporal forte, e uma atrofia de sensações físicas em algumas regiões do corpo. Isto porque esta insegurança vem dos pais que possuem um forte tabu com o tocar e ser tocado, tanto fisicamente quanto emocionalmente. (Perera, 1991).

Ainda segundo a autora, o indivíduo identificado com o bode expiatório pode apresentar dificuldade com vinculações, e a sentir-se acolhido com segurança. Esta dificuldade de envolvimento é também uma proteção para não ser ferido novamente com o material da sombra.

"Isso significa que nenhuma experiência poderá ser vivida em profundidade e nenhum relacionamento com um Outro exterior poderá desenvolver-se, pois qualquer abertura poderá acarretar mais sofrimento". (Perera, 1991, p. 62).

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