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BOLETIM CLÍNICO - número 20- julho/2005

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


5. Captação de Bebês de Risco - Detcção Precoce de Psicopatologias Graves

INTRODUÇÃO:

CAPTAÇÃO DE BEBÊS DE RISCO: DETECÇÃO PRECOCE DE PSICOPATOLOGIAS GRAVES é uma pesquisa em Iniciação Científica que se originou no Aprimoramento Espaço-Palavra da Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic" (PUC-SP).

Esse aprimoramento atende, há quinze anos, crianças e adolescentes que apresentam organizações subjetivas peculiares como autismo e psicose na infância. Através desse trabalho observou-se que, quando não há uma intervenção profissional adequada e precoce, estas apresentam uma evolução na direção de um atraso global do desenvolvimento, devido a cronificação do funcionamento psíquico patológico.

Foi para evitar tal estado de cronificação e agravamento do quadro clínico psicopatológico, que se pensou no desenvolvimento de um trabalho de pesquisa que visasse a aplicação e avaliação de instrumentos eficientes que permitam a detecção precoce das mesmas. A partir daí, o Projeto Espaço Palavra realizou um projeto piloto em uma Instituição Hospitalar, o Hospital Sepaco, na região da Vila Mariana, cidade de São Paulo, verificando a viabilidade da pesquisa em alguns setores hospitalares, por encontrar uma proporção considerável de bebês de risco (9%).

Esta pesquisa em Iniciação Científica vinculou-se a esse projeto já iniciado para que também fosse possível ao aluno graduando inserir-se nessa prática, visto que na grade curricular não existem estágios ou aulas expositivas relacionadas a esse tipo de intervenção. Isso faz sentido uma vez que a prática em Intervenção Precoce com bebês iniciou-se há 40 anos.

Desse modo, essa pesquisa justifica-se por ser necessário o desenvolvimento de estratégias que visem a redução do número de crianças autistas e psicóticas em idades avançadas, favorecendo a redução de custos humanos e econômicos com fins terapêuticos e de estratégias de Inclusão. Para isso, é necessário que sejam identificadas em seus primeiros meses ou anos de vida, e que profissionais sejam formados para exercerem a captação dos sinais psicopatológicos.

Assim, a pesquisa em Iniciação Científica possibilita fornecer novas informações sobre qualidades interventivas do psicólogo no setting hospitalar, uma vez que as medidas preventivas são imprescindíveis no evitamento da exclusão social e de gastos futuros nos tratamentos terapêuticos financiados pelo Governo.

OBJETIVO:

Trata-se de uma pesquisa em psicanálise em extensão, que tem como objetivo a formação de pesquisadores na atuação em detecção precoce de psicopatologias graves em crianças. Para tal, serão privilegiados os seguintes critérios:
- Viabilizar que o pesquisador possa trabalhar com a captação de bebês (de 3 até 36 meses) com psicopatologias graves em uma Instituição de Saúde na cidade de São Paulo;
- Verificar a viabilidade e eficiência dos instrumentos de detecção precoce idealizados por esse trabalho;
- Desenvolver novos instrumentos clínicos para esta detecção precoce.

CASUÍSTICA E MÉTODO:

A Metodologia está baseada na realização de:
- Pesquisa Bibliográfica, com a revisão e organização da literatura em categorias, visando aprofundar os conhecimentos que garantam maior precisão neste processo de captação de bebês em risco psicopatológico;
- Pesquisa em campo incluindo o trabalho de observação de vínculos mãe-bebê, entrevistas semi dirigidas, registro e análise desse material, além da criação de técnicas de detecção precoce junto aos profissionais de saúde da Instituição. Inclui, também verificar a eficiência destes instrumentos de detecção.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Na Pesquisa Bibliográfica foi verificada uma quantidade relevante de material sobre os temas relacionados às psicopatologias, o que serviu para a elaboração das categorias de análise dos dados.
Verificamos que é importante privilegiar uma população de crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos de idade, pois, de acordo com Jerusalinsky (2004):
"Torna-se necessária uma clínica que atenda as características da primeira infância. A primeira infância caracteriza-se pelas crianças de zero a três anos de idade. Isso porque a neurologia nos indica, através da descoberta da neuroplasticidade, que o bebê não está tão constituído quando nasce. Suas experiências de vida moldam seu Sistema Nervoso Central, modificando as sinapses". Essa descoberta modifica os conceitos da ciência até então sedimentados, confirmando as afirmações da psicanálise de que há uma extrema permeabilidade na criança a inscrições significantes nessa época de vida.

Depois de quase quarenta anos de clínica com bebês, descobrem-se mais argumentos em termos orgânicos para algo que já se percebia na prática com a primeira infância. Relembrando a palestra conferida por Laznik (2003), foi o professor Lebovici quem fizera a aposta de reversibilidade do início de um quadro autístico, caso o tratamento do laço pais-bebê ocorresse antes do primeiro ano de idade. Isso significa dizer que os sintomas dessa idade apresentam mobilidade que não se encontra em outros momentos da vida. Isso possibilita a reversão de quadros patológicos através dos efeitos de um tratamento precoce. Com essa extrema permeabilidade, o bebê é mais receptivo a inscrições significantes.

Segundo Jerusalinsky (2003),
"... a psicanálise aponta que a constituição humana está atrelada à ordem da linguagem e, portanto, para que possa ocorrer sua constituição como sujeito, é preciso um Outro encarnado que sustente em relação ao bebê a temporalidade do desejo, do futuro anterior" (p.82).

É na primeira infância que deve ocorrer a construção de um eu, de um núcleo que dê consistência para um sujeito. Esse é o primeiro tempo de construção fundamental, de construção de uma imagem unificada do corpo. Esse tempo da infância está conjugado a um futuro anterior, um futuro que é antecipado pelos pais, mesmo antes da criança nascer.

Quando falamos de inscrições significantes, é necessário retornar ao que diz a teoria. Ela nos mostra que o desenvolvimento não se produz simplesmente ficando exposto a estímulos ambientais. A função materna é o primeiro objeto que se oferece a ser simbolizado e é esse mesmo agente materno que envia ao bebê marcas significantes que o inscrevem no campo da linguagem.

Jerusalinsky (2003) nos relembra Winnicot: Através da função materna, a mãe realiza a "mostração" de objetos ao bebê, quais objetos são interessantes no mundo. Os objetos de desejo dos pais são significantes e dependem do lugar simbólico, do laço que se faz com o outro. O bebê faz a significação dos objetos do mundo a partir dessa tela simbólica construída através dos pais. Além do mais, a "mãe suficientemente boa" é a mãe que exerce saber sobre o filho e não sabe tudo. É a mãe que produz um saber espontâneo, que dá a possibilidade de colocar em ato um saber inconsciente. É esse saber que possibilita a transmissão da cultura.

Trabalhar com a primeira infância facilita aos clínicos assistir aos primeiros movimentos dos pais de inscrição do filho em uma cadeia simbólica. Possibilita ao clínico assistir como determinada função está sendo posta em funcionamento por um bebê no laço parental, assistir ao modo como a criança coloca em funcionamento essa função na relação com o outro. É com essa óptica que se pode detectar problemas de função psíquica que não estão ligadas a problemas orgânicos.

Jerusalinsky (2004) afirma que, no campo da saúde estamos habituados a prevenir patologias através de um sistema de correlação causa-efeito. As vacinas evitam o efeito indesejado. Na vida psíquica não se trabalha com esse sistema. É uma correlação mais aberta, uma correlação de rede submetida ao princípio da posterioridade. É só depois que se adquire uma significação. O que determina o valor simbólico, está submetido ao a posteriori, e faz com que não se possa fazer uma prevenção absoluta. Só é possível detectar se um bebê está indo ou não bem, sem a garantia de que será um adulto sem neurose. Não existe um atestado de garantia em Saúde Mental. O que se faz é detectar cedo e não evitar. É nesse sentido que nossa intervenção é preventiva. Mais do que evitar, é detectar, em um tempo em que há ainda uma extrema mobilidade dessa estrutura.

Para o pesquisador, Jerusalinsky (2004) dá uma dica: "Que o pesquisador possa partir sem esperar nada daquele momento, ao invés de partir de critérios positivos".

Quanto aos sinais significativos que guiarão a triagem de crianças de risco, foi utilizado o referencial proposto por Marie-Christine Laznik, psicanalista francesa, membro da Associação Freudiana Internacional. Ela vem se dedicando às essas questões e participa do grupo PRÉ-AUT, como fundadora e como uma de suas articuladoras. Esse grupo, junto ao governo francês, vem reeducando os profissionais de saúde visando essa identificação. Ela também participa da organização de um serviço especializado no recebimento dos bebês e das pequenas crianças detectadas pelo serviço mais amplo de saúde.

A autora procura validar os sinais clínicos preditivos de risco autístico e que, segundo ela, são facilmente detectáveis no curso de exames pediátricos de rotina. A ausência do olhar entre o bebê e sua mãe é o primeiro sinal, sobretudo quando esta não parece se aperceber disso. Esse sinal está geralmente presente no caso de mães que apresentam a chamada "depressão branca", que supõem um quadro depressivo mascarado, não favorecedor, portanto, de detecção e conseqüentemente não favorecedor das medidas de apoio necessárias a maternagem desse bebê.

Entretanto, esse sinal, segundo a autora, só é determinante do autismo, quando encontrado junto com outro importante sinal: a ausência do terceiro tempo da circulação pulsional, segundo Freud nos apresenta . Na esfera da pulsão oral, como exemplo do palco da diversidade pulsional do ser humano, o circuito pulsional compreende três tempos:
1. O primeiro tempo é ativo, o bebê vai até o seio ou à mamadeira para tomar o leite.
2. O segundo tempo é "auto-erótico", o bebê se satisfaz ele-mesmo com seu dedo ou com uma chupeta - tempo reflexivo.
3. Com o terceiro tempo se completa a circulação pulsional. O bebê se oferece ao outro como objeto de desejo, provocando no outro a iniciativa amorosa. Ele se oferece para ser comido: pezinhos, mãozinhas e barriga como objeto oral do desejo materno. Portanto, o terceiro tempo é passivo. É fazer-se passivo em relação ao outro, logo a própria passividade é alvo de sua ação, é o encaminhamento de sua força pulsional nessa direção e para atingir esse objetivo.
De maneira menos esquemática, sabemos que a relação mãe-bebê propiciadora de organização psicótica se caracteriza de maneira diferente do que explicamos no autismo. Essa se caracteriza por uma relação onde uma mãe dificilmente vê o seu bebê como outro diferente dela, cujo desejo difere do seu. Essa é a condição necessária para a separação na díade formadora de dois diferentes "eus" - da mãe que se reorganizará e do bebê que se organizará de alguma maneira fazendo-se único. Encontramos esse processo descrito de maneira complexa por Freud em seu texto de 1914, sobre o narcisismo .
Com esses dados, foi possível a elaboração de categorias de análise sobre a qualidade psicopatológica ou não das duplas mãe-bebê. Estas são:
1. A presença do olhar entre eles: existente ou não existente.
2. A qualidade discursiva entre mãe-bebê:
a. O discurso materno que inclui o bebê enquanto interlocutor relevante, uma vez que busca em suas manifestações e sinais, dicas que apontem seus desejos e contribuições que podem ser previsíveis a surpreendentes. Deixa-se surpreender pela subjetividade emergente do bebê. Trata-se de um outro.
b. discurso materno que não inclui o bebê enquanto interlocutor relevante:
b1. discurso materno que se pretende profundamente conhecedor do mundo interno de seu bebê a ponto de dispensá-lo de participar da interlocução e que autorize a mãe a decisões autocentradas.
b2. discurso materno que não é capaz de reconhecer qualquer sinal ou evidência do mundo interno de seu bebê a ponto de dispensá-lo e desistir de interagir com o bebê.
Na Pesquisa Prática foram entrevistadas dezessete duplas, sendo sete duplas no setor de Ambulatório Pediátrico, caracterizado por duplas mãe-bebê que fazem consultas de rotina; e dez duplas no setor de Enfermaria Pediátrica, caracterizada por duplas em situação de Internação.

A. Ambulatório Pediátrico:

Das sete duplas entrevistadas, seis (1a, 2a, 3a, 5a, 6a, 7a dupla) revelam a presença de olhar e a interlocução da criança no discurso com a mãe, sendo que esta se surpreende pelas manifestações da criança. Nessas duplas, a mãe possibilita à criança desenvolver-se como um "outro".

Dessas seis duplas, uma (5a dupla) revela claramente a função paterna atuando como interdição do desejo da mãe e do bebê. Retomando o que já foi evidenciado através do levantamento bibliográfico.

"É a função paterna que vem efetuar o corte necessário e marcar a falta que determina à criança sua impossibilidade de ser objeto de desejo materno integralmente e, à mãe, sua incompletude e castração" (Teperman, 2002:106).

Tal dado evidencia, também, uma impossibilidade de formação psicótica da relação com o bebê, pois o que fracassa na psicose é a função separadora produzida pela Metáfora Paterna, ou seja, relacionada ao a posteriori da vivência completa do circuito pulsional.

Das sete duplas, apenas uma (4a dupla) revela a presença de olhar entre a dupla junto da presença de um discurso avaliado pela categoria b.1. Um discurso materno que se pretende profundamente conhecedor do mundo interno do bebê a ponto de dispensá-lo de participar da interlocução e que autorize a mãe a decisões autocentradas. Um discurso como este, de que "essa criança é a diferente" (sic. mãe), faz com que seja bastante provável que a mãe já atribua à criança grande parte das suas características subjetivas: a de apresentar manifestações diferentes das dos outros irmãos. Isso implica em uma não possibilidade da mãe deixar-se surpreender pelas manifestações espontâneas da criança, o que revela uma relação com possibilidades patológicas.

B. Enfermaria Pediátrica:

Das dez duplas entrevistadas, em apenas duas (13a e 15a dupla) foi possível analisar a presença de olhar entre elas e um discurso categorizado por uma qualidade que implica a criança como interlocutora, qualidade esta verificada como saudável.

Com esse dado, atrelado às seis duplas do Ambulatório Pediátrico, verifica-se que as mães que atribuem às produções involuntárias do bebê uma autoria, possibilitam que tornem-se sujeitos.

Essas mães convocam o bebê a um circuito de demanda e desejo do Outro, fazendo com que a pulsão deste seja enlaçada. Esse Outro encarnado é o agente materno, que supõe sujeito no bebê e que este seja capaz de uma realização. Desejando o desejo do bebê, esta mãe, através das trocas afetivas, passa a fornecer ao bebê a possibilidade de intermediar-se ativa e significativamente com o mundo.

Após o estabelecimento do circuito pulsional , o bebê passa a viver a experiência de subjetivação e a sua entrada no campo do desejo, que só é possível na presença de um desejo implicado, desejo este sustentado por um Outro encarnado, a função materna. Sendo que o desejo do Outro está implicado em uma antecipação, de ver o que não está lá, a função materna vê significações nas produções do bebê, o que o torna sujeito.

É o que se verifica presente nos discursos das mães que atribuem qualidades e características que evidenciam a subjetividade de seu bebê: "brincalhão", "obediente", "não dá trabalho", "calmo", "agitado", "sorridente", "irritado" (sic. mães). Essas atribuições abrem espaço para que o bebê ganhe uma imagem corporal imaginária formada pelo Outro. Na busca de reencontrar a confirmação dessa imagem, o bebê vira-se em direção a quem o sustenta. Essas manifestações foram vistas nas crianças que acordavam e viravam para a mãe, para o pesquisador, que brincavam, que pediam colo quando caíam nas brincadeiras.

Outro dado observado é que essas mães dialogam com os bebês com uma linguagem que lhe é própria: o motherese. De acordo com Boysson-Bardies (1999), entendemos que existe uma preferência do bebê pela voz da mãe e pela língua materna. A voz da mãe é estimuladora de atração, risos, olhar, comunicação verbal.

Na motherese, "os adultos utilizam um registro de voz mais alto que o habitual, uma gama de contornos de entonação restrita, cujas modulações de altura são muito exageradas, formas melódicas longas, doces, com glissando abruptos e excursões amplas. O efeito do ritmo prosódico das produções é ampliado pela freqüência de suas repetições. Todas essas características são perfeitamente adaptadas às capacidades perceptivas e às capacidades de atenção dos lactantes, facilitando sua percepção da palavra. Por outro lado, com freqüência as mães acompanham essas modificações vocais com expressões faciais exageradas (...) assim como com movimentos rítmicos do corpo ou ajustes de posturas (...) que focalizam a atenção do bebê, acentuam seu interesse e fazem-no preferir esta forma de comunicação" (Boysson-Bardies, 1999:21).

Foi observado que, mesmo sem saber falar, as crianças emitiam sons, que evidenciavam sua inserção no discurso que lhe era provocado pela mãe. Ao emitir tais sons, a criança voltava-se à mãe e àqueles que lhe rodeavam. Segundo Laznik (1991), esse é o estágio do espelho, o momento em que o sujeito, ainda infans - aquele que não tem fala - se reconhece na imagem que lhe é proposta, uma imagem que será a sua experiência de unidade corporal e da sua relação com os semelhantes.

Das dez duplas entrevistadas no setor da enfermaria, duas delas (16a e 17a dupla) apresentam ser difícil identificar se há a presença de olhar, ou porque a criança estava dormindo ou porque estava com o olho fechado. Por outro lado, nessas duplas é possível verificar a qualidade de um discurso que implica a criança como interlocutora, com a mãe conversando e perguntando para a criança coisas sobre elas.

Em uma das dez duplas entrevistadas (12a dupla), foi identificado o dado que indica a dificuldade em verificar tanto a presença de olhar quanto a qualidade do discurso. Julga-se necessário apresentar esse dado de dificuldade pois a mãe, em momento algum, interagiu com a criança.

Em outra dupla (10a dupla), também foi encontrada dificuldade em atribuir categorias de análise, devido ao fato de a mãe estar internada e apenas a tia acompanhar a criança recém-nascida. Vemos que essa criança recebe cuidados das enfermeiras que assumem uma função materna, só não é possível qualificar essa interação por conta da falta de dados.

"O modo em que um bebê é tomado no circuito do desejo e demanda dos pais é decisivo para sua constituição como sujeito e para seu acesso a diferentes realizações instrumentais. A presença de uma patologia pode vir a obstacularizar tal circuito, causando secundariamente danos que não estão impostos pela patologia em si, mas pela representação simbólica e pelos efeitos imaginários que ela engendra" (Jerusalinsky, 2003:219).

Essa afirmação abre espaço para que sejam verificadas características que tornam possíveis a instauração de uma qualidade patológica nas seguintes relações mãe-bebê:

Das dez duplas entrevistadas na enfermaria pediátrica, quatro delas (8a, 9a, 11a e 14a duplas) apresentam interações comprometidas.

Uma delas (8a dupla) demonstra que, apesar da presença de olhar da mãe para com a criança, e a interação afetiva da mãe enquanto a criança dorme, a implicação do bebê enquanto interlocutor não se faz presente. A mãe, por acreditar que o filho é surdo, não parece estabelecer diálogo com o bebê. Seu desespero a leva a procurar diversos especialistas, o que já implica em determinar futuras direções para a criança: a escola especial. Cabe lembrar da necessidade de intervenções cada vez mais precoces e a difusão desses instrumentos em equipes interdisciplinares. Tal necessidade é importante para evitar que pais, desesperadamente preocupados com o desenvolvimento do filho, sigam peregrinando de hospital em hospital, de especialista em especialista, para saber o que fazer com seu filho. O caso dessa mãe ilustra esse fato.

Além disso, o discurso da mãe mostra que esta não interpreta ou dá significados ao filho a partir da relação estabelecida com ele, mas que os significados dados ao filho vêm a partir de uma qualidade nosológica : "ele é surdo".

Esse dado dá indícios de que é necessária uma revisão dos critérios de análise. Observa-se a qualidade do discurso dessa mãe como um discurso que atribui significados à subjetividade do filho a partir de características provindas de sua doença. Como se trata de uma surdez, isso leva a mãe a desistir de interagir no seu discurso com o filho verbalmente.

Notou-se que essa qualidade de vinculação, atravessada de maneira significativa pelo atributo nosológico desta criança, não era devidamente contemplada pelas categorias previstas até então. Pois, nem se referia a uma não vinculação, nem a uma vinculação determinada de maneira predominante pelas fantasias maternas dispensando a criança dessa construção, nem uma vinculação construída pelos sinais dos dois elementos dessa díade. Pensou-se também que situações como esta, verificada nesta dupla, onde encontramos uma mãe significando as atitudes de seu filho baseada no diagnóstico a ele conferido, é muito freqüente e merece destaque. E este momento será aproveitado para inferir essa nova categoria:

b.3. Discurso materno que apresenta uma significação atribuída ao bebê por um diagnóstico. Não são os significados que surgem da relação, que são atribuídos ao bebê, mas, interpretações dadas ao filho a partir de uma qualidade nosológica. A mãe não o reconhece na linhagem simbólica familiar, mas sim na linhagem simbólica do quadro nosológico.

Dessa forma, pode-se categorizar o discurso dessa mãe como a categoria de análise criada: b3. O bebê surdo não pode ouvir, não se fala com ele, ele deve passar por diversos especialistas e estudar em uma escola diferencial. Suas produções espontâneas podem ser, então, negligenciadas pela mãe, que já acredita que esta criança deve ser atendida como uma criança especial. Tal concepção pode fazer com que a mãe não inclua o filho como interlocutor.

A mesma afirmação pode ser feita com as observações das duplas 11 e 14, em que os discursos das mães apresentaram características relacionadas à categoria b3: bebê prematuro e bebê com icterícia. A partir da bibliografia, pode-se inferir que, com essas atribuições, a mãe pode provocar possíveis falhas no desenvolvimento do seu laço com o filho, e esses destempos fazem obstáculos na constituição psíquica do bebê.

Com a não-instauração de um certo número de estruturas psíquicas, através de zonas que não são investidas libidinalmente e não são tomadas em um circuito pulsional que o sustente, é possível o desencadeamento de déficits e um risco psicopatológico.

Outra dupla que evidenciou risco, foi a que o menino não apresentou um olhar que interagisse com o outro a sua volta (9a dupla). Essa dupla contém outros elementos que oferecem risco. Conforme o relato da tia, essa criança não parece ter uma função materna estabelecida. Com a mãe ausente, não se sabe ao certo quem cumpre com tal função. O não olhar entre o bebê e a mãe e, nesse caso, aqueles que o rodeavam, é um sinal que detecta a possibilidade de risco psicopatológico. Dessa forma, não acontece um reconhecimento pelo Outro da imagem especular. Esse bebê acaba não se virando para o adulto que o sustenta e, assim, não chega nem a buscar uma confirmação pelo olhar. Com isto, não se constitui um sentimento de unidade, nem uma imagem corporal, e o sujeito não advém.

Isso se olharmos pela óptica psicológica. O relato da tia de que o menino tem problema na visão demonstra ser difícil afirmar que a ausência de olhar é um sinal de risco, pois pode advir de uma causa orgânica.

Porém, outro dado evidencia risco. O segundo sinal de detecção de psicopatologias é a ausência do circuito pulsional completo. O caso desse bebê parece demonstrar que algumas instaurações estruturais que fundam o funcionamento do aparelho psíquico podem estar falhas. Isso é provável porque o relato da tia, de que essa é "uma criança triste", demonstra que pode ter acontecido uma não-instauração conveniente da estrutura do pensamento inconsciente, que se revela quando essa criança não procura ativamente a ação do Outro, além da falta de resposta por parte daquele que ocupa o lugar de Outro primordial. Pode-se, com isto, entender que essa criança não chega a ser convocada a interagir com o mundo a sua volta. Esse dado contempla a categoria b.2.

Com esses dados, deve-se pontuar que os sinais detectados apenas demonstram possibilidade de risco e não a psicopatologia instaurada. O objetivo de disseminar esses instrumentos em uma equipe interdisciplinar demonstra a necessidade de tais sinais serem trabalhados com a dupla durante o tratamento. A atuação da pesquisadora revela que é necessário um planejamento maior dentro da pesquisa que vá de encontro com esse objetivo. Planejamento este a ser reformulado entre os novos pesquisadores inseridos na continuação da pesquisa em Iniciação científica. Por outro lado, é visível a receptividade da Instituição na inserção de pesquisas acadêmicas.

CONCLUSÕES:

A pesquisa em Iniciação Científica "Captação de bebês de risco - Detecção Precoce de Psicopatologias Graves" conclui que o tema da detecção precoce é bastante inovador na área acadêmica e necessita de maiores contribuições de pesquisa para que seja possível qualificar dados ainda mais significativos, tanto no levantamento bibliográfico, como na prática clínica.

Pode-se avaliar que a aluna bolsista, contando com a ajuda de outros pesquisadores, desenvolveu uma prática de intervenção que proporcionou a formação de um conhecimento através da observação e da criação de novos instrumentos de trabalho.

A pesquisa apontou que grande parte das duplas entrevistadas no setor do ambulatório pediátrico (seis duplas) apresenta um desenvolvimento de interação avaliado, através das categorias de análise e do levantamento bibliográfico, como fora de risco, cuja caracterização é de presença de olhar entre mãe e bebê e um discurso que faz da criança um interlocutor relevante. Esse dado tem como variável significativa o fato de essas duplas estarem fazendo consulta de rotina dentro dos procedimentos clínicos habituais.

Por outro lado, os dados levantados no setor de enfermaria pediátrica demonstram que grande parte das duplas (quatro duplas) apresenta uma interação mais comprometida, em alguns casos com a não existência de olhar entre a dupla, ou com a presença de um discurso que não implica o bebê como um interlocutor relevante. O discurso dessas mães demonstra que o fator nosológico pode ser determinante na significação das características subjetivas do bebê, além de implicar no cuidado que a mãe dirige ao filho.

Esse dado levanta mais uma variável relevante no seu entendimento. Pode-se hipotetizar que o fator internação, tanto dos bebês como das mães, implique na interação da dupla, ocasionando maiores probabilidades de surgimento de fatores de risco psicopatológico. Ou a hipótese de que o próprio comprometimento no laço mãe-bebê gera uma internação na busca da superação da patologia.

Assim, das dezessete duplas entrevistadas, 1) oito duplas apresentam uma interação classificada pelas categorias que indicam um desenvolvimento saudável; 2) cinco duplas apresentam fatores de risco psicopatológico, que são categorizados pela: presença de um discurso que não implica o bebê como um interlocutor relevante, autorizando a mãe a decisões autocentradas ou até a desistência de interação com o bebê; também porque o discurso da mãe não interpreta as manifestações da criança a partir da relação, sendo interpretadas através de uma categoria nosológica; e a não existência da presença de olhar na interação da criança com o adulto que o cerca; 3) quatro duplas apresentam dados de dificuldade de observação da interação, ou porque a criança dormia enquanto a mãe era entrevistada, ou porque não se observou a mãe interagindo com o bebê.

As técnicas e instrumentos utilizados na pesquisa foram avaliados pela aluna bolsista como de grande utilidade na discriminação das duplas mãe-bebê e demonstraram ser viáveis na sua propagação. Observou-se a necessidade de um tempo de maior contato com algumas duplas para que os dados a serem obtidos fossem observados. A criação de mais uma categoria de análise é tida como a criação de um novo instrumento, realizado pela aluna, o que indica que a pesquisa mostra-se aberta à reformulação de seus conteúdos e propostas.

A aluna bolsista observa que a propagação das técnicas e instrumentos em uma equipe interdisciplinar necessita de uma intervenção específica e propõe que esse objetivo seja reformulado através de novas propostas.

Considerando as afirmações:

~"... que este fim de século deveria ter como eixo, no plano da prevenção dos problemas psíquicos, o trabalho sobre a 1a infância, associando, de maneira mais estreita, nossas competências recíprocas de pediatras e psicanalistas" (Laznik,1997:140).

"No Brasil, as iniciativas isoladas têm começado a produzir os seus frutos com a formação de grupos dedicados a aprimorar a qualidade de vida e de atendimento do autista e de sua família, tendo-se conseguido sensibilizar os órgãos públicos para a necessidade de uma atenção a esta Criança Especial" (Rosenberg,1991:7).

Pode-se afirmar que a pesquisa em Iniciação Científica contempla grandemente a essas expectativas. Não só contempla como contribui na divulgação dessa técnica interventiva e na sua elaboração. Iniciativas como essas devem ser reforçadas e valorizadas pelas Instituições Acadêmicas e Municipais de pesquisa e saúde.

Além da realização de uma pesquisa de campo em um setting diferente do habitual, a pesquisa mostra-se inovadora em sua proposta e em sua temática, pois possibilitou a reflexão por parte da pesquisadora sobre a prática e ética profissionais e sobre as questões que necessitam ser reformuladas tanto na academia quanto nos paradigmas convencionalmente estabelecidos.

Uma pesquisa como essa abre possibilidades de novas e criativas intervenções, de criação de categorias mais elaboradas, de análises ainda mais significativas, o que é um indício de que essa prática conta com novas propostas e formulações, difundindo ainda mais sua necessidade e atuação.

Trabalhos assim, deixam o aluno mais estimulado e consciente de que seu trabalho é significativo à Universidade, pois contribuiu para a produção do conhecimento e com dados que, ainda que pequenos, ilustram a importância da pesquisa como veículo de propagação dos saberes inacabados.

Essa pesquisa atinge, então, seus objetivos e contribui com dados qualitativamente significativos para a disseminação dessa prática inovadora através da pesquisa em campo em psicanálise.

Espera-se que essa pesquisa tenha a função do trabalho do psicanalista na clínica com os bebês. Uma função de informar sobre a intervenção precoce, de instrumentalizar a Universidade com novas perspectivas de ação e, mais do que tudo, servir como agente assistente das produções dos sujeitos da pesquisa, promovendo a psicanálise do saber que produziram, intervindo na articulação com os conhecimentos já adquiridos pelos estudiosos, estimulando aqueles que cuidam do Conselho de Pesquisa, e que exercem a função de Outro Primordial aos alunos recém-nascidos das grades curriculares de graduação, a experiência de receber mais significantes sobre a falta que se instala no saber acadêmico, com um discurso que inclui o novo saber que se produziu aqui.

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