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BOLETIM CLÍNICO - número 18 - setembro/2004

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos



12. Transtorno do Pânico - Um Atendimento Psicoterápico

Identificação e caracterização do cliente

Nome: Claudia
Idade: 23 anos.
Sexo: feminino.
Estado civil: solteira.
Grau de instrução: atualmente cursa o 3º ano da faculdade na área de Direito.
Atividade profissional: estagiária.
Aspectos físicos: moça branca, magra, com mais ou menos 1,70 de altura, cabelo longo, de cor castanho escuro.
Constituição familiar: composta por pai, mãe e irmã.

Contrato feito

O combinado com a paciente foi um atendimento semanal tendo a sessão uma duração de cinqüenta minutos, na Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic" da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, com um pagamento de R$ 50,00 mensais. C. sempre pagou essa quantia no dia combinado. Durante o ano de 2003 tivemos 30 sessões e C. compareceu a 90 % delas.

Queixa Inicial

C. procurou a clínica, por indicação de seu psiquiatra, com os seguintes sintomas: taquicardia, sudorese (mãos e pés frios), tremores, sensação de incontinência urinária e fecal, ansiedade, fobia, medo de morrer e interrupção das atividades fora de casa (ex: cursinho).

A primeira crise surgiu aos 18 anos de idade quando fazia cursinho; neste caso os sintomas presentes foram sensação de incontinência fecal e fobia. As outras sensações foram atribuídas às crises que com o tempo se tornaram freqüentes.

Considerando a classificação da Clínica de Psicologia da PUC-SP, quanto a queixa inicial, esses sintomas se enquadram dentro de Transtornos Afetivos. C. já havia sido diagnosticada por seu psiquiatra particular com Transtorno do Pânico, sendo medicada primeiramente com Anafranil e posteriormente com Efexor; somente em casos de agravamento das crises C. era medicada com Rivotril. Segundo a paciente a medicação fez com que as crises diminuíssem, mas quando chegou à triagem relatou que tomava Rivotril todos os dias, pois sentia medo de ter novas crises. Conta que não gosta de consumir muitos remédios e considera mais saudável fumar maconha, o que o faz algumas vezes.

Importante ressaltar que, quando C. tinha 5 anos de idade seu pai sofreu um assalto e foi baleado e logo após o ocorrido, o mesmo, apresentou Transtorno do Pânico.

Síntese do Histórico da Cliente

A cliente vive com os pais e a irmã mais nova; considera sua família como "perfeitinha, por não ter alcoólatras ou perdas na família" (sic C.). Apesar disso, acredita que na sua infância faltou limite por parte dos pais em relação a ela.

C. relata que sempre foi muito próxima da mãe, acolhedora, mas depois do assalto sofrido pelo pai, se sentiu perdida e com muito medo de ser abandonada (ex: na escola), quando a mãe precisou dar atenção ao pai.

No início da terapia, C. trouxe problemas de relacionamento com a mãe, que cobrava da filha por não ficar com a família e não fazer atividades da casa, como lavar louça ou pagar contas e muitas vezes não emprestava o carro para que ela pudesse sair com amigos. A Cliente acredita que a mãe age assim por sentir sua falta e ter ciúmes das suas amizades e relações afetivas. Ambas trabalham o dia inteiro, mas C. estuda a noite e quando pode, gosta de sair para se divertir um pouco.

Há dois anos seu pai foi trabalhar no Rio de Janeiro, voltando só nos finais de semana para casa, o que fez com que a relação entre pai e filha ficasse um pouco distante, mas segundo C. nem sempre foi assim. Diz que tinha uma boa relação com ele, que esteve presente nos momentos em que ela precisou, e ele "era o único pai que buscava nas festas de madrugada" (sic C.). Em meados de julho de 2003, seu pai foi transferido para São Paulo e C. estava feliz por ele estar mais perto, apesar dele continuar reservado e quieto.

Cumplicidade, é assim que C. classificou sua relação com a irmã, mas já no início da terapia conta que brigam com freqüência, às vezes de tapas.

C. muitas vezes desempenha um papel, em casa, de confidente da mãe, do pai e de conselheira da irmã, sempre ouvindo reclamações de todos, mas percebe que ninguém faz nada para mudar o que está ruim.

No início do atendimento C. que estagiava num escritório de advocacia há 1 ano, decidiu parar para poder se dedicar mais à faculdade, essa decisão foi muito difícil, pois ela achava, que não conseguir unir trabalho e estudos, era falta de responsabilidade e se outras pessoas conseguiam, ela tinha que conseguir. Nesse tempo que ficou desempregada fazia uns bicos. Pode se dizer que a cliente sempre foi muito crítica e perfeccionista. Agora em fevereiro de 2004, ela conseguiu um novo estágio e sente que está preparada para trabalhar e estudar.

Ela tem muitos amigos, gosta de ir a bares e boates, não bebe e não fuma, mas gosta eventualmente de fumar maconha, para relaxar. Adora fazer ginástica, principalmente, porque acredita que liberar energia ajuda no tratamento do pânico.

Uma característica forte em C. é gostar de animais, em especial cachorro, e quando pode, trabalha como voluntária em feira de animais carentes. Na metade do ano passado seu cachorrinho morreu, o que levou à adoção de uma cadelinha, mas como o animal fazia muita bagunça e ela o deu para uma amiga.

No aspecto afetivo sexual pode se dizer que a cliente teve alguns relacionamentos importantes na sua vida. Quando C. fazia cursinho, começou a namorar um rapaz que a ajudou muito nesta época em que se iniciaram as crises de pânico. Segundo relata, o namorado gostava muito dela e fazia de tudo para agradá-la, mas isso não era recíproco. Depois desse, teve outros relacionamentos não muito sérios e quando entrou na faculdade conheceu Guilherme, com quem namorou durante 2 anos. C. relata que a relação terminou, apesar de ainda se gostarem, por causa das brigas, ciúmes e da rotina estabelecida no relacionamento, e acredita que para ficarem juntos seria necessário que os dois amadurecessem. Durante o ano passado C. e Guilherme voltaram a se relacionar algumas vezes, sempre na tentativa de conseguir uma união estável.

Síntese do Processo Psicoterapêutico

O tipo de trabalho realizado com a cliente foi psicoterapia verbal, trabalho corporal com relaxamento, exercícios de respiração, consciência corporal, análise de desenhos e sonhos e exercícios de imaginação semi-dirigida.

Pretende-se através do trabalho corporal que os conteúdos pessoais do paciente surjam, assim o terapeuta pode auxiliar no processo de elaboração, ampliando consecutivamente a consciência do cliente.

Cabe explicar também que imaginação semi-dirigida é uma técnica usada na Psicossíntese, "pode ser entendida como a criação consciente e intencional de impressões mentais tendo em vista o auto-conhecimento, a busca do equilíbrio e a transformação individual" (Fanning, 1993, pg. 15). No exercício o tema é proposto pelo terapeuta e o cliente é quem cria o desenrolar da vivência.

Neste caso o tema proposto foi o Jardim Interno 1 (Boccalandro, 2001), aqui o terapeuta pede ao cliente, que já deve estar relaxado, que com o uso de sua imaginação, entre no seu coração, onde vai encontrar um jardim, o jardim do seu interior. Primeiramente, o cliente deve buscar conhecer o lugar, somente entrando em contato, sem modificar o que encontrou. Passado um tempo é preciso orientar a volta do relaxamento. É importante ressaltar que depois de terminado o exercício, a terapeuta junto a cliente utiliza as percepções descobertas, como material de trabalho no processo terapêutico. Este exercício tem também o objetivo de verificar como o paciente, lida com o seu espaço interno. Numa sessão seguinte é aplicado o exercício de Jardim Interno 2(Boccalandro, 2002) onde é proposta a modificação do jardim, de forma a ele se tornar um local agradável para ela.

Relato de uma Sessão

C., chega na sessão contando que está em semana de provas e apresentações de trabalhos na faculdade, mesmo dizendo estar cansada, diz que está muito feliz por conseguir se expressar de forma objetiva, com clareza e calma, na apresentação em sala de aula. Ressalta que recebeu elogios de pessoas que considera que têm noção de oratória. A terapeuta pode observar que ela está mais segura de si mesma, pois tinha medo de falar em público e ser criticada. Foi ainda trabalhado com ela os pontos positivos e negativos de receber uma crítica.

A cliente continua a sessão relatando aspectos familiares, onde sua mãe ao conversar com ela critica o marido, na maioria das vezes. C. pensa que a mãe deveria reclamar direto com o pai, acha que não adianta as pessoas só falarem, mas também deveriam agir. Segundo conta, quem acaba tomando atitudes na casa dela é ela mesma, como mostra a estória que relatou, como exemplo. A mãe, Dona Maria, estava estremecida com Sr. Sergio, o pai, e disse a ele que precisavam conversar, mas a conversa foi adiada por alguns dias, sempre com a desculpa de que não tinha tempo. Um dia C. estava em casa e seu pai lhe telefonou, perguntando o que estava acontecendo, o que a sua mãe gostaria de falar com ele, e não suportando mais aquela situação a filha lhe adiantou o assunto. As reclamações eram que todos em casa estavam cansados porque ele era muito pacífico, sempre fazendo de tudo no trabalho até o que não era da sua função. Que ele não exigia o pagamento das horas extras ou benefícios e a família ainda protestava por ele nunca participar das atividades familiares, como conversas ou discussões.

Outro fato que leva C. a tomar atitudes é a agressividade verbal da irmã; sugere à mãe o que deve ser feito em relação a esta situação, e fica muito brava, pois a mãe não toma nenhuma atitude. C. diz que é muita responsabilidade ter que cuidar de tudo e às vezes se sente cansada. Pode-se observar que muitas vezes a cliente toma a responsabilidade para si mesma, e neste caso acaba ficando diluída nas relações, tomando para si o papel de mãe e de mulher da casa. Foi apontada para ela a questão das trocas de papeis, e esta refletiu sobre a questão. Ocupar somente o papel de filha, positivamente, gerou alguma ansiedade em C. e juntas terapeuta e cliente pensaram em algumas possibilidades.

No final desta sessão foi proposto um exercício de imaginação semi-dirigida, o Jardim Interno 1. C. contou que foi difícil de imaginar o coração e quando imaginou não tinha nada dentro dele, depois conseguiu visualizar um portão baixinho. Abriu o portão, entrando em um jardim muito florido, com muitas borboletas. Penetrando pela mata encontrou sua mãe cuidando das flores, em seguida viu seu pai lendo um livro debaixo de uma árvore. Fez aqui um comentário, de que pensa que imaginou isso porque é assim que gostaria que eles estivessem em paz. Mais adiante viu seus amigos em um ambiente gostoso e tranqüilo; também encontrou um lago muito grande, parecido com um que visitou na infância.

Observando um pouco o relato de C., a terapeuta percebe que ela deu muita importância às borboletas que tanto adora, pensando na representação de liberdade que esses animais trazem, pode-se levantar aqui a hipótese de que neste lugar interno ela pode ser livre para "voar".

Nota-se que o jardim interior de C. está cheio de gente, que ocupa espaços que são dela, como no caso de sua mãe que cuida das suas flores, ou mesmo seu pai lendo o seu livro em baixo da árvore. Esse espaço interno que é dela, que deveria estar sendo cuidado e usufruído por ela, está sendo delegado aos pais e amigos. Foram necessárias outras sessões para que C. pudesse ir conseguindo criar um espaço interno só seu. Aos poucos foi mostrando externamente, que ela era uma pessoa diferenciada do seu entorno familiar e social.

A cliente relatou que desejava ter imaginado tudo perfeito, mas não conseguiu, pois a visão estava um pouco embaçada e focada em pequenos espaços do jardim, só conseguindo ver cenas e ela achava que o jardim era maior do que se podia ver. Aqui foi assinalado para a cliente que esta imagem é a que ela pôde ver nesse momento, mas que aos poucos ela poderá ir ampliando seu campo de visão. Que sua ansiedade frente ao exercício era reflexo de sua ansiedade habitual, e quando esse espaço fosse se tornando mais conhecido e acolhedor ela iria se sentindo mais a vontade para vislumbrar e pesquisar mais profundamente o seu inconsciente.

C. questionou neste exercício sua concentração, pois no início da proposta teve dificuldade de entrar em contato com sua respiração e depois com as imagens.

Evolução do Caso

De modo geral pode-se dizer que C. teve um desenvolvimento positivo durante o ano de 2003. Mais especificamente a paciente pareceu entrar em contato com conteúdos importantes, como a sua relação com familiares e consigo mesma e sua infância. Ao longo da terapia foi possível perceber que C. mostra-se mais disponível para falar e refletir os assuntos trabalhados em terapia, conseguindo assim elaborá-los.

É importante ressaltar que as crises de pânico diminuíram durante o processo terapêutico, o que fez com que C. parasse de tomar o Rivotril. A cliente, por sugestão da terapeuta, começou a observar o que sentia e o que pensava, antes das crises. Isto fez com que ela descobrisse os sentimentos e pensamentos que precisavam ser trabalhados, como raiva, frustração, medos reais e imaginários. Os sintomas ainda surgem de vez em quando, aparentemente em momentos de tensão. Para aliviar esses momentos a cliente aprendeu que, por exemplo, se está numa sala de aula fechada, e se sentir mal pode sair, não tendo que ficar presa à aquela situação de mal estar. Este é um recurso muito utilizado por ela: perceber que as situações podem ter saídas.

Em relação a sua família C. está conseguindo se aproximar mais do pai, como filha. Com a mãe ainda tem suas discussões, que no momento estão mais espaçadas; já com a irmã a relação esta cada vez mais complicada, pois continuam brigando muito e se batendo. Apesar disso C., faz um balanço e acha que o ambiente familiar está melhor, a energia segundo ela, mudou.

C. contou que no seu estágio novo, o trabalho e ambiente são mais gostosos e leves. Não se sente pressionada para trabalhar, acorda com vontade de produzir. Apesar dela coloca essas qualidades no ambiente de trabalho, não demora a entender que ela também está diferente.

Ela ainda relatou algumas das mudanças que percebeu, como por exemplo, na relação com o namorado com o qual ela agora fala dos sentimentos, o que não conseguia fazer anteriormente. Antes queria tudo certinho, agora está conseguindo não ser tão perfeccionista e rígida. Podemos pensar que C. está conseguindo levar a vida um pouco mais livre e leve como a das borboletas do seu jardim interno.

Encaminhamento

A paciente aceitou continuar no seu processo terapêutico, com a mesma psicóloga em clínica particular, durante o ano de 2004.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOCCALANDRO, M. P. R. (2001). O Jardim interno. In: Boletim Clínico - Clínica Psicologia Ana Maria Poppovic da Puc-SP. Vol XI, novembro, pp.60-70.

BOCCALANDRO, M. P. R. (2002). Sob o Domínio de Pã(nico): Um estudo do Transtorno do Pânico através da Psicossíntese, tese de doutorado em Psicologia Clínica, PUC-SP.

FANNING, P. (1993). Visualizar para mudar. Editora Siciliano, São Paulo, S.P.