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BOLETIM CLÍNICO - número 18 - setembro/2004

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos



4. Contribuições da Psicopedogia à Construção do Professor

O modo como o sujeito aprende e ensina (quer seja uma pessoa, grupo ou organização social) é expressão do seu estilo particular e inalienável de se relacionar com o conhecimento, ou seja, é expressão de sua "modalidade de aprendizagem". A fim de melhor compreender essa afirmação, é preciso explicitar o significado de alguns conceitos básicos da Psicopedagogia, tal como a entendemos: ensinante/aprendente, sujeito autor, saber e, finalmente, o conceito mesmo de modalidade de aprendizagem.

Em primeiro lugar, um alerta: aprendente/ensinante não são sinônimos de aluno/professor, não dizem respeito a papéis sociais eventualmente assumidos por algumas pessoas ou a eventuais tarefas de ensinar ou aprender realizadas por qualquer ser humano. Na Psicopedagogia, o conceito aprendente/ensinante diz respeito a posicionamentos subjetivos/objetivos singulares, frente ao conhecimento, atuantes, simultaneamente, em todos os vínculos e em cada integrante dos vínculos: quer seja aluno-professor, pai-filho, esposo-esposa e outros, ultrapassando, portanto, o âmbito escolar (FERNÁNDEZ, 2001). Mas é preciso ter em mente que esses termos, na linguagem cotidiana, podem se referir à função/tarefa de ensinar e/ou de aprender. Em vista disto, empregaremos os termos "ensinante" e "aprendente" (entre aspas), quando nos referirmos às acepções de senso comum desses termos, e empregaremos os termos sujeito ensinante ou sujeito aprendente, quando estivermos nos referindo ao significado psicopedagógico dos mesmos.

Segundo Alicia Fernández (2001), para que ocorra a aprendizagem, é preciso que quem aprende possa conectar-se mais com seu sujeito ensinante do que com seu sujeito aprendente, e quem ensina possa conectar-se mais com seu sujeito aprendente do que com seu sujeito ensinante. Isto é, é preciso permitir que o aluno, o filho, o pai, enfim, aquele que está aprendendo, possa mostrar o que já sabe : a idéia, ou as opiniões, ou as hipóteses que tem a respeito do que lhe é ensinado. Por outro lado, aquele que está ensinando precisa poder reconhecer que o outro, ao mostrar-lhe o que sabe (o aluno, o filho, o pai...), o ensina. Ensina ao "ensinante" (função) o que ele, "aprendente" (aluno, filho, pai...) conhece sobre o assunto, o caminho que o levou a tais opiniões, a tais hipóteses, mostrando o pensamento que pensou. E se, a partir daí, o "ensinante" regular sua ação, estarão ambos aprendendo e ensinando. Será a partir da interpretação dos "ensinantes" sobre as ações dos "aprendentes", que estes (alunos, filhos...) poderão ir-se constituindo como sujeitos autores (ver adiante). Essa construção do sujeito autor, entretanto, não começa só a partir da idade escolar, mas desde o início da vida do bebê.

"Desde o início de sua existência, o bebê já está constituindo o sujeito aprendente sempre em relação com a modalidade de ensino e de aprendizagem de seus pais" (FERNÁNDEZ, 2001: 56).

Esta autora elucida o acima exposto referindo-se à ação da mãe diante do choro do bebê. A interpretação do choro do bebê e a ação resultante desta interpretação se dará a partir do sujeito ensinante e aprendente da mãe. Ao decidir o que fazer e como fazer estão imbricados os posicionamentos subjetivos desta mãe que poderá aprender ou não, ensinar ou não, com a situação vivenciada. O que temos é que, ao eleger e decidir sua ação sobre o choro do bebê, a mãe poderá fazê-lo de forma definitiva, inconteste, qualquer que seja a resposta do bebê, ou fazê-lo de forma que haja um espaço entre a certeza e a dúvida, de modo que, uma vez interpretando a reação do bebê, possa rever sua ação, ou seja, possa se conectar com seu sujeito aprendente, tentando outra intervenção. Desta forma estarão mãe e bebê aprendendo.

Diz-nos Alicia:

"O sujeito aprendente situa-se nos diversos "entre", mas, por sua vez, os constrói como lugares de produção e lugares transicionais.
Entre a responsabilidade que o conhecer exige e a energia desejante que surge do desconhecer insistente.
Entre a certeza e a dúvida.
Entre o brincar e o trabalhar.
Entre o sujeito desejante e o cognoscente.
Entre ser sujeito do desejo do outro e ser autor de sua própria história.
Entre a alegria e a tristeza.
Entre os limites e a transgressão."

A autora acrescenta que "O 'entre' que se constrói entre o sujeito aprendente do aprendente e o sujeito ensinante do ensinante é um espaço de produção de diferenças" (FERNÁNDEZ, 2001: p 56).

Ao se referir ao espaço de produção de diferenças, entendemos que Fernández marca a existência de modos diferentes de interpretar e de sentir o que aí se passa. Isto é, ao abrir espaço para avaliar se sua ação correspondeu ou não à necessidade do bebê, e responder novamente a sua necessidade, uma vez não satisfeita, a mãe estará demonstrando a existência de uma diferença entre o que o bebê comunicou e o que ela entendeu, dando assim uma mensagem de que o que ela pensou não é o pensado por ele e então merece outra resposta, marcando, portanto, a existência da autoria de pensamento de cada um. Assim sendo, o que temos é o espaço de produção de diferenças entre o sujeito aprendente do aprendente e o sujeito ensinante do ensinante.

O sujeito aprendente e o sujeito ensinante coexistem simultaneamente em cada um de nós e para que ocorra o ensino e a aprendizagem é preciso que os sujeitos (tanto aquele que está ensinando como aquele que está aprendendo) conectem-se com ambos posicionamentos subjetivos.

Ao aprender, o aluno, o filho, enfim, o sujeito, precisa conectar-se com o que já sabe a respeito do que lhe está sendo ensinado pois, remetendo-se a si mesmo, poderá reconhecer seu saber (isto é, modo pessoal de significar o conhecimento; neste sentido, estamos nos referindo ao saber como um espaço "entre", de origem pré-consciente, constituído de acordo com a experiência) e mostrá-lo a quem o ensina. Assim, o "ensinante" poderá também apelar simultaneamente para seus sujeitos ensinante e aprendente e conectar-se a partir de seu sujeito aprendente (é preciso que quem esteja ensinando, esteja aberto para conhecer e reconhecer o outro em seu saber) com o sujeito que está aprendendo (reconhecendo-o como sujeito ensinante, pois ele mostra ao outro o que sabe, de forma que quem ensina possa direcionar sua ação), proporcionando um espaço favorável ao ensino e à aprendizagem.

Como já afirmado, esse espaço deverá abrir a possibilidade do sujeito mostrar ao outro e a si mesmo o que sabe (sobre um assunto em pauta, um tema, uma localidade...), propiciando a articulação entre o que já sabe e o que lhe é novo, transformando o objeto, transformando a si, e a quem ensina.

Portanto, o sujeito vai se constituindo sujeito autor quando lhe é permitido transitar entre seus sujeitos ensinante e aprendente.

Assim sendo, a Psicopedagogia reconhece seu sujeito, definitivamente, como o sujeito autor (de pensamentos, de obras, de si mesmo), sujeito capaz de autoria - "processo e ato de produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante de tal produção" (FERNÁNDEZ, 2001:94) - que é constituído em "um processo contínuo, nunca acabado e iniciado inclusive antes do nascimento" (idem: 61)

A partir dos conceitos de sujeito aprendente/ ensinante, saber e sujeito autor faz-se necessário explicitar um outro conceito caro à Psicopedagogia: o de modalidade de aprendizagem.

Em cada sujeito, há um modo singular de se relacionar com quem ensina, consigo mesmo como aprendente e com o objeto a ser aprendido (o conhecimento). Esse modo tanto se repete como muda, frente às situações de aprendizagem com as quais as pessoas se defrontam durante sua existência. "Chamo modalidade de aprendizagem a esse molde ou esquema de operar que vai sendo utilizado nas diferentes situações de aprendizagem. É um molde, mas um molde relacional." (FERNANDEZ, 2001:78).

A modalidade de aprendizagem é construída desde as primeiras relações vinculares do bebê com a mãe e a família (seus primeiros "ensinantes") e dos vínculos da criança estabelecidos na escola (seus professores).

A forma como essas pessoas "ensinantes" se relacionaram com a criança ao ensiná-la será um dos fatores determinantes na constituição da modalidade de aprendizagem do "aprendente". Isto é, o desejo manifestado pelo "ensinante" de que a criança aprenda, ao ensiná-la, e o reconhecimento do sujeito ensinante existente nela (criança), são constitutivos de sua modalidade de aprendizagem.

Outro aspecto implicado no conceito de modalidade de aprendizagem está relacionado à forma como o conhecimento circula no meio onde se constrói o sujeito da aprendizagem: o que é dito ou não dito, o que é mostrado ou escondido, a adequação dos desafios (proporcionados pelos novos conhecimentos), a permissão dada pelo "ensinante" ao "aprendente" de colocar o que sabe (mostrar-se "ensinante"), mostrar suas dúvidas (transitar entre seu sujeito ensinante e seu sujeito aprendente), reconhecer-se aprendendo, enfim, de ser reconhecido autor.

Sintetizando, são fatores constitutivos da modalidade de aprendizagem e de ensino das pessoas a forma como os "ensinantes" reconheceram e desejaram a criança como sujeito aprendente e ensinante, bem como a forma como se relacionaram com o conhecimento ou significaram o ato de conhecer.

Portanto, à medida que a criança aprende (o adulto também, pois a modalidade não é definitiva, ela se altera) vai se constituindo sua modalidade de aprendizagem. E sua singularidade será determinada a partir dos vínculos que vivenciou e vivencia no curso de sua vida. Logo, se a forma do sujeito relacionar-se com o conhecimento, com o meio e com o outro estão ancoradas em sua modalidade de aprendizagem, será ela que definirá sua modalidade de ensinante. Assim, a forma de fazer a "ensinagem", ou seja, a modalidade de ensino dos "ensinantes" está diretamente ligada à sua modalidade de aprendizagem. Será a partir do modo como pode aprender e se reconhecer nesse processo, que poderá propiciar espaços saudáveis (ou não) que favoreçam a aprendizagem do outro.

Tendo percorrido alguns conceitos do campo teórico da Psicopedagogia, novos horizontes se descortinam e junto deles os desafios. O que acreditamos é que a Psicopedagogia possa somar com as demais disciplinas que colaboram com a educação, no sentido de provocar reflexões que levem à mudança, à transformação de práticas enraizadas em concepções educacionais ultrapassadas. Como isto pode ser feito?

Pensemos a partir de uma situação concreta: o atendimento (fase diagnóstica) psicopedagógico de uma estudante de Pedagogia, a quem denominamos Fênix, realizado no contexto do estágio regular do Curso de Especialização em Psicopedagogia da PUC-SP/COGEAE .

A história de Fênix é singular, porém nem tanto, quando se pensa na educação brasileira, na universidade brasileira e na relação entre pais e filhos.

FÊNIX - UMA HISTÓRIA DE APRENDIZAGEM

Assim chegou Fênix, uma sorridente mulher de 38 anos, aparência simples, negra, bonita e estudante universitária de Pedagogia.

Sua preocupação inicial estava relacionada a um medo: de não conseguir dar aula após o término de seu curso. Preocupava-se com a possibilidade de "dar branco" na hora em que tivesse uma classe na sua frente.

Sua história de vida se inicia no interior de São Paulo. Mãe e pai lavradores, analfabetos (ambos falecidos), de poucos recursos financeiros e de hábitos simples. Sua família era composta, além dos pais, de oito irmãos, seis homens e duas mulheres. A mãe era acolhedora e o pai extremamente rigoroso.

Logo de início Fênix mostrou-se satisfeita com as sessões dizendo que aquele espaço era seu, um momento seu, um momento no qual alguém a escutava.

Fênix é a 6ª filha, todos anteriores a ela são do sexo masculino, sua chegada na família é querida e se constitui como um momento feliz para todos.

O pai era muito rígido, controlador, não permitia que Fênix e os irmãos brincassem na rua, pelo fato de não conhecer os vizinhos. Os filhos não tinham direito a voz, as verdades construídas eram as suas verdades, os filhos eram simplesmente ouvintes, obrigados a aceitarem as verdades do pai, sem direito a questionamentos. Quando um dos irmãos fazia "algo de errado" todos ficavam de castigo.

A mãe acolhedora teve seu primeiro filho aos 12 anos. Era uma mãe-menina que submetia-se ao marido, e dizia a Fênix para se tornar professora.

A alfabetização de Fênix se deu em uma escola rural pobre em recursos físicos e humanos, em que não havia materiais necessários para estudar e os professores não eram suficientemente capacitados para ensinarem.

Em seu universo, o conhecimento não era algo muito valorizado. Devia aprender coisas como lavar, passar e cozinhar, enfim, cuidar de uma casa. A escola era vista somente como um espaço para aprender a ler e a escrever. Ao começar a aprender a ler, sua escola não disponibilizava livros, então Fênix tinha como única referência de leitura a Bíblia, a qual era obrigada a ler para seu pai, que justificava essa atitude como uma forma de acompanhar a alfabetização da filha, entretanto Fênix não gostava de ler a Bíblia. Para se livrar de tal tarefa, passa a "pular" o que estava escrito, habituando-se a perder o contato com partes do texto. A Bíblia constituiu-se como única fonte de cultura, já que nenhum outro livro, ou mesmo a televisão eram permitidos em sua casa.

Aos 8 anos de idade já era obrigada a realizar serviços domésticos importantes, como, por exemplo, fazer o almoço para a família, e só podia fazer lição depois que o almoço estivesse pronto. Também passava roupa, o que acarretava a sobra de pouco tempo para as lições. Ao finalizar a 4ª série, com 11 anos de idade, deixou a escola.

Aos 18 anos veio para São Paulo e aos 19, estimulada por algumas pessoas de seu convívio, retornou aos estudos, freqüentando o curso supletivo do ensino fundamental e, posteriormente, o curso supletivo do ensino médio. Ficou grávida aos 26 anos e só voltou aos estudos com 36 anos, ao entrar na Faculdade de Pedagogia.

Sua expressão oral é falha, quanto à organização lógica do pensamento, à concordância verbal, concordância nominal e à pronúncia de grupos consonantais. Mostra-se insatisfeita com sua produção na faculdade, pois não compreende os textos lidos, tem dificuldades para compreender as consignas que lhe são transmitidas e não consegue redigir sínteses ou relatórios. Mesmo em temas que demonstra algum conhecimento revela desenvolvimento empobrecido das idéias.

Na etapa diagnóstica começamos a trabalhar com atividades que nos dessem referências sobre sua relação com o conhecimento, suas dificuldades na apropriação do conhecimento, sua relação com aqueles que ensinavam e o modo como utilizava seus mecanismos de assimilação e acomodação.

No decorrer do processo de atendimento fomos compreendendo, por meio de suas produções e de seus relatos, que, na época do ensino fundamental (1ª a 4ª séries), provavelmente, só foi privilegiado a memorização, o repetir. O vínculo estabelecido entre as informações fornecidas e o seu aprendizado se deu de forma verbalística, ou seja, o professor falava e os alunos tinham que reproduzir o dito, como se através da repetição fosse possível construir conhecimento.

Na escola e mesmo em casa, os ensinantes se colocavam em uma postura que impossibilitava Fênix de ser autora de seus pensamentos.

Seu vocabulário é empobrecido e apresenta vários erros de concordância, fatos talvez relacionados à sua pouca leitura e também à pobreza cognitiva de seus ensinantes-familiares. Não se trata de uma super valorização de uma linguagem culta contra uma linguagem regional e sim de uma constatação da sua dificuldade de ordem lógica, gramatical, fonética e simbólica.

Fênix tem dificuldades em decodificar textos, não compreende de forma total o que os textos querem dizer, tem dificuldades em sintetizar o lido, interpretando de forma equivocada as mensagens contidas, não chegando a usar os dados que os textos disponibilizam. Não consegue assimilar o conhecimento por meio de seus esquemas mentais, não existe interação entre o que ela lê e o seu conhecimento prévio.

Fênix teve seu desenvolvimento cognitivo bloqueado. Até sua entrada na faculdade seu vínculo com o conhecimento era frágil; nas séries iniciais houve pouco investimento da família para que ela explorasse todas as suas capacidades e, provavelmente, foi alfabetizada de forma mecânica, como se a alfabetização fosse simplesmente a aquisição de uma técnica, não lhe sendo permitido criar hipóteses sobre o que lia e escrevia. Há também uma mistura entre o aprender a ler e ler algo (a Bíblia) que, em princípio, não pode ser contestado, o que, certamente, contribuiu para Fênix não se permitir fazer inferências a partir dos textos que lia, diminuindo sua capacidade crítica e criativa.

O pai autoritário (de representante da lei, transforma-se na própria lei), com poucos recursos (era analfabeto) e de crença religiosa rigorosa, certamente foi um aprendente ouvinte, rico em esquemas práticos e pobre em esquemas simbólicos. Acordar, trabalhar, ir à igreja, eram as únicas atividades realizadas por eles, diz-nos Fênix. Neste caso, pensamos, os projetos de vida dessas pessoas eram inevitavelmente empobrecidos, havendo pouco lugar para a valorização da cultura, da leitura, do conhecimento em geral.

Ao fazer o supletivo do ensino fundamental e do ensino médio, Fênix fez pouco investimento na sua formação. O importante era obter o diploma e não propriamente se desenvolver intelectual, afetiva ou mesmo do ponto de vista dos conteúdos e habilidade escolares.

Assim constitui-se Fênix com uma modalidade aprendente-ouvinte. Não se fazendo ativa em seu aprendizado, não questionando, não hipotetizando.

Vários mandatos também se instauraram: obrigatoriamente olhar a quem lhe dirige a palavra, considerar como verdade absoluta o que lhe é falado, não questionar; mandatos estes que influenciaram inclusive em suas fantasias, o que a faz muitas vezes considerar o aprender como algo mágico, que lhe é dado e não construído. Estes mandatos são como ordens transmitidas, que imprimem inconscientemente no sujeito imposições, regras que fazem parte do seu modo de ser.

Até determinado momento de sua vida as experiências cotidianas eram realizadas de tal forma que pouco lhe era acrescentado. Ao ser inserida em um ambiente de cultura mais avançada (lugar em que a condição do homem é questionada) a própria complexidade das atividades estimula Fênix a novas idéias e novas formas de pensamento.

Formas de pensamento tão diferentes que fazem com que aquela Fênix, que foi criada para a submissão, lance-se para novos horizontes. Entra na Faculdade, depara-se com suas dificuldades cognitivas, culturais, mas não se acomoda a isso, partindo para uma mudança, pois se vê como um sujeito capaz de fazer escolhas. O vazio, a falta, inauguram uma nova fase de sua vida que a faz ir em busca do seu objeto de desejo: o conhecimento

Entretanto, por um longo tempo, foi somente ouvinte, não se autorizando a falar, a colocar seus pontos de vista, apresentando dificuldades em articular o produto de seu pensamento em um discurso mais elaborado. Falta-lhe conteúdo, vários assuntos lhe são desconhecidos, sentindo-se em desvantagem e percebendo-se como uma "falante" com problemas.

Ao passar por um processo seletivo e ser aprovada, Fênix considera-se habilitada a realizar um curso universitário, entretanto é exatamente nele que se depara com suas dificuldades.

Como a Universidade responde a isso? Simplesmente não responde, Fênix é somente mais um número de matrícula e um "boleto bancário".

A situação de Fênix confirma o nível de deterioração das Faculdades de Pedagogia (e outras também) que proliferam em nosso país. Há um aumento no número de faculdades e vagas oferecidas, porém essa expansão em quantidade muitas vezes não se reflete em qualidade. Os cursos de Pedagogia, que são responsáveis pela formação de professores para alunos da educação infantil e do ensino fundamental até a 4ª série, formam uma legião de professores sem as mínimas condições para exercerem de forma satisfatória sua profissão.

Fênix obterá o diploma, adquirindo assim o direito legal de ser professora, porém sua capacitação e preparação, para que "pedagogicamente" seja uma professora, não estão sendo contempladas.

Ao iniciar as sessões de Psicopedagogia começa a falar cada vez mais, deixando de ser só ouvinte. Percebe que o espaço é seu, a relação entre ela e a estagiária é acolhedora, dando a Fênix a oportunidade de se manifestar, inaugurando um espaço em que ela é sujeito de seu pensamento. A sessão constitui-se em um momento de aprendizagem uma vez que, pelo simples fato de falar, mesmo que em muitos momentos o discurso esteja carregado de erros, está se constituindo como sujeito aprendente-ensinante, pois está se construindo como sujeito autor de seu pensamento.

O medo de "dar branco" que foi a queixa inicial de Fênix, funcionou na verdade como um impulsionador, possibilitando-lhe sair da passividade, permitindo-lhe inclusive ficar um pouco "mais consciente" de suas dificuldades.

Sua vida foi delimitada por uma gaiola invisível, terá que derrubar cada uma das paredes para alçar seu vôo e assim efetivamente renascer.

Fênix ainda se constitui como um sujeito da aprendizagem que está entrando no estágio cognitivo operatório, com limitada capacidade de abstração. Ainda não consegue extrair propriedades dos objetos além das perceptivas, o que lhe dificulta a realização de classificações mais abstratas, de generalizações, de operações lógicas. Fênix ainda tem condições de superar esses obstáculos e chegar a um estágio de desenvolvimento cognitivo mais elaborado, contudo está no último ano de seu curso de Pedagogia e no final do ano a universidade lhe concederá o diploma, que lhe é de direito, colocando no mercado um profissional que ainda não está em condições de exercer de forma plena sua profissão. Seu estágio de desenvolvimento cognitivo ainda não lhe permite agir de forma totalmente autônoma, impedindo assim articulações mais móveis, dificultando-lhe a construção de hipóteses próprias, de trabalhar a partir dessas hipóteses e de extrair conclusões mais abstrata a partir de suas observações e de seus pensamentos.

Assim constitui-se a realidade de Fênix -estudante brasileira- acolhida pela universidade que se pretende formadora de professores, mas que os diploma sem formá-los. Culpa de Fênix? Com certeza não. Agora, resta a Fênix tentar de forma mais árdua, difícil, constituir-se como sujeito autor para, não se sabe quando, ter "condições reais" de ser uma docente favorecedora da emergência do conhecimento/saber do outro.

O trabalho psicopedagógico com Fênix continua, mas, o caso de Fênix é um, entre muitos. Precisamos pensar e construir formas de atendimento mais abrangentes e radicais para lidar com a formação do professor, de modo mais eficaz.

O PROFESSOR À LUZ DA PSICOPEDAGOGIA

Ao pensarmos a formação do professor a partir de uma perspectiva psicopedagógica precisamos nos remeter aos posicionamentos ensinante-aprendente desse sujeito.

Evidentemente que a "profissão professor" exige aspectos como sua qualificação, para que possa ter domínio do conteúdo específico de sua disciplina; sua formação pedagógica, para que sua compreensão sobre educação supere o senso comum; e sua formação ético-científica, permitindo-lhe que se situe e que tenha clareza do contexto social, econômico e político em que se dá essa educação.

Esses aspectos, se levados com seriedade pelas Faculdades e Universidades nos cursos de Pedagogia e Licenciatura, certamente melhorariam os níveis de nossos professores. Contudo precisamos ficar atentos ao fato que o professor é um sujeito cognitivo e simbólico.

O professor possui uma história iniciada antes mesmo de seu nascimento, passou por processos de aprendizagem com seus pais e professores que lhe conferiram inscrições e identificações, os quais por sua vez também tiveram pais e professores. Ele estabeleceu uma relação com o conhecimento, enfim, esse professor possui uma história que certamente afetará sua maneira de relacionar-se com seus alunos e com o próprio conhecimento/saber que irá "transmitir" a seus alunos.

Todos esses vínculos foram temperados com afeto ou desafeto. Assim, esse sujeito que é professor, no ato pedagógico, traz suas identificações, conflitos e defesas para o vínculo que estabelece com seus alunos e com o conhecimento que transmite. O professor reeditará com seus alunos seu posicionamento ensinante-aprendente.

A Psicopedagogia nos faz ver a necessidade de tirar o professor de um lugar que o considera simplesmente como um transmissor de informações, posição esta muitas vezes acatada pelos professores. Também nos leva a refletir acerca da operacionalização do ensino, que não é simplesmente uma operacionalização de currículos a serem cumpridos; e faz-no ver que as lacunas próprias da formação do professor precisam ser preenchidas, não através de manuais, e sim, através de cursos de formação continuada, fundamentados numa visão de homem como sujeito, pensante e desejante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIMOV, Marisa. Do aprender a ensinar ao ensinar a aprender: contribuições da Psicopedagogia à construção do professor". Monografia, PUC-SP-COGEAE, 2003.

FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamentos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

GIL SANTOS, Olga R. de A . De que se queixa o Professor? Por um diálogo entre o Orientador Educacional e o Professor à luz da Psicopedagogia. Monografia, PUC-SP-COGEAE, 2003

RUZANTE, Doris de C. P. L. Saber ou não saber? Eis a questão...Monografia, PUC-SP-COGEAE, 2003.