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BOLETIM CLÍNICO - número 16 - Outubro/2003

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


3. Artigo Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso "Sport Club Corinthians Paulista: Uma Expressão do Mito do Herói” (1) - Mariana Cordovani (2)

Bola rolando...

“No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas”. Deus disse: “Faça-se a luz!” E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou á luz DIA, e às trevas NOITE. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia...” (Bíblia Sagrada, 1997, p.49) No oitavo dia, sendo brasileiro, criou o futebol e ouviu da galera É GOOOLL DO CORINGÃO, ÔBA! TIMÃO EÔ... TODO PODEROSO TIMÃO!!!

Exagero de torcedor? Pode ser. O fato é que um estádio de futebol em partida corintiana contra qualquer oponente é reverenciado como cerimonial religioso. Cabe um breve comentário sobre o silêncio em determinadas situações. Há o que se pode chamar uma verdadeira forma comunicacional do comportamento dos torcedores alternando ufanismos, muxoxos e silêncios de forma sucessiva.

A passagem do muxoxo ao silêncio tem fonte oracular: ninguém pede silêncio. Em determinados momentos das partidas, a tensão atinge o limite da ordem suprema, manifestada de forma tácita e profundamente consentida, compartilhada com os demais torcedores em verdadeira comunhão. Não se trata de um silêncio que signifique apenas ausência de sons ou de palavras. Trata-se de um silêncio precursor, com alguma similaridade com o mundo da criação divina, visto que o êxtase de um gol:

“Não é o vazio, o sem-sentido; ao contrário, ele é o indício de uma totalidade significativa. Isto nos leva à compreensão do ‘vazio’ da linguagem como um horizonte e não como uma falta”.(As formas do silêncio, 1992, p.70) Dessa forma, ocorre o que se poderia chamar de gramática comportamental, uma vez que diante da imprevisibilidade das articulações dos atletas, a torcida, como num ritual religioso, elabora sua construção léxico-sintática, feita de palavras e palavrões expressivos dos entusiasmos ou desapontamentos à maneira de ladainhas, entrecortadas de silêncios, revestidos de sentidos que expressam redobrada atenção a cada gesto, a cada passo, formando em conjunto, campo e arquibancada, o altar e o coro.

Desde a primeira visita ao campo, ou mesmo assistindo às transmissões televisivas, o comportamento individual é assimilado como parte integrante do processo de individuação e de identificação: “é com essa torcida e não com outra que eu me uno em verdadeira comunhão”.

Não será excessivo lembrar que a criança recém-nascida ganha o uniforme, a bola e a toalha com a insígnia, presentes de iniciação primordial, recuperam valores primitivos desse modo ritualizados por todos aqueles que se sentem partícipes da comunidade ou, como costumam chamar, nação corintiana. Um jovem ou adulto desvinculado de elos esportivos, é levado a assistir a uma partida e se comporta, surpreendentemente, de maneira catártica, isto é, experimenta emoções presentes na maioria das culturas primitivas, enquanto representação ritual.

A vida moderna é cada vez menos ritualizada pelo processo de desencantamento do mundo, conforme preconizou o pensador Max Weber. Nós temos hoje menos mitos do que nossos avós tiveram. Os ritos despertavam interesse significativo, porque tinham uma parcela de apresentação para a coletividade, nessa direção, realizavam um tipo de espetáculo que, em grego, inclui o radical de espelho, isto é olhar o outro e ser por ele olhado. O ritual de apresentação evoluiu para uma maneira mais completa de os indivíduos se reconhecerem participantes do evento, pressupõe a presença do público e pressupõe o mínimo de valores compartilhados em linguagem ou códigos comuns ao grupo. Com o passar do tempo, os ritos foram perdendo o sentido e se renovando de acordo com as demandas de cada época.

Na cultura corintiana verificamos a presença de valores como justiça, respeito ao outro, respeito ao código do grupo, aplauso á genialidade e fidelidade ética ao time.

Se pensarmos o conjunto de satisfações que envolvem o indivíduo rumo ao campo, vestindo a camisa, entoando os hinos da torcida antes da partida, o foguetório alvinegro, o olhar no placar, o olhar no relógio, a entrada magistral dos jogadores, a erupção das bandeiras, o canto ritmado, o pontapé inicial... A experiência de imitação do coletivo é aqui fonte de todo e qualquer conhecimento visto que o imitar para Aristóteles é congênito no homem, porque de todos os seres ele é o mais imitador e mais imitado e faz da imitação seu processo de aprendizagem desde os primórdios da vida em sociedade. Pensemos os modelos de educação e de comportamento que o indivíduo apreende com a vivência de uma partida. A formação social do indivíduo é realizada a partir de um jogo prazeroso de imitação, que inclui o caráter lúdico implicado nesse jogo, assim como era para os gregos. Também na nação corintiana, a imitação educa como princípio fundamental da identificação. O indivíduo reconhece nos jogadores que estão ali no campo e se reconhece de alguma forma.

Essa identificação gera um jogo antagônico; pois de um lado tem um conteúdo de destino de um homem ligeiramente superior ao espectador e aí estaria também um conteúdo de tragédia porque nela, dois sentimentos estão imbricados: terror e compaixão. A paixão (vem de pathos) sofrimento representa algo que vem de fora para dentro e causa sofrimento: encontram-se aí os vinte e três anos de derrotas acumuladas, as perdas de campeonatos...

A compaixão, por outro lado, é sentimento compartilhado. O indivíduo assume o sofrimento do outro (do Corinthians) na sua totalidade. A verdade é que não se pode sentir uma dor do outro, porque a dor é absolutamente subjetiva. É uma ilusão dizer que se compartilha o sofrimento do outro. Mas, é percebida e comungada pela coletividade que sai deprimida ao som do apito impeditivo de uma última tentativa... É a regra do jogo.

O terror pode ser sentido quando se vislumbra o pior. Esses dois sentimentos são contraditórios porque o terror proporciona um afastamento do objeto: quantas vezes vimos torcedores tampando os olhos, virando de costas para não presenciar o pior; e a compaixão nos leva à aproximação do objeto, porque nos projetamos como se estivemos defendendo a mesma jogada. Há aqui o apelo espetacularizado da tragédia que gera esse duplo movimento na interioridade dos torcedores, fundamental para a vida em sociedade porque gera catarses.

Não se sabe ao certo o que é catarse, sente-se. Catarse vem do grego ‘kátharsis’ e significa no dicionário do Aurélio, purgação, purificação, limpeza. Tem um sentido medicinal de evacuação natural, por qualquer via. O mesmo Aurélio indica o seu significado em Psicologia:

“Efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança fortemente emocional e/ou traumatizante, até então reprimida. No teatro, a catarse tem efeito moral e purificador da tragédia clássica, cujas situações dramáticas, de extrema intensidade e violência, trazem á tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos”.(Novo Dicionário Aurélio, 1975, p.295).

É importante lembrar que os indivíduos, após a catarse, restam-se sós em estado de meditação, questionamentos, reflexões e por que não, re-elaboração de valores?

Tomamos como hipótese que a experiência corintiana, por sua natureza individual e coletiva, proporciona uma vivência catártica fundamental para o homem, porque repõe o equilíbrio, a justa medida e lhe confere uma agenda existencial relacionada à tabela dos campeonatos.

É o ato de representar que educa a torcida em movimento que faz sobressair o aspecto lúdico, sem comprometer a seriedade da disputa. No jogo entre terror e piedade há o efeito educativo que nenhum método pedagógico jamais pensou construir. De certo modo, esse efeito leva os indivíduos a aceitarem suas condições miseráveis de vida, por intermédio da identificação com o mito do herói expresso pelo time abençoado por São Jorge!

Veremos então, como se dá a saga do herói tomando como expressão do mito do herói o Sport Club Corinthians Paulista e de que maneira sua trajetória heróica mobiliza seus torcedores e os fazem diferentes dos torcedores de outros times de futebol...

É importante se fazer uma breve contextualização desportiva em São Paulo. Em especial, falaremos do futebol, que teve sua prática iniciada por volta de 1890, introduzida pelos ingleses.

Na sua gênese, o futebol era uma prática restrita às elites. Quando houve uma necessidade de maior organização dos campeonatos, o esporte surgiu oficialmente com a fundação da Liga Paulista de Futebol (LPF) em 1901, cujos primeiros campeonatos organizados aconteceram em 1902.

Por questões de divergências internas na LPF com relação ao veto à participação de clubes populares, foi fundada em 1913 a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), que se caracterizou como uma entidade marcada pelo elitismo, que estava sendo ameaçado pela LPF.

As duas entidades comandaram o futebol paulista de 1913 a 1917, quando então se unificaram.

As pessoas que dirigiam essas entidades, as mesmas que dirigiam os clubes de elite, eram provenientes de famílias tradicionais, ricas, constituídas por políticos e pessoas ilustres.

Uma parte da diretoria da LPF queria incluir entre seus associados, os clubes que praticavam o futebol informal, ou seja, de várzea. Se não os clubes, pelo menos seus bons jogadores. Tratava-se de uma negociação, incluir o clube como um todo, para poder usufruir seus jogadores apenas.

Com o crescimento do futebol até a década de 1910, a LPF não conseguia lidar com o fenômeno da paixão pelo esporte, já que não era mais só a elite que assistia aos campeonatos no campo do Velódromo, estádio oficial da LPF. Passa a haver, portanto, a arquibancada para a elite e a geral para os pobres contaminados pela emoção futebolística.

Com a fundação da APEA, o grupo elitista de São Paulo viu uma oportunidade de manter o futebol como um esporte restrito à minoria. Entretanto, não excluiria de seus filiados os clubes populares que fariam parte de uma segunda divisão estamental onde não se permitia a passagem de uma divisão para a outra.

Desse modo, a APEA não perderia seu status de organizadora de campeonatos para a LPF, tendo a intenção de concentrar sob seu comando os melhores esportistas e acabar com a outra entidade, o que de fato ocorreu. A qualidade esportiva serviria de instrumento à análise para ingresso na APEA com relevante consideração à condição social do clube.

No início do século, o futebol tinha algumas diferenças do futebol de hoje. Um jogo durava setenta minutos, tendo dois tempos de trinta e cinco minutos cada e um intervalo de dez minutos. Hoje, como sabemos, um jogo tem noventa minutos, com dois tempos de quarenta e cinco minutos cada e um intervalo de quinze minutos. A origem inglesa do esporte estava presente inclusive nos termos adotados, tais como: player, jogador; match, partida; off-side, impedimento, entre outros.

Cada clube tinha sua sede esportiva e social, preferencialmente nas proximidades do centro, pela facilidade de transporte. Os jogos eram realizados somente nos campos oficiais do Velódromo, que ficava na Rua da Consolação, atualmente Rua Nestor Pestana; Parque Antártica, na Água Branca e Floresta, próximo ao Rio Tietê.

Os principais clubes de São Paulo eram: São Paulo Athletic Club, Sport Club Germânia, Sport Club Internacional, Club Atlético Paulistano, Sport Club Americano, Clube Atlético Ipiranga, Associação Atlética Mackenzie College e Associação Atlética das Palmeiras.

Juntamente com o crescimento da paixão pelo futebol, crescia o público nos jogos, envolvendo diversos setores da sociedade. Com isso, os atos de falta de educação eram todos atribuídos aos freqüentadores das gerais.

Muitos clubes ou times surgiram da prática do futebol em escolas. Os jogadores escolhiam os clubes de acordo com a posição social que os representava. Como não havia objetivos de lucro, muitos jogadores faziam suas escolhas em função do status social e esportivo.

A vinda de alguns estrangeiros para o futebol paulista motivou uma espécie de semiprofissionalização do esporte; isto é, os jogadores não receberiam para jogar, mas teriam um emprego e moradia. Com isso, também alguns jogadores da várzea passaram a jogar pelos clubes oficiais e o futebol passou a ser menos elitista, conferindo maior importância à capacidade esportiva do jogador. Aos poucos o futebol perdeu seu caráter exclusivamente elitista e rendeu-se às classes mais baixas da sociedade, por força de conquistas de espaço de baixo para cima. Embora os dirigentes do futebol oficial relutassem contra isso, surgia mesmo assim um novo tipo de atleta, aquele que dependia do suporte financeiro do clube, o que pode ter sido incentivador para a profissionalização desportiva.

São Paulo passou a ser uma localidade que vivia o futebol em cada esquina, escola, empresa... Todo bairro tinha um clube e um campo, sem contar os campos de várzea espalhados pela cidade. Desse modo, crescia a paixão pelo esporte e a emoção tomava conta dos torcedores mais fervorosos. O futebol passava a ocupar um lugar especial na vida das pessoas, os domingos eram reservados para jogos. Os campeonatos de várzea eram repletos de bons jogadores e de muita emoção, a população se juntava para assistir aos jogos, incorporando o esporte independente de sua posição social.

A epopéia:

No dia 1° de setembro de 1910 era fundado mais um pequeno clube de bairro em São Paulo. Era o Sport Club Corínthians Paulista que nascia no bairro do Bom Retiro e iniciava sua jornada como outros tantos clubes. Entretanto, percorreu caminhos diferentes e trouxe transformações para o futebol paulista. O Corinthians era um clube de origem humilde, fundado por um grupo de operários daquele bairro que se encantaram com a visita do Corinthians Team da Inglaterra a São Paulo e Rio de Janeiro naquele ano.

De acordo com a literatura existente, o Corinthians tinha como seus fundadores alguns empregados da S.P.R. (São Paulo Railway) e operários do bairro do Bom Retiro.

As primeiras reuniões aconteceram numa barbearia localizada à Rua dos Italianos, no Bom Retiro, cujo dono e um dos fundadores, Salvador Bataglia, oferecia seu espaço àqueles amigos que queriam organizar um clube para a prática do futebol. O irmão de Salvador, Miguel Bataglia, foi o primeiro presidente do Corinthians.

A primeira sede do clube foi o bar e confeitaria de Afonso Desidério, também um dos fundadores. O vice-presidente era Alexandre Magnani, João Marino era o cobrador do clube, aparecendo também o nome de Antônio Pereira como um dos fundadores.

Após a eleição da primeira diretoria, faltava ainda nomear o time, que acabou “herdando” do visitante bretão o nome que se tornaria tão grandioso, com o acréscimo do ‘Paulista’. Muitos clubes com esse nome surgiram após a passagem do Corinthians Team pelo Brasil, havia o Corinthians de Campinas e o de Jundiaí, entre outros.

Entre 1910 e 1912, o clube participou apenas de campeonatos de várzea. Em 1912 tentou entrar na Liga Paulista de Futebol, mas não foi aceito. Um dos primeiros jogadores, transformado em grande ídolo do clube, Neco, trabalhava como carpinteiro. Ele expressava o amor que emergia pelo Corinthians por meio da sua fidelidade ao clube tendo recusado diversas propostas de outros clubes que o tornariam rico, prova da filiação íntegra. No início, o Corinthians passou por muitas dificuldades financeiras, não tendo dinheiro nem para o uniforme. Naquela época, os clubes eram subsidiados por seus sócios, inclusive os jogadores que pagavam mensalidades ao clube. O início da história do clube não foi documentada e conserva mistérios preservados em estado imanente.

Desde 1913, quando entrou na Liga Paulista de Futebol, há registros comprobatórios noticiando sua existência, mesmo porque, como membro de uma organização oficial, o Corinthians teria que cumprir obrigações legais. Houve inclusive um estatuto reformulado naquele ano.

Nesses três primeiros anos de vida o clube teve muitas glórias e ganhou nome dentro do esporte, sagrando-se campeão dos clubes que praticavam o futebol informal; ou seja, que não eram integrantes da Liga.

Há relatos de que o Corinthians seria sucessor do A.A. Botafogo, cujo campo situava-se na Rua Paula Souza. Conta-se que um delegado de polícia fechou o clube porque era muito briguento e logo após este fato, surgia o Sport Club Corinthians Paulista, que tinha em seu quadro de jogadores, a mesma equipe do antigo Botafogo.

Em março de 1913, o Corinthians entrou oficialmente na Liga Paulista de Futebol, criando polêmicas entre a imprensa e a elite paulista que não julgava o time suficientemente ‘educado’ para conviver com os integrantes de outros clubes.

O clube pobre do Bom Retiro fez muitos progressos financeiros, morais e esportivos depois de sua associação com a Liga. No início era composto apenas por jogadores de bairros, mas com o prestígio conquistado pelo time, muitos atletas se interessaram por ele, principalmente aqueles que não pertenciam à elite, os bons jogadores que viam no Corinthians uma chance de praticar o futebol oficial.

Em 1913, o São Paulo Athletic Club desistiu da disputa do campeonato pela LPF e com isso surgiu uma vaga para outro time. A LPF abriu inscrições para um torneio eliminatório, cujo campeão ocuparia a vaga disponível.

Os inscritos foram: São Paulo Foot-Ball Club, São Paulo Railway Foot-Ball Club, Minas Gerais Foot-Ball Club e Sport Club Corinthians Paulista.

O Corinthians teve que enfrentar alguns desafios para poder entrar na Liga. O Primeiro deles foi montar uma equipe que pudesse vencer os outros aspirantes à vaga.

O outro desafio seria o de mostrar à elite paulistana e aos diretores da Liga que, apesar de pobre, era um clube de ‘boa educação’ social pois, a priori, os times de várzea eram considerados indisciplinados.

Os jogos do torneio foram sorteados e seriam São Paulo Foot-Ball Club X São Paulo Railway e o outro Minas Gerais X Corinthians Paulista. Os dois vencedores fariam a final e o vencedor desta, conquistaria a tão desejada vaga no campeonato oficial da Liga Paulista de Futebol.

O Corinthians era o time mais desacreditado e por causa de sua origem, a Liga poderia alegar sua não aceitação por divergências com o estatuto. No entanto, o Corinthians surpreendeu a todos, tanto na prática do esporte quanto pela ‘boa educação’ apresentada por seus jogadores.

Os resultados deste torneio foram: São Paulo Foot-Ball Club 6 X São Paulo Railway 1, Minas Gerais 0 X Corínthians Paulista 1 e São Paulo Foot-Ball Club 0 X Corínthians Paulista 4.

Os favoritos foram eliminados no primeiro confronto e o Corinthians conquistou a vaga disponível na Liga Paulista de Futebol. Mas, não bastava só isso, tiveram que provar um bom nível de educação e conseguiram, resistiram bravamente a todas as expectativas e preconceitos que existiam a seu respeito.

Embora não pertencesse à elite, que entendeu que o time se esforçou em agradá-los e por isso merecia uma chance, o clube foi aceito pela Liga como seu mais novo integrante, devido ao seu desempenho esportivo e social. Começava aí uma das grandes mudanças no futebol paulista, a entrada de um clube de bairro nos campeonatos oficias de São Paulo.

Logo depois de sua entrada na Liga, houve uma cisão interna, que deu origem à APEA fundada pelo C.A. Paulistano, juntamente com outros clubes que queriam manter a elite afastada dos clubes populares. Inicia-se então, uma espécie de democratização do futebol.

Em 1913 o Corinthians disputou seu primeiro campeonato oficial pela Liga.

Em 1914 o Corinthians foi campeão paulista da LPF, título que trouxe muito prestígio ao clube diante dos demais times.

Em 1915 o Corinthians foi aceito pela APEA, mas não jogou o campeonato e também não foi autorizado a ter um representante para participar do conselho da entidade. No entanto, seus jogadores foram autorizados a participar do campeonato por outros clubes.

Alijado da disputa, ficou prometido ao Corinthians jogar com todos os clubes filiados à APEA, jogos estes que não aconteceram, pois eram sempre adiados ou desmarcados por boicote intencional.

Caracterizou-se uma discriminação em relação ao Corinthians por parte dos outros times vinculados à APEA. Além disso, os clubes que estavam com jogadores do Corinthians em seu elenco, naquele campeonato, não queriam que o clube voltasse a jogar para não ter que devolver os jogadores que fariam grande diferença no campeonato.

Desse modo, o Corinthians foi percebendo sua redução deliberada para uma segunda divisão da APEA, embora pudesse fornecer seus bons jogadores aos times da primeira divisão. A não participação no campeonato desencadeou uma grave crise econômica no clube, pela falta da renda dos jogos, que não aconteciam. Como decorrência da crise econômica, houve também uma crise política interna devida às diferentes opiniões a respeito do destino do clube. Em 1916 o Corinthians retornou à Liga Paulista de Futebol, onde tinha espaço para jogar e se pronunciar, observando que na APEA apenas forneceriam seus bons jogadores aos clubes de primeira divisão e nunca teriam os mesmos direitos daqueles.

O Corinthians era tido como o time imbatível que não foi derrotado por nenhum adversário em qualquer entidade que estivesse filiado. Em 1916 foi campeão paulista novamente pela Liga Paulista de Futebol. Neste mesmo ano, a LPF uniu-se à APEA, criando uma só entidade responsável pelo esporte em São Paulo.

O caminho que o Corinthians percorreu neste início enfrentou toda sorte de dificuldades, crises e discriminações. No entanto, começou a crescer como um time da cidade e não mais de bairro e a partir daí sua história só tendia a crescer.

O percurso do Corinthians continuou trazendo muitos títulos, vitórias e alegrias para seus torcedores. Alguns tabus tiveram que ser quebrados, como veremos adiante e um longo período de vinte e três anos sem títulos causou desespero aos corintianos, mas ainda assim continuaram fiéis ao clube do coração. Pode parecer paradoxal, mas sua torcida, ao invés de diminuir e abandoná-lo, cresceu cada vez mais.

Em 1919, 1920 e 1921 o Corinthians venceu o Torneio Início.

Em 1922 aconteceu o Campeonato do Centenário da Independência, o clube que fosse campeão carregaria esse título por cem anos, ou seja, até 2022. Numa final contra o Paulistano, o Corinthians venceu por 2 a 0 e ficou com o título de Campeão do Centenário do Brasil. Neste mesmo ano foi Campeão Paulista.

Em 1923 e 1924 foi novamente Campeão Paulista, conquistando pela primeira vez, na história de um clube, um tricampeonato.

Em 1924, o Paulistano fundou a Liga dos Amadores de Futebol (LAF), fazendo com que o futebol paulista entrasse numa crise da qual foi se recuperar somente em 1928, ano em que o Corinthians foi mais uma vez Campeão Paulista da APEA, desta vez, invicto. A extensão do mérito garantiu no mesmo ano, a compra do Parque São Jorge, sede oficial da equipe até hoje.

O fato se repetiu em 1929, época em que o clube ficou conhecido como o “time da virada”, pois perdia de três a zero para o Chelsea da Inglaterra e o jogo acabou em 4 a 4.

Em 1930 ocorreu o segundo tricampeonato do Timão, vencendo o Santos numa final por 5 a 1. Foi tri campeão em 1937, 1938 e 1939.

O Estádio do Pacaembu, inaugurado em 1940, foi mais tarde considerado, pela torcida, a casa do Corinthians.

Em 1942 venceu o Torneio Quinela de Ouro. Em 1950 o Corinthians foi campeão do torneio Rio – São Paulo.

Em 1951 mais um campeonato paulista com uma vitória sobre seu arqui-rival Palmeiras (antigo Palestra Itália), por 3 a 0. E em 1952 foi campeão por antecipação, antes mesmo de realizar a finalíssima contra o São Paulo.

Em 1953 o Corinthians foi convidado a participar da Pequena Copa do Mundo na Venezuela juntamente com o Barcelona (Espanha), a Roma (Itália) e a seleção local. O time fez bonito e retornou com a taça, invicto em todos os jogos.

Em 1954 o Corinthians venceu um de seus títulos mais importantes e emocionantes: foi o Campeão do IV Centenário de São Paulo, numa final contra o Palmeiras, que acabou empatada em 1 a 1. Mas, para felicidade dos alvinegros, o empate era suficiente para erguer a taça.

Em 1955 venceu o Benfica de Portugal por 2 a 1, numa final do torneio Charles Miller, tornando-se bicampeão do mesmo.

Em 1958 teve início um período de decadência no Corinthians, Claudio Christovam Pinho, o Gerente, deixou a ponta direita para Roberto Bataglia. Carbone e Baltazar foram substituídos por Índio e Zague, que não conseguiam marcar tantos gols quanto a dupla precedente.

Em 1959 Vicente Matheus foi eleito presidente do clube. O atacante Almir, pernambucano, foi contratado por oito milhões, pagos por Vicente Matheus de seu próprio bolso numa atitude desesperada para melhorar a equipe. Entretanto, os fracassos continuavam.

Wadih Helu venceu as eleições presidenciais do clube em 1961 e contratou reservas do Flamengo para o ataque. Esta fase ficou tristemente célebre, pois o time foi apelidado de ‘faz-me rir’ pela imprensa e pelos torcedores dos outros times. Ao mesmo tempo, o goleiro Gilmar, não suportando as pressões da torcida, as gozações e a fase que estavam passando, pediu para ser transferido para o Santos.

Os novos reforços Nei e Silva, em 1962, melhoraram o desempenho da equipe que, no entanto, não conseguiu vencer o campeonato paulista e ficou em segundo lugar.

O ano de 1965 marcou o início da era Roberto Rivelino, outro grande ídolo do Corinthians.

O reforço luminoso de Mané Garrincha, em 1966, garantiu a conquista do vice-campeonato. No ano seguinte um tanto abatido, restou-lhe o último lugar. Em 1968, o Corinthians, mesmo perdendo o título para o Santos, quebrou um tabu de treze anos sem vitórias contra esse time vencendo-o por 2 a 0, no dia 6 de março.

Vicente Matheus voltou à presidência do clube em 1972, mesmo ano em que Rivelino pediu para sair, pois não agüentava testemunhar São Paulo e Palmeiras disputando uma final e o Corinthians há tanto tempo sem um título.

A situação não mudou muito no ano seguinte e o clube recebeu até uma visita de um poderoso pai-de-santo para melhorar a crise. O Corinthians foi para a final do paulista contra o Palmeiras e perdeu por 1 a 0. A torcida reclamou muito, alegando falta de raça, culpando Rivelino pela derrota. O jogador acabou sendo transferido para o Fluminense em 1975.

A famosa “invasão corintiana” ao Maracanã ocorreu em 1976, quando mais de setenta mil corintianos foram ao Rio de Janeiro apoiar o time na semi-final do campeonato brasileiro, contra o Fluminense. O Corinthians venceu o jogo nos pênaltis, mas o título, mais uma vez, escapou das mãos alvinegras, para as do Internacional de Porto Alegre, fazendo seus torcedores amargarem mais um ano sem títulos.

Após vinte e três anos de derrotas, em 13 de outubro de 1977, a cidade de São Paulo explodia eufórica quando, aos trinta e sete minutos do segundo tempo, na final do campeonato paulista contra a Ponte Preta, Basílio marcou o gol que acabou com a espera dos torcedores corintianos. Os jogadores daquele tão sonhado dia tornaram-se personagens marcantes do heróico Corinthians que devolveu aos torcedores uma alegria indescritível, pela emoção redentora do estigma.

O gol de Basílio expressava a raça e a vontade da equipe que, amalgamada à torcida festiva, formava um único ser. Torcedores e jogadores fundiam-se na emoção da conquista de um título que veio nos pés ‘abençoados’ de Basílio após um bate-rebate na área adversária.

Em 1978, a equipe continuou a crescer e trouxe o jogador Sócrates do Botafogo de Ribeirão Preto. No ano seguinte conquistou o campeonato paulista. Sócrates tornou-se ídolo da torcida.

Em 1982, com o novo presidente Waldemar Pires, a estrutura do futebol da equipe foi modificada trazendo bons resultados inclusive o bicampeonato paulista em 1982 e 1983, com Biro Biro, Casagrande, Wladimir, Sócrates e companhia.

Em 1982, teve início o movimento conhecido como ‘Democracia Corintiana’ cuja “Idéia básica é um cooperativismo entre os jogadores, com responsabilidade de todas as partes, que elimine o autoritarismo das concentrações para os casados e dê o direito de expressão a todos”.(Revista Placar, s/d p.15)

Esse movimento teve grande repercussão no futebol e, de certo modo, na sociedade brasileira, pois reivindicava maior liberdade de expressão.

Isso mostra que o movimento iniciado por Sócrates, Casagrande e Wladimir, de algum modo influenciou os torcedores, que passaram a expressar seus sentimentos e a estender as disputas em campo para as lutas por objetivos políticos e sociais mais amplos.

Em 1988 o Corinthians foi novamente campeão paulista. Em 1990, venceu pela primeira vez um Campeonato Brasileiro, título almejado pelos torcedores que, apesar de satisfeitos com tantas conquistas estaduais, queriam orgulhar-se de ser o melhor time do país. Isso aconteceu numa final disputadíssima contra o São Paulo, favorito ao título. O Corinthians de Neto venceu os dois jogos por 1 a 0, com gols batalhados de Wilson Mano e Tupãzinho.

Em 1991 a equipe venceu a Super Copa do Brasil e, em 1994, a Copa Bandeirantes. No ano de 1995, trouxe três títulos para casa: Campeão da Copa São Paulo de Juniores, Campeão da Copa do Brasil e Campeão Paulista.

Em 1996 venceu o torneio internacional Ramon de Carranza na Espanha. A conquista do campeonato paulista de 1997 incentivou a de campeão brasileiro em 1998, desta vez contra o Cruzeiro de Minas Gerais. Na época o Corinthians era comandado por Wanderley Luxemburgo, também técnico da seleção brasileira.

A façanha do campeão brasileiro repetiu-se no ano seguinte, 1999: desta vez sua vítima mineira foi o Atlético, que detinha a vantagem do empate. O Corinthians não deixou por menos, foi à luta, confiante no goleiro Dida que ganhara a fama de defensor de penalidades, pois defendera duas delas na semifinal contra o São Paulo, garantindo a vaga corintiana na final.

Em 2000, a equipe alvinegra conquistou um de seus mais importantes títulos, o do Campeonato Mundial Interclubes da FIFA, o único campeonato internacional reconhecido pela Federação Internacional de Football Association. O Corinthians venceu a equipe do Vasco da Gama em pleno Maracanã, na noite de 14 de janeiro de 2000. Esse título será muito lembrado pelos corintianos que não sabem medir qual foi mais emocionante, o mundial ou o paulista de 1977 após os vinte e três anos de espera. A diferença é que este era um título novo para o clube e o outro, conserva a aura de redenção.

Em 2001, o Corinthians acrescentou mais um campeonato paulista à sua lista, ao vencer o Botafogo de Ribeirão Preto. Em 2002 conquistou o torneio Rio – São Paulo em que abateu a equipe do Morumbi, e a Copa do Brasil, que venceu do Brasiliense.

No corrente ano, 2003, venceu novamente o campeonato paulista, sobre o São Paulo Futebol Clube.

É questão de esperar para ver onde chegará este gigante nos seus futuros anos de vida e quantas emoções mais conferirá em favor dos seus fiéis e apaixonados torcedores.

Paralelo à fama e ao crescimento do clube, nascia a primeira torcida organizada do Corínthians, os Gaviões da Fiel, em 1969, formada por um grupo de jovens torcedores corintianos que lutavam pelo fim da ditadura e autoritarismo no país e no Corinthians.

O que movia esses jovens a realizar encontros e discussões era a paixão pelo Corinthians e a vontade de serem participantes ativos na vida política e administrativa do clube, não só incentivando o time nos jogos, como também colaborar para sua existência.

Hoje, a Gaviões da Fiel é a maior torcida organizada do país, com mais de 70000 sócios. É natural associar Gaviões da Fiel a Corinthians. Toda vez que se fala de um irradia-se a presença do outro.

A Gaviões é também uma escola de samba, centro social e de convívio entre os corintianos, como se fosse uma extensão do clube. Sua história é muito semelhante à do clube, construída igualmente com dificuldades e conquistas.

Em 1974 a Gaviões da Fiel conquistou sua sede social, na Rua Cristina Tomás, no bairro do Bom Retiro.

Essa torcida organizada imanta o poder transformador de milhares de ‘gaviões’ em indivíduos que lutam por um ideal e defendem uma só causa: o Sport Club Corinthians Paulista. Sob essa legenda, encontram-se pessoas de todos os credos, tipos, cores, idades e classes sociais. Entretanto, dentro dos estádios, o espírito de amor e fidelidade ecoado pelos hinos cantados por todos, é espetáculo capaz de comover e arrepiar qualquer desavisado do significado de uma grande massa humana em comunhão: torcida e time se transformam numa coisa só, Corinthians.

Como numa história de amor, o período em que o Corinthians passou sem títulos, caracterizou mais ainda seus torcedores como fiéis, já que, não importava resultado, distância ou dificuldade que o clube enfrentasse, seus torcedores mantiveram-se sempre dispostos a acompanhar passo a passo, qualquer tropeço ou conquista, com a certeza de que jamais abandonariam o parceiro idealizado.

Pode parecer paradoxal; a verdade é que, no período obnubilado, o número de torcedores do Corinthians, ao invés de diminuir, devido aos seguidos fracassos aumentou com a paixão expandida de maneira inextricável. A emoção mobiliza o torcedor e consolida o amor pelo Corinthians em forma e conteúdo tão grandiosos quanto a história de orgulho e batalhas comoventes que o clube percorreu. Afinal, é o time da massa, do povo, é a cara do Brasil!

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