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BOLETIM CLÍNICO - NÚMERO 14 - MARÇO/2003

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


7. A Esquizofrenia no Museu de Imagens do Inconsciente

"A moldura da nossa mente é infinita. Nosso inconsciente é pintado sem proibições. Quando entendemos Platão, nós mesmos libertamos nossas almas. O horizonte está na descoberta de descobrir a si mesmo. A vida não morre com as perdas externas, mas com as internas. O coração é o pulsar da consciência".

O poema acima se destaca entre as cores efervescentes de uma das telas pintadas por Sidney Alves. O artista em questão é um dos 60 portadores de esquizofrenia que freqüentam um ateliê localizado no Museu de Imagens do Inconsciente, voltado para a expressão e criatividade desse tipo de paciente. "Coloco no papel a minha realização, dou forma ao que só existe no meu sonho", como ele mesmo explica o sentido de sua arte.

O Museu - Buscando alternativas ao tratamento tradicional e já engajado na luta anti-manicomial, a psiquiatra Nise da Silveira organizou, em 1946, ateliês de pintura e de modelagem na Seção Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro.

A produção se revelou de tão alta qualidade e com tal interesse científico que nasceu então a idéia de organizar um espaço que reunisse a arte criada. Hoje o Museu de Imagens do Inconsciente é um museu vivo, a que são acrescentadas novas obras diariamente.

O acervo de mais de 300 mil documentos, entre investigações científicas, telas, pinturas, desenhos e modelagens, oferecem ao pesquisador condições para o estudo de imagens e símbolos, bem como a possibilidade de acompanhar a evolução de casos clínicos.

A instituição, que é mantida pela Prefeitura do Rio de Janeiro e, principalmente, pela Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, conta com uma equipe de três psicólogos, um psiquiatra, um colaborador, um estagiário e duas artistas plásticas para atender gratuitamente 60 clientes portadores de esquizofrenia. A coordenadora de projetos, Gladys Schincariol, afirma que a esquizofrenia não atinge a criatividade ou a inteligência do doente. Mas ainda assim são necessários meios para que o paciente se auto-organize. "Esquizo" significa dividido e "frenis", pensamento.

Para a psicóloga Maria Abdo, ele é o avesso das pessoas normais. "Não tem rotina nem pragmatismo. Chega a perder-se em sua riqueza".

A linguagem não verbal - Numa manhã de sexta-feira, no Rio de Janeiro, Sidney chegou atrasado ao ateliê do Museu de Imagens do Inconsciente. Trazia, afoito, debaixo do braço uma obra que havia acabado de pintar em casa. Mostrava-se claramente ansioso por compartilha-la na terapia de grupo, um espaço dedicado aos esquizofrênicos-artistas. No canto inferior direito da tela de um colorido vibrante, um coração se sobressai. Dirigindo-se 'a psicóloga Maria Abdo e aos companheiros que sofrem do mesmo transtorno mental, Sidney desabafa: "acordei, desejando amar as pessoas, então corri para pintar o quadro". A compaixão do grupo se expressa na voz de um colega, José Alberto de Alemida, que oferece uma segunda interpretação: "ou como eu gostaria de ser amado hoje".

A psicóloga que coordena a reunião, baseada no valor expressivo da arte, comenta que esse vínculo entre os esquizofrênicos é fundamental. "Por conhecerem o processo da loucura, se consolam mutuamente".

Maria Abdo faz questão de ressaltar que sua meta é trabalhar com o potencial autocurativo da psique. "Não fazemos, no ateliê, uma apologia à loucura por valorizarmos sua riqueza criativa. Nosso esforço é para que aceitem de forma mais saudável e prazerosa tal condição mental".

Terapia na Arte

No Museu de Imagens do Inconsciente, os terapeutas não interpretam ou julgam as obras pintadas pelos esquizofrênicos. Ao contrário, estimulam que o próprio artista o faça. "O que fazemos é oferecer-lhe um acompanhamento durante e depois da criação, sempre observando os temas, as cores e as técnicas recorrentes", explica a psicóloga Maria Abdo.

Uma das temáticas que aparece freqüentemente nos quadros é a mandala. A palavra vem do velho sânscrito e significa "o centro", "o mistério". Por isso, o desenho de uma mandala é feito em torno de um eixo de simetria e pontos cardeais.

Com o apoio do psicólogo suíço Carl Jung, a psiquiatra Nise da Silveira encontrou a simbologia desse ícone. Um caminho para reencontrar seu próprio eu, uma tentativa de criar ordem dentro do caos.

"Se houver alto grau de crispação do consciente, muitas vezes só as mãos são capazes de fantasiar", afirmou Jung em seu primeiro encontro com a fundadora do Museu de Imagens do Inconsciente.

A importância de as imagens serem analisadas em série é ressaltada pela coordenadora de projetos. "Somente assim é possível observar o dinamismo da psique". Para o paciente, o efeito da expressão artística é mais imediato. "Pintando sua angústia, o esquizofrênico despotencializa algumas emoções", complementa Gladys enquanto toma como exemplo uma tela que representa um monstro. "O confronto com a imagem que o assusta diminui a carga de medo, uma vez que existe o confronto direto com ela".

José Alberto, que tem obras expostas no Museu com desenhos de monstros, ratifica o potencial expressivo da arte, embora afirme: "Se vocês pudessem fotografar minha mente, veriam que ela é muito mais bonita que meus quadros".