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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


10. O Boletim leu para você– “A Teoria da Relatividade Especial e Geral” de Albert Einstein

Neste livro encontramos o apêndice 3 (p. 101 a 109) que apresenta um confronto entre a ciência empírica e a ciência teórica e como essas duas maneiras de fazer ciência podem ser integradas.

A seguir de forma muito clara e sintética são colocadas as experiências que confirmaram a validade da Teoria Geral da Relatividade de Einstein.

Na continuação temos o apêndice 3 na íntegra:

"3- A confirmação da Teoria da Relatividade Geral pela experiência"

Do ponto de vista de uma teoria do conhecimento esquemática, o processo de desenvolvimento de uma ciência experimental costuma ser imaginado como um contínuo processo de indução. As teorias emergem como resumos de uma grande quantidade de experiências transformadas em leis experimentais, a partir das quais as leis gerais são determinadas por comparação. A evolução da ciência, de acordo com este modo de ver, assemelha-se a um trabalho de catalogação, um produto meramente empírico.

Mas esta concepção não esgota em absoluto todo o processo real. Com efeito, ela deixa de considerar o papel importante que a intuição e o pensamento dedutivo desempenham no desenvolvimento de uma ciência exata. Pois, logo que uma ciência tenha deixado para trás a sua fase mais primitiva, os progressos teóricos não são mais realizados por um simples trabalho de ordenação. Pelo contrário, o pesquisador, estimulado pelos fatos da experiência, desenvolve um sistema de pensamento que o mais das vezes baseia-se logicamente em um pequeno número de suposições fundamentais, os assim chamados axiomas. Um tal sistema de pensamento é denominado uma teoria. A razão de existir da teoria decorre do fato de ela estabelecer uma ligação entre um grande número de experiências isoladas; é aí que reside sua "verdade".

Ora, para o mesmo complexo de fatos experimentais podem existir diferentes teorias, consideravelmente distintas umas das outras. No que diz respeito às conseqüências que são acessíveis à experiência, as teorias podem concordar de forma tão ampla que fica difícil encontrar outras conseqüências capazes de estabelecer experimentalmente a distinção entre elas. Um destes casos de interesse geral nós encontramos, por exemplo, no terreno da biologia, onde se defrontam, por um lado, a teoria de Darwin da evolução das espécies pela seleção natural na luta pela existência e, por outro, a teoria da evolução baseada na hipótese da transmissão hereditária dos caracteres adquiridos.

Outro caso em que há ampla concordância das conseqüências é apresentado pela mecânica newtoniana, de um lado, e a Teoria da Relatividade Geral, do outro. Esta concordância vai tão longe que até hoje não foi possível encontrar senão poucas conseqüências da Teoria da Relatividade Geral acessíveis à experiência que não tenham sido previstas também pela física pré-relativística - não obstante a profunda diferença dos pressupostos básicos das duas teorias. Queremos considerar aqui mais uma vez estas importantes conseqüências e discutir brevemente as experiências acumuladas até o presente a este respeito.

a) O movimento do periélio de Mercúrio

Segundo a mecânica newtoniana e a lei da gravitação de Newton, um planeta isolado que gira em torno de um sol descreverá uma elipse ao redor deste (ou, mais precisamente, ao redor do centro de gravidade comum do sol e do planeta). O sol (ou centro de gravidade comum) encontra-se em um dos focos da órbita elíptica, de modo que no decorrer de um ano planetário a distância entre o sol e o planeta cresce de um valor mínimo até um valor máximo, para depois voltar a decrescer novamente até o mínimo. Se, em lugar da lei da atração de Newton, aplicarmos uma lei um pouco diferente, encontramos que, segundo esta lei, o movimento ainda deverá acontecer de modo a que a distância entre o sol e o planeta exiba variações periódicas; mas o ângulo descrito pela linha sol-planeta durante um tal período (de um periélio, ou ponto da órbita mais próximo do sol, a outro) será diferente de 360o. A órbita deixará de ser uma linha fechada. Ao longo do tempo, cobrirá uma porção anular do plano orbital (entre o círculo de distância mínima e o círculo de distância máxima do planeta ao sol).

Segundo a Teoria da Relatividade Geral, que difere um pouco da lei de Newton, também deve ocorrer um pequeno desvio desse tipo em relação ao movimento orbital determinado pelas leis de Kepler e de Newton, de tal forma que o ângulo descrito pelo raio sol-planeta entre um periélio e o seguinte difere de uma revolução completa (isto é, do ângulo 2pi, na medida angular absoluta usual em física), pela quantidade



24pi³ a²
T² c² (1- e²)





(Aqui, a é o eixo maior da elipse, e é sua excentricidade, c é a velocidade da luz, T é o período de revolução do planeta). Este resultado também pode ser expresso da seguinte maneira: de acordo com a Teoria da Relatividade Geral, o eixo maior da elipse gira em torno do sol no mesmo sentido do movimento orbital. Esta rotação, segundo a teoria, deve chegar a 43 segundos de arco a cada cem anos para o planeta Mercúrio, mas para os outros planetas do nosso sistema solar ela é tão pequena que não pode ser detectada.

Efetivamente, os astrônomos verificaram que a teoria de Newton não é suficiente para calcular o movimento observado de Mercúrio com a precisão que está ao alcance das observações atuais. Depois de levar em conta todas as perturbações exercidas pelos outros planetas sobre Mercúrio, verificou-se (Leverrier, 1859; Newcomb, 1895) que restava um movimento não explicado do periélio da órbita de Mercúrio que não difere consideravelmente dos +43 segundos de arco por século, acima mencionados. Este resultado empírico concorda, a menos de uns poucos segundos, com o resultado da Teoria da Relatividade Geral.

b) O desvio da luz pelo campo gravitacional

Já explicamos no item 22 que, de acordo com a Teoria da Relatividade Geral, em um campo gravitacional a trajetória do raio luminoso deve sofrer uma curvatura, semelhante à curvatura que experimenta um corpo lançado através desse campo. De acordo com a teoria, um raio luminoso que passa rente a um corpo celeste é desviado na direção deste; o ângulo de desvio a de um raio luminoso que passa a uma distância de Delta raios solares será de:

a = 1,7/Delta segundo de arco.

Devemos acrescentar que metade deste desvio, segundo a teoria, deve-se ao campo de atração (newtoniano) do sol e metade à modificação geométrica do espaço ("curvatura") provocada pelo sol.

Este resultado permite uma verificação experimental por meio de fotografias das estrelas durante um eclipse total do sol. É preciso esperar a ocasião do eclipse, porque em qualquer outro momento a atmosfera está tão fortemente iluminada pela luz solar que as estrelas próximas ao sol se tornam invisíveis. A figura 4 mostra que fenômeno deve ser esperado. Se o sol (S) não estivesse presente, uma estrela infinitamente distante seria vista na direção D1 como observada da Terra. Mas, em conseqüência do desvio da luz provocado pelo sol, vemo-la na direção D2, isto é, a uma separação do centro do sol um pouco maior do que a separação verdadeira.



Na prática, a verificação se faz da seguinte maneira. Durante um eclipse total do sol fotografam-se as estrelas na sua vizinhança. Depois se faz uma segunda fotografia das mesmas estrelas quando o sol se encontra em outra parte do céu (isto é, alguns meses mais tarde ou mais cedo). As imagens das estrelas fotografadas durante o eclipse total do sol devem então estar desviadas radialmente para fora (afastando-se do centro do sol), em relação à fotografia de referência, por uma quantidade que corresponde ao ângulo alpha.

Devemos agradecer à Royal Astronomical Society de Londres a verificação deste importante resultado. Sem se deixar perturbar pela guerra e pelas dificuldades de ordem psicológica daí decorrentes, ela enviou vários de seus mais importantes astrônomos (Eddington, Crommelin, Davidson), equipando duas expedições para fazer as fotografias durante o eclipse total do sol de 29 de maio de 1919 em Sobral (Brasil) e na Ilha do Príncipe (África Ocidental). Os desvios relativos que eram esperados nas fotografias do eclipse total do sol em relação às fotografias de comparação chegavam apenas a alguns centésimos de milímetro. As exigências impostas à precisão das fotografias e à medição das mesmas não eram, portanto, pequenas.

O resultado das medidas confirmou a teoria de uma maneira plenamente satisfatória. As componentes retangulares dos desvios observados e calculados das estrelas (em segundos de arco) estão contidas na seguinte tabela:

Número da estrela 1a. Coordenada 2a. Coordenada
  Observada Calculada Observada Calculada
11 -0,19 -0,22 +0,16 +0,02
5 -0,29 -0,31 -0,46 -0,43
4 -0,11 -0,10 +0,83 +0,74
3 -0,20 -0,20 +1,00 +0,87
6 -0,10 -0,04 -0,57 +0,40
10 -0,08 +0,09 +0,35 +0,32
2 +0,95 +0,85 -0,27 -0,09


Número da estrela 1a. Coordenada 2a. Coordenada observada calculada observada calculada 11 -0,19 -0,22 +0,16 +0,02 5 -0,29 -0,31 -0,46 -0,43 4 -0,11 -0,10 +0,83 +0,74 3 -0,20 -0,20 +1,00 +0,87 6 -0,10 -0,04 -0,57 +0,40 10 -0,08 +0,09 +0,35 +0,32 2 +0,95 +0,85 -0,27 -0,09



c) O deslocamento das linhas espectrais para o vermelho

Mostramos no item 23 que num sistema K' que esteja em rotação relativamente a um sistema galileano K a marcha de relógios idênticos e em repouso depende da posição que eles ocupam. Vamos investigar quantitativamente esta dependência. Um relógio colocado a uma distância r do centro do disco tem, relativamente a K, a velocidade:



v = wr,



onde w representa a velocidade de rotação do disco (K') em relação a K. Se v (inicial) representa o número de batidas do relógio por unidade de tempo (taxa de marcha do relógio) relativamente a K no caso de o relógio estar em repouso, a taxa v de um relógio que se move em relação a K com velocidade v, mas que está em repouso em relação ao disco, é, de acordo com ítem 12:



v = v (inicial) Ö 1 - v²/c² ,



ou, com suficiente aproximação:



v = v (inicial) ( 1 - 1 v²/2 c²) ,



ou ainda:



v = v (inicial) ( 1 - w² r²/2 c² ) .



Se designarmos por +F a diferença de potencial da força centrífuga entre o lugar ocupado pelo relógio e o centro do disco, isto é, o trabalho (com sinal negativo) que deve ser fornecido à unidade de massa contra a força centrífuga para transportá-la da posição ocupada pelo relógio sobre o disco em rotação até o seu centro, temos que:



+F = - w² r²/2 ,



do que resulta:



v = v (inicial) ( 1 + F/c² )



Vemos daí, em primeiro lugar, que dois relógios de idêntica construção, colocados a distâncias diferentes do centro do disco, marcham com taxas diferentes. Este resultado também é válido do ponto de vista de um observador que está rodando com o disco.

Mas como - considerando a partir do disco - existe um campo gravitacional cujo potencial é F, o resultado obtido será válido para campos gravitacionais em geral. Como, além disso, um átomo que emite linhas espectrais pode ser considerado como um relógio, vale a seguinte proposição: um átomo absorve ou emite uma freqüência que depende do potencial do campo gravitacional em que ele se encontra.

A freqüência de um átomo que se encontra na superfície de um corpo celeste é um pouco menor que a de um átomo do mesmo elemento que se encontra no espaço livre (ou na superfície de um corpo celeste menor). Como F = - GM/r, onde G significa a constante gravitacional de Newton, M a massa, r o raio do corpo celeste, deve ocorrer um deslocamento para o vermelho das linhas espectrais geradas na superfície de uma estrela, quando comparadas com as linhas espectrais geradas na superfície da Terra. Tal deslocamento é dado por:



v - v (inicial)/v (inicial) = - GM/ c² r



Para o Sol, o deslocamento para o vermelho esperado eleva-se a cerca de dois milionésimos do comprimento de onda. Para as estrelas fixas não é possível fazer um cálculo seguro, porque geralmente não conhecemos nem a massa M nem o raio r.

Ainda é uma questão em aberto saber se este efeito realmente existe. Atualmente, os astrônomos estão trabalhando com grande empenho para encontrar uma resposta. Ara o Sol é difícil evidenciar a existência desse efeito, por ele ser muito pequeno. Enquanto Grebe e Bachem (Bonn), com base em medidas próprias e também em medidas de Evershed e Schwarzschild para a raia de cianogênio, da mesma forma que Perot, baseado em observações próprias, consideram a existência deste efeito como certa, outros pesquisadores, sobretudo W. H. Julius e S. John, com base em suas medidas, são de opinião contrária, ou pelo menos não estão convencidos da evidência do material empírico disponível até o presente.

Nos estudos estatísticos sobre as estrelas fixas não há dúvida de que existem desvios médios das linhas espectrais em direção aos comprimentos de onda mais longos. Mas o exame dos dados feito até hoje ainda não nos permite afirmar se aqueles deslocamentos devem ser realmente atribuídos à gravitação. Uma coletânea dos dados observacionais, juntamente com uma discussão exaustiva do ponto de vista da questão que nos interessa aqui, pode ser encontrada no trabalho de E. Freundlich intitulado "Prüfung der allgemeinen Relativitätstheorie" ["Exame da Teoria da Relatividade Geral"], Die Naturwissenschaften (fasc. 35, p. 520, Springer, Berlim, 1919).

Em todo caso os próximos anos haverão de trazer uma decisão segura* . Se não existisse o deslocamento para o vermelho (red shift) das linhas espectrais pelo potencial gravitacional, a Teoria da Relatividade Geral se tornaria insustentável. Por outro lado, o estudo do deslocamento dessas linhas, quando ficar estabelecido que ele é devido ao potencial gravitacional, fornecerá informações importantes sobre as massas dos corpos celestes."**

Efraim Rojas Boccalandro leu para você.

*Esta expectativa otimista de Einstein não se confirmou imediatamente. As observações experimentais sobre o deslocamento das linhas espectrais (em direção a freqüências mais baixas e em razão do campo gravitacional das estrelas) eram difíceis e geraram muitas controvérsias. Por cinco décadas, a partir de 1919, alguns astrônomos afirmavam que os resultados estavam de acordo com as suposições de Einstein, enquanto outros defendiam posições contrárias. Somente a partir de 1959, com os experimentos de Robert Pound, Glen Rebka e Joseph Snider, que utilizaram o efeito Mössbauer para medir o deslocamento das linhas espectrais no campo gravitacional da Terra, a previsão de Einstein foi definitivamente confirmada e aceita. (N. do R.)

**Trecho extraído do livro de Albert Einstein: A Teoria da Relatividade Especial e Geral. Trad.: Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.