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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


8. A análise bioenergética hoje - Um comentário analítico do Primeiro Encontro Latino Americano de Análise Bioenergética - Luiza Revoredo de Oliveira Reghin

Prazer em ocupar um lugar nesta mesa, completando um ciclo iniciado há mais de dois anos, quando na Federação Latino Americana de Análise Bioenergética concebemos a necessidade deste Encontro.

Como já foi dito, inicialmente subestimamos a demanda latino americana para este evento e a alegria de tamanha resposta de todos os lugares e sociedades é o reasseguramento que nestes trinta anos de Análise Bioenergética na América Latina muito construímos. Faltava dar voz e este foi o motor da Comissão Científica de Encontro - contemplar a diversidade de práticas e as articulações teórico -técnicas.

Absorvida no Brasil nos anos 70, como uma terapia alternativa criada nas bases do movimento da contracultura e do potencial humano,com sua máxima expressar-se ou morrer, a Análise Bioenergética foi uma força que se juntou à luta contra o capitalismo, que através da ditadura reprimia todas as manifestações político- culturais. Podemos dizer que a Análise Bioenergética é a psicoterapia neo-reichiana mais conhecida e que cumpriu a função de divulgar os conceitos de energia e de unidade funcional corpo-mente.

De 1970 para cá muita coisa mudou no Brasil e no mundo, muita coisa mudou no panorama das psicoterapias. Hoje não se fala mais em repressão, mas em exclusão e ameaças às possibilidades de existir e a nossa tarefa é lidar com o diferente em nós e no outro, é criar dispositivos que viabilizem o fluxo liberado nos corpos individuais e coletivos, favorecendo a vida e as múltiplas formas de existir.

A Análise Bioenergética seguiu sua trajetória fora da Academia (hoje podemos celebrar a conquista dos colegas do Recife, ingressando na Universidade com um curso de especialização), o que por um lado a tornou acessível a profissionais de saúde, educação e outros campos, mas por outro criou- se num isolamento teórico que levou a uma cristalização de conceitos, acabando por se constituir na força de sua técnica. O amplo desenvolvimento de técnicas de intervenção corporal favoreceu a incorporação da bioenergética a muitas outras abordagens, mas o mesmo avanço não ocorreu no seu campo teórico. Esta é a reflexão que gostaria de fazer hoje aqui com vocês.

O Brasil é um país pobre, nossa realidade sócio - político - cultural nos toca, vivemos no cotidiano a tensão da falência do ideal igualitário. Conscientes que somos produtos e produtores desta realidade, criamos novos dispositivos de intervenção (vejam as nossas clínicas sociais) recorrendo à utilização de recursos teóricos- técnicos de outras abordagens.

Isto foi ocorrendo dentro deste nosso jeito pouco sistematizado e partilhado de fazer, por um tempo preocupados com a manutenção da "identidade" analistas bioenergéticos e depois já capturados na forma de um fazer que muitas vezes ainda insiste em excluir o pensar, pois passamos a ver o pensar somente sua forma defensiva e não criativa - estes são resquícios do movimento contracultural (pelo menos 40 anos).

O movimento apregoado por Lowen no início dos anos 90 e designado "Back to the basics" (Volta às origens) foi um chamamento à construção da identidade analista bioenergético e sugeriu um processo de fechamento da comunidade e estase da criação aberta e comunicada. Acabamos por criar uma quase armadilha, onde em nome da preservação do Instituto e para ter um lugar de pertinência, continuaríamos a reproduzir modos de ver e intervir, nossa comunidade continuaria unida por meio da estagnação e resistência ao acolhimento das diferenças.

Mas, como bons analistas bioenergéticos, nós e nosso mestre sabemos e sentimos que o desenvolvimento não tolera estruturas fixadas, que viver é sinal de fluxo e pulsação e assim, aqui e acolá o novo foi se produzindo. Buscamos outros autores e abordagens para continuar a trabalhar o caráter como um construto bio-psico-político-social , pesquisando as questões energéticas, aprofundando nossa base psicanalítica, compreendendo os processos de subjetividades, lidando com os fenômenos grupais, questões temáticas de fases do desenvolvimento, síndromes contemporâneas, enfim, todo este novo que nestes dias tivemos oportunidade de ver e ouvir.

Procurei fazer um levantamento desta diversidade apresentada aqui, a partir dos resumos dos trabalhos entregues à Comissão Científica, e gostaria que vocês ouvissem por onde passeamos: Freud, Reich nas suas diferentes fases e seguidores, Gerda, Keleman, Jung, Winnicott, Bowlby, Daniel Stern, Groddeck, Psicodrama, Psicoterapia sistêmica, Análise transacional, Foucault, Deleuzi, Guattari, Análise institucional, Psicologia organizacional, teoria da comunicação, método Padovan de reorganização neurofuncional, genética comportamental, neurociências, Gordon Stokes, Meir Schneider, Terapia breve, Terapia cognitiva, Etologia, Hipnose Ericksoniana, arteterapia, florais de Bach, técnicas de massagem, dança yoga, meditação, healing, trabalho com voz, com estórias. Teríamos ainda tantos outros autores se continuássemos a mapear o que toda a comunidade bioenergética produz.

Se na construção da identidade do nosso Instituto nos opomos à diversidade, favorecemos um modelo conservador de cultura, um modelo dominante (uns sobre os outros), negamos as diferenças e os múltiplos e em nome da preservação da escola adaptamos o diferente. Ora, nada mais anti análise bioenergética!

Este foi o grande risco que corremos, de ficarmos aprisionados no ciclo patriarcal do desenvolvimento, onde o extremo da delimitação leva à separação das polaridades, ao dogmatismo e à hierarquização, à retomada da dicotomização corpo-mente.

Como já disse, fizemos um grande avanço na leitura energética do corpo, mas nos mantivemos num modelo patriarcal onde o terapeuta define o que deve ser feito. Temos ainda palavras de ordem como: expresse- se, seja autêntico, intimista, valorizamos a extroversão, paradoxalmente ainda preconizando formas de se mover, mesmo que as técnicas favoreçam ao corpo que se auto-regule, a ênfase do trabalho recai no fazer, não necessariamente acompanhado do processamento simbólico.

Com isto, podemos fazer destes recursos (os "exercícios" - continuo a rejeitar esta designação!!!) substitutivos dos psicofármacos ou aplicá-los como fármacos ou psicofármacos - nada mal diriam alguns - afinal, com um processo rápido e em larga escala alivia-se dores. Porém, se não legitimarmos a dor e o sofrimento e criarmos um espaço para elaboração, favorecemos a criação de zonas amortecidas e de indiferença e a energia colocada em fluxo será mais uma vez capturada pelo sistema. Abrimos mão da nossa potência de agentes transformadores de nós mesmos e do mundo em que vivemos.

O próprio Lowen, referindo-se ao seu trabalho terapêutico com Reich, disse que ao minimizar o trabalho com a Análise do Caráter quando passou da vegeto terapia caratero-analítica para a terapia orgônica Reich perdeu muito. Lowen disse que o trabalho com a Análise do Caráter apesar de tomar muito tempo e paciência é indispensável para um sólido resultado. Será que a história de alguma forma não se repetiu na Análise Bionergética (e nas psicoterapias corporais)? Estranhamente, apesar da nossa filiação à primeira fase do trabalho reichiano, acabamos num fazer mais identificado com sua última fase, trabalha- se a energia e ponto.

O trabalho reichiano foi pioneiro na política do desejo, na relação entre economia libidinal e política, mas este território está pouco ocupado. Precisamos refletir, discutir, vivenciar, enfim produzir com estas questões e nos re- situarmos na cultura do corpo e construir uma base teórico consistente, atualizada e aprofundada que respalde o exercício da clínica analítico-bioenergética na contemporaneidade, como uma linha contorno que nos defina no que somos e fazemos.

A quantidade de energia que vi e senti pulsar nestes dias, trezentos e setenta corpos produtores de um encontro com uma grande força, me faz crer que já temos assumido um compromisso de continuidade que nos envolve a todos formandos e formadores para a construção deste grounding teórico - técnico. Grounding, este conceito fundante da Análise Bioenergética significa o que sou, o contato com a realidade que nos faz humanos e semelhantes, capazes de amar e sentir e fluir e acompanhar o novo sem colapsar.

Pensemos em identidade Análise Bioenergética e diferença, unidade e multiplicidade e nesta tensão entre as polaridades ultrapassemos as dicotomias e dualidades. Não nos iludamos que qualquer destes diálogos que vimos ensaiados e exercidos com outras abordagens são simples,porque os construtos teóricos são diversos, muitas vezes opostos e sínteses muitas vezes impossíveis. Mas se muitas sínteses não são possíveis, criemos desenhos que permitam a co-existência e o confronto, espaços abertos para a emergência do novo. Não fiquemos simplistas, ingênuos e portanto incongruentes e inconsistentes, porque isto seria o fim da Análise Bioenergética como uma abordagem psicoterapêutica.

Façamos deste Encontro um reconhecimento de onde estamos aqui na América Latina, mas não definamos como uma nova identidade, pois isto seria nova cristalização. Nossa comunidade tem um grande desafio pela frente, então afirmemos nossa potência aproveitando o alimento absorvido neste dias como um estímulo à elaboração desta diversidade e assim efetivamente assumamos nossa função de promotores da saúde individual e coletiva!

BIBLIOGRAFIA:

Coelho Junior, Nelson - "A identidade (em crise) do Psicólogo", in Cadernos de Subjetividade n. 4, 1996. Publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, Programa de Estudos pós - graduados em Psicologia Clínica da PUC - SP.

Texto apresentado na mesa redonda de encerramento do "Primeiro Encontro Latino Americano de Análise Bioenergética", como uma representante brasileira e membro da Comissão Científica do Encontro.

Luiza Revoredo de Oliveira Reghin é Psicóloga ( PUC-SP ), membro da Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética (SOBAB) e do R 76 – ação e prevenção em saúde psicorporal.