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BOLETIM CLÍNICO - número 10 - maio/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

7. A Identidade Gay: Uma Construção Histórica - Elcio Nogueira(1)

OBJETIVO
O presente artigo tem por objetivo discutir a construção da identidade gay dentro de seu âmbito histórico. Nossa intenção é menos, um porque ser homossexual, e mais a construção de um modelo de identidade que sem dúvida incluiu as construções de gênero ao longo deste século(2).

INTRODUÇÃO
Hoje novos ares circulam pela Psicologia, tentando se desatar de velhos conceitos moralistas, e que tantos transtornos trouxeram aos sujeitos Homoeróticamente inclinados(3), o CFP editou no começo de 1999, a Resolução 1/99, que visa dar maior ética, e regulamentar o atendimento de pacientes homoeróticos, tentando regulamentar ou mesmo por fim, aos preconceitos existentes em alguns profissionais psicólogos quando do atendimento à pacientes homoeróticos.

No entanto temos a sensação de que saímos de uma “camisa de força”, quanto ao atendimento e partimos para um “Todos sabemos tudo sobre o homossexual”.

Os textos em Psicologia até bem pouco atrás, colocavam a homossexualidade como desvio, ou perversão, ou o “mais comum dos desvios sexuais” (V. Fenichel, Teoria Psicanalítica das Neuroses Atheneu, 1981). Ora torna-se uma tarefa árdua, quando falamos em homossexualidade, pois imediatamente temos como resposta frases do tipo: ”Isto também ocorre com o heterossexual”. Sabemos perfeitamente que, vinculações como a obsessividade, ou a castração à uma expressão sexual é de uma incorreção bem maior do que supomos, mas também temos a absoluta certeza de que a maioria dos profissionais psicólogos não tem noção do que poderíamos chamar de “Cultura Gay”.

Dois exemplos: No recente curso que ministramos na PUC-COGEAE, intitulado: Identidade Sexual: Uma Perspectiva Histórica, tivemos que definir construção de cultura ao longo do curso todo. Tivemos que, por assim dizer, limpar conceitos psicológicos de conceitos sociológicos, e mostrar que de fato as ocorrências de qualquer manifestação emocional ou comportamental, não são indicadores seguros de que uma pessoa tenha uma identidade gay, ou heterossexual, mas que a partir das construções sócio-culturais, formou-se uma Identidade gay, e que muitos conceitos até 1985, tidos como formadores de neuroses, como obssessão, ou castração, ou ainda inversão de gênero, foram utilizados pelo individuo homoerótico, para formar uma identidade sócio-cultural, e ajuda-lo muito por exemplo na luta contra a AIDS. Ou seja, a maioria dos alunos buscava no curso uma explicação de porque se é homossexual, atados que estavam a conceitos psicanalíticos ultrapassados.

Um segundo exemplo: Conversando com uma colega sobre o atendimento para pacientes homoeróticos, me dizia ela: ”lembrei-me muito de você ontem. Jantei com alguns amigos homossexuais, e percebi que, apesar de serem médicos, ou empresários bem sucedidos, existe uma angústia diferente ou a mais do que no resto da população...”Ao que lhe respondi: ”Não é nem um pouco fácil “criar” um Ego centrado, quando se tem que encobrir muitas vezes sua sexualidade, por causa da rejeição social.

Existe uma angústia a mais ou diferente? ou de fato existe uma forma de manifestação do Ser, em virtude do espaço social ser ou não continente? Segundo Perlongher (1987), autor que tratou do chamado “Negócio do Michê’: Na sua singularidade, que esta longe de ser singular, o negócio do michê manifesta uma modalidade de funcionamento do desejo no campo social, que seria possível ser estendida a outros territórios e articulações, se, como querem Deleuze e Guatarri: Existe o desejo, o social e nada mais” (1987, p.261).

Em nosso ponto de vista, não podemos falar de homossexualidade, se não tivermos noção de sua construção histórica, e isto se deve ao fato de que: A homossexualidade sofreu e ainda sofre, grandes preconceitos e estigmas, o sujeito homoerótico, é bastante estigmatizado, e as religiões sejam elas quais forem, ainda o colocam como o “porta-voz” do demônio, ou a aberração que tem de voltar aos caminhos de Deus. O Lócus social em que o indivíduo homoerótico foi obrigado a construir sua rede de identificações, suas subjetividades, ou o que lhe foi permitido desejar, e mesmo construir como relação possível com o outro, influíram e tiveram preponderância, nas hoje chamadas relações homoeróticas.

Como dissemos acima temos absoluta certeza da potencialidade bi-sexual, ou de que manifestações do psiquismo, não são atributos de sexualidades dadas, mas também temos certeza de que a desinformação sobre a chamada cultura gay pode gerar ainda preconceitos, ou euforias, e em ambos os casos são infundados, diríamos que são apenas e tão somente manifestações de uma Identidade que hoje pleiteia o casamento, e partilha de herança.

Hoje, o paciente nos procura, porque tem angústias, ou fobias ou mesmo busca um processo de auto-conhecimento, e é homoeróticamente inclinado mas houve um tempo em que ele nos procurava, para saber se sua sexualidade era normal ou não, se houve uma inversão, e ainda bem que houve, frisemos isto, é porque houve um movimento de luta pela Identidade Gay, mas até 1985, e ainda hoje quando realizamos nosso trabalho, 2001, muitos pacientes homoeróticamente inclinados, nos perguntam se são ou não normais. Enquanto profissionais da área de saúde temos, com certeza, muito trabalho. Vejamos a Identidade Gay.

OS ANOS 60: Antes de prosseguirmos, vamos a um esclarecimento: não vamos discutir, problemáticas das identidades homoeróticas, e também não traçaremos um paralelo entre culturas, o que quando falamos em identidades homoeróticas é muito comum, partiremos de imediato dos anos 60, como referencial histórico, tendo em mente a necessidade de situarmos o psicólogo, em um período histórico que alavancou as lutas pelas igualdades sociais e sexuais neste século que já terminou e que ao nosso ver foram definitivamente os anos em que as mudanças ocorreram.

Falaremos em psicanálise, ou em psicologia, mas não aprofundaremos qualquer análise, porque seria contraditório com nossa linha de pensamento, que exclui qualquer vinculação de patologias com sexualidades, sejam elas quais forem. Pensamos que desta maneira o psicólogo estará, melhor preparado para enfrentar pacientes que ainda questionam, ou venham a questionar sua sexualidade, e recomendamos como fonte de referência, para análise das chamadas Neo-sexualidades, dentro da ótica psicanalítica o trabalho Joyce MacDougall, (V.Bibliografia).

Os anos 60 se tornaram um marco no século passado, com dissemos acima, viveu-se a liberdade sexual, as amarras do casamento monogâmico ruíram o movimento feminista ganhou impulso, e fez deste século, o século das mulheres.

A pílula anticoncepcional, sem dúvida foi uma grande descoberta da medicina que contribuiu para as mudanças que se sucederam no comportamento sexual. O fator econômico, ou seja, a entrada definitiva da mulher no mercado de trabalho, ou em profissões que eram tidas como, tipicamente masculinas, vão consolidando a mulher como mantenedora econômica e emocional da família, muda-se aos poucos o conceito de família, hoje sentimos as mudanças na chamada família nuclear.

O pai se torna mais ausente, seja por divórcio, ou por acúmulo de empregos, na tentativa de manter a família. A família idealizada no início dos anos 90, vai aos poucos desmoronando. Crescem os divórcios, crescem as relações extra-conjugais, modificam-se valores tidos até então como imutáveis.

A mulher questiona os valores construídos no início do século XIX, sobre o pai como mantenedor da família, e passa de objeto do desejo, a objeto desejante. Colocada sob pressão, como objeto idealizado, em quase dois milênios, são nos anos 60 que a mulher rompe os limites da “panela” social, e inverte os valores.

Maria Rita Kehl faz a seguinte observação sobre as mudanças culturais e do feminino: "Examinando um pouco mais de perto algumas formações culturais contemporâneas, chego a me perguntar: que diferenças não se encontram hoje, reduzidas à sua dimensão mínima e essencial?” (Kehl,1996, p.15).

As conquistas femininas avançaram a um ponto tal, que hoje em dia os discursos subjetivos sobre o feminino poderiam ser colocados como meras formas descritivas. Enquanto psiquismo humano, não se pode afirmar que exista uma essência diferente entre o masculino e o feminino.

Colocações modernas, propõem as construções de identidade como descrições de linguagem, estando esta vinculada a uma cultura qualquer. Por exemplo, Anthony Giddens, discutindo a transformação da intimidade nos diz o seguinte: "O problema do essêncialismo é uma tentativa de mudar de assunto, exceto como questão empírica de que até que ponto a auto identidade como descrições de linguagem (colocada pelo autor como identidade sexual), é frágil ou fragmentária e de que ponto há qualidades genéricas a distinguir os homens das mulheres” (Giddens,1993, p.128) (Grifos nossos). De qualquer modo, vale ressaltar, que foi através desta mínima diferença, ou das descrições de linguagem, da cultura ocidental, que se construiu, toda uma psicologia do masculino e do feminino, e colocou-se o homoerotismo, como desvio.

A famosa Lei do Pai colocada por Freud, em Totem e Tabu, apresenta a mulher como objeto de disputa que motiva o pacto civilizatório, e a lei de interdição do incesto, hoje em dia a mulher é co-desejante, não só objeto de disputa, mas também aquela que luta pela realização de seu desejo.

Se colocarmos a mulher como co-responsável pelo pacto civilizatório, e se a lei do falo, apontada por Freud, é uma lei do inconsciente; admitindo-se que os discursos são meras descrições de “velhas” modernidades, não podemos deixar de admitir que todos estes discursos, das sociedades primitivas até os nossos dias, foram os discursos que criaram as subjetividades identitárias dos grupos.

Se no consultório lidamos com um indivíduo, seja homem ou mulher, ou ainda homoerótico, sendo todos, absolutamente iguais em seu psiquismo, quando estes indivíduos se descrevem, eles se descrevem com estes discursos, que lhe diferenciam nos mais diferentes grupos sócio-culturais, não há uma essência psíquica, mas uma diferença de discurso sócio-cultural, que solidificam, para o sujeito sua identidade de maneira global. São adjetivos qualificativos, que o indivíduo acresce ao seu Self, para sua estabilidade emocional. Sem estes adjetivos, a noção do quem sou, não teria sentido para o sujeito.

Retomando o nosso raciocínio; o movimento feminista ganha força justamente pelo fato de pressupor e aceitar que a mulher seja igual, mesmo com uma mínima diferença. O estudo de MacRae, sobre a identidade e a militância gay aponta pra esta questão do feminismo: "Tanto nos Estados Unidos como na Europa os movimentos homossexuais têm sido forçados a reconhecer que não se pode ver a lésbica como simples equivalente feminina dos homossexuais masculinos. Na Inglaterra, por exemplo, A.Faraday alerta para o perigo de se deixar de apreciar o contexto da opressão genérica sofrida pelas mulheres sejam elas homossexuais ou não” (MacRae, 1990, p.244).

E foi a revolução feminista que trouxe a abertura para o movimento gay e que abriu espaço para toda uma chamada “revisão”, do gênero masculino. Segundo Silva: "Enfim a noção de bi-sexualidade e com o crescente avanço dos movimentos feministas que já nesta época começavam a tomar forma, sobretudo na Europa, alguns autores (Nolasco, 1993, 1995), Badinter (1986, 1993), concordam que isto traria como conseqüência, a crise de masculinidade”. (Silva, 2000, p.12)

Ou ainda, Trevisan: ”Deixando de lado os equívocos conceituais e culturais em que este espanto se escora, seria melhor contrapor em certo sentido, o que tem ocorrido nas últimas décadas, é a derrocada das muralhas levantadas para proteger um certo tipo de masculinidade definida e mantida como tal, a ferro e a fogo”. (Trevisan, 1998, p.190).

Trevisan se refere ao espanto que suscita em alguns setores sociais um pseudo-aumento da homossexualidade. Freire Costa coloca muito bem as referencias identitárias de um grupo e seus referenciais, sócio-culturais: ”homossexuais e heterossexuais não são realidades lingüísticas ilusórias ou delirantes. São identidades sócio-culturais que condicionam nossas maneiras de viver, sentir, pensar, sofrer, etc.” (Costa, 1995, p.43).

Os gêneros biológicos, predominaram até o fim dos anos 60, como orientadores para os sujeitos, de sua identidade sexual. Tinha-se a lésbica, mas não se podia olhá-la como equivalente do homossexual masculino. Da mesma maneira tinha-se o homossexual masculino, que não era equivalente da lésbica. Ou seja,a mulher enquanto lésbica, tinha de ser vista, antes de mais nada como um ser que sofreu todas as pressões que qualquer mulher sofreu, independente de sua identidade sexual, assim como no caso do masculino, antes de mais nada, era este masculino que oprimia a mulher, fosse qual fosse sua identidade sexual. (V. MacRae, 1990).

As contradições e dicotomias da cultura ocidental, no tocante à sexualidade, foram utilizadas como formadoras de identidade, tanto para o gay, quanto para a lésbica. Esta divisão, dentro das chamadas homossexualidade, se faz notar ainda hoje, quando observamos lugares (bares, danceterias), alguns tem público predominantemente masculino (homossexual) outros, público predominantemente feminino (lésbicas). E inclusive, existe a reinvindicação de algumas lésbicas, para que se crie saunas (local freqüentado e voltado exclusivamente para o homoerótico masculino), para lésbicas.

Podemos fazer a seguinte colocação: os gêneros foram os formadores das chamadas identidades homossexuais. Atribui-se ao gênero, uma espécie de “pertinência”, quanto a atributos de personalidade, por ex.: a mulher seria mais sensível, o homem mais rude, ou ainda o homem seria mais promíscuo, e a mulher mais criteriosa quanto ao número de parceiros.

O modelo de identidade nascido no final do século XIX, ou o “one-sex-model”, ou ainda o macho mais que perfeito serviu de orientação e ordenação da identidade sexual. Então o homossexual até o fim dos anos 60, era “bicha” ou ”viado”, ou ainda “mulherzinha”, ou mesmo “invertido”.

O GRITO GAY DE NOVA YORK

Em 1969, surge em Nova York, a Frente de Libertação Gay. Ela surge em função dos acontecimentos de Stonewell Inn, localizado na Rua Christopher, no Greenwich Village, o bar Stonewell, era freqüentado predominantemente por jovens homossexuais masculinos. Em uma noite, a polícia, sob a alegação de infração da venda de bebidas alcoólicas, tentou fechar o bar. Os freqüentadores, apoiados pela população do bairro, entraram em confronto com a polícia durante dois dias e duas noites.

Comentando o ocorrido, Spencer faz a seguinte observação: ”O poeta Allen Ginsberg disse: Os caras estavam lindos, tinham perdido aquele ar ferido que todas as bichas tinham dez anos atrás!” (Spencer, 1995, p.349). Sem nos estendermos sobre as significações lingüísticas do termo Gay, ele passa a ter a conotação, pelo uso extensivo, a palavra gay passa a significar não só o sujeito homossexual, mas também toda a rede de valores da chamada Cultura gay.

O movimento gay introduziu no tecido social a inversão da concepção da homossexualidade até então. Se o homossexual era considerado um invertido, ou perverso, o modelo de relacionamento gay passou a propor o relacionamento afetivo, e a construção de uma vida à dois de dois homens. Não mais um macho, que “come” um invertido, mas sim a troca de amor e sexo entre duas pessoas do mesmo gênero biológico. Eram dois homens que buscavam amar e construir uma relação afetiva de igualdade.

Perlongher, aborda a entrada do gay, na cena social de São Paulo, no período compreendido, entre 1979 e 1980, tendo como principal ponto de concentração o Largo do Arouche e o surgimento da Identidade Gay: ”Chama a atenção o que poderíamos chamar de inversão lógica: Assim, enquanto no modelo bicha/bofe a bicha tinha que ser cada vez mais feminina, para atrair o macho (aprendiam a desfilar e usar roupas femininas no grupo homossexual, dizia B. da Silva) no novo modelo gay/gay, os homossexuais procurariam ser mais masculinos para seduzir amantes ainda mais masculinos.

Se na lógica do sistema hierárquico a “submissão” da bicha perante o bofe era manifesta e aberta, no novo sistema, que se ufana de igualístico, esta submissão é fortemente criticada. Porém, ela parece ampliar uma “defenestração revolucionária” do macho. Embora os extremos caricatos de “macheza” sejam desestimulados, não se trataria, na verdade, de uma espécie de interiorização do protótipo do masculino? Isto é: já não se procurava submeter-se perante o machão, mas “produzir” em si mesmo, de certo modo, o modelo gay, que passaria, entre outras coisas, como uma recusa de “bichice” e por uma defesa ainda que retórica de certa pretensão de masculinidade. ”(Perlongher, 1987, p.85) (grifos no original).

A colocação do modelo gay de relacionamento homossexual, cria um impasse no tecido social. Até então a “bicha”, ou o viado” eram objeto de riso, e de preconceito, ou mesmo de isolamento, e de maneira caricatural aceitos pela sociedade como doentes, ou necessitando de uma “cura” agora vão ser aceitos como dois homens que se amam. Dentro do machismo cultural brasileiro, este modelo de relacionamento, não é aceito. De qualquer modo, os conceitos de gênero e essencialismo sexual, são questionados de forma abrupta.

Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, o gay começa a sair do armário. Não era mais necessário assemelhar-se a uma mulher para se obter algum convívio social, ou a esconder-se dentro de casa. O movimento gay busca justamente os ideais do amor entre dois homens, sua luta é para sair da concepção naturalista de que homem e mulher foram feitos um para o outro.

O movimento gay também desafiava o chamado ”gueto” ou o “mercado da carne”, que eram velhos modelos de relacionamento homossexual, a ideologia gay abria novos modelos de relacionamento para os indivíduos homoeróticos.

No entanto, foi durante os primeiros anos da AIDS, que se viu a força de modelo de identidade gay, Freire Costa em Inocência e Vício, faz algumas observações importantes, no grupo por ele denominado Revalorização da Identidade Homossexual contra o Preconceito: "Não é a toa que neste grupo, a discussão sobre a AIDS mescla-se inevitavelmente à tecnologia da “luta pela solidariedade” pelos “direitos do cidadão” contra a “irresponsabilidade dos poderes públicos”. Sobreviver a AIDS, aqui, significa um ponto ganho na luta contra a intolerância e a discriminação (...) Assim, penso, conseguem restaurar o equilíbrio narcísico necessário para enfrentar as restrições impostas à sexualidade pela luta contra o risco de infecção pelo HIV. ”(Costa, 1992, p.168).

Adiante Costa é taxativo, em suas colocações e um modelo de identidade: "Ao se identificarem com um ideal do eu, conforme o projeto de uma cultura mais tolerante, mais plural e mais aberta a re-criação constante da auto-realização erótica, os indivíduos estabelecem normas de comportamento frente a ameaça da AIDS, passíveis de serem compartilhadas por outros, com as mesmas aspirações psíquicas e sociais. ”(Costa, 1992, p.169)

Mas sobre as identidades sócio-culturais e seu avanço após os movimentos feminista e gay, podemos ainda citar o estudo de Regina Ferro do Lago sobre a bi-sexualidade. Seu estudo nos mostra ainda a influência da esfera social sobre a identidade do sujeito, ou seja sua preferência sexual. A bi-sexualidade seria mais uma forma de negociação do sujeito com seu Lócus social de origem (escola, família, amigos) do que de fato uma identidade sexual. Por exemplo: "A existência de parceiros masculinos não é conhecida nem por familiares nem por colegas de trabalho e demais companheiros.

Eventualmente, eles lhe são apresentados apenas como “amigos” (...) Destaca-se que quase 60% dos participantes do Projeto(4) referem parceria fixa masculina em seus relacionamentos, com nítida predominância desse tipo entre “homossexuais e assimilados”. Esses achados contrastam de forma importante com os percentuais referentes as parcerias fixas femininas, que são de apenas 11% para o conjunto (...) Assim o grupo bi-sexual, se enquadra no perfil predominantemente orientado para a busca de outros homens como parceiros” (Lago, 1999, p.167).

A pesquisa de Lago evidencia, que ainda hoje, a homossexualidade é vista pelos sujeitos como estigmatizante e com preconceito, pelo próprio sujeito que opta por parceiros do mesmo sexo. Mesmo após o inicio do movimento gay, e mesmo após, muitas tentativas de luta contra o preconceito, ainda hoje o gay, ou o homossexual, se vê ou é visto socialmente como um individuo desviante.

Especialmente associada as categorias “bicha” e “viado”, o gay se valora negativamente, ou muitas vezes tenta negar seus desejos homoeróticos, associadas a comportamentos tidos como “tipicamente” femininos, ou próprios de homens afeminados, tornado clara a representação de gênero feminino nelas embutidas. Embora possamos afirmar que as categorias “homossexual” e “gay” estejam menos relacionadas com tais representações, este nexo do fim do século XIX, e início do século XX, ainda é conservado. (Lago, 1999)

Ambas são igualmente recusadas, também por possuírem como tônica a ênfase no caráter identitário. Para o brasileiro é mais fácil admitir que usa ou usou drogas que colocar, mesmo em pesquisas sem identificação sua Identidade Sexual.

Quando se fala em identidade sexual no Brasil, tende-se a não levar em conta o meio social do sujeito. Não se consegue ver este sujeito sem uma carga de estigma e preconceito, muitas vezes imposta ao próprio sujeito, por ele mesmo. Temos a tendência a “naturalizar” um psiquismo isolado e criador por si só do sujeito. Não levamos em conta, o meio social no qual o sujeito está inserido.

Se por um lado a identidade gay trouxe uma força bastante grande na luta contra a AIDS, por outro lado, esta identidade, não conseguiu ainda hoje um desligamento de esteriótipos, bastante estigmatizantes. Não podemos negar que 100.000 pessoas na última passeata pelo dia do orgulho gay (estimativa da P. M. fonte Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo de 26/06/00) seja um numero bastante alto para manifestações de rua, e por si só já mostrariam um avanço, por outro lado, não podemos deixar de observar que em salas de bate papo via internet as pessoas se descrevem como não afeminadas, discretas, buscam um parceiro que não seja do “meio”, etc...

A resolução 1/99 foi um enorme avanço dentro da Psicologia, mas encerraríamos este artigo, dizendo que, falta ainda muito a se fazer, pois o próprio indivíduo homoeróticamente inclinado, mesmo quando em situações em que estaria entre iguais, se define por um padrão heterossexual, mesmo quando (em salas de bate papo) as relações são “virtuais” .

A cultura gay valoriza sobremaneira o modelo estético de perfeição masculina(5) um hiper-dimensionamento do discurso afetivo, e muitas vezes valora, enquanto prática discursiva, ou valor da cultura, grande quantidade de parceiros, outro indivíduos homoeróticos valorizam o oposto, mas ainda como regra geral, assumir de público a sua homossexualidade é penoso e um esforço que muitas vezes rebaixa a auto-estima do sujeito. Temos muito trabalho pela frente, senão quisermos ficar apenas na R.1/99.

BIBLIOGRAFIA:
Costa, Jurandir Freire: A Inocência e Vício-Ed.Relume Dumará, R.J.,1992

_________________:A Face e o Verso-Ed.Escuta, S.P.,1995

Freud, Sigmund: O Mal Estar na Civilização, Ed. Imago, S.P. 1998 (Obra Digitalizada)

_____________-Totem e Tabu, Ed. Imago, S.P., 1998 (Obra Digitalizada)

Giddens, Anthony-A Transformação da Intimidade-Ed.Unesp, S.P. 1992

Khel, Maria Rita-A Mínima Diferença-Ed.Imago, S.P., 1996

Lago, Regina Ferro-Bissexualidade Masculina: Uma Identidade Negociada? In-Sexualidade Um Olhar das Ciências Sociais, Org. Maria Luiza Heilborn, Ed-Jorge Zahar, R.J. 1999

MacRae, Edward-A Construção da Igualdade-Ed.Unicamp-S.P. 1990

MacDougall, Joyce-As Múltiplas Faces de Eros-Ed.Martins Fontes, S.P. 1997

Perlongher, Nestor-O Negócio do Michê-Ed.Brasiliense, S.P. 1987

Silva, Sérgio Gomes da-Masculinidade Na História: A Construção Cultural da Diferença Entre os Sexos-In Psicologia Ciência e Profissão-n3 Ed.C.F.P. Brasília, 2000

Spencer, Colin-Homossexualidade Uma História-Ed. Record, R.J. 1995

Trevisan, João Silvério- Seis Balas Num Buraco Só-Ed.Record, R.J. 1998

Notas:
(1) Psicólogo,escritor,psicoterapeuta-crp29.386-3.

(2) É inegável, que já no terceiro milênio falarmos de uma identidade sexual única, estanque seria incorrermos em erro, hoje 2001, as possibilidades de um potencial bi-sexual, menos atado a uma pseudo unicidade de escolha, se torna mais viável, e mais vivido pelos sujeitos nos jogos sexuais, mas é também inegável, que existe uma identidade gay, construída ao longo do século, e que junto com o movimento feminista abriu perspectivas para esta potencialidade bi-sexual ser vivenciada pelos sujeitos.

(3) Usaremos neste artigo o termo homoerótico, por concordarmos com Freire Costa V. Costa 1995.

(4) O Estudo de Lago é sobre o Projeto Praça Onze, realizado no Rio de Janeiro, sobre uma suposta identidade bi-sexual, e os métodos de prevenção para a AIDS.(v.Lago,1999).

(5) Aqui falamos de relacionamentos homossexuais masculinos, e muitos indivíduos homoeróticos não tem esta valorização, mas quando falamos de cultura temos de generalizar a particularização induz a erros maiores.