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BOLETIM CLÍNICO - número 9 - outubro/2000

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

7. Qualidade de Vida na Segunda Maturidade - Irene Cardotti(1) e Marina Pacheco e S. de R. Puech(2)

A segunda maturidade é um processo em construção, para nós brasileiros um grande desafio por se tratar de um assunto, do qual não temos experiência.

Se analisarmos a expectativa média de vida no Brasil podemos perceber o que ocorreu.

1910 - 38 anos

1950 - 48 anos

1975 - 59 anos

1999 - 67 anos

Hoje o país se defronta com uma nova realidade, nós não temos mais uma pirâmide representando a nossa população, esta pirâmide se transformou num cálice, e o que fazer para que estas pessoas tenham condições mais favoráveis de vida?

O idoso na nossa sociedade, diferente de outras culturas, não tem um papel relevante, nos anos 30 ele era considerado “a voz da experiência”, hoje pelo contrário na maioria das vezes é colocado de escanteio, ou se isola.

A medicina vem evoluindo, não porque o país que esta se desenvolvendo, mas sim pela tecnologia, que vem aproximando o mundo desenvolvido do subdesenvolvido, e com isto aumenta a expectativa de vida da população.

A longevidade, antes privilégio das sociedades desenvolvidas ricas, atualmente é democratizada por estas tecnologias.

Gostaria de ilustrar essa fala com um texto escrito por Hermínia Novoa Souza - Publicação Tertúlia – ASA.

PARA TODOS OS QUE NASCERAM ANTES DE 1945
Nós nascemos antes da televisão, antes da penicilina, antes da vacina Sabin, antes da comida congelada, da fralda descartável, do xerox, do plástico, das lentes de contato e da pílula.

Nós nascemos antes do radar, dos cartões de crédito, da fissão de átomos, raio lazer e canetas esferográficas. Antes das máquinas de lavar pratos, secadoras de roupas, cobertores elétricos, ar condicionado e antes do homem andar na lua.

Nós casávamos primeiro e só depois morávamos juntos.

Gente estranha não?
Nós nascemos antes dos direitos dos “gays”, da mulher que trabalha dentro e fora de casa, da “produção independente” de filhos, dos berçários, da terapia em grupo, dos SPAS e dos Flats.

Nós nunca tínhamos ouvido falar em fitas cassetes, vídeo cassete, máquinas de escrever elétricas, vídeo games, computadores, “danoninho” e rapazes de brinco.

Nos nossos dias fumava-se cigarros, “erva” era usada para fazer chá, “coca” era um refrigerante e “pó” era sujeira.

Embalo era como se faziam as crianças dormir, “lambado” era chicotada, “fio dental” servia para higiene bucal e “malhar” era coisa de ferreiro.

Nós nos contentávamos com o que tínhamos.

Nós fomos a última geração tão boba a ponto de pensar que se precisa de um marido para ter um bebê.

Não é de se espantar que sejamos tão confusos e haja tamanha lacuna entre as gerações.

Mas nós vivíamos.

Sim, nós vivíamos e continuaremos a viver apesar da próxima invenção.

Com o advento da longevidade, vem a preocupação, qual a qualidade de vida que essas pessoas estão tendo.

Pensando em vida, precisamos pensar na família, que é a célula da vida.

O ciclo da vida familiar inicia-se com o casamento a união do Homem e da Mulher, seguida do nascimento dos filhos, nesta fase o casal, e principalmente a mulher tem como preocupação a educação dos filhos, preparar este filho para a escola, o convívio com os amigos, os conflitos da adolescência e surge uma nova fase, o filho adulto, que sai de casa, hoje não só pelo casamento, mas também como forma de adquirir sua independência.

Nesta fase o casal, principalmente a mulher, perde o grande objetivo de anos, educar os filhos. A casa fica vazia, silenciosa.

Por outro lado é nesta fase da vida que também ocorre a aposentadoria, a perda da função produtora, do convívio social proporcionado pelos colegas de trabalho.

Portanto esta fase da vida é marcada pelas perdas:

- a perda da função reprodutora, com a menopausa;

- a perda da função produtora com a aposentadoria;

- a perda do convívio social com os colegas de trabalho pela aposentadoria;

- a perda de entes queridos pela morte.

A segunda maturidade, como falamos é acompanhada por diversas perdas, necessitamos nos preparar para vivê-la, fazendo desde cedo um projeto de vida que nos dê motivação e significado para a vida.

Com o aumento da expectativa de vida, como mostramos no início, a concorrência pelos empregos, a substituição dos mais velhos pelos mais moços, na busca das novas tecnologias, a necessidade de estar sempre se reciclando, se atualizando, para mantermos o nosso emprego, em prejuízo de nossas famílias, arcamos com muitas conseqüências.

Deixa-se de lado as famílias, mulher, marido, filhos, as relações sociais, e quando vem a aposentadoria, ainda existe uma grande energia para ser utilizada.

A aposentadoria ocorre por volta dos 50 anos, a vida se prolonga por pelo menos duas décadas, a falta de um projeto de vida para preparar o indivíduo para esta fase, torna gritante, o que fazer com um potencial de energia, de conhecimento de experiências acumulado ao longo dos anos produtivos. A administração deste tempo leva muitas vezes o indivíduo a um desequilíbrio psicossocial, ele passa a se sentir deslocado, desnecessário, inútil, precisando procurar novos objetivos e interesses para a vida.

A medicina tem cada vez mais aumentado a expectativa de vida do indivíduo mas necessitamos pensar na qualidade de vida deste.

O nosso corpo representa e expressa a forma como vivemos, pensamos, sentimos e atuamos.

Nossa sociedade atual enfatiza o “grau” físico, esbelto, musculoso, potente; e o que hoje dessa referência eu tenho nessa fase chamada segunda maturidade ou terceira idade.

Muitos de nós vivemos nossas vidas segundo a imagem que fazemos do universo, da natureza ou do meio social, reproduzindo crenças, padrões de ações reforçados pela família, pela educação ou pela mídia.

Na maioria das vezes não temos noção do aspecto subjetivo de nosso ser físico interior, do qual se baseia a nossa experiência; mas contudo nosso corpo reage e expressa toda essa informação.

Anatomia é destino. Freud disse isso em 1912, e até hoje para milhões de pessoas é verdadeiro, mas o que se coloca é que as estruturas anatômicas de nossos corpos, nossa limitação corporal, nossa diferenciação sexual determina o destino de nossa experiência. Todas as pessoas que trabalham com o corpo como nós bioenergeticistas estabeleceram fatos importantes; um deles é que o corpo é mais plástico, móvel e reorganizável e acreditamos capaz de se regenerar, remodelar e crescer.

O corpo fala a linguagem da mudança das fases da vida e pode aprender a se reorganizar para o prazer e para a sobrevivência.

Ao longo de nossa existência temos visivelmente e internamente, diferentes tipos de corpos que nos formaram até a presente vida, mas a cada mudança, transformação, se pudermos olhar internamente e externamente, iremos somar à nossa experiência.

Nosso trabalho propõe desenvolver este olhar, para essas transformações internas, físicas e biológicas, como um somar na vida para sentir se útil e viver com prazer para si, ao outro e talvez a sua comunidade.

A capacidade de troca e equilíbrio entre a realidade interna e externa do indivíduo é que permitira um ser criativo e feliz.

O corpo constitui uma teia de sistemas em constante renovação, destinada a preservar a unidade do ser, cuja as raízes estão no seu narcisismo primário. O corpo é um reservatório de energia que poderá ser bloqueado pela couraça muscular que impede a livre circulação e experiência do prazer; mas estando o corpo apto a fluir essas energias, e satisfazer todo o mundo imaginário (emoções e sentimentos) do indivíduo, ele encontrara um equilíbrio homeostático; organizando-se e reorganizando-se na continuidade de sua pessoa no tempo.

Com a expressão individual o corpo produz uma linguagem própria que é uma manifestação do pensamento e sentimento e coloca em constante interação energética.

O ser humano é um sistema no qual a mente domina o corpo, ou o corpo que domina a mente, o ser humano é uma integração das dimensões que o compõe: corporal, psíquica e social.

Tratar o corpo é buscar o conhecimento de que esta a serviço de alguma repressão, e o descobrimento da simbologia disso. Tratar esse corpo é retirá-lo das algemas ou nós e descongestionar as regiões corporais encouraçadas.

Qualidade de vida na Segunda maturidade é poder olhar essas mudança reais; dentro da ótica de perdas, esse ser se deprime, adoece, frustra e isola-se; se a ótica for de aquisição, maturidade, parte de seu patrimônio, dessa existência (experiência) irá fortalecê-lo.

Rever o conceito de beleza - Belo - onde tem vida, experiência, luz, amor, sabedoria.

A aceitação dessa linguagem corporal valorizando o seu patrimônio de vida, seu corpo, é seu, como você é, como vive essas mudanças e incorpora os valores da maturidade e partir disto construir novos desejos com prazer e vida.

A evolução do ser é estar a serviço de um objetivo em permanente construção.

Evoluir, crescer é transformar essa energia em consciência e ter compromisso consigo próprio, tratar o corpo é desnudar esse corpo e tocar a alma, desse corpo vívido experiente, maduro, afetivo, respiratório e orgástico.

O que propomos é aprendermos a entender, exercitar e mobilizar essa energia em prol dessas mudanças como transformações de nosso processo de vida.

Consideramos a respiração o ponto de partida, pois simbolicamente o corpo representa:

TERRA - do diafragma para baixo

CÉU - do diafragma para cima

O mensageiro entre o céu e a terra é a RESPIRAÇÃO.

A respiração carrega energicamente o corpo e faz com que o ser sinta-se ativo, vivo, e conseqüentemente os sentimentos começam a aflorar, liberando o potencial do indivíduo para novas relações e conseqüentemente um novo corpo e um novo projeto de vida.

BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Maria do Carmo Brant. Programas e Serviços de Proteção e inclusão Social dos Idosos; Série Programas e Serviços de Assistência – MPAS – IEE, 1998.

Lei 8.842 Política Nacional do Idoso

LOWEN, Alexander & LOWEN Leslie. Exercícios de bioenergética: O caminho para uma saúde vibrante. Ed. Ágora.

LOWEN, Alexander. O corpo em terapia, Ed. Sumus, 1979.

LOWEN, Alexander. O corpo em depressão. Ed Sumus, 1983.

SALGADO, Marcelo. A Velhice uma nova questão social. São Paulo, SESC 1990.

SEIXAS, Maria Rita D’Angelo. Palestra o “Ciclo da Família”. promovida pela FABES, 1994, Hospital Santa Catarina.

Notas:
(1) Psicóloga CRP.: 06/6324, Psicoterapeuta Corporal – Internacional Institute for Bionergetic Analysis (New York-USA) e International Institute for Byosynthesis (Zurich); Psicoterapeuta Familiar, sistêmica e psicodramatista; Terapeuta do Método Self Healing

(2) Assistente Social – CRESS 12121 – Coordenadora do Programa de Atendimento à Terceira Idade Fabes- PMSP de 1997 à 1999 – Supervisora Geral da Secretaria de Assistência Social da Região da Freguesia do Ó.