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BOLETIM CLÍNICO - número 6 - agosto/1999

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

8. A Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic" - Uma Perspectiva Histórica - Efraim Rojas Boccalandro (1)

Se há algum aspecto do ser humano que dá consistência à história é a memória. Hoje assistimos a um destaque muito grande à memória como coadjuvante no relato histórico. É claro naturalmente que a memória não é objetiva, a memória está impregnada de imagens, emoções, de pensamentos que, em muitos casos, não mantém uma correspondência linear com os fatos.

Meu relato sobre os 40 anos de nossa Clínica estará permeado pelas emoções vividas como aluno do curso de Especialização em Psicologia Clínica, como Psicólogo do Ambulatório de Doenças Mentais do Ministério da Saúde, como supervisor de estágio de alunos da graduação, como Psicoterapeuta de clientes da Clínica, como Psicólogo avaliador de funcionários e, mais recentemente, como fundador e editor do Boletim Clínico.

Talvez para colocar minhas memórias dentro de uma certa ordem, seja a seqüência cronológica o melhor caminho.

Em novembro de 1959, eu já era Psicólogo do Trabalho no Instituto de Seleção e Orientação Profissional da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Um dia qualquer desse mês, vi num quadro de avisos uma informação sobre o Curso de Especialização em Psicologia Clínica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; tomei uma decisão repentina de fazer este curso, pois já tinha consciência de que a Psicologia do Trabalho não me daria a realização profissional que eu queria. Em dezembro do mesmo ano, marquei entrevista com o Prof. Dr. Enzo Azzi, que, em princípio, me aceitou como candidato ao curso. Digo em princípio porque antes de realizar a matrícula, teria de passar por uma avaliação psicológica.

Esta avaliação foi feita pela Profa. Dra. Aniela Ginsberg, também fundadora da Clínica. Fiz o teste Zulliger e um teste especial das matrizes progressivas de Raven que foi usado por ser muito pouco conhecido. Aprovado que fui na avaliação Psicológica, comecei o curso em 1960, tendo recebido uma formação em Psicologia Clínica de primeira qualidade. Esta qualidade se devia ao currículo do curso e os professores que dele participavam. Posso citar os nomes dos Profs. Drs. Enzo Azzi e Aniela Ginsberg, Ana Maria Poppovic, Aydil Macedo de Queiroz, dos médicos Haim Grünspun, José Camargo Lima, André Teixeira Lima e Stanislau Krinsky e psicopedagoga Olivia Pereira.

É importante situar como era a São Paulo do início da década de 60. Nos anos 60, São Paulo era uma cidade limpa, apenas passava dos 4 milhões de habitantes, o ar era leve, os bondes continuavam nas ruas, o bairro de Perdizes, onde até hoje se localizam o campus Monte Alegre e a Clínica, era um bairro formado por casas, pois não tinha começado a especulação imobiliária.

O campus Monte Alegre era constituído apenas pelas construções do antigo Convento dos Beneditinos, juntamente com a capela, diga-se de passagem, que foi o prédio do convento e principalmente o Pátio da Cruz que despertaram em mim um amor à primeira vista pela PUC e que se solidificaria com o transcorrer dos anos pelo clima de liberdade acadêmica de respeito a posições ideológicas dos professores e do relacionamento entre professores e alunos que, em geral, é de consideração recíproca. Além desse prédio, havia um campo de futebol e tenho a lembrança de ter assistido a um jogo de futebol em que o Prof. Azzi jogava como meia armador.

Em 1960 a Clínica Psicológica estava localizada na Rua Cardoso de Almeida, 1021. Nesse local, eram ministradas aulas teórico-práticas assim como também num quintal grande que tinha nos fundos crianças eram atendidas em ludoterapia. Tenho uma imagem na memória na qual vejo a profa. Dra. Mathilde Neder atendendo uma criança e alguns alunos da primeira turma do curso de Graduação em Psicologia assistindo a seu trabalho.

Nesse local começou a funcionar também, por convênio, o Ambulatório de Doenças Mentais do qual eu fui psicólogo contratado; ao fim do primeiro ano do meu trabalho no ambulatório, alguém, lendo o meu currículo, descobriu que eu não poderia ser funcionário público por ser venezuelano. Nesse ano atendi vários clientes em psicoterapia. E pude perceber que o sucesso terapêutico pouco tem a ver com o pagamento que o cliente faz, já que os clientes do ambulatório eram atendidos gratuitamente.

O curso de Especialização em Psicologia Clínica tinha um semestre de estágio supervisionado, e eu tive o privilégio de ter como supervisor a Profa. Dra. Ana Maria Poppovic. Nessas horas de supervisão, pude apreciar de maneira muito clara as qualidades intelectuais da Profa. Ana Maria: raciocínio penetrante, raciocínio lógico muito claro e uma desconfiança aberta na estatística como método de validar pesquisas psicológicas. Lembro bem que uma vez, conversando sobre isso, ela me mostrou duas pesquisas que tinha feito, validadas pelo tratamento estatístico. Com seu bom humor, dando uma risada, disse "Olha Efraim, a estatística valida tudo!"

Falando de Ana Maria Poppovic, não posso deixar de lembrar, suas contribuições para dislexia, para detectar a prontidão para a alfabetização das crianças, essas contribuições levaram a batizar a Clínica Psicológica da PUC-SP com seu nome.

A Dra. Aniela Ginsbeg, participou desde o início, no Instituto de Psicologia da PUC-SP, tendo realizado inúmeras pesquisas sobre a validade dos Testes Psicológicos, e essa vocação de pesquisadora a levou a deixar um legado para criar a fundação, que leva seu nome, que tem por objetivo primordial: estimular pesquisa científica, no curso de graduação de psicólogos.

O Profº Drº Enzo Azzi foi a figura principal para criar o Instituto de Psicologia da PUC-SP, do qual tomou forma a Clínica Psicológica, em 1959.

O Drº Azzi era um excelente expositor dos mais variados temas científicos, o que era facilitado pela sua formação em medicina e pelos seus profundos conhecimentos em psicologia. Ao mesmo tempo, seu entusiasmo pela psicologia o fez participar ativamente, do movimento que levou a legalização da profissão de psicólogo. A revista de psicologia “Normal e Patológico”, teve uma grande repercussão no meio científico, pela qualidade dos artigos, nela publicados.

Minha relação pessoal com Drº Azzi foi além da relação discípulo-mestre, pois nos tornamos amigos.

Meu encontro com "Freud". A primeira vez que o Drº Azzi, me convidou para comer uma macarronada na casa dele, o cachorro da família estava tomando sol no jardim. Era um Collie muito bonito, reluzente com mexas no pelo, muito vistosas. Quando o Drº Azzi abriu a porta do jardim, "Freud" se aproximou de mim, (ele foi batizado assim pela Maria Lúcia, esposa do Drº Azzi, que era uma pessoa bem humorada e irreverente).

Repentinamente "Freud" abocanhou minha mão direita, e eu apesar de surpreso, deixei minha mão entre os dentes dele. Lentamente "Freud" me levou até a entrada da casa, e como a porta estava aberta, me fez entrar na sala, e ali soltou minha mão. O Drº Azzi, também estava muito surpreso, com o comportamento de "Freud", pois, nunca havia feito isso com outra pessoa. A interpretação que eu e Drº Azzi fizemos, foi a de que "Freud" percebeu que eu era um amigo especial dele. Essa interpretação foi confirmada quando "Freud" fez uma acolhida igual para o padre Enzo Campos Gusso e para ninguém mais.

Infelizmente o Drº Azzi saiu da PUC-SP e foi desenvolver atividades dentro da medicina na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, mantendo o vínculo com a psicologia, dentro do ambulatório de doenças mentais do Ministério da Saúde, que passou a funcionar num mesmo local.

O Drº Azzi e a Dra. Aniella foram homenageados pelo Conselho Federal de Psicologia pela participação na legalização da profissão de psicólogo, idêntica homenagem foi conferida a outros psicólogos paulistas entre os quais, lembramos o Prof. Dr. Arrigo Angelini e o Prof. Dr. Oswaldo de Barros Santos.

A Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic", desde a sua fundação, teve como objetivos:

- ensinar psicologia, dentro de um âmbito teórico-prático;

- espaço para realização de estágios, devidamente supervisionados por profissionais especializados;

- servir como unidade prestadora de serviços à comunidade sem objetivo de lucro;

- estímulo à pesquisa.

Nos 40 anos de trajetória a Clínica, tem preenchido cabalmente estes objetivos, e ainda tem se enriquecido pelas contribuições de profissionais de Serviço Social, Psiquiatria, Neurologia, Fonoaudiologia e Psicopedagogia, ou seja, desde a sua criação a Clínica Psicológica, manteve um estilo multidisciplinar de trabalho.

Notas:
(1) Psicólogo Especialista e Doutor em Psicologia Clínica da PUC-SP.