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BOLETIM CLÍNICO - número 6 - agosto/1999

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

4. Aspecto teórico da Psicologia Clínica (1) - Enzo Azzi (2)

Este artigo foi publicado, inicialmente, na Revista de Psicologia Normal e Patológica, nº 1, 2 e 3, Ano VII, jan-set/61, e foi reimpresso porque seu conteúdo se mantém atual e como homenagem ao Profº Drº Enzo Azzi, fundador do Instituto de Psicologia da PUC-SP e um dos fundadores do curso de Psicologia da antiga Faculdade de Ciências e Letras São Bento.

I - As principais conceituações de Psicologia Clínica podem ser agrupadas em três categorias: a) médicas; b) psicométricas; c) comportamentais e metodológicas. As primeiras duas só têm valor histórico.

Hoje tende a se impôr cada vez mais a conceituação comportamental e metodológica: a Psicologia Clínica é uma forma de Psicologia Aplicada que visa encarar a conduta individual dentro de sua perspectiva própria, pôr em relêvo, o mais fielmente possível, as maneiras de ser e de reagir de um ser humano concreto em contacto com situações percebidas e vividas, procurar estabelecer a significação da conduta, sua estrutura e gênese, desvendar as tensões e conflitos que a motivam e os mecanismos que tendem a resolver essas tensões e conflitos.

II - Entendemos o termo "conduta", não em sentido literalmente behaviourístico watsoniano, mas sim como conjunto de operações fisiológicas, motoras e mentais ou simbólicas, pelas quais uma personalidade em situação tende a realizar as suas possibilidades e a reduzir as tensões que comprometem a sua integridade (LAGACHE).

III - A Psicologia Clínica caracteriza-se, conseqüentemente, por uma atitude metodológica, que é a "atitude clínica", a qual supõe sempre o estudo de fenômenos individualizados. Tôda e qualquer ciência (e não apenas a medicina) que se preocupe com a "individualidade" reveste uma "estrutura clínica".

IV - Em Psicologia Clínica parte-se das diferenças individuais de conduta, que deverão ser prèviamente esquematizadas, quantitativa e qualitativamente, em sua forma, e explicadas, eventualmente com referência a outras disciplinas (anatomo-fisiologia, patologia, sociologia, etc., etc.). Dentro desses esquemas será situada a conduta individual, ou como grau de variação eu como tipo de reação.

Querendo fazer um paralelo com a medicina, em Psicologia Clínica devemos substituir à noção de sintoma aquela de grau de variação ou de reação típica, e à noção de doença (esquema nosográfico) aquela de esquemas de conduta que traduzem diversos modos de eficiência, de organização e de adaptação (escolar, familiar, profissional, social, afetiva, etc.). É superfluo lembrar que os graus de variação da conduta individual, os tipos de reação e os esquemas de conduta não são condicionados apenas pelas características individuais do organismo, mas também pela história pessoal.

V - Assim, por exemplo, tendo sido observado um grau de variação que traduz uma insuficiência no rendimento intelectual, caberá ao psicólogo clínico, através de técnicas que lhe são específicas: a) apreciar a importância deste deficit particular na organização neuropsíquica do indivíduo (clínica de observação e de experimentacão atual); b) constatar até que ponto essa insuficiência não é senão um efeito histórico (p. ex. falta de treino ou interferência de problemas afetivos), reversível em certas condições, ou, pelo contrário, é a expressão de uma propriedade mais fundamental do organismo (clínica de análise histórica retrospectiva); c) constatar até que ponto as observações provocadas podem ser fruto de certas resistências ou de uma má colaboração do sujeito (clínica das motivações).

VI - O método clínico, portanto, não é exclusivo do médico mas sim pertence a todo psicólogo, e não apenas ao psicólogo que colabora profissionalmente com a clínica médica (o estudo psicológico ou a psicoterapia de doentes não é senão um caso particular em psicologia clínica), mas a todo aquêle que se ocupe de indivíduos, normais ou desajustados, nas escolas, oficinas, centros de orientação profissional, prisões, etc.

Notas: (1) Resumo de palestra proferida em 10 de Abril de 1961, no Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina.
(2) Doutor em Medicina e Cirurgia - Diretor do Instituto de Psicologia da Universidade Católica de São Paulo.