aprimoramento - topo banner - clínica psicológica - puc-sp

BOLETIM CLÍNICO - número 4 - agosto/1998

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

6. Interpretação e Experiência no Grupo de Pré-Adolescentes - Mariana do Nascimento Arruda e Marina Saad Rossi(1)

Supervisão: Renata Aleotti(2)

Resumo:

O objetivo deste artigo é ilustrar como realizamos o atendimento de pré-adolescentes em grupoterapia. A discussão centra-se na interpretação e seus efeitos no grupo. Trata-se de um grupo de quatro meninos de 12 anos, que foram encaminhados por problemas escolares; dificuldades de aprendizagem e de disciplina.

O trabalho terapêutico com o grupo, por meio de intervenções interpretativas na atividade lúdica, buscava levar os integrantes a viverem uma experiência que fosse reveladora do conflito em questão e assim, de uma forma criativa por meio do próprio brincar, proporcionadora de transformações. A conclusão do artigo está no sentido de demonstrar a importância da interpretação ser formulada para gerar uma experiência e não apenas para contar o que está acontecendo na forma de uma sentença conclusiva.

Nesse artigo, um dos nossos objetivos é contar um pouco do trabalho com pré- adolescentes em grupo que estamos realizando na clínica Ana Maria Poppovic - PUC/SP.

Entendemos que este tipo de atendimento é interessante porque a terapia em grupo "respeita" o habitat natural do adolescente que é o próprio grupo.

O grupo como habitat natural, é o laboratório em que as angústias dessa fase de desenvolvimento são vivenciadas levando o adolescente a assumir uma responsabilidade social e uma diferenciação sexual. Assim, o grupo permite introduzir o adolescente na sociedade (como um ser social e sexual).

Como diz Freitas (1987): "É dentro desse espaço que ele vai poder viver suas experiências, é junto a seus pares que se sente seguro para tentar novos papéis, para elaborar seus lutos, ir formando sua identidade adulta." (p.73). Com isso, a grupoterapia torna-se interessante por possibilitar que o adolescente vá formando sua identidade adulta, que é a questão central da crise adolescente: a formação de uma nova identidade.

Assim, gostaríamos de ilustrar como temos realizado esse tipo de trabalho, centrando na questão da interpretação, pois entendemos que nesse aspecto é possível visualizar como conduzimos esse trabalho e os seus efeitos.

Trata-se de um grupo fechado de quatro meninos de 12 anos que estão em atendimento desde agosto de 1997, com sessões de 1 hora, uma vez por semana. Os quatro meninos vieram para psicoterapia por problemas escolares, dificuldades de aprendizagem e de disciplina.

Durante as primeiras sessões, os pacientes ficaram voltados para o conhecimento do outro, tanto dos integrantes do grupo quanto de nós terapeutas, utilizando jogos como dominó, pega - varetas e futebol.

Por meio dessas brincadeiras, observamos que posições foram se estabelecendo dentro do grupo. Um dos meninos, M. logo ocupou a posição de depositário de todas as fraquezas, incompetências e incapacidades do grupo, enquanto os outros três encarnavam todas as potencialidades e aptidões. Assim, em todos os jogos, M. era aquele que perdia, que não sabia as regras, que era chamado de "burro", fato que ia se repetindo em várias brincadeiras.

Essa dinâmica mostrava que havia uma cristalização dos papéis que dizia respeito a todos os elementos do grupo assim, como o lugar que eles ocupam de crianças com fracasso escolar e indisciplinadas. Em termos psicodinâmicos, podemos dizer que existia uma cisão, pois fragilidades estavam projetadas no outro e o não reconhecimento dessa fragilidade impedia um relacionamento menos agressivo, mais prazeroso e produtivo. A indisciplina e a agressividade podem ser compreendidas como decorrentes dessa dificuldade, a separação entre o forte e o fraco, pois para a manutenção dessa "quebra" deve-se o tempo todo combater, atacar a parte que deseja-se anular.

Podemos também hipotetizar que eles, na posição de crianças aprendendo, podem ter vivenciado as dificuldades, inerentes a todo processo de aprendizagem, como "burrice" criando um preconceito contra a aprendizagem que implica em tentativa e erro.

Parece-nos também importante, ressaltar que o fracasso escolar está, muitas vezes, ligado a própria crise da adolescência como diz Cordié (1996); "Nessa faixa etária, as mudanças do sujeito podem perturbar sua eficiência intelectual, e os fracassos escolares não são raros..." (p.196).

De acordo com a autora, um dos motivos para esse fracasso é a recusa inconsciente de assumir o mundo adulto e crescer. Assim, a cristalização de papéis e a dificuldade de experimentar, de fazer tentativas, podem ao mesmo tempo exprimir essa "luta" contra o crescimento, na procura de preservar o lugar infantil.

Toda essa problemática pode ser experienciada e esclarecida durante um jogo de futebol.

Nesse jogo, M. foi designado para a função de goleiro, enquanto os outros chutavam para o gol dizendo como M. era "burro" porque não conseguia pegar nenhuma bola. Foi então que sugerimos que eles trocassem de posições, isto é, que os outros também assumissem o lugar de goleiro e que M. também chutasse a bola. Como o espaço para o gol era muito grande e a bola muito pequena, realmente era difícil defender.

Assim, com a troca de lugares, os próprios meninos puderam constatar este fato: que dificuldade é diferente de burrice. M. começou a fazer diversos gols e os outros não conseguiram segurar a bola, restituindo assim, na experiência, as partes cindidas.

A interpretação pretendia fazer com que os meninos vivessem essa experiência. Fizemos então uma intervenção interpretativa na brincadeira que estava acontecendo, ou seja, uma ação (sugerir a troca de lugares), com o objetivo de propiciar uma experiência e romper a cristalização.

Interpretar dessa forma, brincando, participando da própria brincadeira, parece-nos que também indica um caminho para resolver as freqüentes dificuldades, principalmente de terapeutas iniciantes, para interpretar uma atividade lúdica. Acreditamos que essas dificuldades ocorrem, principalmente, quando o terapeuta não fala na linguagem proposta, ou seja, quando deixa de comunicar-se pelo brincar.

Dentro da psicanálise, Winnicott (1975) é o autor que pontua que a interpretação deve levar a uma experiência, para que se tenha uma verdadeira transformação e não apenas a um entendimento intelectual: "o momento significativo é aquele em que a criança se surpreende a si mesma, e não o momento de minha arguta interpretação." (p. 75). Isto é, por meio da experiência o indivíduo é capaz de enriquecer-se.

Concluímos concordando com as palavras de Freitas (1987): "os que conseguem chegar ao fim da experiência têm diante de si uma referência significativa, ou seja, colocaram-se dentro do grupo e agora têm o grupo dentro de si, enquanto referência interna." (p.85).

Notas e Referências Bibliográficas:
(1) Psicólogas formadas pela PUC-SP. voltar ao texto

(2) Professora da PUC-SP e doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP. voltar ao texto

CORDIÉ, Anny. Os atrasados não existem: psicanálise de crianças com fracasso escolar. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996. FREITAS, Luiz Alberto de. Psicoterapia analítica de grupo com pré-adolescentes. In: Luiz Alberto Py... et al. Grupo sobre grupo. Rio de Janeiro, Rocco, 1987. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago, 1975.