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A TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV.
Luiz Ferraz de Sampaio Neto
Professor Titular de Ginecologia - CCMB - PUCSP

A epidemia da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS) tornou-se assunto mais habitual para os médicos e para a população geral a partir da década de 1980. Doença cuja etiologia é o vírus HIV (vírus da imunodeficiência adquirida humana) se manifesta clinicamente comprometendo a defesa do indivíduo, por produzir incapacidade de elaborar a resposta de anticorpos frente aos múltiplos microorganismos que nos deparamos cotidianamente; assim, deixa os infectados à mercê de quadros graves mesmo quando são expostos a microorganismos que habitualmente convivem pacificamente com pessoas não infectadas.

Por exemplo, o contato com o citomegalovirus, microorganismo que determina infecção virótica banal semelhante a um resfriado em pessoas saudáveis, nos indivíduos com AIDS poderá causar intensas infecções nos pulmões ou no sistema nervoso central, que vão induzir importantes seqüelas e, até mesmo, a morte.

Esse vírus tem na transmissão sexual sua mais importante maneira de contágio, mas pode atingir as pessoas por sangue e derivados contaminados, além de passar da mulher para seu concepto.

A epidemia de AIDS iniciou-se na população masculina e tinha relevante importância nos homossexuais masculinos. Contudo, a observação de práticas de sexo seguro, modificaram suas peculiaridades epidemiológicas de tal forma que, após alguns anos da ocorrência da epidemia, a maior parte dos casos novos infectados pelo HIV passaram a ser de mulheres. De fato, em nosso meio, a tendência do maior número de casos na população feminina é uma constatação de alguns anos: em 1985 a razão de homens/mulheres infectados pelo HIV era de 28 para1, em 2000 atingiu 2 para1.

A feminilização dessa epidemia compromete principalmente a faixa etária de 25 a 39 anos, denotando a associação com a via de contágio heterossexual. Quando a mulher encontra-se contaminada, especialmente, pela coincidência de ser a faixa etária reprodutiva da mulher, há a possível repercussão na contaminação intra-útero dos fetos entre gestantes, surgindo então outra forma de transmissão do vírus HIV. Esta via de contágio é denominada de contaminação vertical e é a principal causa do contágio pediátrico pelo HIV.

Sem nenhuma forma de cuidado na gestação, mães HIV positivas terão até 40% de seus filhos contaminados pelo vírus HIV !

Em todo o mundo, é verificada uma contaminação diária de, aproximadamente, 1.600 crianças por dia, ou seja, cerca de 600.000 recém-nascidos em um ano adquirem AIDS por essa via.

As evidências científicas sugerem que a maior possibilidade de contaminação do recém-nascido acontecerá no momento do parto, pois é nessa ocasião que o sangue materno contaminado entra em contato com o feto. Contudo durante a gravidez também poderá existir o contágio, especialmente se ocorrerem intercorrências como concomitância de outros processos infecciosos, elevada quantidade de vírus HIV circulante no sangue, baixa imunidade da gestante ou problemas obstétricos (placenta prévia, insuficiência placentária, etc.). Também foi isolado o vírus HIV no leite materno de mulheres HIV positivas e foram descritos casos em que ocorreu o contágio em recém-nascidos de mães saudáveis que foram amamentadas por nutrizes HIV+.

O desenvolvimento de drogas contra o vírus HIV (medicamentos anti-retrovirais), assim como o melhor conhecimento de seu uso e dos baixos efeitos teratogênicos potenciais permitiram usar algumas drogas dessa classe no período gestacional, imprimindo notável redução na eficácia da transmissão vertical do HIV.

O modelo considerado o melhor para reduzir a possibilidade do contágio vertical prevê uso de drogas antiretrovirais a partir do primeiro trimestre da gestação e no momento do parto, bem como indicação de cesárea eletiva com cuidados especiais para minimizar o sangramento intra-operatório. O recém-nascido não terá leite materno, devendo ser substituído por fórmulas lácteas e também receberá anti-retroviral durante as primeiras seis semanas de vida.

Desde 1994 está sendo disponibilizado pelo Ministério da Saúde o AZT via oral para gestantes infectadas pelo HIV, em 1996 passou-se a usar também o AZT intravenoso e a solução oral para o neonato.

Essas medicações, associadas com o aprimoramento dos cuidados obstétricos no pré-natal e no parto, além de racional manejo do recém-nascido, permitiram chegar a taxas de transmissão vertical menores do que 3%.

Contudo, o estabelecimento dos cuidados à gestante HIV + somente poderão ser propostos se houver o diagnóstico de que a mulher é soropositiva para esse vírus. Por isso mesmo é fundamental incluir a triagem sorológica para o HIV nos exames de rotina de pré-natal. Mais recentemente tem sido preconizado que se façam novos exames, inclusive a pesquisa de sorologia para o HIV, novamente durante o pré-natal, mais especificamente no terceiro trimestre da gravidez, pois a mulher pode ter se contaminado durante o período da gravidez.

No Brasil um dos maiores problemas em obstetrícia é a baixa abrangência dos programas de pré-natal de um modo geral, isso é particularmente agravado de um modo específico para as gestantes soropositivas para o HIV. Estima-se que apenas 17% das gestantes HIV+ tenham a oportunidade de fazer uso dos protocolos oficiais do Ministério da Saúde.

Ou seja, ainda teremos que conviver com muitos casos de crianças HIV+ que poderiam ter sido evitados se as mulheres durante a gestação tivessem tido o acesso aos cuidados de um pré-natal.

Aumentar a abrangência do atendimento pré-natal parece ser mais afeito às políticas de saúde oficiais. Contudo o reforço às práticas de sexo seguro (uso de preservativos e redução do número de parceiros) e a orientação da não exposição a sangue potencialmente contaminado (compartilhar de seringas) são ações que devem ser praticadas e divulgadas por todos nós cujas atividades profissionais são diretamente ligadas à educação.

 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo DTI-NMD