ESTAREMOS SOZINHOS NO UNIVERSO?

Ricardo Ferreira, JC e-mail 3066, de 26 de Julho de 2006

Com a inexistência de dados confiáveis é prematura qualquer tentativa de se fazer previsões quantitativas, mas um palpite razoável é que outros sistemas planetários habitados por seres vivos devem situar-se muito longe, mesmo em perspectiva astronômica, aqui da Terra.

Ricardo Ferreira é professor titular do Depto. de Química da UFPE. Artigo enviado ao JC e-mail:

Recentemente divulgou-se a notícia que a Universidade de Harvard está constituindo um Instituto Interdisciplinar sobre as Origens da Vida, com uma dotação que já atinge a casa de algumas centenas de milhões de dólares.

Parte deste esforço pode ser interpretado como decorrente do desejo de contrabalançar as crescentes atividades dos Criacionistas, muito fortes em algumas regiões dos Estados Unidos, mas a concretização de uma Instituição deste porte decorre principalmente do reconhecimento das grandes dificuldades que se apresentam aqueles que estudam a origem da Vida, e tentam obter, como verificação final das suas concepções, sistemas vivos artificiais.

O princípio fundamental da Biogênese - a Ciência que estuda a Origem da Vida - é que a Evolução deve ter sido um processo contínuo, a partir de um Planeta rochoso, passando pela síntese de espécies moleculares abióticas, que vieram a constituir os sistemas vivos mais primitivos, até o aparecimento de sistemas vivos mais complexos.

A primeira fase, que podemos chamar de Evolução Química, ou Pré-biótica, tem origem com as especulações de A.I. Oparin e J.B.S. Haldane na terceira década do século XX, e ganhou embasamento experimental com as experiências de Stanley Miller, em 1953, demonstrando a possibilidade de se obter aminoácidos e outros componentes das células vivas (como o ácido lático e a uréia) a partir de uma mistura da gases como H2, CH4, H20 e NH3, em condições físicas (descartas elétricas) que imitam as supostamente existentes na Terra primitiva (3 bilhões de anos atrás).

Houve certamente outros progressos nesta área, como a obtenção de adenina e outras bases púricas e pirimidínicas, componentes do RNA e DNA, e o crescimento de oligômeros de ribosídeos, catalisados pelas interfaces de alguns minerais, como descrito por Ferris e colaboradores, a partir de 1980.

Esses progressos são, porém, mais limitados do que aqueles alcançados pela Biologia Molecular, que permitiram uma compreensão detalhada da Evolução Biológica, em termos das moléculas componentes das células vivas.

Esses avanços foram particularmente notáveis depois a elucidação das estruturas moleculares básicas das proteínas (Pauling, 1952), e particularmente depois da descoberta da estrutura em hélice dupla do DNA, o material genético por excelência (1953), por Crick e Watson, em 1953.

A Lei Geral da Biologia, a teoria da Evolução das Espécies por Seleção Natural, da Darwin e Wallace, interpretada pela Genética de Mendel, teve seus fundamentos ao nível molecular compreendidos de maneira muito detalhada, dando lugar, inclusive, ao aparecimento de uma nova Tecnologia, a Engenharia Genética.

Avanços semelhantes não foram ainda conseguidos nos estudos sobre a Evolução Química, ou Pré-biótica. Não existe dúvida de que, definidas as possibilidades de existência das espécies moleculares pelos cânones da Termodinâmica Química, a Lei Geral da Evolução Pré-biótica são os princípios da síntese química, notadamente as considerações da Cinética Química.

Mas a síntese de um sistema vivo, isto é, de um sistema capaz de se replicar, utilizando moléculas do meio ambiente, com uma taxa de erros que assegure uma eventual mutação em sistemas mais aptos, isto é, melhor adaptados às condições físico-químicas locais, parece estar ainda muito longe de ser conseguida.

Alguns pesquisadores, como Szostak em Harvard, estão dirigindo sua atenção para a possibilidade de se sintetizar sistemas vivos mais simples do que os reconhecidos hoje, porque constituídos de moléculas mais simples do que as nossas proteínas, ácidos nucléicos e lipídeos.

Há, igualmente, um interesse crescente pela Astrobiologia, ou Bio-astronomia, como se tornou evidente na recente Reunião Anual da SBPC em Florianópolis.

Há estudos concentrados no crescente número de sistemas planetários extra-solares (descobertos apenas há 10 anos), uma busca acelerada por moléculas "orgânicas" no ambiente inter-estelar, um estudo crescente de micro-organismos ditos "extremófilos", capazes de existir em condições relativamente difíceis no que se refere à temperatura, radiação e meio natural.

Os estudos de Astrobiologia permanecem de grande importância para o problema da Biogênese, já que existe a possibilidade de ocorrer vida fora da Terra.

Verdade que recentemente estes estudos foram abalados com o fracasso, até o presente momento, de se descobrir sistemas vivos, ou, pelo menos, vestígios fósseis, no planeta mais semelhante ao nosso, Marte.

Há também tentativas mais modestas, como a adotada no nosso grupo, baseadas no Princípio da continuidade entre a Evolução Química e Evolução Biológica.

Tentamos demonstrar, a partir dos genomas conhecidos de 150 espécies, debactérias ao Homo sapiens, que a seqüência de bases dos seus exons têm características comuns com poliribotídeos cujo crescimento é descrito por um modelo teórico de Cinética Química.

Diria que as dificuldades encontradas até hoje, em realizar trabalhos semelhantes com dados experimentais da cinética de crescimento de poliribotídeos, bem como as dificuldades encontradas pela Astrobiologia (ou Exobiologia), levaram uma maioria de cientistas que trabalham nesta área à conclusão de que a origem de sistemas vivos, a partir de materiais abióticos, é um acontecimento extremamente raro no Universo.

Em função, contudo, do gigantesco tamanho do Universo conhecido, e da sua idade provável, 13,4 bilhões de anos (de acordo com os cálculos mais recentes com base no modelo do Big Bang), é quase certo que a Biogênese tenha ocorrido várias vezes no passado.

Com a inexistência de dados confiáveis é prematura qualquer tentativa de se fazer previsões quantitativas, mas um palpite razoável é que outros sistemas planetários habitados por seres vivos devem situar-se muito longe, mesmo emperspectiva astronômica, aqui da Terra.

Considerando ainda o limite imposto às velocidades de corpos materiais e da radiação eletromagnética pela teoria da relatividade restrita, podemos concluir que estamos, para todos os fins imagináveis, sozinhos no Universo.