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Em maio do ano 2000, SESC-SP e Arte/Cidade, com apoio do Instituto Goethe realizarão a primeira etapa do projeto Brasmitte.

Trata-se de um evento único:um conjunto de intervenções simultâneas numa das áreas mais complexas e fraturadas da cidade de São Paulo: a Zona Leste.


 

Brasmitte
por Nelson Brissac Peixoto
Curador do projeto e Coordenador Geral do Arte/Cidade


Brasmitte, a cidade em discussão
por Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do Sesc no Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

Brasmitte, a cidade em discussão

A questão urbana afirma-se, cada vez mais, como tópico obrigatório da pauta de reflexões sobre o social. Como tal, integra-se ao conjunto de temas relativos à ação do SESC, instituição que tem no trabalhador no comércio e serviços – segmento urbano por excelência – seu público prioritário.

Praticamente desde sua criação, em 1946, o SESC vem acompanhando com atenção o fenômeno do crescimento das cidades e o impacto por ele gerado na vida cotidiana. Não foi por acaso que, já em 1948, inaugurava o SESC Bertioga, a primeira colônia de férias para trabalhadores implantada no Brasil. Subjacente à iniciativa encontrava-se a percepção de uma necessidade clara: a de sugerir contrapontos à invasiva pressão da metrópole, com sua cadência de tempo obsedante, seu ritmo desagregador, sua imposição de exigências múltiplas e simultâneas.

A instalação da colônia de férias e de centros sociais, bem como, nas décadas seguintes, a de centros culturais e desportivos e a dos centros campestres de Interlagos e Itaquera esteve sempre diretamente vinculada à deliberação de contribuir para melhorar a qualidade de vida e humanizar a cidade. Em 1982, a abertura ao público do SESC Pompéia, uma fábrica da década de 30 inteiramente reciclada e transformada em espaço cultural e de lazer, vinha assinalar o compromisso da instituição para com a preservação da memória urbana.

Hoje vemos o Brasil aproximar-se do final do século com uma taxa de urbanização superior a 78%. A indicação numérica seria neutra, não fossem os atropelos de um processo de crescimento caótico, avesso a qualquer intenção de planejamento. Processo que age como força motora de um amplo inventário de negatividades.

Contemporaneamente há teóricos que, pensando nas cidades, falam do "abrasileiramento" do mundo. Aludem à inclinação global das cidades duais, aquelas que instauram novas justaposições de novos ricos e novos pobres. Cidades com núcleos fortificados, refratários ao contato com os espaços físicos e sociais que proliferam ao longo das margens e intervalos.

Peritos como Rem Koolhaas difundem o conceito de cidades genéricas, destituídas de marcas próprias e afastadas da própria história.

As teses urbanas da modernidade, fundadas na hipótese das cidades enquanto estruturas modeladas segundo correlações estritamente racionais e planejadas de espaço e função caíram em descrédito. Substituiu-as a imagem da cidade como uma colagem de espaços diferentes, recortes mesclados de forma aleatória, ao sabor das improvisações.

Cidade dual, cidade genérica e cidade-colagem, ao lado de tantas outras caracterizações, constituem indicadores da dificuldade inerente à tarefa de diagnosticar a metrópole.

É, no entanto, essa cidade plural e irredutível a fórmulas precisas que convida à ação, à manifestação contraditória de projetos destinados a intervir num território devorador de projetos.

Quanto ao SESC de São Paulo, seu projeto é animado pela perspectiva de dinamizar a vida cultural lá onde ela se encontra anestesiada pela ausência de novidades estimulantes e pela reiteração do lugar-comum. É animado também pelo desafio de promover o diálogo e a sociabilidade lá onde estes se acham bloqueados pelo isolamento e individualismo instilados pela metrópole. E ainda pela vontade de restaurar no espaço físico da cidade registros históricos e afetivos obscurecidos por imensos vazios de memória.

Os vinte e seis centros de atividades que o SESC mantém na Capital e no Interior do Estado estão conectados a essa escolha programática.

Um deles, o SESC Belenzinho, atua como núcleo catalisador do evento BRASMITTE; ponto de inserção de um projeto cujo âmbito é a Zona Leste. Enquanto intervenção física BRASMITTE traduz a fala de uma intervenção social e cultural cujo alcance é mais amplo.

Realizado em parceria com Arte/Cidade, ele põe em discussão a metrópole, mobiliza opiniões, desencadeia o debate e democraticamente partilha saberes. Converge, em suma, para a firmação da cidadania, precisamente aquilo que o SESC mais deseja fomentar.

Danilo Santos de Miranda
Diretor do Departamento Regional
do SESC no Estado de São Paulo

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Brasmitte

Depois de Arte/Cidade, propomos uma nova modalidade de intervenção urbana: partir não de uma localização isolada do restante da cidade, para onde se desenvolveriam projetos específicos, mas de toda uma área, compreendendo os elementos urbanos, arquitetônicos e sociais existentes, os sistemas de transporte e comunicação ali implantados e, sobretudo, as operações e projetos urbanos, arquitetônicos e artísticos previstos ou em andamento na região.

Hoje toda experiência urbana implica ruptura, distância. Tentativa de articulação de um espaço fragmentado, através das intransponíveis descontinuidades entre suas partes. Intervalos que se produzem no interior da própria cidade. Brás (em São Paulo) e Mitte (em Berlim) são exemplos destas interrupções, vazios surgidos no meio da superfície descontínua dessas metrópoles.

Ao escolher Brás e Mitte como referências, o projeto está propondo situações concretas que comportam esses elementos de ruptura e sirvam de ponto de partida para reflexões e práticas de intervenção. Interferências que reflitam a rupturada escala humana, própria da cidade tradicional, provocada pela escala da nova situação. A supressão de um padrão de medida introduz uma estrutura descontínua e relações sem hierarquia.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma cartografia urbana intensiva, que evidencie a complexidade e a dinâmica da área, a diversidade das atividades e a potencialidade das operações em curso. É a partir desse quadro que se desenvolveriam novos projetos e intervenções.

Um levantamento dos planos diretores, do tipo de ocupação (estrutura urbana, tipologia arquitetônica, usos e características sociais e históricas), dos circuitos existentes ou planejados de transporte e circulação, dos diversos projetos de revitalização e das diversas operações urbanas propostas ou em andamento. Acrescentando avaliações críticas, projetos de caráter urbano-arquitetônico já concebidos para a área, projetos especialmente formulados, intervenções nos circuitos de transporte e comunicações, intervenções (efêmeras ou permanentes) urbanas, arquitetônicas e artísticas produzidas para o evento.

Uma cartografia que opere por adição, tornando cada vez mais densa e saturada a situação. Evidenciando zonas de ação e intervalos de articulação: uma urbanização complexa. Uma sobreposição de atividades e projetos, confundindo características e escalas (local, regional, metropolitana) para formar mapas cada vez mais complexos.

Mapas compondo vários planos (ocupação, viário) e projetos de diferentes escalas e natureza (público / individual, existente / projetado, viabilizado / especulativo). Possibilitar diferentes tipos de trânsito entre as situações, operações e projetos. Trabalhar as relações (espaciais, funcionais, sociais, estéticas) entre eles. Explorar as múltiplas combinações possíveis, produzindo contínuas composições cartográficas.

Cada nova intervenção inscreve-se nestas tramas e possibilita novas articulações. Cada intervenção vai ser mais um vetor introduzido neste campo cada vez mais complexo.

As intervenções tendem portanto a não ser locais, mas regionais, atuando a partir de situações mais amplas, de sistemas de transporte e comunicações e de grandes operações urbanas. Trabalhando na intersecção desses diferentes dispositivos, nos intervalos surgidos no território fragmentado e nos fluxos descontínuos da megalópole.

Provocando articulações / tensões entre as diversas operações urbanas (respeitando evidentemente a unicidade e a dinâmica de cada uma delas), amplificando seu significado e impacto urbano, cultural e social. Intensificando a percepção (crítica inclusive), por parte da população, destes processos.

Intervenções em megacidades não podem se restringir a situações circunscritas e controladas, como as que caracterizam as exposições. Elas devem tratar com circunstâncias que escapam por completo ao seu domínio, com variáveis incalculáveis, com escalas muito maiores do que as abarcadas pelas ações previstas. Lidam com sistemas e movimentos infinitamente mais amplos e complexos. São intervenções que visam, a partir de ações tensionadoras e articuladoras, reorientar tendências, redirecionar fluxos e dinâmicas urbanas.

Este projeto de intervenções urbanas consistirá então numa combinação de diferentes atividades: mapeamento dos dispositivos e operações urbanas existentes (em impressos e material eletrônico), desenvolvimento de proposições e instalações adjacentes ou complementares e implantação de intervenções nas áreas intermediárias.

Ações que podem consistir em orientações integradas ou alternativas às dinâmicas criadas: interferências na sinalização, nas comunicações ou no movimento urbano, ocupações de locais determinados, mobilização de setores das comunidades afetadas, construção de estruturas arquitetônicas e implantação de elementos em escala urbana.

O resultado final será uma combinação de visitas a projetos urbanos e arquitetônicos em realização, exposições (desenhos, painéis fotográficos, maquetes, urbanismo virtual) e atividades e instalações de caráter urbano, arquitetônico ou artístico.

Criar uma instalação virtual, onde se possa destacar operações específicas (com acesso ao detalhamento) ou fazer articulações com outras. Criar interfaces (locais e virtuais) entre projetos de natureza tão distinta. Painéis e telões com computadores  em locais onde se realizam intervenções. Além de possibilitar ao público uma visão abrangente do processo, acompanhar em detalhe os projetos propostos ou em curso e fazer suas próprias associações.

Fazer uma compilação de projetos para publicação e edição eletrônica (plano diretor, sistemas de transporte e comunicação, operações urbanas, projetos de implemento ou revitalização de edificações e vias, intervenções urbanas e artísticas). Unificação gráfica do material, criação de código comum de leitura e de elementos de trânsito e articulação.

Nelson Brissac Peixoto
Curador do projeto Brasmitte

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