As Investidas Católicas na Mídia

André Ricardo de Souza [PUC-SP][*] []

Resumo

A relação da Igreja Católica com a comunicação social no Brasil começou com a criação de seus próprios veículos, enfrentou momentos de estagnação e atualmente alcançou uma etapa de investimento ostensivo em aparato de mídia relacionada a uma ação de afirmação identitária, em contraponto à acirrada concorrência evangélica. Além de desenvolver redes de rádio e TV, os católicos, principalmente os vinculados ao movimento carismático, vêm procurando uma relação mais estreita com as grandes emissoras comerciais. O padre cantor Marcelo Rossi protagoniza essa “renovação popularizadora da igreja” em face de um cenário religioso e midiático marcado pela presença forte da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, com a aquisição da Rede Record. O artigo trata das nuanças e controvérsias da trajetória comunicativa católica dentro deste quadro.

Palavras-chave: política de comunicação católica, Movimento de Renovação Carismática, mídia religiosa, padres cantores

Abstract

The relationship between the Catholic Church and the media in Brazil began with the setting up of its own media vehicles; it faced moments of stagnation and nowadays has reached a stage of heavy investment in media projects that relate to an action on identity affirmation, opposing the intense evangelical competition. Besides developing radio and TV networks, Catholics, primarily those linked to the charismatic movement, have been searching for a closer relationship with larger commercial broadcasting groups. The singer priest Marcelo Rossi is a protagonist in this “church popularizing renewal”, given a scenery that is both religious and mediatic, marked by the strong presence of Bishop Edir Macedo’s Universal Church of the Kingdom of God and its purchase of Record TV Networks. The article deals with the features and the controversy around the Catholic communicational journey.

Keywords: Catholic communication policy, Charismatic Renewal Movement, religious media, singer priests

Um pouco de história

A Igreja Católica sempre exerceu um papel de destaque na formação cultural nacional. Até a primeira Constituição republicana, de 1890, ela foi responsável pela educação formal no país. Suas escolas de ensino fundamental, médio e superior ainda são referência em muitas cidades. Em termos de produção de livros, as congregações católicas foram pioneiras e permanecem ocupando considerável espaço no mercado editorial. No rádio, a Igreja montou, em 1941, uma das cem primeiras emissoras do país, na Arquidiocese de Salvador. E, na televisão, o Catolicismo também se fez presente já na primeira transmissão, em 1950, com uma apresentação do cantor mexicano frei José Mojica. De fato, a instituição romana tem presença relevante na indústria cultural brasileira (ORTIZ, 1987; DELLA CAVA; MONTERO, 1991).

No Brasil, bem como em grande parte dos países latino-americanos, a Igreja adotou quatro posturas básicas em relação aos meios de comunicação social. Primeiro, montou seus próprios instrumentos, tais como jornais, editoras e emissoras de rádio locais. Depois, procurou marcar presença como instituição nos veículos de comunicação massiva: as redes radiofônicas e televisivas[1]. A terceira postura foi ressaltar seu papel de formadora de opinião e crítica das organizações de mídia estabelecidas[2]. E a atitude mais recente foi equipar e ampliar os veículos próprios de comunicação, já num contexto de pluralismo cultural e concorrência religiosa com as igrejas pentecostais (PUNTEL 1994; BELTRAMI 1996; PESSINATTI 1998; SOUZA 2005).

A adoção pela Igreja dessa quarta postura frente aos meios de comunicação social é decorrente em grande medida da ascensão da Renovação Carismática Católica (RCC), uma vez que a maioria das iniciativas midiáticas da Igreja é de clérigos e leigos ligados a esse movimento. Versão católica do Pentecostalismo, a RCC nasceu de um retiro de leigos, professores e estudantes da Universidade de Duquesne, Pensylvania (Estados Unidos), em fevereiro de 1967. Chegou ao Brasil entre 1969 e 1970, trazida, pelas mãos dos padres jesuítas estadunidenses Haroldo Joseph Rahm e Edward John Dougherty, à cidade paulista de Campinas (PRANDI 1997; CARRANZA 2000).

Analisaremos neste artigo os três principais empreendimentos católicos carismáticos de mídia, todos do interior paulista. O primeiro deles, Associação do Senhor Jesus, foi fundado em Capinas no ano de 1979, justamente por um dos pioneiros da RCC no país, padre Edward Dougherty. Essa organização foi montada a partir de recursos estrangeiros, sobretudo dos Estados Unidos, de onde também importou a clássica metodologia desenvolvida pelos teleevangelistas de “clubes de sócios contribuintes”. Com estúdios e equipamentos sofisticados, a organização mantém a TV Século 21.

A outra grande associação de mídia é a Canção Nova, fundada pelo padre Jonas Abib em 1978 e sediada na cidade de Cachoeira Paulista. Também forte liderança do movimento carismático, padre Abib administra com seus colaboradores, entre outros negócios, uma editora, uma rede de emissoras de rádio e outra de televisão, que estão em notável expansão. Para tanto, conta também com muitos sócios contribuintes.

O terceiro grande empreendimento católico foi formado em 1995 e se chama Rede Vida de Televisão[3]. Fundada em São José do Rio Preto não por um clérigo, mas por um jornalista leigo, João Monteiro de Barros Filho, a emissora contou desde o início com o suporte da Diocese de Botucatu e da CNBB. As concessões públicas à Rede Vida, bem como às TVs da Associação do Senhor Jesus e da Canção Nova, decorrem da mobilização de parlamentares católicos, com destaque para os políticos experientes como o senador do Partido Democrata pernambucano, Marco Maciel, que foi vice-presidente da República durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Embora os dirigentes manifestem intenção de expansão de público, seus programas são em maioria religiosos, voltados para os chamados “católicos praticantes”.

Por último, trataremos não de uma organização, mas sim de uma personalidade católica de mídia, que se projetou nacionalmente na última década: padre Marcelo Rossi. Com origem na RCC, Rossi vai além desse movimento, provocando uma renovação popularizadora católica e um jeito novo de inserção da Igreja nos meios de comunicação massivos (SOUZA 2005).

Associação do Senhor Jesus

A Associação do Senhor Jesus (ASJ) continua tendo padre Eduardo Dougherty como seu presidente. Suas atividades tiveram início em 1979 na garagem de 50m2 de uma paróquia, com a venda de livros da RCC. Em 1983, a ASJ partiu para uma empreitada maior: a produção do programa de televisão Anunciamos Jesus. O programa começou a ser gravado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, contando com o apoio do Videocentro dos Salesianos de Belo Horizonte, da Junta de Rádio e TV dos batistas e da campineira TV Princesa - sendo depois transmitido pelas TVs Gazeta, Bandeirantes e Record para 60% do território nacional[4]. Em 1995, o programa passou a ser apresentado pela Rede Vida, sendo por quatro anos a principal atração da emissora.

Além do clube de contribuintes, que já em 1986 contava com 25 mil membros, o videocentro do padre Dougherty contou com um forte apoio estrangeiro, oriundo de duas fontes. A primeira é o Centro Católico Carismático de Dallas, Estados Unidos, de onde vieram equipamentos sofisticados - além de um técnico para treinamento - e para onde sua equipe brasileira foi receber instruções técnicas em 1985[5]. A outra é a rica família holandesa Brenninkmeyer, proprietária da cadeia de lojas de confecções C&A, presente em vários países. Entusiastas da RCC, esses empresários deram suporte financeiro para a ASJ (ASSMANN 1986: 89-93; BENEDETTI 2000; CARRANZA 2000: 253).

Com todo esse apoio, padre Dougherty montou o Centro de Produção Século 21 na cidade de Valinhos, próxima à Campinas, contando com quatro grandes estúdios de TV e uma cidade cenográfica, em um terreno com área total de 75 mil metros quadrados[6]. Naquele centro foram gravados vários programas para a Rede Vida, com destaque para as novelas que foram levadas até para outros países[7]. Daquele centro de produção audiovisual surgiu, em 1999, a TV Século 21.

A TV de Eduardo Dougherty informa dispor de 125 retransmissoras VHF e UHF, bem como 71 retransmissoras a cabo - espalhadas por 14 Estados - e também uma retransmissora para todo o país, via satélite. Além da emissora, a ASJ conta com uma distribuidora de CDs e DVDs, uma loja virtual e uma publicação mensal, a revista Brasil Cristão, distribuída a seus sócios. Talvez seja este seu maior trunfo atual, uma vez que, até 2005, ela contava com 80 mil contribuintes (SOUZA 2005: 110). Mas como foram angariados tantos associados e doadores?

Padre Dougherty estudou administração e marketing nos Estados Unidos antes de vir ao Brasil e se tornar um sacerdote empreendedor reconhecido. Além de seu talento e bons relacionamentos, contou logo no início de sua organização com a assessoria do publicitário Antônio Miguel Kater Filho. Autor de O marketing aplicado à Igreja Católica (1994), esse publicitário colaborou com o desenvolvimento de outras entidades católicas dessa área[8]. Partindo da premissa de reconhecer as necessidades do público-alvo, ou target, a análise das cartas enviadas pelos telespectadores permitiu adequar e reformular os programas produzidos pela ASJ. Após garantir certo número de telespectadores fiéis à programação, o passo seguinte foi associá-los como colaboradores permanentes. A ASJ segue fazendo esse trabalho de captação de recursos, diversificando sua produção e se ampliando.

Canção Nova

As “comunidades de aliança e vida no Espírito Santo” constituem grupos de oração carismáticos ampliados, compostos por pessoas que se reúnem para louvor e se dedicar a obras sociais. Entre os membros desses grupos, alguns procuram uma espécie de consagração religiosa, passando a compartilhar finanças, bem como a residir juntos, formando então uma “comunidade de vida”. Enquanto os demais, que permanecem morando com seus familiares e mantendo autonomia econômica, compõem a “comunidade de aliança” (MARIZ 2006). Este é um fenômeno religioso internacional, com casos analisados nos Estados Unidos e na França (CSORDAS 1997; COHEN 1997). A Canção Nova é a primeira e maior dessas comunidades de aliança e vida a se formar no Brasil, a partir do trabalho pastoral do padre Jonas Abib com 12 jovens leigos, no município de Queluz, contando com o incentivo do bispo de Lorena (SP), dom Antônio Afonso de Miranda. Atualmente, as comunidades da Canção Nova estão presentes em 11 unidades federativas, além de cinco países: Portugal, Itália, França, Estados Unidos e Israel (ABIB 2000; OLIVEIRA 2004; BRAGA 2004).

Em termos de mídia, essa comunidade teve um marco inicial com a aquisição, em 1980, da Rádio Canção Nova AM[9]. Padre Abib passava a ter um canal de divulgação do seu trabalho de cantor e da sua concepção de comunidade católica. Ele não tardou a aplicar as técnicas de marketing, organizando um clube do ouvinte para arrecadar doações financeiras, na forma de contribuições periódicas (MARIANO 1998; SOUZA 2005: 110-112)[10]. A personalidade jurídica responsável pela rádio e pelos recursos arrecadados foi, desde o início, a Fundação João Paulo II, criada também por Jonas Abib[11].

Inicialmente operando apenas em AM na cidade de Cachoeira Paulista, a Rádio logo se tornou também FM, ganhou potência e se expandiu. Com a aquisição da tradicional Rádio América de São Paulo e o início da transmissão via satélite para todo o país, em 1995, ela se tornou Rede Canção Nova de Rádio. Além da geradora em sua sede, essa rede conta com 15 retransmissoras de programação total e sete de programação parcial, espalhadas por 11 Estados, incluindo cinco capitais.

Em 1993, padre Abib e sua comunidade constituíram a Editora Canção Nova. Com mais de 100 títulos publicados, ela já teve obras traduzidas para o espanhol e o inglês, comercializadas em países latino-americanos, além de Estados Unidos, Itália e Filipinas. Um marco de sua atuação internacional foi a participação, em 2005, na Feira Internacional do Livro de Frankfurt, a maior do mundo, e na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Mas o grande passo empreendedor dessa organização de Cachoeira Paulista foi a formação da TV Canção Nova (TVCN), em 1989, que começou atuando como retransmissora da Rede Educativa do Brasil (TVE). O primeiro programa de sucesso foi Semeando Esperança, um show de entrevistas apresentado por Myriam Rios. A partir de 1997, com a aquisição da segunda emissora, na capital sergipana de Aracaju, por R$ 4,5 milhões, a Canção Nova passou a operar em canal aberto, via satélite (Veja, 8/10/2003).

Em 2003, o renomado publicitário Nizan Guanaes prestou seus serviços para a Canção Nova, contribuindo com o processo de expansão da malha de retransmissoras. Atualmente, a TVCN conta com seis geradoras, instaladas em sua sede e nas capitais Aracaju, São Paulo, Curitiba e Florianópolis, além da cidade fluminense de Campos dos Goytacazes. A própria entidade informa que há retransmissoras em mais de 500 municípios, fazendo suas imagens chegarem a todo o país, por antena parabólica e TV a cabo, com 200 operadoras. Através do sistema DTH de TV a cabo, a TVCN consegue chegar a Paraguai, Uruguai e alguns países da Europa e do norte da África.

Em seu empreendimento, padre Abib conta também com um bem estruturado Departamento de Audiovisual, que comercializa CDs, DVDs, livros e outros artigos através de representantes comerciais e de uma loja virtual. Mais que a ASJ - em parte devido ao fato de estar no Vale do Paraíba, região de forte devoção católica por causa, sobretudo, do Santuário de Aparecida - sua entidade prosperou muito na arregimentação de sócios contribuintes, chegando já em 2003 a quase 350 mil, o que propiciou uma arrecadação mensal de aproximadamente R$ 6 milhões (Época, 28/7/2003; BRAGA 2004: 114).

Diferente da TV Século 21, na TVCN não ocorrem inserções publicitárias outras que não da própria organização de mídia e marketing Canção Nova, como vídeos, CDs, livros e outros produtos. Ou seja, sua sustentação financeira se deve exclusivamente à venda desses artigos e à contribuição permanente de seus sócios-telescpectadores. Outra fonte de receita são os eventos, tais como shows, festivais musicais e o já tradicional “Acampamento de Jesus”, para os quais é cobrada uma “ajuda de custo”.

Rede Vida

A Rede Vida é o principal empreendimento televisivo católico no Brasil. Ela decorre do empenho do jornalista e empresário João Monteiro de Barros Filho e de sua família, após 20 anos de experiência à frente de jornais, estações de rádio e uma emissora de televisão (TV Independente), na região de São José do Rio Preto. A idéia de formar tal rede surgiu durante o governo do presidente José Sarney (1985-1889), quando estava em disputa a concessão da geradora do canal 11, de Rio Preto. Com o apoio de parlamentares constituintes católicos e a simpatia de Sarney, Monteiro de Barros conseguiu a concessão daquela emissora. O passo seguinte do projeto era obter o aval da CNBB, para o que o empresário obteve apoio do bispo diocesano da sua cidade natal (Botucatu), Dom Antonio Maria Mucciolo, e do então presidente da entidade episcopal e titular da arquidiocese mineira de Mariana, o falecido Dom Luciano Mendes de Almeida. Orientado por dom Luciano a formar uma entidade sem fins lucrativos e independente para responder juridicamente pela emissora, Monteiro de Barros fundou, em 1992, o Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã (IMBRAC), sendo Rede Vida um nome fantasia. O IMBRAC não tem vínculo formal com a CNBB, mas conta em seu conselho superior com representantes da entidade dos bispos brasileiros (FACCIO 1998: 80; MARIZ 1998; SOUZA 2005: 112-113).

Por intermédio de Dom Antonio, em dezembro de 1994 o IMBRAC recebeu do banco Bamerindus, então de propriedade de José Eduardo Andrade Vieira, o primeiro patrocínio para a rede em formação[12]. Com esse primeiro e grande anunciante a emissora foi instalada em um sofisticado prédio de Rio Preto, com três mil metros quadrados, entrando no ar em junho de 1995. Dado seu caráter religioso e pouco comercial[13], era preciso buscar mais recursos para mantê-la funcionando.

Ainda em 1995, Monteiro de Barros viajou à Europa com Dom Antonio Mucciolo à procura de apoio de instituições católicas. Visitaram uma experiência de TV educativa em Portugal, mas foi na Alemanha que conseguiram suporte financeiro para a Rede Vida. O apoio político vindo de Brasília também foi fundamental para viabilizar o projeto[14]. A visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em 1997 - com o evento massivo de celebração para aproximadamente dois milhões de pessoas no carioca Aterro do Flamengo - foi fundamental para a emissora, pois lhe possibilitou obter significativos patrocinadores e, conseqüentemente, completar seu projeto de instalação. A “bênção” do Vaticano fez com que muitas dioceses iniciassem o processo de instalação de retransmissoras, de modo que elas se espalharam por todos os Estados do país. No mesmo ano, a televisão de Monteiro de Barros ganhou outros dois impulsos: a aquisição de um potente retransmissor - capaz de levar sua imagem com qualidade para a região metropolitana de São Paulo - e a projeção nacional de uma de suas atrações, padre Marcelo Rossi.

Esse padre cantor se tornou bastante popular, através de suas missas dançantes no Santuário do Terço Bizantino - Diocese de Santo Amaro, zona sul paulistana - e também apresentando programas em rádio e também na Rede Vida. A gravação de CDs, filmes e também a participação em programas de emissoras comerciais fomentaram sua popularidade, como veremos adiante. O bispo daquela diocese, Dom Fernando Antônio Figueiredo[15], passou a integrar o conselho superior da TV da família Monteiro de Barros, acompanhando também ali o trabalho de seu famoso auxiliar.

Os padres comunicadores Eduardo Dougherty e Jonas Abib também tiveram programas na Rede Vida. Desde o início, aquela rede mantém parcerias com congregações, universidades e demais organismos católicos que produzem programas para serem exibidos nela[16]. Dada sua expansão, a emissora passou a instalar estúdios auxiliares em grandes centros urbanos. Assim o fez - com o apoio de arquidioceses e entidades, como o Sindicato das Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo (SIMPI) e Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) - nas capitais paulista, fluminense, gaúcha e federal. Além disso, essa TV católica afirma em seu site distribuir imagens por cinco operadoras de TV a cabo e dispor de 431 retransmissoras, cobrindo 70% do território nacional.

A Rede Vida se declara “o canal da família brasileira” e, além de maior emissora católica, é um negócio familiar. O presidente conta com o auxílio de dois filhos. O mais novo, João Monteiro de Barros Neto, é o jornalista responsável pela emissora, que cuida de suas relações institucionais, de sua geração via satélite e da parte comercial. Seu irmão, Luis Antônio, se dedica mais à programação da emissora. Ambos apresentam programas jornalísticos.

Em termos de arrecadação publicitária, esses empresários esperavam muito da visita do papa Bento XVI, em maio de 2007, para qual fizeram uma campanha com o slogan “Brasil mais bento”. Para a decepção deles, o faturamento mensal de R$ 3 milhões praticamente não teve aumento, uma vez que os anunciantes da vinda do pontífice deram total preferência às grandes emissoras comerciais. A forte identidade religiosa[17] a leva a comercializar, por meio de sua programação, objetos de devoção católica com algum valor agregado, seja pelo matéria-prima utilizada (pedras ou metais preciosos), seja por conter terra ou água oriundos de algum lugar considerado santo (Folha de S. Paulo 6/5/2007). A Rede Vida vende espaço publicitário e também mercadorias tangíveis.

Renovação popularizadora católica

A música exerce um papel relevante na atual propagação das denominações religiosas, sobretudo no segmento juvenil. Há muitos intérpretes que atuam individualmente ou em bandas, também no âmbito da Igreja Católica, projetando-se através da realização de shows e da gravação de discos. No clero, os primeiros cantores a se tornarem conhecidos foram os padres Jonas Abib, Zezinho e Antônio Maria[18]. Os atuais cantores católicos, leigos ou clérigos, são oriundos, em sua maior parte, de grupos de oração carismáticos, com destaque para os padres Zeca, Jorjão[19] e, principalmente, Marcelo Rossi (SOUZA 2005; ANDRADE FILHO 2006; CARRANZA 2006).

A trajetória de Marcelo Rossi vem sendo contada em inúmeros artigos de jornais, revistas e sítios da Internet. Ele ganhou notoriedade pela desenvoltura com que presidia as "missas de libertação" na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Santa Rosália, na Diocese de Santo Amaro, promovendo missas de cura e danças coreografadas. A quantidade de pessoas que afluíam às suas celebrações cresceu junto com sua importância entre os padres da diocese. Sua estréia na "evangelização eletrônica" aconteceu em 1996, na Rádio Canção Nova. Em 1997, as missas de libertação do padre passaram a ser transmitidas pela Rádio Jovem Pan. Ele também se tornou apresentador de programas nas católicas Rádios América e Rede Vida de Televisão. Naquele mesmo ano o padre liderou a primeira grande concentração de massa, o encontro Sou feliz porque sou católico, no estádio do Morumbi (Folha de S. Paulo, 4/11/1997). Tal evento, sempre no feriado de Finados e contando com a apresentação de cantores populares, se repetiria nos anos seguintes.

Padre Marcelo advém de grupo de oração carismático e devido, entre outras coisas, à sua mensagem moralizante, a mídia em geral costuma vinculá-lo a esse movimento católico, mesmo que ele não se defina como adepto: “Deixei de freqüentar a Renovação Carismática (...) Sou padre da Igreja Católica Apostólica Romana. Um sacerdote não pode estar preso a nenhum movimento. Estou aberto a todos” (Folha de S. Paulo, 6/2/2000). Reiteradamente, Rossi nega sua ligação com a RCC e, de fato, não tem presença garantida em eventos do movimento, tais como congressos e feiras, talvez porque tenha adquirido certa “luz própria”. Com todo o aparato constituído e o espaço obtido na mídia e na sociedade, Marcelo Rossi vem conduzindo uma espécie de movimento ao redor de si próprio. Ele é o protagonista de uma renovação popularizadora católica em curso (SOUZA 2005)[20].

Marcelo Rossi simplificou a tradicional forma católica de rezar o terço, com o intuito de popularizá-la. A televisão contribuiu bastante para que ele alcançasse esse objetivo, através do programa Terço Bizantino na Rede Vida[21]. Terço Bizantino acabou se tornando uma marca dos produtos ligados ao padre, patenteados por uma controvertida empresa administrada por sua família (Isto é, 16/12/1998). Serviu também, em maio de 1998, para batizar como santuário o galpão alugado - que abrigara uma metalúrgica no bairro de Santo Amaro, com 20 mil metros quadrados e capacidade para 40 mil pessoas - onde Rossi passou a celebrar suas missas. Em janeiro de 2006, próximo à estação de trem do mesmo bairro, começaram as obras do novo templo e sede própria das celebrações do padre, num terreno de 30 mil metros quadrados que deverá comportar 100 mil pessoas e será chamado Theothokos (Mãe de Deus).

A primeira aparição de Marcelo Rossi numa grande emissora de TV foi no programa Domingo Milionário, da extinta Rede Manchete. Ele foi convidado para dar conselhos aos telespectadores. Depois, também em 1998, apareceu no programa Domingão do Faustão, da Rede Globo, no Domingo Legal, do SBT e em outros programas. Posteriormente, em 2001, a Globo passaria a transmitir as missas presididas por ele e Dom Fernando Figueiredo nas manhãs de domingo. Padre Marcelo ganhou espaço na Rede Globo para divulgar através de vinhetas essas celebrações, chamando as pessoas para trazer sal, flores, velas, carteiras profissionais, fotos e objetos pessoais de parentes desempregados e doentes para serem abençoados[22].

Também em 1998, Marcelo Rossi lançou pela gravadora Polygram seu primeiro CD, Músicas para louvar ao Senhor, que vendeu mais de 3,2 milhões de cópias, cifra superior à alcançada por muitos cantores populares brasileiros. Foi um recorde de venda de discos, após um único mês de lançamento (450 mil cópias), daquela gravadora que atuava no Brasil havia 40 anos. Nos anos posteriores ele gravaria outros CDs e DVDs, também com grande sucesso de vendas[23]. Tal projeção o levou a fazer gravações e apresentações em outros países[24].

Além de cantar, Rossi também escreve livros. Sua obra mais divulgada e vendida foi a sétima, lançada em 2000, que tem como título um slogan do marketing católico, popularizado em adesivos para carros: Sou feliz porque sou católico. A Internet vem sendo um privilegiado meio de divulgação do trabalho de padre Marcelo. Através de sítios dedicados a ele é possível efetuar a compra de CDs, livros e demais produtos ligados ao padre, bem como à religiosidade católica em geral. Marcelo Rossi dispõe de um portal oficial na internet, produzido pela empresa Terra: www.padremarcelorossi.com.br, contendo a missa dominical (ao vivo), a oração diária do Terço Bizantino, o chat (bate-papo com o padre), o santo do dia e uma loja virtual.

Além de sucesso de público e vendas, a carreira sacerdotal de Rossi tem sido marcada por controvérsias em relação a setores da Igreja devido à suposta exploração comercial e indevida da imagem de um padre. É a questão da alta vendagem de CDs, sobretudo, que faz de Marcelo Rossi alvo de várias matérias jornalísticas. Em fevereiro de 2000, a Comissão Nacional de Presbíteros discutiu a condição do padre no Brasil, a partir de um documento intitulado Novo milênio, novo presbítero? O texto, elaborado por teólogos considerados progressistas - Clodovis Boff, Alberto Antoniazzi e José de Almeida - apontava problemas quanto ao seguimento de um “modelo de padre midiático” por seminaristas e presbíteros. Apesar de ressaltar a alegria das celebrações cantadas e dançadas, o documento chamava atenção para os riscos de fuga da realidade, banalização da vivência mística, estrelismo - vaidade expressa no uso de roupas de grife e companhia dos chamados colunáveis - e sedução pelo dinheiro. Inegavelmente, era uma significativa advertência[25].

A despeito das fortes críticas feitas por várias lideranças católicas[26], Marcelo Rossi prosseguiu em seu trabalho artístico, chegando inclusive às telas de cinema. Em outubro de 2003, foi lançado o primeiro longa-metragem por ele estrelado, Maria, mãe do filho de Deus, fruto de uma parceria entre Columbia Pictures, Globo Filmes, Sony Vídeo e Diller Produções, também responsáveis pelos filmes de Xuxa Meneguel. No filme, Marcelo Rossi atua como padre de uma paróquia do sertão nordestino e também como o Arcanjo Gabriel, que anuncia a gravidez à Maria. A produção, que contou com a “consultoria teológica” de Dom Fernando Figueiredo, custou R$ 7,5 milhões (mais que o prestigiado Cidade de Deus, por exemplo).

No ano seguinte, ele empreendeu a gravação de um segundo longa-metragem, intitulado Irmãos de fé e contando mais uma vez com atores conhecidos, sobretudo pela participação em novelas da Rede Globo. Padre Marcelo diz ter pretendido com o filme chamar a atenção da sociedade abrangente para o problema do crescimento da participação de adolescentes no crime, sobretudo em seqüestros-relâmpago. Também produzido pela Columbia Pictures, o filme é inegavelmente uma nítida resposta católica ao intenso proselitismo praticado por igrejas evangélicas com a população carcerária brasileira. Eis um padre também ator que se coloca a serviço da recuperação católica no cenário religioso brasileiro.

Considerações finais

Havia bastante tempo que setores da Igreja Católica, sobretudo carismáticos, desejavam constituir uma televisão com explícita identidade religiosa (DELLA CAVA; MONTERO, 1991).

Conforme aponta Cecília Mariz (2006: 345-346), um fator fundamental para a empreitada católica nesse segmento de comunicação foi a facilidade auferida pelo sistema de transmissão via satélite e por assinatura, algo que baixou o custo do empreendimento televisivo. A Rede Vida, maior emissora católica, começou transmitindo suas imagens apenas por antenas parabólicas e TV a cabo e só depois adquiriu suas próprias antenas retransmissoras, operando tanto em UHF quanto VHF. Apesar de a TV Século 21 ter iniciado suas atividades antes, foi a Rede Vida que mais aderiu às práticas comerciais de venda de espaços publicitários, embora como todas TVs católicas, restringindo moralmente os tipos de anunciantes. Com suas peculiaridades, a instituições católicas se submetem à lógica de mercado (SOUZA 2007).

Em termos de práticas mercantis, Rede Vida e Século 21 diferem da TV Canção Nova, uma vez que esta não comercializa espaços para anúncios publicitários, além dos referentes a seus próprios produtos, contando com a expressiva contribuição financeira de sócios-telespectadores (BRAGA 2004). Por outro lado, a emissora do padre Jonas Abib se aproxima da sua congênere, pertencente à família Monteiro Barros, no que se refere à busca de apoio político. Ambas promovem articulações de modo mais evidente do que a TV do jesuíta Eduardo Dougherty. Um dos principais apresentadores de programas da Canção Nova é o ex-seminarista e jovem político Gabriel Chalita. Nascido e criado em Cachoeira Paulista, ele foi eleito vereador de sua cidade aos 19 anos e tornou-se presidente da Câmara Municipal. Em 2001, com trinta e um anos, foi nomeado, pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB)[27], titular da Secretaria de Estado da Juventude. No ano seguinte assumiu a Secretaria de Estado da Educação, permanecendo no cargo até 2006. Prestigiado pelo governador e diante daquela considerável vitrine política, em 2004 chegou a ser cogitado candidato a prefeito de São Paulo. Atualmente é um dos grandes aliados de Alckmin e também candidato a vereador de São Paulo. Chalita personifica a relação da Canção Nova com o PSDB, aliás, partido que conta com vários prefeitos e vereadores no Vale do Paraíba paulista, onde é sediada a emissora.

A Rede Vida, por sua vez, embora não conte com um clube de sócios contribuintes numericamente significativo e tenha limitações comerciais, conseguiu se consolidar em um mercado específico, marcado pela religiosidade católica. Para esse feito, contou com o apoio de várias dioceses, uma vez que é extra-oficialmente a emissora católica do país. Outro favor decisivo foi a articulação política junto ao Ministério das Comunicações, por parte de senadores e deputados católicos, identificados com o DEM, antigo PFL, além do PSDB e do PMDB.

Mariz (2006) também aponta como outro fator de impulsão à criação da Rede Vida, em 1995, o fato de a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) ter adquirido a Rede Record de Televisão em 1989. Acrescento que esse foi um acontecimento muito importante no cenário religioso e midiático brasileiro, pois impulsionou o desenvolvimento das demais emissoras católicas - sobremaneira a Canção Nova - e contribuiu para legitimar as investidas do padre Marcelo Rossi nos meios de comunicação não católicos. A crescente concorrência da Igreja Romana com as denominações pentecostais, principalmente a IURD, justificou a exacerbação das iniciativas de marketing e mídia da RCC e dos padres cantores, sobretudo Marcelo Rossi. Todo o aparato montado em torno desse badalado presbítero configura algo que vai além da RCC, ou seja, é uma renovação popularizadora católica (SOUZA 2005).

Relacionada com a disputa entre a Igreja Católica e a IURD está a concorrência por audiência e publicidade entre as redes televisivas Globo e Record, primeira e segunda colocadas nacionais em audiência. Para a emissora da família Marinho, acostumada a transmitir missas e cobrir intensamente as visitas papais, veio muito a calhar a projeção de um padre cantor, capaz de elevar a audiência de programas populares. Não fossem as restrições de segmentos do clero, provavelmente Marcelo Rossi apareceria bem mais que em suas missas[28], talvez até conduzindo um programa, como chegou a cogitar a própria Globo e também a TV Bandeirantes, em 1998.

Marcelo Rossi não é um padre empreendedor de mídia, mas sim uma vedete católica que promove eventos massivos e alternativos, comumente noticiados. No entanto, sua relação com a grande mídia é contraditória. Costuma se referir a ela como aliada, mas às vezes também como inimiga, pelas supostas deturpações a seu respeito. Pode-se dizer que a grande mídia, por sua vez, teria formado uma imagem caricata do padre cantor, sobretudo quando fotógrafos e operadores de TV pedem para ele posar em posições de prece (FERNANDES 2004). Rossi vende muitos produtos, atrai pessoas para suas celebrações, mas, por outro lado, é cercado pela imprensa, que de alguma forma modela e cobra um estereótipo. Preço da fama. Considerado um exemplo para novos seminaristas e um trunfo do marketing católico, ele é, para muitos, um novo modelo de padre.

Bibliografia

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ANDRADE FILHO P. 2006 Um artista da fé: padre Marcelo Rossi e o catolicismo brasileiro contemporâneo, tese (doutorado em sociologia) Pernambuco, UFPE.

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Recebido: 02/08/2008
Aceite final: 15/09/2008

Notas

[*] Doutor em Sociologia, pesquisador de pós-doutorado em Sociologia da PUC-SP (bolsista FAPESP) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores de Economia Solidária.

[1] Há muitos anos, a TV Cultura paulista e as TVs Educativas estaduais transmitem missas dominicais, com destaque para a da Basílica Nacional de Aparecida. Houve tentativas de interrupção judicial, por serem TVs públicas, mas as exibições do culto católico persistem. De outro lado, em 1968, a Rede Globo de Televisão herdou da extinta TV Excelsior o programa Santa missa em seu lar, que era apresentado naquela emissora desde 1963. A Globo manteve a veiculação nacional das celebrações do Rio de Janeiro até 2001, quando as substituíram pelas missas do padre Marcelo Rossi, mantendo a versão original apenas em âmbito local, no Rio, por pressão do emérito cardeal Dom Eugênio Sales. Além das transmissões de missas - inclusive as da noite de Natal - vale lembrar a intensa cobertura das emissoras de rádio e TV das visitas dos papas João Paulo II e Bento XVI ao país.

[2] Com o desenvolvimento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) houve maior produção de documentos episcopais a respeito de comunicação social. Ela foi tema da nacional Campanha da Fraternidade, em 1989, e também se tornou objeto de órgãos específicos em muitas dioceses brasileiras (PESSINATTI 1998).

[3] No início das transmissões, a Rede Vida teve a produção de seus programas sob responsabilidade da empresa de comunicações Argumento, do jornalista Ricardo Carvalho. Logo, a emissora contaria com a ajuda de produtoras de vídeos católicos pertencentes a congregações religiosas e grupos da RCC. Os carismáticos sempre tiveram grande presença na grade de programação dessa TV católica (Veja, 15/03/97; FACCIO 1998: 81; MARIZ 1998).

[4] No XI Encontro Carismático Católico Latino-americano, ocorrido em San José da Costa Rica, em 1985, foi criada a Lúmen-América - entidade dedicada a publicações, rádio e, principalmente, TV - que passou a funcionar junto ao Centro Carismático Latino-americano, em Bogotá, Colômbia. Padre Dougherty foi designado assessor daquela empreitada. No mesmo encontro, decidiu-se que o principal programa televisivo carismático seria justamente Anunciamos Jesus (ASSMANN 1986: 87-88).

[5] Este centro de Dallas e os estagiários brasileiros, auxiliares de Eduardo Dougherty, também se envolveram no processo de criação da Lumen-América. Um ano antes, o televangelista Bobbie Cavnar havia fundado a Lumen 2000, organização que reúne 19 países, com destaque para o Brasil e os Estados Unidos. Além da Lumen, Dougherty contou também com o apoio da Christian Community of God´s Delight, entidade católica sediada na mesma cidade americana.

[6] O Centro Século 21 chegou a ser, em 2003, o terceiro pólo mais sofisticado de produção televisiva do país, atrás apenas do Projac, da Rede Globo, e do Projeto Anhangüera, do SBT - Sistema Brasileiro de Televisão (Época, 28/7/2003).

[7] A novela mais conhecida foi Irmã Catarina, que lançou a ex-atriz da Globo e carismática fervorosa, Myriam Rios, nesse universo de mídia católica. Tal novela também foi ao ar pela TV aberta CNT, em março de 1996 (Folha de S. Paulo, 23/1/1996). Através do apoio da Lumem 2000, a ASJ conseguiu levar suas produções até Índia, Rússia e outros países do Leste Europeu (CARRANZA 2000: 258).

[8] Assessorou vários bispos em campanhas diocesanas de arrecadação financeira para a instalação de emissoras e retransmissoras de rádio e televisão. Junto com o também publicitário Mauro Salles e o bispo da diocese paulistana de Santo Amaro, Dom Fernando Figueiredo, fundou em 1998 o Instituto Brasileiro de Marketing Católico (IBMC).

[9] Essa emissora integra a Rede Católica de Rádio, sendo uma das geradoras da programação dela. É também integrante da União das Emissoras Católicas (UNDA Brasil) e do Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa (SINRED).

[10] A estratégia de formação de clubes de ouvintes foi outra importação estadunidense feita pelas organizações católicas de mídia no Brasil. A primeira iniciativa desse tipo foi do padre redentorista Laurindo Rauber, em 1955, na Rádio Aparecida (BRAGA 2004: 122).

[11] Essa entidade também desenvolve trabalhos assistenciais próprios, de atendimento médico e educação infantil e profissionalizante, além de apoiar outras entidades filantrópicas.

[12] Andrade Vieira, eleito senador pelo PMDB-PR , viria ocupar o Ministério da Agricultura no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998).

[13] Na Rede Vida, bem como em outras emissoras explicitamente católicas, evangélicas e espíritas, há veto a determinados anunciantes, como de cigarros, bebidas alcoólicas e produtos relacionados a sexo.

[14] Em abril de 1996, durante a 34ª Assembléia Geral da CNBB, o Ministério das Comunicações, então chefiado por Sérgio Motta (PSDB) - que havia sido tesoureiro da campanha eleitoral de Fernando Henrique Cardoso - liberou 310 concessões de retransmissoras, além das 40 que a Rede Vida já possuía. Tal medida gerou insatisfação em dirigentes de outras emissoras, alegando a limitação técnica da TV católica (Folha de S. Paulo, 10/8/1997).

[15] Franciscano, ele é uma das maiores lideranças do movimento carismático no país. Quando a Arquidiocese de São Paulo, do progressista Dom Paulo Evaristo Arns, foi controvertidamente desmembrada, em 1989, Dom Fernando se tornou o primeiro prelado da Diocese de Santo Amaro. Desde então tem administrado sua próspera igreja local, aumentando o número de paróquias de 34 a 93, reinvestindo todo o montante de recursos arrecadado com as atividades artísticas de padre Marcelo Rossi.

[16] Os casos mais relevantes são os da ASJ, PUC-PR de Curitiba e Paulinas.

[17] Além dos vários programas religiosos, a Rede Vida têm em suas instalações de Rio Preto uma pequena capela com capacidade para 14 pessoas - onde missas ocorrem diariamente - e também um santuário de 800metros quadrados.

[18] Abib se projetou no segmento carismático católico graças à sua Canção Nova, enquanto Zezinho pela composição e gravação de muitas canções, sendo Oração pela família a mais conhecida. Já Antônio Maria se tornou conhecido por cultivar amizade e se apresentar com Roberto Carlos, acompanhando-o bastante por ocasião da doença e morte de sua mulher, Maria Alice Braga. Ao dar bênção a um casamento não-religioso do jogador Ronaldo, apelidado de “fenômeno”, com a apresentadora de TV Daniella Cicarelli, esse padre recebeu muitas críticas, sobretudo do próprio clero (SOUZA 2005: 66-71).

[19] Cariocas, esses sacerdotes se tornaram conhecidos no universo católico por fazerem trabalho pastoral com jovens, inclusive em praias, cantando, liderando uma associação, promovendo atividades e apresentando programas de rádio, tudo com o nome Deus é dez (SOUZA 2005: 71-76).

[20] A popularização, aqui, tem sentido oposto ao da “pedagogia popular” defendida e propalada pelos adeptos da Teologia da Libertação, uma vez que, em vez de politização de esquerda, a mensagem de Marcelo Rossi se volta para a vivência individual e emotiva da chamada espiritualidade.

[21] Suas orações e mensagens vendo sendo divulgadas na revista bimestral Terço Bizantino (com tiragem de 120 mil exemplares) bem como em publicações avulsas, sítios da Internet e até por empresas de telefonia celular (Época, 28/07/2003).

[22] Apesar de essas missas serem transmitidas cedo - às 6 horas da manhã - elas chegaram a ter média de audiência de 10 pontos em âmbito nacional. Atualmente, são veiculadas também em outros 45 países.

[23] Em setembro de 2002, com o CD Paz – Ao Vivo, ele foi premiado com o Grammy Latino, na categoria de melhor álbum de música cristã (Veja, 4/11/1998; O Estado de S. Paulo, 21/9/2002).

[24] Além de Israel e Itália, padre Marcelo se apresentou, gravando programas de TV e vídeo-clipes, em Portugal e nos Estados Unidos. Neste país ele participou de um programa popular chamado "Show de Cristina", voltado para a comunidade hispânica, em que foi apresentado pela anfitriã como o quinto maior vendedor de discos da gravadora Universal no mundo (Folha de S. Paulo, 25/1/2000).

[25] Outra expressão disso foi que sua presença na missa comemorativa dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, na cidade baiana de Porto Seguro, em 22 de abril de 2000, acabou vetada pela CNBB. O então presidente da entidade, Dom Marcelo Carvalheira, argumentou querer evitar "tendências polêmicas". A ausência do padre foi o grande motivo pelo qual não ocorreu a cobertura ao vivo do evento por parte das grandes redes de televisão (Folha de S. Paulo, 25/2/2000).

[26] Além de expoentes da Teologia da Libertação, como Leonardo Boff, Dom Pedro Casaldáliga e Frei Betto, o trabalho de Marcelo Rossi também foi desaprovado pelo veterano padre cantor Zezinho (Folha de S. Paulo, 20/11/1998; Jornal do Brasil, 6/12/1998; Isto é, 16/12/1998; O Estado de S. Paulo, 14/7/2000).

[27] Político de Pindamonhangaba - cidade próxima a Cachoeira Paulista - e candidato à Presidência da República pelo PSDB em 2006, Alckmin teve debatida sua identidade católica tradicional, sobretudo com o controvertido movimento Opus Dei. Em 2008, foi candidato – derrotado - de seu partido à prefeitura paulistana.

[28] O estilo do papa Bento XVI, em termos de mídia, muito mais contido do que João Paulo II, reforça esse argumento. Durante sua visita ao Brasil em 2007, Marcelo Rossi e Dom Fernando Figueiredo não conseguiram ter acesso ao pontífice.