"A Concepção Vitalista da Salvação" no Brasil:
As Novas Religiões Japonesas e o Pentecostalismo[*]

Masanobu Yamada[**] []
tradução por Kleber Maia Marinho[***] []

Resumo

A Concepção Vitalista da Salvação tem sido apontada como um caráter distinto das novas religiões japonesas. No entanto, não se tem discutido como seria o desenvolvimento dessa concepção em um contexto cultural diferente. Este artigo investigará os brasileiros convertidos às novas religiões japonesas (Seicho-no-ie, Perfect Liberty e Tenrikyo) e as comparará com religiões pentescostais (Movimento de Renovação Carismática e Igreja Universal do Reino de Deus). Os brasileiros que se converteram às novas religiões japonesas apresentam quatro pontos dessas que diferem de suas religiões anteriores: a) inovação de ritual e oração; b) mais amabilidade do que a igreja católica; c) mudança da imagem de Deus; d) liberação do pecado.Embora não possuam a Concepção Vitalista da Salvação, esses pontos também podem ser encontrados nos casos do pentecostalismo.

Abstract

The Vitalistic Conception of Salvation has been pointed out as a distinctive character of Japanese new religions. It has not been discussed, however, how this conception would develop in a different cultural context. This article will investigate Brazilian converts to Japanese new religions (Seicho-no-ie, Perfect Liberty and Tenrikyo) and compare them with those to Pentecostalism (Charismatic Renewal Movement and Universal Church of Kingdom of God). Brazilians who converted to the Japanese new religions raise four points of the new religions as different from their former religions: a) novelty of ritual and pray; b) more kindness than Catholic Church; c) change of God’s image; d) liberation from sin. These points can be found in the cases of Pentecostalism as well, although they do not have the Vitalistic Conception of Salvation.

1. Introdução

Hoje, as novas religiões japonesas estão sendo divulgadas para além das fronteiras da cultura japonesa; tornando-se aceitas e exercendo influência em vários paises e regiões. A Seicho-no-Ie, por exemplo, muito conhecida no Brasil, é composta, sobretudo por adeptos não-japoneses, em vez de japoneses.[1] Edita três tipos de publicações mensais, cuja circulação total chega a 530.000 cópias em novembro de 2002. Esse número não corresponde necessariamente ao número real dos adeptos da Seicho-no-Ie no Brasil, mas salienta, todavia, o tamanho da influência dessa comunidade na cultura religiosa brasileira.[2] Além da Seicho-no-Ie, outras religiões japonesas conhecidas no Brasil são: a Kyuseikyo (ou "Igreja Messiânica Mundial do Brasil", como é chamada no Brasil), Perfect Liberty, Sukyo Mahikari e Soka Gakkai; sendo que em todas elas os adeptos são, na maioria, não-japoneses [Watanake 2001; Fujikura 1992]. Isso demonstra, então, que as novas religiões japonesas produzem fascinação em pessoas de culturas diferentes além do Japão.

"A concepção vitalista da salvação" é uma idéia de consciência religiosa extraída das doutrinas das novas religiões japonesas. Uma característica dessa concepção é que ela prioriza a conquista da salvação neste mundo, divergindo profundamente do "aspecto transcendente ou de negação deste mundo que permanece característico às religiões tradicionalmente estabelecidas." [Tsushima et al. 1979: 152]. Isto é, enfatiza os benefícios mundanos (genzeriyaku) e demonstra pouca preocupação pela salvação da vida após a morte. O que reside no centro dessa consciência é o conceito de "Vida Original", um conceito que, ao mesmo tempo, funciona como um resumo das doutrinas das novas religiões japonesas [Tsushima et al. 1979: 144]. De acordo com essa idéia, "O cosmos é encarado como um corpo vivo ou uma força vital com fertilidade eterna", o qual, às vezes, é "compreendido como uma divindade". É considerado ser, a um só tempo, "a fonte de onde toda a vida emana e a fonte que nutre toda a vida". A idéia que resulta disso é que "todas as coisas são harmoniosas, interdependentes, mutuamente solidárias, e em constante crescimento" [Tsushima et al. 1979: 142-143]. Uma vez que cada ser humano é "uma parte do universo, ele naturalmente julga ter uma existência originada e nutrida pela Vida Original." A natureza humana é interpretada como sendo "divina, despoluída, pura e perfeita", tornando possível, dessa forma, "retornar ou unir-se à Vida Original" [Tsushima et al. 1979: 144-145].

Quando as novas religiões japonesas são aceitas em culturas diferentes, quais significados tem esse conceito, e que papel desempenha? Como suas idéias de vitalismo são mediadas pelas culturas diferentes? O conceito vitalista encontrará seu correspondente aí?

No Brasil, o pentecostalismo, que prega a salvação através do batismo do Espírito Santo, está mostrando um grande avanço. Como muitos estudiosos indicaram, as doutrinas e práticas do pentecostalismo têm, de fato, sido menos influenciadas pelo cristianismo histórico, com sua idéia de salvação transcendente e de negação deste mundo, do que pela religião popular, um modo de pensamento que se move na direção contrária [Parker 1996; Mariano 1999; Maués 1999]. Isso indica que o progresso e o crescimento do pentecostalismo é, em muitas maneiras, similar ao das novas religiões japonesas [cf. Tsushima et al. 1979: 151-52]. Claro que o crescimento do pentecostalismo, que ocorreu em um contexto cristão é, com certeza, nitidamente diferente, tanto em relação ao tempo quanto ao espaço, do das novas religiões japonesas, que emergiram em um país predominantemente Budista. No entanto, há semelhanças entre as duas, tanto nas doutrinas e práticas, como nas estruturas salvíficas. Nas religiões históricas como o Cristianismo e o Budismo, a salvação e os benefícios deste mundo são tratados como metas religiosas conflitantes. Ainda assim, essas duas noções estão unificadas sem contradição em ambas: no Pentecostalismo e nas novas religiões japonesas. Também semelhante é o fato de que ambas sofreram a discriminação persistente das religiões como o Cristianismo e o Budismo [Oro 1996: 92 ; Tsushima et al. 1979: 141-42; Komura 1926].

Este capítulo analisará de que modo a concepção vitalista de salvação, introduzida pelas novas religiões japonesas, é aceita no contexto religioso do Brasil. Adiante, irei comparar esse conceito vitalista com a noção de salvação do pentecostalismo. Pretendo também analisar que tipo de mudança o conceito vitalista está ocasionando no Brasil. Quanto aos exemplos específicos das novas religiões japonesas, a discussão concentrar-se-á na Seicho-no-Ie, na Perfect Liberty, e na Tenrikyo. No Pentecostalismo, o enfoque será sobre o Movimento da Renovação Carismática e a Igreja Universal do Reino de Deus. Os dados foram embasados em trabalho de campo realizado em 1999 na cidade de Recife, no nordeste do Brasil, entre os adeptos brasileiros não-japoneses. Devo mencionar que a Tenrikyo tem consideravelmente menos adeptos no Brasil do que outras novas religiões japonesas e seus adeptos são, na maioria, descendentes de japoneses. É difícil, entretanto, imaginar a Tenrikyo exercendo muita influência quantitativa na sociedade brasileira. Visto que, no entanto, tenho interesse no aspecto qualitativo da salvação, considero a Tenrikyo tão representativo das novas religiões japonesas quanto as outras duas comunidades.

2. A Aceitação e o Desenvolvimento das Novas Religiões Japonesas

Quando indaguei aos novos adeptos da nova religião japonesa como sentiam a diferença das religiões que pertenceram antes, eles geralmente respondiam conforme os pontos, a seguir: (1) os rituais e os métodos de oração são originais e novos para eles. (2) os ministros e os adeptos mais antigos deram-lhes uma cuidadosa orientação, enquanto os padres católicos, por outro lado, eram relutantes ao envolvimento de seus problemas pessoais. Além disso, todos responderam que (3) a imagem que tinham de Deus havia mudado. Isto é, foram ensinados pela igreja católica, pela família e pela escola a cultivarem a Imagem de Deus como Aquele que pune os seres humanos, mas nas novas religiões, Deus é sentido mais intimamente, como o amor. Ademais, mencionaram que (4) conscientizaram-se de seu próprio ser divino ao serem libertados da noção de viver sob a opressão do pecado. Comparando com o catolicismo, o que se ressalta é a verdadeira natureza dos seres humanos na posição de divino e completamente perfeito, e a possibilidade de que eles podem unir-se e tornar-se um com Deus, a Vida Original.

Gostaria de destacar um fato importante que deve ser levado em consideração ao discutirmos como as novas religiões vieram a ter aceitação no Brasil. É evidente que juntamente aos quatro pontos mencionados acima, nos últimos anos, a igreja católica tem se tornando menos atrativa para os brasileiros. A população católica no Brasil apresenta uma tendência voltada para o declínio: a proporção permaneceu em 89% em 1980, e 83,3% em 1991. Entrementes, a população protestante aumentou durante o mesmo período, de 6,6% para 9% [IBGE 1980, 1991]. Este índice de crescimento é 2,8 vezes maior do que o da população brasileira inteira. O incremento do pentecostalismo,[3] contudo, é particularmente surpreendente. Uma pesquisa aleatória realizada entre os eleitores qualificados em 1994 demonstrou que o pentecostalismo contabilizava 76% da população protestante [Mariano 1999: 10-11]. Isso demonstra que, embora haja uma tendência para os brasileiros deixarem a igreja católica, não há um declínio aparente no interesse pela religião propriamente.

Devo agora examinar os desenvolvimentos da Seicho-no-Ie, da Perfect Liberty, e da Tenrikyo no Brasil com referência às quatro características das novas religiões japonesas mencionadas acima.

2.1 Seicho-no-Ie

Dentre as novas religiões que discuto neste trabalho, a Seicho-no-Ie é a que expressa com maior veemência as características do vitalismo.[4] Essa comunidade ensina que os seres humanos pertencem originalmente a Verdadeira Imagem do Mundo: um mundo que é divino e repleto de perfeição. Os sofrimentos do dia-a-dia dos seres humanos são meramente projeções passageiras de idéias pessoais, que devem ser somente consideradas como fenômenos deste mundo. Logo, a salvação consiste em penetrar no ser divino sem ficar preso às próprias idéias. Durante as reuniões realizadas nos regionais (centro de reunião) no Brasil, o trecho da Bíblia, "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" [João 14.6] é freqüentemente citado. Já que os seres humanos são filhos de Deus, eles concebem que sejam irmãos e irmãs de Jesus, o Filho de Deus. Dessa maneira, uma ligação com o conceito de Vida Original é estabelecida através da Trindade: Deus = Jesus = seres humanos. Disso deriva, que os seres humanos estão livres do pecado e congenitamente capazes de se unirem a Deus. A referida passagem bíblica é citada para instruir as pessoas com a verdade que "Você é Deus, do mesmo modo que Jesus, então desperte para o seu ser divino. Você já está salvo."

Uma mulher de cinqüenta anos, que havia tido problemas conjugais por cerca de vinte anos e tinha começado a consultar um psiquiatra, tornou-se adepta da Seicho-no-Ie por intermédio de um amigo. Ela tinha as seguintes palavras a dizer:

Fomos ensinados no cristianismo que, se viermos a conhecer a Verdade, isso nos libertará. Ainda que eu realmente não soubesse o que era a Verdade. Em uma revista da Seicho-no-Ie aprendi a verdade de que "os seres humanos são filhos de Deus." Reconfirmei isso, e comecei a entender que Deus está em nosso corpo, e que a força ilimitada, o amor, e o conhecimento estão todos dentro de mim. Também comecei a entender que tenho uma conexão direta com Deus, que fez com que me libertasse. E as coisas de fato ficaram melhores.

Aqui, o conceito de Vida Original é ensinado como a Verdade, as palavras da Bíblia. É, portanto, uma explicação que ajuda a compreensão dos adeptos; para aqueles inseridos em uma cultura católica, esse conceito alheio de vitalismo, pode, por conseguinte, ter uma atração natural, e funciona com eficácia nas atividades de conversão da Seicho-no-Ie. Além disso, esta comunidade possui uma técnica de meditação, chamada shinsokan, que é praticada durante as reuniões. É também, uma fonte de atração, uma vez que existe uma crescente fascinação pela filosofia oriental no Brasil. A Seicho-no-Ie, por conseqüência, a prática meditativa do shinsokan funciona como um dispositivo que possibilita a pessoa captar a Vida Original.

2.2 Perfect Liberty

Assim como a Seicho-no-Ie, a Perfect Liberty[5] também ensina que os seres humanos existem neste mundo como parte do cosmos (isto é, Deus), e que são filhos de Deus. No entanto, em entrevistas com os adeptos, fica claro que, na verdadeira vida de fé, há mais ênfase sobre o aspecto moral da conduta cotidiana do que na conexão entre Deus e os seres humanos, que pode ser observado, por exemplo, na Seicho-no-Ie. Na Perfect Liberty, o curso de todas as coisas é chamado de kamuwaza (atos que Deus faz acontecer). Os líderes religiosos orientam os adeptos a tentar aceitar o kamuwaza e o "expressa" através de suas ações.[6] Os sofrimentos da vida propriamente dita estão arraigados nos hábitos mentais dos indivíduos e se originam na discrepância entre os ideais e o kamuwaza. Muitos adeptos dizem que a atração da Perfect Liberty para eles encontra-se na orientação espiritual completa que recebem; ou seja, a orientação cuidadosa e atenciosa dada a eles, que nunca conseguiram receber dos padres da igreja católica. Ao serem orientados, os adeptos são estimulados a suprimir as distorções mentais, que são a origem do sofrimento, e expressar suas habilidades individuais. Os assistentes leigos juntam-se ao clérigo profissional na orientação destinada aos adeptos, em uma espécie de aconselhamento mútuo entre os próprios adeptos leigos.

No ritual principal da Perfect Liberty, oyashikiri, no qual os adeptos, fazendo um círculo com as duas mãos, olham, por através delas, um objeto de adoração chamado o nissho (a forma do sol), antes de colocar as mãos juntas em frente ao peito, os adeptos oram pela ligação entre eles próprios e Deus. Essa forma de adoração pode também ser observada como um meio eficaz para os adeptos captarem a noção da Vida Original.

Uma mulher, beirando o final de seus 40 anos, que não havia conseguido arrumar um emprego que almejava, e que se uniu à comunidade há cinco anos, entendeu a relação dos seres humanos com Deus conforme os termos seguintes:

Todos os seres humanos são filhos de Deus. No cristianismo, Deus criou os seres humanos à sua semelhança. Na Perfect Liberty, isto pode ser visto como uma Obra Divina.[7] Usando essa expressão, a gente consegue entender mais profundamente o que é ser um humano. Assim, podemos respeitar e valorizar os seres humanos como Deus.

Como pode ser observado, essa mulher converte um termo cristão, a "semelhança de Deus," em uma noção da Obra Divina da Perfect Liberty. Para ela, a "Obra Divina" não se refere somente para as coisas que ela vivência no curso de sua vida cotidiana, mas também aos próprios seres humanos. Desse modo, tudo que vê torna-se divino e ela também concebe a si própria como uma parte de Deus. Essa mudança de pensamento a possibilita diminuir a distância entre Deus e si mesma, por conseguinte, muda sua concepção dos seres humanos. Isso é interessante, precisamente porque, de acordo com a interpretação original dessa adepta não-japonesa, notamos um processo em que a concepção vitalista é assimilada dentro de um contexto cristão, chegando a transformá-la.

2.3 Tenrikyo

Finalmente, no caso da Tenrikyo,[8] esta comunidade ensina que o corpo humano é uma coisa "emprestada" de Deus, ou, do ponto de vista de Deus, é uma coisa que Deus "emprestou". Além disso, o "universo é o corpo de Deus". Assim, da mesma forma que as outras novas religiões japonesas, sua doutrina deixa clara a continuidade entre o universo, Deus e o corpo humano. Na Tenrikyo, no entanto, Deus é chamado de "Deus-Parens (Deus-Pais)", isto é, os pais de toda a humanidade. Ademais, os seres humanos receberam a concessão da "liberdade de espírito (pensamento)"; são definidos como sendo independentes da vontade de Deus. Nessa relação de pai-filho(a), há, portanto, uma espécie de lacuna conceitual entre Deus e os seres humanos. Por esse motivo, a idéia de uma relação imediata, ininterrupta entre Deus e a humanidade como observamos na Seicho-no-Ie ou na Perfect Liberty não pode ser facilmente concebida no caso da Tenrikyo. Contudo, ainda que seja uma relação indireta entre Deus e os seres humanos, é muito significativa para um ambiente que é cristão em sua religião e cultura; posto que isso possibilita que a pessoa tenha um sentido mais imediato do Deus transcendente do cristianismo: um sentido de Deus como pais deles próprios.

Quando perguntados sobre o que é atrativo na Tenrikyo, os adeptos não-japoneses mencionam essa imagem modificada de Deus, e também, como acontecia com os adeptos da Perfect Liberty, eles gostam da orientação espiritual dada pelos ministros da igreja. Na Tenrikyo, o ministro da igreja quase sempre visita os adeptos em suas casas. Isso é comparado à igreja católica, conforme uma entrevistada coloca: "é diferente dos padres católicos que consideram que o trabalho está feito uma vez que a missa termina".

A maneira da Tenrikyo entender o sofrimento, como pode ser verificado na entrevista que segue, assemelha-se a Perfect Liberty. Na visão da Tenrikyo, o espírito, que é originalmente puro e perfeito, deve ser reorientado para tomar uma direção melhor a fim de que a salvação seja conquistada. Um homem na fase avançada de seus 30 anos, que tinha ingressado há dez anos quando um amigo lhe contou sobre a Tenrikyo em época que se encontrava doente e acamado, sugeriu que

No catolicismo, tudo é atribuído ao pecado, mas não há pecado na doutrina da Tenrikyo. Existe somente um problema de "poeira espiritual". Nós, seres humanos, somos filhos de Deus, e Deus está presente entre nós. Porque os nossos corpos são empréstimos de Deus. A doença é um aviso nos dado por Deus. É a poeira do nosso espírito que causa a doença se desenvolver. Não é punição nem pecado. Tenrikyo tem um ritual chamado sazuke.[9] Quando recebi o sazuke do kaicho-san[10] após ter redirecionado meu pensamento, eu me restabeleci da doença.

A despeito de algumas pequenas diferenças, esse sentido de proximidade, entre Deus e humanidade, pertinente às novas religiões japonesas diferem fundamentalmente das idéias do cristianismo. Não obstante, como as observações acima deixam implícito, as novas religiões japonesas possuem em comum a tentativa de direcionar os novos adeptos a livrarem-se do conceito do pecado. Não são poucos os adeptos que desde a infância carregam o fardo do conceito do pecado. Por essa via, então, "a liberdade do pecado" torna-se muito importante em um contexto cristão. Através dessa liberdade o sentimento do acolhimento de Deus vivenciado pelo adepto é intensificado e, desse modo, associa-se à expressão cristã do "sentimento do amor de Deus."

Aqui, gostaria de novamente chamar a atenção para a Seicho-no-Ie, que é perceptivelmente a nova religião japonesa mais bem acolhida no Brasil. Em virtude de muitos brasileiros terem crescido em um ambiente católico, na conversão a uma outra religião, eles irão se referir a Cristo e a Bíblia no intento de articularem essa nova fé. Das três novas religiões japonesas que discuti aqui, somente a Seicho-no-Ie teve um engajamento ativo com a doutrina cristã. Nesse sentido, a Seicho-no-Ie já está preparada para ser facilmente aceita dentro da cultura brasileira. Devemos notar, contudo, que, enquanto muitos brasileiros estão insatisfeitos com a maneira da igreja católica orientar o adepto, eles não negam a doutrina cristã. Um número significativo de pessoas que ingressaram na Seicho-no-Ie não sentem que renunciaram sua fé católica.[11] Em outras palavras, a Seicho-no-Ie é vista como um local onde a fé cristã pode ser colocada em prática.

Como vimos nesta seção, o conceito do vitalismo tem contribuído significativamente para repensar e reinterpretar a doutrina cristã no processo da aceitação das novas religiões japonesas no Brasil. Veremos abaixo que o sentimento de descontentamento com a igreja católica e o processo de reinterpretação das doutrinas cristãs estão estreitamente ligados à aceitação e ao desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil.

3. A Aceitação e o Desenvolvimento do Pentecostalismo

Hoje, os movimentos religiosos estão se tornando muito ativos no Brasil. Quando uma loja é levada à falência, ela se transforma em uma igreja na mesma velocidade que suas portas baixam. Essa situação, o estabelecimento de novas igrejas, é notada em áreas urbanas, e dessas novas igrejas, a maioria é pentecostal. Embora o pentecostalismo seja geralmente considerado um fenômeno protestante, o Movimento da Renovação Carismática, que tem revitalizado o catolicismo, pode ser compreendido como parte desse movimento [Corten 2001: 47].[12] Pode-se dizer, então, que o pentecostalismo é um novo movimento religioso de representatividade no Brasil contemporâneo.[13] As principais características do movimento são a ênfase sobre os benefícios mundanos e a importância dada ao trabalho do Espírito Santo como parte da Trindade. De acordo com suas doutrinas, a "nova vida" começa com o batismo do Espírito Santo e a salvação é dada através do carisma, a graça de Deus. Enquanto o Movimento da Renovação Carismática reconhece a adoração da Sagrada Mãe, o pentecostalismo protestante nega essa fé.

Nas seções seguintes, examinarei o Movimento da Renovação Carismática e a Igreja Universal do Reino de Deus[14], no que diz respeito as quatro características, mencionadas acima, relacionadas à aceitação das novas religiões no Brasil. Para antecipar minha conclusão, é possível encontrar todas as quatro características nos dois movimentos pentecostais. Como insinuei, tudo aponta para a condição atual do catolicismo no Brasil, em que a igreja está sendo reavaliada, à medida que os insatisfeitos com ela voltam-se na direção de novas religiões. Além disso, ainda há uma opinião, averiguada aqui e acolá entre os católicos, que o Movimento de Renovação Carismático "não é ortodoxo"[15], e um preconceito profundamente arraigado permanece na direção da Igreja Universal do Reino de Deus. Esse movimento religioso, que começou em uma garagem no Rio de Janeiro em 1977, expandiu-se rapidamente; eles compraram uma emissora de TV em São Paulo, por exemplo.[16] Por outro lado, o desdém da Igreja Universal pela religião afro-brasileira é continuamente criticado, e seus métodos de solicitar doações são considerados inescrupulosos. Os dois movimentos religiosos são especialmente populares entre as pessoas de baixa renda, e estão obtendo aprovação entre a classe média. As novas religiões japonesas, também, foram amplamente repudiadas quando fundadas. Analogamente, elas também primeiro ganharam popularidade com os pobres, e daí estendidas a classe média. Gostaria de acrescentar ainda, que ambas, as novas religiões japonesas e os movimentos brasileiros pentecostais, compartilham similitudes em suas doutrinas e em suas estruturas de salvação.

3.1 O Movimento da Renovação Carismática

Em resumo, o Movimento da Renovação Carismática é um movimento religioso popular, participativo e teatral. Desde os meados dos anos 90, a nova onda no mundo católico tem sido a aparição de ministros que dançam e cantam, "padres pop-stars," como são conhecidos, homens e mulheres de todas as idades que, como fãs devotos ficam fascinados por eles. O padre que dirige a missa tem o apoio de uma banda e um coro representado por uma associação de voluntários, o "Grupo de Oração". Os católicos reunidos estão lá para assistirem ao "show". Esse vasto coro, representado por todos, é um evento onde o divertido entretenimento e as emoções religiosas se entrecruzam. No auge da missa, o padre vem até frente, levantando a custódia acima da cabeça com as duas mãos. Muitos dos que assistem à missa elevam as mãos, segurando objetos, tais como: fotos, garrafas de água, lata de óleo de cozinha, a carteira de trabalho[17] etc. como se estivessem recebendo as bênçãos de Deus radiando da custódia. Nisso, podemos ver o desejo entusiasta dos crentes em obter benefícios mundanos.

A missa do Movimento da Renovação Carismática foi difundida por todo o Brasil e a cidade de Recife não foge à regra. Na igreja que realizei meu trabalho de campo, mais de quatro mil pessoas assistiam à missa em dado momento; no início, dois anos antes, ela atraia somente trinta pessoas. O descontentamento latente com a igreja católica tradicional pode ser verificado a partir do crescimento vertiginoso desse movimento. O mesmo também serve para as novas religiões japonesas. Mas, há uma diferença substancial na escala de expansão entre dois movimentos. Creio que a diferença reside no fato do Movimento da Renovação Carismática permanecer dentro da tradição cristã. Todos os adeptos da igreja relatam com satisfação que "os padres brincam conosco"; ele fica próximo aos adeptos nesse movimento. Vale recordar a imagem dos padres católicos, que vão embora assim que a missa termina, conforme as palavras do adepto da Tenrikyo. Na igreja do Terço Bizantino, os adeptos faziam fila com o CD do padre nas mãos antes da missa começar. Eles queriam pegar o autógrafo dele: a confirmação de uma estrela, bem como a benção de um padre bondoso.

A atividade básica do Movimento da Renovação Carismática é o "grupo de oração", uma reunião voluntária, cujos adeptos desempenham o papel principal no movimento. Na verdade, pode-se compreender que o movimento é baseado em grupos de leigos, já que os padres não participam das atividades ordinárias.[18] Vamos observar os testemunhos de duas adeptas.

O primeiro, de uma professora do ensino fundamental, na faixa dos trinta e cinco anos, uma das líderes do grupo de oração que vem participando desse tipo de atividade há oito anos. Ela descreve a distinção entre essa prática e o catolicismo comum da seguinte maneira:

A diferença entre esta atividade e o catolicismo é que eu sinto minha vida ser preenchida pela oração aqui. Todos nós oramos, cantamos no grupo de oração, para que então juntos consigamos ir adiante.

A novidade e originalidade do Movimento da Renovação Carismática estão, sobretudo, no prazer de cantar e dançar. É um movimento de base popular, no qual os adeptos oram juntos e estimulam uns aos outros. É possível notar que eles crêem veementemente em suas habilidades em superar as dificuldades através da cooperação. Um empenho da missa não conta com a autoridade religiosa. Isso, portanto, é similar à orientação e ao apoio mútuo encontrado nas novas religiões japonesas. Retornando a professora:

Mesmo tenha passado por uma vida muito sofrida, a oração veio para aliviar minha dor e eu não sinto mais raiva ou dor. Acho que isso é o que significa o "amar uns aos outros" da Bíblia. Normalmente fico ressentida quando vejo injustiça cometida pelas pessoas na política e na sociedade. Mas, com oração, sou capaz de conversar com essas pessoas. Desde que comecei a fazer isso, notei que Deus é amor. Fui dotada com o dom de sabedoria e com o dom de discernimento no batismo do Espírito Santo. Com essa graça tornei-me capaz de discutir com as pessoas sem sentir raiva.

Outra mulher, no início de seus sessenta anos, recebeu o batismo quando era criança. Quando cresceu, começou a freqüentar um centro religioso afro-brasileiro, seguindo o conselho de uma amiga que dizia que agindo dessa forma poderia aumentar sua renda. Ela também conservou sua fé católica mesmo depois de ter se envolvido nessa religião, a qual não é incomum no Brasil.

Embora achasse que era a coisa certa a fazer, uma amiga disse para eu não ir a macumba[19] e que Jesus estava me dizendo para receber o batismo do Espírito Santo. Tive a ajuda de três amigos no batismo que apoiaram as mãos sobre a minha cabeça. Desde aquele momento minha vida mudou. Minha situação financeira mudou para melhor, e Jesus me deu paz. Comecei a sentir como se Jesus fosse alguém como meu pai ou irmão.

As vozes dessas mulheres demonstram a novidade da salvação por meio do batismo do Espírito Santo, que não conseguiram vivenciar na igreja católica, a atração de uma liderança popular para os adeptos que foram batizados, e a mudança da imagem que tinham de Deus. Durante a missa, em virtude do amor de Deus ser salientado ao passo que o pecado humano quase nunca é mencionado, aos católicos, deve parecer como se tivessem sido libertados do pecado. Há, entretanto, de fato aqueles que claramente persistem na idéia do pecado e representam um lado conservador do Movimento da Renovação Carismática. A senhora citada acima continua a dizer:

Estou muito preocupada com o pecado, porque não sei onde encontrar o coração de Jesus. Estou disposta a fazer qualquer coisa para obter o perdão de Jesus. Deixei a prostituição e a bebida. Mesmo que todos gostem dessas coisas, eu acho que são pecados. O Diabo nos atenta para essas coisas. Por causa do medo dos pecados que me empenhei até agora, venho aqui para que Deus possa perdoar meu pecado e para que eu possa me libertar do Diabo da macumba. Aprendi isso através dessa prática. Por isso me tornei uma pessoa diferente. Acredito que Deus me dará Sua mão quando eu morrer.

Deve-se notar que a idéia do pecado é aqui descrita em relação ao Diabo. Há um sentido forte de terror em relação aos espíritos e diabos na cultura religiosa brasileira, e parece ser uma influência da religião afro-brasileira, em vez do cristianismo. Isso está associado a fatores do desenvolvimento da Igreja Universal, como veremos nesta próxima seção. Um expressivo número de pessoas nos dois movimentos relatam com orgulho como que se libertaram da bebida, drogas e comportamento sexual promíscuo ― tudo sedução do Diabo.

3.2 A Igreja Universal do Reino de Deus

As reuniões na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) são realizadas diariamente com propósitos diferentes, onde a salvação é exercitada de forma concreta e prática, lidando com problemas econômicos, espirituais, ou matrimoniais, etc. A IURD transmite um programa diário na TV de suas próprias emissoras, composto por duas partes: entrevistas com adeptos que falam a respeito das suas experiências de salvação, e estímulos para que os telespectadores freqüentem as reuniões na igreja. As instalações da igreja são equipadas com estúdios para a produção de programas originais nas cidades regionais de tamanho médio e, obviamente, nas cidades grandes. Ao final do programa há um momento notável, quando o pastor convida o telespectador para visitar a igreja, dizendo que ele está "esperando por você".[20] Análogo ao Movimento da Renovação Carismática, as canções são usadas de maneira eficaz durante as reuniões. Alguns pastores tocam órgão eletrônico enquanto cantam, e são de fato muito bons sopranos. Alguns chegam até a produzirem seus próprios CDs para vender, outro ponto em comum com o Movimento da Renovação Carismática. Os adeptos formam um coro de reunião com o pastor, que canta no palco. Lá pelo meio da reunião, todos se reúnem próximo ao palco para a exibição de certos tipos de cerimônias. É possível compreender a IURD, então, como um movimento religioso teatral que envolve a participação na reunião. Muitos dos que participam dizem que não dá para vivenciar esse tipo de atmosfera agradável na igreja católica. A IURD também compartilha com o Movimento da Renovação Carismática uma idéia similar dos benefícios mundanos. Na tradição pentecostal existente, há uma tendência em enfatizar a crença apocalíptica de que somente os escolhidos ascenderão ao paraíso, e de que a prática do ascetismo neste mundo é vital para tanto. Como movimento neopentecostal[21], entretanto, a IURD dá prioridade à salvação no aqui e agora [Mariano 1999: 8].

A IURD se distingue no tocante ao seu ritual de salvação. A comunidade pratica bastante o exorcismo em suas reuniões,[22] e age com hostilidade contra as religiões afro-brasileiras. A Igreja prega que os santos das religiões afro-brasileiras são demônios, geradores de toda sorte de mal, quais são ordenados a dispersar "em nome de Jesus." Durante o exorcismo, uma seqüência dramática se desenrola no palco: uma luta intensa entre o pastor que ordena ao demônio que parta dali em nome de Jesus, e o demônio que se recusa a partir. Uma vez que o espírito maligno fora expulso, a pessoa antes possuída, deixa o palco, sentindo-se fortalecida. Para os crentes, então, a salvação vem da convicção visual e de suas experiências.

A igreja central da IURD na cidade de Recife é conhecida como "Catedral." Em outubro de 1999, quinze pastores e cerca de duzentos adeptos leigos ― chamados de obrero, que ajudam os pastores ― foram registrados na Catedral. Pastores jovens dão conselhos compassivos aos crentes em cada uma das igrejas. Um pastor de dezenove anos disse me em uma entrevista que tinha dezessete anos quando foi ordenado. Muitos visitam a igreja da IURD até mesmo durante o dia, para se aconselharem com os pastores, que dão a impressão de ser generosos e educados. A atração para muitos parece estar nesse método de consulta direta, e é muito significativo que a igreja católica não tenha um programa parecido com esse.

No tocante a imagem de Deus e a consciência do pecado, a IURD ensina que os indivíduos não são responsáveis pelos seus pecados; os espíritos malignos são a causa do sofrimento e devem ser expulsos. Durante o sermão, o pastor, em lágrimas, ora a Deus em nome da sua congregação sofredora. Juntos, clamam em bom tom que "não agüentam mais essa situação." As palavras do pastor servem para intensificar a consciência entre os crentes de que eles são vítimas. No papel de vítimas, os crentes sentem uma afinidade com a oração e as lágrimas do pastor, libertam-se de espíritos malignos, e assim ficam preenchidos com o amor de Jesus.

Em sua recepção e desenvolvimento no Brasil, a IURD obteve êxito usando as quatro características (mencionadas acima) como um meio para satisfazer as necessidades religiosas das pessoas. A maioria dos crentes que aparecem nos programas de televisão da IURD, bem como os entrevistados por mim, dizem que "percebi que minha experiência era a mesma daqueles que via no programa da TV. Por isso escolhi essa igreja." Essas experiências individuais então, encaixam-se no mesmo padrão. Vamos analisar a experiência de uma mulher, que apareceu no programa da emissora da IURD na cidade do Recife.

Pastor: Como a vida está lhe tratando?

Mulher: Atualmente estou abençoada. Mas antes, minha vida era cheia de infortúnios. Meu primeiro casamento durou somente três anos. Foi maldição do Demônio. Estava em São Paulo há 15 anos, mas como as coisas não andavam bem, tive de voltar para cá.

Pastor: O que a senhora fez em meio a tamanho desespero e frustração?

Mulher: Fui buscar ajuda no Centro Espírita[23] e na igreja católica. Mas nada disso funcionou para os meus problemas.

Pastor: Em outras palavras, a senhora pediu conselho ao Diabo, não foi?

Mulher: Isso mesmo. Mas, o problema piorou ainda mais. Apesar de ter conhecido outro homem, fiz um aborto, e quase me matei. Isso aconteceu porque acabei descobrindo que ele estava casado.

Pastor: Mas, a senhora não escolheu morrer. A senhora mudou, não é?

[omissão]

Pastor: Ela está completamente certa. Senhoras e senhores, muitos pensam no amor em termos do ato sexual. Mas, isso não é verdadeiro. Se o sexo é amor, então, teríamos de dizer que todas as prostitutas nas ruas estão felizes. O sexo suplementa a vida preenchida por amor. O amor é algo que preenche o coração de uma pessoa.

Pastor: Como está sua vida agora?

Mulher: Estou feliz. Eu quero relatar isso para as pessoas que estão sofrendo da mesma maneira que sofri. Conheço pessoas que tiveram a vida matrimonial arruinada, bem como aquelas que foram abandonadas pelos maridos. Elas choram, e não conseguem encontrar uma resposta. Por favor, vá até a Igreja Universal do Reino de Deus e experimente a terapia do amor. A reunião de família que acontece nas quintas também é muito importante. Eu levei três anos. Vocês que estão sofrendo pelo mesmo problema que passei, por favor vá à igreja.

4. A Concepção Vitalista de Salvação no Brasil Contemporâneo

Tomando como base as novas religiões japonesas do Brasil, a investigação precedente indica que o conceito de Deus como Viva Original, e a conseqüente idéia de continuidade entre Deus e a humanidade, liberta os adeptos do conceito de pecado, conforme o concebemos no catolicismo. Essas idéias, portanto, são significativamente diferentes daquelas do catolicismo tradicional. Por outro lado, apesar do pentecostalismo não possuir a idéia do vitalismo, suas conseqüências são muito semelhantes as das novas religiões japonesas. Sobre a questão da libertação do pecado, por exemplo, o vitalismo, inerentemente, não o reconhece, e o pecado não é enfatizado no pentecostalismo. O Movimento da Renovação Carismática realiza reuniões de orações recíprocas, de apoio, que dá ênfase ao amor mútuo entre os participantes, e assim, entre eles e Deus. Na IURD, os seres humanos não carregam mais o fardo do pecado, porque o pecado é atribuído ao Diabo.

Igualmente, as características que têm sido produtivas para a aceitação das novas religiões japonesas ― tal como a novidade e originalidade dos rituais, a orientação sincera dada aos adeptos, e a imagem de Deus como um sentido íntimo de amor ― são gerados pelo conceito vitalista de salvação. Mas essas características também podem ser encontradas no pentecostalismo brasileiro. Se for verdade, então, não são características essenciais para o vitalismo, mas, em vez disso, são atributos da religião popular, que, conforme deixei implícito na introdução, é a base comum de ambas, das novas religiões japonesas e do pentecostalismo no Brasil. Portanto, tendo situado as novas religiões japonesas no contexto religioso do Brasil, somos capazes de reconfirmar, a partir dessa análise, que o conceito de Vida Original é um conceito particular para o vitalismo.

Finalmente, gostaria de examinar o lugar atual ocupado pela concepção vitalista de salvação no ambiente de mudança religiosa do Brasil. Dentro da igreja católica, há traços iniciais do que poderia ser identificado como sinais de vitalismo. Por exemplo, podemos analisar o trabalho do Padre Lauro Trevisan, que dentre seus livros famosos, temos O Poder Infinito da sua Mente (1980) e O Poder Infinito da Oração (1988). O último foi considerado um sucesso no mundo de publicações brasileiras, chegando na sua trigéssima terceira edição e já vendeu 770.000 cópias. Nas suas obras, Trevisan, às vezes cita mensagens do Taniguchi Masaharu, o fundador da Seicho-no-Ie. Podemos notar então, que o Trevisan tem sido influenciado pelo conceito vitalista de salvação [Trevisan 1988 : 82]. Além disso, Leonardo Boff, um reconhecido teólogo da libertação apresenta idéias pan-em-teísticas em seu livro Ecologia, Mundialização e Espiritualidade. Suas idéias sustentam uma posição vitalista de que Deus está em todos os lugares, presente em todas as coisas [veja Boff 1999: 52]. Em resposta a essas obras, o Padre Almeida,[24] na Nova Era e Fé Cristã , alega que os dois autores acima , assim como a Seicho-no-Ie, podem todos serem situados na Nova Era, e são portanto um motivo para se preocupar.[25] [Almeida 1997: 20-21; 27-28; 60]. Almeida protesta contra a opinião da filosofia da Nova Era de que a era cristã terminou e uma nova era começou. Ele também alerta sobre o panteísmo dessas, e sobre a alusão de que a salvação é lograda através da força humana autônoma. Ele protesta, sobretudo, contra as idéias que negam a Redenção de Cristo. Quando o pecado humano deixa de ser motivo de desaprovação, a compreensão ortodoxa de salvação perde os alicerces de sua fundação. Desta forma, a concepção vitalista de salvação é um verdadeiro desafio para a doutrina cristã.

O encontro mútuo dos movimentos religiosos, examinados neste estudo, é um produto da globalização. Embora o vitalismo não possa ser propriamente chamado de um movimento de corrente religiosa principal do Brasil, é com certeza um fator de força que está causando mudanças no cenário religioso brasileiro. Para ir além das investigações apresentadas neste estudo, precisamos examinar o relacionamento entre o status social daqueles que se engajaram nas práticas vitalistas e a conseqüência da mudança social. A globalização está em avanço no momento, e as disparidades entre as regiões e entre as classes estão, todavia, aumentando. Ademais, à medida que os problemas ecológicos se intensificam, um interesse em comunhão com a natureza também se desenvolveu. Como o vitalismo ― e movimentos comparáveis e estilos de pensamento ― estará envolvido nesses processos no Brasil permanece sendo um significativo ponto de interesse, e um assunto para estudos futuros.

Bibliografia

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Notas

[*] Versão portuguesa do artigo "The Vitalistic Conception of Salvation" in Brazil: Japanese New Religions and Pentecostalism, in: "Religion and Society" (Special Issue – Records of the 2002 Workshops – The 10th Annual Conference, 30 June 2002, Kwansei Gakuin University), 2004.

[**] Membro da Faculdade de Estudos Culturais Internacionais da Universidade Tenri, Japão.

[***] Tradução autorizada pelo autor.

[1] Maeyama, na metade da década dos anos 80, salientou que os adeptos não-japoneses superavam o número dos japoneses na Seicho-no-Ie [Maeyama 1997: 240].

[2] Em referência às publicações da Seicho-no-Ie, um estudioso brasileiro afirma que são "as únicas publicações religiosas especializadas disponíveis nas bancas" [Paiva 1990: 182]. Sua circulação pode ser comparada a da Revista Istoé, que é estimada em 430.000.

[3] O Movimento da Renovação Carismática, que é uma forma de pentecostalismo na igreja católica, não está incluído aqui.

[4] A Seicho-no-Ie começou em 1929 como uma doutrina que defendia a essência do Xintoísmo, do Budismo e do Cristianismo, baseada na crença de que todas as religiões podem ser atribuídas a uma de mesma origem (Bankyo kiitsu). Foi transmitida ao Brasil em 1934, tornando-se influente entre os imigrantes agricultores japoneses. Desde os anos 60, a comunidade iniciou uma missão sistemática entre os brasileiros não-japoneses. Das três novas religiões discutidas neste capítulo; somente a Seicho-no-Ie usa a Bíblia. Isso leva os brasileiros a acreditarem que não precisam de uma conversão religiosa para se tornar um adepto.

[5] Perfect Liberty, originalmente Mitakekyo Tokumitsu Daikyokai, foi fundada em 1912. Passou por muitas mudanças de nome e organização até que finalmente se tornou Perfect Liberty em 1972. As transformações de suas doutrinas e práticas têm sido construtivas, e sua distinção consiste nos preceitos em que os adeptos estruturam suas vidas diárias. O movimento começou em 1957 com o trabalho missionário no Brasil direcionado aos brasileiros não-japoneses.

[6] "Expressão" é um característico termo usado na Perfect Liberty e também se refere a "Expressão Artística". Aqui, pode ser compreendido como a expressão do próprio divino. Também pode implicar na realização de práticas éticas. O termo em português é artificar: um verbo inventado que literalmente significa "fazer arte".

[7] Neste caso, obra em português significa não somente "trabalho" e "ação", mas também "uma obra prima" e "empreendimento", que pode ser entendido como o resultado de "trabalhos" e "ações". Desse modo, obra divina é "uma obra prima de Deus" em vez de um trabalho de Deus.

[8] A Tenrikyo foi fundada em 1838, por uma esposa de um camponês, Miki Nakayama. Foi levada ao Brasil com os imigrantes agricultores na década de 20 e vem crescendo, principalmente, entre os japoneses brasileiros [Mori 1985]. No Brasil, as características culturais japonesas da Tenrikyo ainda subsistem e podem ser observadas em sua dança ritual e no uso da língua japonesa nos seus rituais.

[9] Sazuke é o ritual original da Tenrikyo realizado para a salvação de outras pessoas.

[10] Kaicho-san refere-se aos ministros de maior hierarquia na igreja, sendo empregado com o mesmo significado no Brasil.

[11] Takashi Maeyama menciona que os adeptos da Seicho-no-Ie no Brasil geralmente procuram tornar-se "melhores católicos" [Maeyama 1997: 374].

[12] O Movimento da Renovação Carismática também é identificado como pentecostalismo católico [Carranza 2000: 23].

[13] Desnecessário mencionar que o pentecostalismo não é, sem sombra de dúvida, somente um movimento religioso brasileiro. Foi amplamente difundido em muitos países na América Latina, África, Ásia e Europa. Veja Martin [2002] e Coten [2001].

[14] De acordo com Oro, a Igreja Universal do Reino de Deus pertence a terceira fase do pentecostalismo no Brasil, sendo classificada como um movimento neo-pentecostal [Oro 1996: 55]. A diferença entre a terceira fase e as duas primeiras é a atitude sobre o "asceticismo intramundano". Isto é, atribui-se um aspecto positivo aos valores mundanos, como por exemplo: o desejo.

[15] Na verdade, este movimento chegou primeiro no Brasil em 1969, mas não foi reconhecido como ortodoxo pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) até 1994. O reconhecimento do movimento foi anunciado publicamente em uma proclamação da CNBB [CNBB 1994].

[16] A comunidade também encontrou um mercado no exterior e até mesmo estabeleceu algumas igrejas filiais no Japão seguindo os trabalhadores imigrantes do Brasil após a década de 90.

[17] "A carteira de trabalho", emitida pelo departamento do governo, é um documento indispensável para obter trabalho integral.

[18] No entanto, o endosso das autoridades católicas foi crucial para o crescimento explosivo desse movimento. O fato pode ser explicado pelo motivo de que os pretensos padres pop-stars apareceram quase ao mesmo tempo em que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil proferiu o reconhecimento ao movimento. Assim sendo, pode-se compreender que o Movimento da Renovação Carismática pode se tornar um movimento popular somente em virtude da proteção que as autoridades católicas lhe deram.

[19] No Brasil, as religiões afro-brasileiras são muitas vezes aludidas como macumba.

[20] A IURD exibe programas de campanhas soteriológicas com grande freqüência. O programa como um todo acaba se tornando parecido com uma campanha comercial que serve para estimular a promoção de vendas, fato que alguns estudiosos descreveram como a "comercialização" ou "comércio" do sagrado. [Campos 1999: 178].

[21] Veja a nota 14.

[22] De acordo com alguns entrevistados, o exorcismo é somente praticado em alguns encontros de tamanho menor, tal como as reuniões de oração.

[23] Isso se refere ao centro religioso afro-brasileiro.

[24] Nascido em 1964, ele é um dos padres mais jovens do Movimento da Renovação Carismática. Ele publicou uma série de livros e CDs.

[25] Ele e outros defensores brasileiros tendem a encarar as novas religiões japonesas e as religiões orientais como Nova Era. [Amaral el al. 1994].