Multiculturalismo e Religiões Afrobrasileiras
O Exemplo do Candomblé

Sonia Apparecida de Siqueira [Universidade de São Paulo / Universidade Federal da Paraíba] []

Resumo

A sociedade brasileira resulta da mistura e do encontro de diferenças fenotípicas e culturais de seus componentes. Nas diferenças culturais anicham-se as diferenças religiosas. Diferente durante os vários séculos coloniais eram a cultura e a religião negras aqui chegadas com os escravos. Surgiu o Candomblé, síntese de crenças com raízes na África negra, que se manteve pela oralidade e pela tradição, a despeito do autoritarismo dos senhores de terras e de homens. Houve o confronto de duas tradições de pensamento, de duas visões de mundo, de duas concepções da vida e do homem, apoiadas nas duas epistemologias, a multiculturalista e a monoculturalista. A análise do lugar da religião afro no sistema social pode ser elucidativa não só da dinâmica vital como do desafio que o multiculturalismo hoje propõe colocando-se acima dos contextos nacionais, abrindo caminho para a mundialização.

Palavras-chave: multiculturalismo, religiões afrobrasileiras, candomblé, diferenças.

Abstract

The brazilian society results from the mixture and meeting of the phenotype and culturals components. In the cultural differences are hidden the religious differences. Different during several colonial centuries was the culture and the black religion here arrived with the slaves. Candomblé appeared synthesis of belief with roots in black Africa, that subsisted by the authoritarism of the landlords and men. There was a confront between thoughts traditions, two world sights, two life conceptions and the man, supported in two epistemologies, the multiculturalist and the monoculturalist. The analysis of the afro religion’s place in the social system can be eslucidative not only from the essential dynamic like the challenge that the multicultualism today offers placing above the national contexts opening ways to the globalization.

Keywords: multiculturalism, afro-brazilian religious, candomblé, differences

Introdução

A sociedade brasileira resulta da mistura e do encontro de diferenças fenotípicas e culturais de seus componentes. No encontro das diferenças revelam-se, concomitante ou separadamente, anteposições e contraposições. Nas diferenças culturais anicham-se as diferenças religiosas.

Entre as múltiplas preocupações do homem está a religiosidade. Inalienavelmente ligam-se crenças e vivências religiosas, configuradas em expressões comportamentais. “O ato religioso nasce no âmbito pessoal profundo e se difunde na totalidade da experiência nas diferentes dimensões humanas”. (REHBEIN 1985: 212)

O Brasil não é exclusivamente cristão e católico. A formação do país desde as suas origens resultou na mescla e na sedimentação de variados aportes humanos.

Entre o Passado e o Presente, o problema da continuidade do processo civilizatório. Pode-se considerar em termos religiosos no Brasil as permanências, as rupturas e as fragmentações das instituições e dos modos de crer. Inserido o Brasil na cultura do Ocidente, após sua integração no Império Português, todo o processo de colonização foi marcado pelo transplante da crença, diluída na interioridade daqueles que chegavam e pelo apresamento da terra feito principalmente pela Companhia de Jesus. Com o Cristianismo se instalava no país a homogeneidade de valores constitutivos de específica visão de mundo assente na centralização curial, numa rígida hierarquia, numa defesa do Mesmo, pela coerção da censura eclesiástica e inquisitorial, pela punição das consciências e dos comportamentos menos ortodoxos. Sempre ao amparo da coroa – detentora do Padroado – que fez do Cristianismo base da legitimação do seu poder político. Através do medo, instalado no imaginário, foram fincadas as raízes de uma cultura que unia o profano ao sagrado e absorvia, como diferenciadores, estereótipos de sangue, poder, gênero e cor, projetados do mundo ibérico. Instalada estava, como básica, a cosmovisão eurocêntrica.

Não obstante o meio impôs dificuldades à pretendida homogeneidade religiosa. A primeira foi o encontro de um povo diferente, entrevisto pelos pioneiros inacianos sempre em decorrência das dimensões éticas do Cristianismo em armas, e das intransigências da militância tridentina. Os padres tropeçaram na teimosia passiva do gentio, em sua displicência, em sua inconstância e em suas inconsequências. O problema era penetrar no imaginário indígena e redefini-lo pela persuasão. A estratégia missionária resultou em flexibilidades, mantidas apenas algumas rejeições essenciais.

Na colonização há ainda de se levar em conta a quantidade de cristãos novos para aqui vindos, fugindo do controle do Santo Ofício metropolitano, mas principalmente como possuidores dos capitais necessários para a produção da terra e a sua integração no nascente Capitalismo Atlântico. Parte desses moradores eram criptojudeus, mantendo sua religião às escondidas, na medida em que depois de Cristo tornara-se impossível coexistirem cristãos e judeus indiferentemente, quer do ponto de vista doutrinário, quer do ponto de visa da compreensão do mundo. O Judaísmo era ameaça à ortodoxia cristã porque oferecia soluções diferentes aos problemas básicos do Catolicismo. No entanto aqui permaneceram os cristãos novos, miscigenando-se com cristãos velhos, de quem se diferenciavam por adeptos uns da Nova Lei, outros da Velha Lei. Posteriormente aliando-se aos jesuítas, ganhos pela terra, foram causa de mais flexibilidades no Cristianismo local.

As imposições coloniais para aqui trouxeram os negros e, com eles, outra cultura e outra religião. A história da cultura dos povos oriundos da África, transplantados para o Brasil propõe, após si, a anteposição de níveis culturais diferentes, como diversas eram as origens sociais dos escravos e a linguagem por eles usada tanto no cotidiano quanto na língua cerimonial, nos casos de transes religiosos. (CASTRO 2001)

A realidade marcava diferenças de atitudes e de posições existenciais, pois no mundo colonial tinham-se anichado homens possuidores de outras experiências e/ou vivências religiosas. Instalou-se uma diversidade cultural, trazendo no seu bojo uma plurirreligiosidade.

O Cristianismo, tema dos conceitos e da cosmovisão ocidental, para o país oficial e oficiosamente transplantado, não teve preocupação de encarnar outra cultura. Ao longo dos tempos coloniais, as elites, principalmente as religiosas, criaram modalidades e práticas discursivas para configurar uma concepção naturalista da identidade, pela qual o Estado se desfigurava ao se afastar da cultura herdada dos antepassados. O Catolicismo deixava de ser uma simples religião ou confissão, que se deve viver na intimidade da esfera privada, passando a ser uma identidade que deve ser preservada aos olhos do mundo. Previa-se uma vingança de Deus quando havia o afastamento do Criador. Por muito tempo o Brasil conheceu uma forma política que procurou ser a base da identidade nacional. Não obstante, a realidade antepõe a utopia do universalismo identitário ao relativismo da etnicidade dos negros e dos afrodescendente. Como pano de fundo, conceitos e categorias de análise (como racismo e raça), além do idearium da miscigenação e da democracia racial, encobrindo questões de cidadania, da invisibilidade do negro e de seus descendentes e de toda a gama de preconceitos.

A vida contrapôs o ideal ao real, tornando aquele impossível diante dos particularismos religiosos, especificamente os das religiões afro inseridas numa cultura diferente. Diferente, durante séculos coloniais eram a cultura e a religião negras aqui chegadas com os escravos.

Para o negro que para aqui foi trazido, o mundo invisível e espiritual era tão real e concreto quanto o material. Todas as suas expressões culturais eram variações do tema fundamental de sua religião. Carregava ele consigo uma cosmovisão que era mais do que uma representação do mundo. Às vezes não totalmente consciente, era mais do que uma crença, era um saber, na medida em que se fundamenta na compreensão e na interpretação de um eu, de um sujeito individual e coletivo, abrange um conjunto de valores, ideias e opções pelas quais se afirmam uma pessoa e uma coletividade (PRANDI 1999: 95-96).

Com os escravos, chegava o Candomblé. O Candomblé é síntese de crença que deita raízes na África negra, mantém-se pela oralidade e pela tradição, depois de ter atravessado as águas atlânticas e vencido, século atrás de século, as procelas do autoritarismo dos senhores de terras e de homens. Senhores que sempre se acreditaram também donos da verdade absoluta.

Ao se transplantarem, os cultos afro enfrentaram um sério problema: por serem religiões voltadas para o culto dos ancestrais, fundadas nas famílias e nas linhagens, perderam a base num país onde as estruturas sociais e familiares não se reproduziram. O culto dos antepassados familiares da aldeia foi impossível. A perda da liberdade do negro arrastou a perda da família e da tribo. Ficaram as divindades ligadas à natureza, envolvidas na manipulação mágica do mundo.

Às pressões do poder dos homens brancos, às novas condições de vida e à mistura de várias etnias afro vieram as respostas da recriação ritual e mítica que redundou na permanência religiosa que chega aos nossos dias. As crenças dos negros escravos são hoje as dos afrodescendentes. E não só deles.

Define-se o problema das diferenças, cujos contornos socioculturais são indicativos do deslocamento dos paradigmas políticos do multiculturalismo.

Além das categorias socioculturais, questionam-se hoje as filosóficas, confrontando-se duas tradições de pensamento, duas visões de mundo, duas concepções de vida e do homem, apoiadas nas duas epistemologias, a multiculturalista a a monoculturalista.[1] No plano das ideias conflitam essencialismo e construtivismo, universalismo e relativismo, igualdade e diferença.

O multiculturalismo, tendo como ponto essencial as diferenças, levanta a problemática da concepção da realidade. Como pano de fundo, tem a crise do projeto de Modernidade.

A diferença é, antes de tudo, uma realidade concreta, um processo humano e social inserido no processo histórico.

Na sociedade brasileira, diferentes são o negro e o Candomblé. A análise de seu lugar no sistema social, de seu significado como fator de enriquecimento ou empobrecimento da sociedade pode ser elucidativa não só da dinâmica vital como do desafio que o multiculturalismo hoje propõe colocando-se acima dos contextos nacionais abrindo caminho para a mundialização.

Diferenças: consciências e rejeições

Da África transplantou-se a religião depois conhecida como Candomblé. Na memória dos escravos vieram mitos que legitimavam a fé, e os ritos de homenagem aos seus deuses, os orixás.

No fluxo contínuo da escravaria que se derramava pelas costas brasílicas ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, vieram os integrantes do grupo linguístico banto, de Angola e do Congo, aqueles que provinham da África super-equatorial, da região da Costa da Mina e do Golfo de Benin, e por fim os sudaneses, os fons de Benin, identificados como jejes e yorubás, estes mais conhecidos como nagôs. (CASTRO 2001). Misturados nas senzalas, transmitiram a seus descendentes seus valores étnico-religiosos. Na luta pela permanência, na necessidade de crer acabaram construindo a religião possível, fruto da interação das várias nações, eivada de hibridismos com o Catolicismo.

Apesar da inevitabilidade do processo de que eram parte e das óbvias mudanças ocorridas em sua estrutura, o povo de santo se manteve firmemente – e sofridamente – fiel às suas crenças ancestrais e aos mitos genéticos de seus grupos; fidelidade que tem levado alguns líderes religiosos a complicadas generalizações genealógicas e fantasiosas interpretações com que se recriam uma história e uma carta de comportamento ritual. (LIMA 1984: 19)

Convergências para problemas maiores do universalismo e do relativismo cultural e cultual.

Além das diferenças da cor, houve, pela sociedade majoritária, a percepção das diferenças entre os mundos lusobrasileiro e afrobrasileiro. A forma de vida exerce influência sobre a prática religiosa e a atitude religiosa influencia a forma e o estilo da vida. A relação entre a religião e a cultura é sempre recíproca. Gradativamente foram se constituindo “... imagens aparentemente dispersas no tempo e no espaço, mais ou menos fragmentadas, constitutivas de um quadro coerente e nitidamente negativo da condição de ser negro” (BACELAR 2001: 48). Elaboraram-se perspectivas estigmatizantes: o negro é o outro, inferior, não-civilizado, tendo como contraponto o branco superior, portador dos padrões da civilização europeia. Montados os arquétipos, tiveram eles como elementos integradores a inferioridade da raça, a violência, a desorganização familiar, a imoralidade, o atraso da civilização. Três mil anos! Tal é no mínimo a dianteira da raça branca sobre a negra.

Do fim do século XIX aos nossos dias têm sido criados mecanismos para manter o legado histórico da desigualdade sócio-profissional dos afro-brasileiros.

O discurso assimilacionista da igualdade racial era consoante com a ordem jurídica instalada e sobre tudo impedia o despertar de formas de organização com base no critério racial, no seio da população não branca, mas de forma simultânea, desqualificava o negro através da construção de atributos, a partir da vivência, das práticas do cotidiano dos negros pobres tornados naturais, a caracterizar negativamente a sua situação. (SANTOS 1986: 102)

Para manter a ordem vigente sem alterar posições ocupadas por determinados segmentos sociais era importante afirmar a supremacia dos brancos e inferioridade daqueles que portassem sangue negro.

O principal ponto de desprezo social era a religião: o Candomblé, que se acreditava sinônimo de magia, feitiçaria, curandeirismo, por usar objetos rituais exóticos e realizar sacrifícios sangrentos, transformando a ordem pública. Espetáculo vergonhoso de atraso numa sociedade que pretendia modernizar-se. Expressões como esta aparecem com frequência na literatura e nos periódicos até meados do século XIX, sensíveis que estavam os intelectuais ao choque da temporalidade das culturas diferenciadas.

Essa religião, ao desencadear emoções primitivas “... há de constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo”, afirmava Nina Rodrigues. (RODRIGUES 1977: 7)

A rejeição ao negro – expressa ou camuflada de compreensões e tolerâncias – não se restringe à religião. Há a negação do pensamento africano como um pensamento culto porque seus fiéis, na maioria, provêm das camadas mais simples da população. Mesmo inconscientemente não se admite que o Candomblé fundamente e postule uma filosofia do universo e uma concepção do homem tão rica e complexa como a ocidental. (BASTIDE 2001: 24) Interessa pouco se essa religião importa para a saúde mental e a adaptação do homem ao seu meio. Sequer, mesmo, que seja uma religião.

No Candomblé crenças e concepções metafísicas não se encontram formuladas em linguagem teórica, estão encamadas nos símbolos, mitos e ritos. É outra a linguagem, mas não de menor profundidade.

A religião abriga um monoteísmo difuso em torno de Olurum, o ser supremo, criador do universo e fonte da vida de todos os seres criados. Não se pode dominá-lo ou manipulá-lo. Afastado dos homens, manifesta-se através das forças da natureza que são divinizadas como orixás. Assim, o trovão e o raio se identificam com Xangô, a tempestade e o fogo com Iansã ou Oyá, a chuva e os rios com Oxum, a fertilidade com Iemanjá, o arco-íris com Oxumaré, as folhas com Ossaim, as enfermidades com Obaluaiyê, a transformação com Omulu, a fauna com Oxossi, a guerra com Ogum, as margens dos rios e riachos com Logum-Edé, as águas paradas e os pântanos com Nanã Burukê. Os orixás, enquanto divindades ligadas à ordem cósmica, regulam as relações sociais, a ética, a disciplina moral de um grupo ou de um segmento. (SANTOS 1986: 102)

Os yorubás creem que homens e mulheres provêm dos orixás, não tendo, portanto, origem única e comum. As pessoas herdam dos orixás as características, propensões e desejos, tal como está relatado nos mitos.

Os mitos dos orixás encontram-se nos poemas seculares retidos pelos babalaôs e por eles e pelos babalorixás e yalorixás transmitidos oralmente ao longo dos séculos. A temática envolve a criação do mundo e sua divisão entre os orixás, homens, animais, plantas, elementos da natureza e vida na sociedade. Pelo culto se alcança o Passado e se explica a origem de tudo, pelos mitos se interpreta o Presente e se produz o Futuro, nesta e na outra vida. No Brasil, os mitos se mantiveram difusos na memória final. (PRANDI 2001b: 24-25)

Os mitos permitem dar voz às experiências vividas pelos ancestrais. Através das recordações partilhadas se mantém a identidade religiosa do grupo.

A Natureza, socializada, é vista como lugar de salvação por que ali as divindades se manifestaram pela primeira vez. A salvação é a repetição e conservação invariável do passado mítico, modelo para as instituições sociais e comportamento humano. A Tradição é essencial. As inovações ou mudanças devem ser muito bem examinadas para não serem introdutoras da desordem.

Destino último da vida humana, a salvação é conseguida através do exercício de ritos e sacrifícios propiciatórios que dinamizam o axé da vida das divindades. Pela troca advêm benefícios para a vida. Esta é o bem supremo, que neste mundo deve ser rica, longa, próspera e harmoniosa, para ser usufruída em toda sua potencialidade.

Quanto ao conceito de salvação, o Candomblé tem diferenças essenciais em relação ao Cristianismo, em que a práxis salvífica consiste na ação histórica, voltada para o futuro. A esperança de salvação está no conceito de reino de Deus que integra, sem distinção, todos os homens, legitimada pelo sacrifício de Cristo e a sua ressurreição. Sua plenitude está no Além, com a reconciliação de todos os homens entre si e a participação eterna do amor divino.

Catolicismo e religiões afro têm atitudes diversas diante da história, resultado de práticas salvíficas diferentes advindas de uma diferente imagem de Deus. Para o Catolicismo, o reconhecimento de Deus baseia-se na sua entrada na história humana através de Cristo. Para o Candomblé, a representação de Deus é veiculada pelos mitos. A salvação, para os cristãos, é um dom; no Candomblé há a salvação simbólica dos ritos que permitem a superação da distância entre o aiyê e o orun.

Há certa flexibilidade no conceito do bem e do mal que não se apresentam com marcante diferença dicotômica. A identidade mítica legitima as realizações e faltas de cada um. Os deuses africanos não são potências éticas que exigem e recompensem o bem e castiguem o mal.

No enfrentamento do mal e na busca do bem se impõem práticas mágico-religiosas. Aliás, a magia é inseparável das estruturas sociorreligiosas. Está intimamente ligada à cosmovisão e à cultura africanas. Acode ao sentimento de insegurança e impotência diante dos perigos físicos e sociais. Manifesta-se pelo axé. Repousa no mistério e se mantém pelo segredo. É impossível divulgá-la para alguém que não integre comunidade do terreiro. Seu uso se legitima quando se restringe a fazer o bem, isto é, abrir os caminhos para a vida e a felicidade, os grandes mandamentos dessa religião.

A execução, pelo sacerdote ou pela sacerdotisa, de uma série de procedimentos rituais para atender aos pedidos feitos, deveria ater-se às normas éticas: dizer a verdade contida no jogo divinatório, olhar a conveniência ou não de atos possíveis de práticas, além da necessidade de crer e esperar. Há ainda a necessidade de se apurar o que está inscrito no destino de cada um (o odu), que pode ser melhorado, mas não substituído. Ademais, o tempo dos orixás não é idêntico ao nosso: as urgências não se sustentam.

Na visão de mundo do Candomblé, o homem individual é um elo no meio de gerações sucessivas. Está inserido numa comunidade que abrange ascendentes, filhos, possíveis descendentes. Enlaça passado, presente e futuro num sistema dinâmico de forças em contínua ação. Nele há ameaças e proteção advindas das forças da natureza. Todas as práticas salvíficas se voltam para a realização, conservação e o aumento da vida terrestre. No além, a vida sofre o reducionismo das sombras.

Entre os ritos do culto, tem especial destaque o sacrifício, elemento fundamental. Consiste em oferenda à divindade para revigorar o sistema de trocas entre o aiyê (terra) e o orun (céu) e enfraquecer as forças do mal. Vida e sangue de um animal, antes consagrado e sacralizado, libertam o axé. Restabelece e reforça a relação mística entre o ofertante e o mundo divino dos orixás, principalmente após a refeição sacrificial.

O sacrifício alicerça-se no poder do axé que pertence às coisas sagradas e é concebido como a dinâmica interna de todo universo, penetrando inclusive nas coisas inanimadas. Através dele há a passagem do mundo profano para o sagrado.

A partir da religião o mundo cultural africano instalou-se no Brasil, caracterizando o Candomblé como uma religião de negros na qual a maneira de ver o mundo aproxima o profano do sagrado. A religião tornou-se perceptível no cotidiano, instância de construção e legitimação do sagrado. Impõe-se a harmonia com o orixá que contrariada extrapola o indivíduo e prejudica o grupo no qual ele está inserido. À vida individual corresponde, no Candomblé, um enredo de santo com o qual se identifica e o leva ao desenvolvimento. Ao entrar para a religião, a pessoa passa por um processo iniciatório que implica na convivência diária, dentro do terreiro, e no aprendizado dos fundamentos. Transmissão feita numa linguagem prenhe de simbolismos e alegorias. Passa-se pela morte ritual para que a divindade possa viver no novo crente. Ingressa ele numa nova comunidade – a do terreiro –, com a qual passa a ter laços de parentesco. Base dessa nova unidade não é o laço de sangue, mas o da fé. Define-se uma irmandade pela consanguinidade espiritual de participação do mesmo axé da divindade da casa. Recebe o noviço um outro nome. Aceita outros códigos de conduta dentro e fora do recinto sagrado. Tem interdições e proibições alimentares, as quisilas. Passado e Presente encaixam-se na concepção do Tempo e integram a consciência coletiva. Nesse confronto de valores lusobrasileiros e afrobrasileiros pode-se inscrever o sincretismo, não como uma fusão de elementos diferenciados, mas sim como uma criação, uma construção do novo. Os negros e os afrodescendentes conservaram o Candomblé, que não é um tecido de superstições, como muitas vezes se projeta no imaginário popular, mas uma religião, uma vez que seus cultos subentendem uma cosmogonia, uma cosmologia e uma teodiceia. Nesses cultos, o profano e o sagrado se interpenetram com a gnoseologia e incluem um elemento a mais: a magia. Pela magia o Candomblé passou à ilegalidade apoiado na sua identificação com a prática da feitiçaria e a falsa medicina, uma vez que pais e mães-de-santo utilizam plantas medicinais como terapêutica para uma série de doenças comuns. Contravenção e charlatanismo eram os rótulos usados para punir práticas que se consideravam anticientíficas. Em outra vertente condenava-se o espiritual, acusando seus adeptos de práticas do baixo espiritismo.

Unia-se o problema religioso e o étnico. A repressão contra a crença associava-se à discriminação racial que buscava solapar as bases de uma cidadania para os afrodescendentes. No entanto, terreiros e roças continuaram a mediar, para o Brasil, as tradições africanas e se tornaram os loci principais da endoculturação das novas gerações e reduto inexpugnável de resistência cultural.

O confinamento estimulou a resistência: resistência religiosa, resistência do espírito, resistência legal (BRAGA 1995).

A percepção da diferença acionou a intolerância repressiva. Nascia a recusa da alteridade. Com o estímulo dos que insistiam num Catolicismo hegemônico tentou-se apagar as diferenças religiosas. Aceitar o negro? Aceitar o Candomblé? Problemas que do passado histórico se projetam no Presente.

Questionamentos

Trata-se de oposições de caráter conceitual, aparentemente insolúveis, principalmente quando do plano das ideias se alcança o das vivências.

Em plano subsequente as aporias conceituais multiculturalistas, buscando definir quanto o Candomblé tem do essencialismo ou do construtivismo, do universalismo ou do relativismo, da igualdade ou da diferença. Em outras palavras: quanto participa do mono e quanto do multiculturalismo, trazendo a reboque definições identitárias do grupo e da sociedade.

A noção do essencialismo resultaria numa homogeneidade interna, numa especificidade cultural, numa inamovibilidade. Nesse sentido, o Candomblé foge a tal conceituação.

Embora o povo de santo seja mais etnocêntrico do que ecumênico e, a rigor, não admita mescla nos ritos que proclamam ser os de suas casas de culto os únicos verdadeiros, imersos na dinâmica social tem sofrido o Candomblé alterações ao longo dos tempos. Perdida a totalidade ontológica original, são claros e frequentes os empréstimos entre os terreiros, na linguagem e no ritual. Muitas vezes nos empréstimo se escondem recriações.

A consciência da alteridade, a tiveram e a têm os negros. E, ao acionar seu histórico mecanismo de resistência, procederam a constantes negociações, admitindo fazer concessões muitas vezes aparentes ou formais aos brancos. Desde os primeiros tempos as religiões afrobrasileiras se aproximaram do Catolicismo principalmente nos ajuste que fizeram do culto dos santos e das reverências aos orixás.

Construtivista, o Candomblé defende a identidade como resultante de uma evolução histórica e de interpretações contínuas, num processo dinâmico e transformador diante de outras entidades do espaço social e de outros contextos culturais.

Penetrada a civilização ocidental por uma crise de valores originada da aceleração das mudanças pelas quais passa, acentua-se o afastamento dos homens da religião tradicional considerada insatisfatória para preencher os requisitos da nova espiritualidade que o tempo requer. Não obstante, permanece a necessidade de crer, gerando dois tipos de comportamento: o daqueles que, sem abandonar a religião em que nasceram e foram criados, acrescentam o Candomblé, atraídos, principalmente, pelo seu conteúdo mágico, e o daqueles que acabam ingressando em suas fileiras por motivos vários, especialmente pelas doenças.

Procurando desvendar o futuro ou corrigir o presente incerto, há uma constante busca dos oráculos de Ifá[2] e sujeição à sabedoria dos pais e mães-de-santo. De seus conselhos ou de suas recomendações seguem-se rituais e oferendas aos deuses dos africanos.

Comportamentos passageiros alguns, tornam-se permanentes outros, com o ingresso no culto ou a frequência a eles por tempo indeterminado.

Em busca de soluções para seus problemas afetivos, enfermidades, desemprego, muitas pessoas aderem ao Candomblé, acreditando nele achar respostas imediatas, sem saber que “... o orixá não é, na realidade, a salvação da vida de alguém, não é aquele ramo de oliveira que chega sobrevoando o mundo depois do dilúvio”[3]. “Muitos estão no Candomblé por pensar que se iniciando ou fazendo trabalhos dentro da religião terão achado a mina do tesouro, ou que nele acharão a mina de ouro” (Jobi, entrevista, babalorixá da Casa Força e Sabedoria de Ogum e Iansã, BERKENBROCK 1999: 377).

Ao redor dos terreiros gravitam clientes.[4] Certo, estão a ver os orixás como servidores e o Candomblé como a solução do último momento.

Aos terreiros e roças afluem outros negros, mestiços, mas principalmente brancos. A necessidade cria uma nova fé. Através da religião recria-se uma hierarquia de poder, consagra-se novo tipo de prestígio social, tendo como ápice o sacerdote ou a sacerdotisa legitimados pelo conhecimento que lhes outorgaram os orixás. Consolida-se nos comportamentos a birreligiosidade típica da maioria dos brasileiros, quebrando a possível homogeneidade étnica e cultural da religião dos orixás.

O universalismo, utopia nascida na Ilustração, concretizada nas Revoluções Francesa e Americana, traduzida politicamente nas instituições democráticas, só se realiza eliminando diferenças e silenciando vozes discrepantes. (SEMPRIN 1999) Impossível sua realização pela resistência negra aos valores majoritários. Com o passar do tempo e as mudanças que ele impôs, criaram-se outros espaços sociais.

Hoje se define, nitidamente, um processo de reafricanização[5] reafirmando-se as origens regionais e míticas da cultura e da religião, e curiosamente, outro processo o da africanização, com a absorção dos brancos pela cultura negra através do Candomblé. Então a africanidade foi descoberta. Primeiro pela intelectualidade estrangeira: Ruth Landes, Melville Herkovits, Franklin Frazier, Stefania Capone. A mística africana foi valorizada e incorporada por Roger Bastide, Pierre Fatumbi Verger, Juana Elbein dos Santos e, mais recentemente, por Reginaldo Prandi, Antonio Pieruci e Vagner Silva. Seguiu-se a legitimação pela nova estética criada pela classe média das grandes metrópoles e a consagração na música, na dança, nas artes.

A reafricanização pressupõe o retorno deliberado à Tradição, com o estudo da língua, dos mitos, dos ritos, inclusive pela Academia. Houve uma busca pela África, não para se tornar negro ou africano ou para reaver o berço perdido, mas para recuperar o patrimônio cultural. Aqui se inserem as ligações que foram e vem sendo mantidas entre sacerdotes e sacerdotisas das casas tradicionais da Bahia e líderes religiosos da África. É o caso, por exemplo, da Mãe Senhora com o Ataojá de Ogbo, há alguns anos, e o de ligações atuais como as de membros da Casa Branca ou do Opô Afonjá, de Salvador. (LIMA 1959: 11)

Salvador é procurada por muitos africanos interessados nos ritos e nas cerimônias que o Brasil conservou e a África esqueceu.

A sociedade majoritária pressionou, buscando utopicamente alcançar o universalismo cultural. Primeiro a Igreja, que ora identificava os cultos negros com o satanismo, ora neles punha o alvo de sua catequese visando à integração no Catolicismo e na ibericidade. Depois o Estado, pela força policialesca, desencadeando perseguições e instalando processos à revelia das leis que desde 1891 garantiam a livre escolha e prática da religião. Ações frustradas. No passado o Catolicismo, como cultura de inclusão, hegemônica, impôs alguns valores, mas não conseguiu obstar o negro de manter duplo compromisso religioso.[6] Assim as religiões afro foram, em certo sentido, dependentes do Catolicismo, mas em geral só nas aparências. Essa situação só apresentou rupturas nos dias contemporâneos quando “... a sociedade brasileira não precisa mais do Catolicismo como a grande e única fonte de transcendência que possa legitimá-la e fornecer-lhe os controles valorativos da vida social”. (PRANDI 1999: 97)

Estribando o universalismo, a igualdade, que tão pouco se ausenta da realidade étnica e religiosa do Brasil. É paradoxalmente discriminatória. Prova-o o acesso não equalizador do negro e dos candomblecistas ao espaço profissional e social.

Restrições, discriminações e preconceitos ferem os que adotam o Candomblé ou aqueles que pelo seu estudo se interessam, convencidos que a sua filosofia não é uma filosofia bárbara e sim um pensamento sutil ou de que não se pode compreender o país ignorando outras formas de espiritualidade além da cristã. Contradições e paradoxos de uma sociedade que se professa universalista, mas é, de fato, monocultural e confronta-se com o impasse da expansão e de uma diversificação real.

Depois de 1960 as religiões afro reencontraram-se com a sociedade brasileira no campo das artes, alimentando a cultura popular com o seu patrimônio convertido em arte profana para o consumo das massas (PRANDI 1999: 97). Além do mais, são comercializadas, servindo ao turismo. Não obstante, gradativamente vêm sendo reconhecidas.

O Candomblé é hoje uma religião aberta a todos, sem exclusão de gênero, sexo, origem social ou religiosa, negando o sincretismo. Retirar do Candomblé os elementos católicos faz parte do retorno às origens, da recusa às condições de escravatura, às condições do passado, embora ainda haja resistências em certos segmentos do povo de santo preso a costumes tradicionais. A justificativa pode estar nas declarações dadas por Expedito de Paiva, axogun de Omulu:

As pessoas que são feitas, que são confirmadas, que fazem parte do Candomblé, o orixá não aceita que tal pessoa seja evangélica, faça parte de nenhuma doutrina secreta como a maçonaria, a esoteria. O orixá não aceita. Perguntar o porque, o orixá não diz. Só diz que não aceita. Agora ele aceita também, não sei o por que que a pessoa possa fazer parte da religião católica, possa ir à igreja, possa ir à missa, possa confessar, possa fazer o que for dentro da Igreja Católica. Isto são fundamentos ancestrais e só cabe a eles. O orixá falou para nós e pronto, aquele assunto não se discute mais. (E.P. apud BERKENBROCK 1999: 423)

Se nas regiões de origem – Bahia, Pernambuco, Maranhão – o Candomblé é majoritariamente uma religião de negros, no resto do país já não o é. Mantém, é certo, uma imagem de culto de mistérios e segredos, o que alimenta o imaginário e realimenta os preconceitos, mas insiste em proclamar que nada tem a esconder ou a reprimir com relação a si própria e aos demais. “Agência de serviços mágicos oferece aos não devotos possibilidades de encontrar soluções para problemas não resolvidos, sem envolvimento com a religião”. (PRANDI 1999: 108)

Através do Candomblé se pode enxergar a sociedade feita de diferenças e multiplicidades na qual há deuses cultuados em relação com as necessidades dos indivíduos, deuses que com eles se comunicam diretamente.[7]

Considerações finais

O multiculturalismo concentra-se no problema da diferença vista como um valor em si, na medida em que permite ao homem distanciar-se dele mesmo e comparar sua identidade a outros modelos identitários. Disto resulta a consciência da alteridade e a preocupação com o olhar do outro que desliza da aceitação à desvalorização sistemática. Muitas vezes, palavras atitudes e comportamentos traduzem formas cotidianas de discriminação, de depreciação.

Os problemas identitários constituem face do multiculturalismo. A identidade étnica e religiosa é relativamente homogênea, mais simbólica do que histórica, em certo sentido assente no processo de marginalização que por quatro séculos atingiu os negros e os afrodescendentes, agregando-os em grupos. Grupos que só muito recentemente se tornaram ativos.

Diferentes da sociedade majoritária, resistentes às pressões do monoculturalismo em suas intenções de assimilação e imobilidade, negros e afrodescendentes são hoje testemunhos de uma permanência do passado que privilegiou tal diferença. Mas são também, dentro da dinâmica da sociedade contemporânea, a expressão da mudança da sociedade e do Candomblé.

Ultrapassada está a fase de conformidade e ajustamentos sociais, quando qualquer tentativa de afastamento da escravidão implicava na inclusão no mundo dos brancos. Significava ser católico para ser brasileiro. A inserção no espaço maior era a exigência para a identidade nacional. Ultrapassadas também, na dinâmica da vida hodierna, as reivindicações identitárias calcadas numa estratégia de vitimização, numa cultura de reclamações. A consciência negra e religiosa procede a outros ajustamentos. Só que estes não mais são feitos a partir de uma autoestima depreciativa e sim na busca da definição de um espaço social como um direito.

O Candomblé se expande. Passa a ser sem fronteiras em seu território, sem ser, contudo, universal, no sentido da religião que se pretende única, como o Catolicismo, o Protestantismo clássico e o Islamismo. Ganha espaços e mercados, dando relevo à sua face mágica tão útil ao imediatismo ora vigente. Aqui se insere o fenômeno da circulação transnacional das religiões afrobrasileiras, não elidindo um enraizamento local. É um outro aspecto de sua atuação social que não elide o religioso. Este se configura em outros moldes.[8]

O Candomblé lança mão da propaganda, principalmente através da mídia, em busca da identificação e endosso de valores. Populariza a cultura e lhe dá legitimação teórica ao conquistar maior visibilidade social e cultual.

A religião do Candomblé se impõe a muitos, constituindo um outro universo, impondo dentro de seus limites a sua hierarquia, os seus códices de valor. Através dela se afirmam elementos culturais africanos para os não negros e até para os não devotos. Reinstala-se a alteridade cultural, mas já em outros feitios.

Mudaram as posições das instituições de vanguarda do monoculturalismo. No Brasil, por orientação da política metropolitana e depois, pelas pressões do Sylabus de Pio IX, houve reações, proibições e rejeições a credos diferentes do Catolicismo. Lugar de destaque teve como alvo os cultos afro que sempre quebraram a possibilidade de um Catolicismo partilhado por todos.

Na contemporaneidade foi necessário negociar com a Igreja Católica o reconhecimento do direito à alteridade de crença. Isso se tornou possível com a desterritorialização da Igreja de Roma precedida por sua flexibilidade no Concílio Vaticano II, que permitiu a abertura dos católicos para outras religiões cuja legitimidade é reconhecida como relevância teológica. A Declaração Nostra Aetate reconhece a verdade, ainda que parcial, fora da Igreja. Em Santo Domingo (IV Assembleia Geral) declara-se a possibilidade de diálogo com as religiões afroamericanas: o Vodum, o Candomblé, a Santería e a Umbanda. Explicitadas no Documento de Consulta e na Secunda Relatio são nominalmente mencionadas como religião, avanço em relação às Declarações de Puebla que falavam em formas religiosas e para religiosidades. Como pano de fundo, no entanto, a questão ainda aberta do Cristianismo inculturado.

As experiências religiosas dos povos e as diferentes religiões como expressões legítimas dessas experiências são reconhecidas. Ultrapassa-se o puro relacionamento humano numa posição teologicamente relevante.

O exemplo do Candomblé fica a demonstrar a existência na sociedade brasileira de formas multi e monoculturais coexistindo em vários aspectos da própria religião afrobrasileira. Fica a comprovar que, historicamente, as mudanças têm ritmo e não se processam de maneira acabada. São frutos das ações humanas que são muitas vezes contraditórias, por não poder, pela sua própria essência, ser perfeitamente lógicas.

Bibliografia

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Notas

[1] A epistemologia multiculturalista pode ser esquematizada nos seguintes pontos: a realidade é uma construção, os valores são relativos, as interpretações são subjetivas, o conhecimento é um fato político. (SEMPRIMI 1999: 82-83). A epistemologia monocultural, (Searle 1995: 28-48), defende a realidade com existência independente das representações humanas e da linguagem, a verdade como uma questão de precisão de representação, o conhecimento objetivo. Defende ainda a redução do sujeito às suas funções intelectuais e cognitivas, uma dissociação dos fatores culturais e simbólicos da vida coletiva e o orgulho pela conquista do pensamento ocidental.

[2] Grande orixá da adivinhação. É a palavra de Orumilá, um dos títulos do Deus supremo. É o mensageiro de luz. Preside o jogo dos búzios. Segundo o mito, Ifá tem 16 olhos, correspondentes às portas do futuro. (Cacciatore 1988)

[3] Dica de Omulu, babalorixá da Casa Ilê de Sapata Obaluaiyê. Rio de Janeiro. (BERKENBROCK 1999: 411)

[4] A palavra cliente se generalizou para denominar aqueles que pedem ajuda aos pais e mães de santo. Ocorre uma transposição do econômico para o campo da religião.

[5] O processo de reafricanização, segundo Braga (1988: 81), teve início após a Abolição, com o retorno à África de muitos, movidos por um sentimento de fidelidade às origens.

[6] Desse duplo compromisso restam práticas que enlaçam atos praticados na igreja ao Candomblé, como os que ainda se mantém no momento da iniciação das yaôs. O exemplo mais significativo que ainda perdura é o da Irmandade da Boa Morte, na cidade de Cachoeira, no recôncavo baiano.

[7] Segundo Berkenbrock (1999: 355-356), a crítica do Candomblé ao Cristianismo reside na proximidade de Deus que nele é vista mais como distância. Naquele os orixás estão mais perto e respondem diretamente aos pedidos dos fiéis. E o orixá fala. Fala de suas probabilidades, de sua vida. O fiel recebe uma orientação direta a partir da experiência religiosa sobre como ele deverá se comportar para ser ouvido em seu desejo. Se o cristão se esforça pela oração e meditação para elevar sua alma a Deus, no Candomblé os orixás descem até as pessoas para entrar em contato com seus filhos.

[8] O batuque, que do Rio Grande do Sul se expandiu para os países do Cone Sul, por exemplo, conserva nessa área o idioma yorubá, mas reduziu os orixás cultuados para 12: Bará, Ogum, Oyá, Xangô, Odé, Ossanha, Obá, Xapanã, Bedji, Oxum, Iemanjá e Oxalá. Ver ORO 1999.