Editorial - REVER março, ano 9, 2009

Religiões Afro-brasileiras: diálogos culturais e hibridações

Os artigos presentes na edição de REVER foram apresentados no III Simpósio Internacional sobre Religiosidades, Diálogos Culturais e Hidridações, realizado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / CCHS / DHD, em Campo Grande, de 21 a 24 de abril de 2009. Dentre os diversos GT’s propostos no Simpósio, o Grupo de Pesquisa – Diáspora e Matrizes Africanas - apresentou como proposta o GT intitulado Religiões afro-brasileiras: diálogos culturais e hibridações. O GT teve como proposta apontar permanências, rupturas e evoluções, bem como o diálogo com outras religiões no passado e na atualidade, especialmente no que diz respeito aos aspectos culturais presentes nas religiões afrobrasileiras, que são faces do legado histórico das religiões que os africanos e afrobrasileiros formaram na sociedade brasileira. Chamou nossa atenção a diversidade existente em relação ao tema da religiosidade e das religiões afrobrasileiras, não só no que diz respeito às suas expressões, mas também ao quanto elas estão presentes em todo território brasileiro.

Como tivemos a inscrição de mais de trinta trabalhos, para compor o presente número selecionamos alguns, apresentados durante o evento, que contemplassem a diversidade e a riqueza das expressões afrobrasileiras, já que ainda mantemos a nossa intenção de relacionar a experiência da diáspora com alguns dos produtos religiosos desenvolvidos em solo brasileiro, resultado de diferentes diálogos culturais e hibridações. Focalizamos, portanto, o mundo das mediações religiosas, isto é, os processos de formação, de interpretação, de organização e de desenvolvimento, no que se refere aos comportamentos, às linguagens, aos símbolos e aos rituais presentes nessas religiões. Tais aspectos são entendidos como produções simbólicas, geradas no interior da cultura, consequência de determinado momento histórico. O número da revista encontra-se organizado da seguinte maneira:

No artigo “Espaços de hibridações e diálogos culturais: o caso bantú”, a presença bantu tantas vezes relegada para um segundo plano nos estudos da religiosidade afrobrasileira na diáspora é resgatada por Malandrino. A tradição bantu, com seu caráter híbrido e continente acolheu saberes e fazeres, em especial no campo da religiosidade. Entende-se então sua presença em várias expressões da religiosidade afrobrasileira, como por exemplo, no culto dos antepassados. A autora detecta esses processos de hibridismo antes mesmo do embarque dos escravizados para o Brasil. No diálogo com a historiografia renovada, encontra dados que dão suporte a sua proposta.

Já no texto de Mirian Tesseroli, “Algumas reflexões sobre a organização social da Mina maranhense e do Ketu em Belém do Pará”, a autora quer responder uma questão: qual a organização social da mina maranhense e do Ketu em Belém do Pará? Dada a complexidade da questão, busca, através de sucessivas aproximações, esclarecê-la. Entre os temas estudados estão o da autorrepresentação dos clãs iorubanos no Brasil, a delicada questão do incesto e do homossexualismo, a da instituição do casamento e o do peso da escravidão na organização familiar. De posse dessas informações, visualiza a organização social das casas.

Sonia Apparecida Siqueira, em “Multiculturalismo e religiões afrobrasileiras. O exemplo do Candomblé” afirma que o multiculturalismo é uma nota característica da sociedade brasileira, nota esta que tem reflexo direto nas religiosidades. As religiões afrobrasileiras, em particular o Candomblé, cedo se fizeram presentes no país. Num contexto multicultural, era de se esperar uma vivência tranquila das religiosidades afrobrasileiras. Ledo engano: a visão monoculturista dos senhores e da elite entrou em choque com a diversidade cultural e religiosa. Daí, a proposta de autora de um resgate da visão multiculturalista, que possibilita um diálogo no âmbito nacional e internacional.

Na esteira dos estudos culturais, Louzada, em “Candomblé e Umbanda na cidade de Goiânia em perspectiva pós-colonial”, olha para o Candomblé e a Umbanda presentes na cidade de Goiânia com uma intencionalidade bem definida: analisar as relações entre a racionalidade ocidental e saberes subalternos. Tendo presente o dado histórico do encobrimento e da hibridez procura desvelar a dinâmica da colonialidade do poder. Artigo de cunho analítico, que abre um fecundo diálogo com os estudos culturais, deixando transparecer uma clareza conceitual.

Por fim, Bruno Faria Rohde escreve “Umbanda, uma religião que não nasceu: breves considerações sobre uma tendência dominante na interpretação do universo umbandista”. A preocupação do artigo é entender como as práticas e crenças umbandistas são interpretadas, tendo presente o seu processo histórico de constituição. Para o autor, tanto adeptos quanto estudiosos da Umbanda tem uma compreensão baseada numa “lógica identitária restritiva”. Essa perspectiva não capta a riqueza do fenômeno religioso umbandista.

Acreditamos que os artigos apresentados chamam a atenção para a riqueza do campo religioso afro e para os desafios que a pesquisa levanta. Conhecer um pouco mais dessa religiosiodade-matriz de nosso modo de ser equivale à predisposição a uma convivência mais respeitosa no meio dessa pluralidade de fés que sempre caracterizou a nação brasileira.


Ênio José da Costa Brito[1] ()

Brígida Carla Malandrino[2] ()

Nota

[1] Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC-SP e líder do Grupo de Pesquisa Diáspora e Matrizes Africanas.

[2] Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC-SP e docente da Universidade Bandeirante de São Paulo.